Desconstruindo ideologias jurídicas, o trabalho propende estabelecer como se enquadra no ordenamento jurídico pátrio a previsão constitucional da “anterioridade do exercício financeiro”, instituído no artigo 150, III, “b”, da Carta Magna de 1988, o qual veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
A terminologia do direito pode ser entendida de duas formas, a primeira voltada ao campo da subjetividade, quando temos a faculdade de exigir um determinado comportamento do outro à luz dos princípios, e na objetividade, diante de uma norma estabelecida legalmente.
Quando o Direito ganha status de sistema, de ordenamento jurídico, é imprescindível decifrá-lo para sua correta aplicação, bem como para evitar possíveis incongruências jurídicas e não efetividades.
A lei é um dos elementos que compõem o sistema jurídico do direito positivado, cujos instrumentos são as normas que determinam padrões de comportamento por meio da utilização de sanções pelo não cumprimento de suas determinações, uma vez que editada pelo legislador com vistas à ordem, já os princípios, com caráter de ideologia jusnaturalista, acreditam que as normas devem vir de um ser superior, através dos mandamentos, de um direito natural, eterno, inalterável pelo legislador e voltado ao justo.
As normas jurídicas são gêneros, das quais são espécies as leis e as regras. São comandos genéricos e universais, sabiamente professados por Rizzato Nunes:
A norma jurídica é um comando, um imperativo dirigido às ações dos indivíduos – e das pessoas jurídicas e demais entes. É uma regra de conduta social; sua finalidade é regular as atividades dos sujeitos em suas relações sociais. A norma jurídica imputa certa ação ou comportamento a alguém, que é seu destinatário. (2003, pg.179)
Como visto, a norma constitui um mecanismo abrangente de organização da estrutura estatal para que seus súditos e ele próprio se moldem a determinados padrões pré-determinados e ao final lograr êxito na conduta almejada. Ela conduz os limites e as liberdades de suas vontades como a forma de erradicar o desvio de finalidade a que a mesma se propõe.
Os princípios são frutos do conhecimento histórico, da observação das necessidades sociais para superar as crises de convivência harmônica e pacífica em diversos seguimentos da sociedade, bem como para transpor as crises econômicas. Percebemos que alguns são tão ligados à consciência humana que não precisam estar escritos em textos legais para adquirirem força cogente. Atesta Paulo de Barros Carvalho em seu livro Curso de Direito tributário “Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença” (2010, pg. 126).
Apesar de o Direito ser um único corpo, ele é dividido em várias disciplinas que favorecem a sua especificação e estudo pormenorizado, sobremodo, quanto ao conhecimento e à aplicabilidade de determinadas normas ou princípios. Obviamente sabemos que a sociedade evolui e as verdades normativas ou princípiológicas de outrora podem já não ser as atuais, há uma constante mudança de valores, carentes de reflexão para que possamos conhecer melhor suas aplicabilidades, assim como seus efeitos.
A formação do conhecimento, não incomum, é alicerçada por deduções e distorções das nossas construções individuais, adquiridas viciosamente pelas premissas demonstradas por outrem como conclusões científicas, estas ideologias tendem a uma uniformização do raciocínio lógico nos dificultando os questionamentos.
Esta falsa idéia de consciência passou a ser suprimida pelos ideais marxistas, os quais pontuavam suas origens nos interesses e conveniências daqueles que administravam a vida social. Para que haja uma extinção destes negativos ranços culturais faz-se necessária a reflexão que sabiamente explana Roberto Lyra Filho:
No esforço para nos libertarmos desses condicionamentos floresce, por outro lado, uma conscientização, favorecida, em seu impulso crítico, pelas crises que manifestam as contradições da estrutura social, onde primeiro surgiram as crenças, agora contestadas ou de contestação viável (se não nos acomodamos na alienação, desligando a mente do que vai ser em torno). O grau desta conscientização, a sua própria coerência e persistência dependem sempre do nosso engajamento numa práxis, numa participação ativa conseqüente. (1999, pg. 22)
A anterioridade do exercício financeiro, a exemplo, presente no Direito tributário, sua idéia primordial é proteger o contribuinte contra a imediata aplicação das normas que aumentem ou criem ônus tributário, a partir da data da publicação da lei com este objetivo, garantindo ao contribuinte o tempo necessário ao seu planejamento financeiro.
Por demarcar o campo, o modo e a intensidade de atuação do poder de tributar nacional, sua importância é tão valiosa contra o arbítrio do poder estatal ou lesão ao contribuinte, que seu status deixa de ser um princípio para abranger algo com maior força impositiva, uma norma, com característica abrangente, que serve de embasamento à construção de outras leis, cujas validades e eficácias restam condicionadas à sua observância.
Neste contexto, é vivaz observar os ensinamentos de Luciano Amaro:
... a Constituição (brasileira) fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto de princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações do poder de tributar. A face mais visível das limitações do poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias.
Reconhecemos que um Direito coerente, pautado no desígnio e na globalidade a que se destina a perspectiva jurídica, não pode e nem deve estar isolado em campos de atuação do corpo legislativo positivado, entretanto, o fato de um preceito estar escrito é a explicitação normatizada daquilo que o instituiu, um princípio.
Em análise à Constituição Federal de 1988, concluímos que ao impor limite ao poder de tributar, o constituinte determinou freios à competência estatal, explicitou a anterioridade do exercício financeiro como uma norma de eficácia plena, que não depende de qualquer regulamentação posterior para a sua aplicação, além de fazer proibição à lei tributária.
Diante do exposto, entendemos a anterioridade do exercício financeiro como uma norma vigente no Direito Tributário, instituída no capítulo pertinente ao Sistema Tributário Nacional, com caráter absoluto e não passível de qualquer relativização, salvo por Emenda Constitucional ou pelo Poder Constituinte Originário, cuja força imperativa é relevante e voltada às satisfações das ideologias justanuralistas (o justo) e às legalistas (a ordem).
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. – 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Ed. Método, 2010.
ANGHER, Anne Joyce. Organização. Vade Mecum Acadêmico de Direito. -8ª ed. – São Paulo: Rideel, 2009.
LYRA FILHO, Roberto. O Que é Direito. –São Paulo: Brasiliense, 1999. – (Coleção Primeiros Passos; 62).
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