I – INTRODUÇÃO
Em meados do século XX, surgiu um movimento de retorno aos valores (sem voltar ao jusnaturalismo), com a reaproximação do Direito com a Ética e a valorização da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Tal movimento restou denominado “Constitucionalização do Direito”.
Há um razoável consenso de que o marco inicial do processo de constitucionalização deu-se na Alemanha, no chamado “Caso Lüth”, que discutiu a liberdade de imprensa de um jornalista judeu, chamado Eric Lüth, no boicote ao filme de um cineasta “ex-nazista”.
A partir das discussões proferidas pelo Tribunal Constitucional Alemão e dessa aproximação do Direito com a Ética e a Moral no pós-guerra, a doutrina costuma apresentar três fatores de tal fenômeno: 1) redemocratização, 2) controle de constitucionalidade mais abrangente e 3) constitucionalização eficaz. Verificou-se uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos Tribunais a sua instância decisória final.
II – A QUESTÃO DA DEMOCRACIA
Para se ater ao tema, analisa-se o primeiro fator: O que seria democracia?
Tem origem na palavra grega “demos”, que significa povo. Democracia seria regime de governo em que o povo é o legítimo dono do poder, que o exerce, direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos.
Mas o que se percebe, na atualidade, seria de fato, democracia?
Diz Ana Paula de Barcellos (1), que ao longo dos tempos, muitos sentidos têm sido atribuídos ao conceito de democracia e quase todos os regimes políticos, ainda os mais severos, afirmam ser democráticos, independentemente de suas práticas internas.
Um conteúdo mínimo à democracia, continua a autora, seria o controle social, visto sob 2 categorias: 1) puro, que ocorre no momento das eleições de seus representantes e 2)com repercussões jurídicas, quando o povo atua sobre as ações dos agentes públicos.
O voto, apesar de consagrado como cláusula pétrea na Constituição de 1988, não vem sendo exercido de maneira tao eficaz. Muitos por acreditarem que apenas o seu voto não fará a diferença, outros por acreditarem que não têm opção honesta.
Já a atuação prática do povo sobre as ações dos agentes públicos pode ser vista de diversas formas: ação popular (Lei nº4.717/65); orçamento participativo (Lei Complementar nº 101/05) etc; porém, atente-se ao controle social democrático em matéria de políticas públicas.
III – A REDEMOCRATIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO: CONTROLE SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Como dito, o processo de redemocratização reforçou o entendimento de jusfundamentalidade da dignidade da pessoa humana. No Brasil, o fenômeno surgiu com a Constituição de 1988. Todo esse processo limitou a discricionariedade da Administração Pública, impondo-lhe um dever de atuação, não só pautado na obrigatoriedade, mas também na eficiência. Não basta fazer, deve realizar eficientemente.
Diogo de Figueiredo (2) defende como paradigmas da “nova” Administração Pública: legitimidade, finalidade, eficiência e resultados. A legitimidade, fundamento de importância para o presente trabalho, foi desenvolvido pelo autor como princípio que deriva da “vontade democraticamente expressa”, positivada ou não. Harmoniza os interesses da sociedade e as expressões políticas.
Longe das submissões da Idade Média ou omissões em períodos ditatoriais, o povo aprendeu a demonstrar sua vontade, a fiscalizar seus representantes, a buscar seus direitos. Não se alcançou o ponto ótimo da democratização, mas avança significativamente.
Daniel Sarmento (3), ao tratar da “Constitucionalização do Direito”, defende que o exagero no processo de “judicialização de políticas públicas” demonstra um risco para a sociedade. Assim diz o autor: “Devemos atentar para o discurso perigoso de que voto e política não são tão importantes, pois relevante mesmo é a interpretação dos princípios constitucionais realizada pelo Supremo. Daí dizer que o povo não sabe votar é um pulo, e a ditadura da toga não pode ser muito melhor que a ditadura da farda”.
De fato, o exagero em matéria de “judicialização” acaba por reprimir o controle social, que buscará sempre a atuação do Judiciário, como um poder supremo, livre de críticas. Contudo, lembra Vanice Lírio do Valle (4), que a principal crítica à potencialidade do controle social como mecanismo de decisão em políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos fundamentais envolve, como dito anteriormente, ao desinteresse da massa.
Tal desinteresse popular surgiria a partir de dados históricos, sendo um deles a falta de informação entre a Administração Pública e seus administrados. Exemplo prático é a confusa redação do art.23 da Carta Magna. Todos os entes federativos teriam competência comum para atuar nas situações arroladas em seus incisos. Mas qual seria o competente numa ação de obrigação de fazer ou reparar? Questão difícil que desafia até os mais experientes aplicadores do Direito. Dizer que prevalece o “interesse preponderante” não vale...
A Suprema Corte tem estabelecido parâmetros a serem observados, que facilitariam o agir social em matéria de políticas públicas. Longe de se imiscuir na “escolha trágica” de prioridades a serem estabelecidas pela Administração, o Pretório Excelso tem decidido a favor de direitos sociais relacionados à saúde e educação. Para assegurar tais direitos, entende o STF, não adianta alegar a chamada “reserva do possível”. O orçamento deve destinar parte de seus recursos para a garantia desses “direitos fundamentais sociais”.
Mesmo dessa forma, é muito fácil encontrar grandes tensões entre as demandas sociais e a priorização feita pelo Administrador Público.
Aduz Vanice, que a proposta é a de que a participação popular torne-se verdadeira fonte de direito administrativo, seja com a tradução das demandas identificadas pela sociedade e dirigidas diretamente ao Estado, seja pela proposta de soluções ainda não descobertas pela dita ciência.
V – CONCLUSÃO
O Estado pode, e deve, aprender com a sociedade.
São de extrema importância, portanto:
- A publicidade, com base na transparência, dos atos administrativos Não pode recair na publicidade pessoal do governante para fins escusos, mas para a demonstração de uma gestão responsável;
- A sindicabilidade, expandindo as possibilidades de participação popular na administração da res publica;
- A textura aberta dos direitos fundamentais, possibilitando a interpretação do Direito não apenas pelos três Poderes, como também pela sociedade, adequando-se às modificações ocorridas pelo tempo.
Se o poder emana do povo, seria contradição em seus próprios termos, renegar-lhes participação na administração pública.
VI – BIBLIOGRAFIA
(1) BARCELLOS, Ana Paula de. Papéis do Direito Constitucional no fomento do controle social democrático: Algumas propostas sobre o tema da informação. Revista de Direito do Estado n12, 2008.
(2)MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno. Belo Horizonte: Forum, 2008.
(3) SARMENTO, Daniel. Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, v. 3, n. 9, jan. 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/29044>
(4) VALLE, Vanice Lírio do. Função Administrativa e orçamento: espaço negligenciado de efetividade de direitos fundamentais. Revista Carioca de Direito, Volume I, Junho/2010.
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