RESUMO: Até que ponto o Estado pode interferir na vida privada e criar um código de conduta para felicidade? Buscando resolver tal questionamento, será exposto a origem do Estado, suas fases e ideologias, bem como os limites para sua atuação na vida privada de seus cidadãos sem interferir na busca destes pela felicidade.
Palavras Chaves: Estado, limites e felicidade.
ABSTRACT: To what extent can the state interfere in private life and create a code of conduct for happiness? Seeking to resolve this challenge, will be exposed to state of origin, its phases and ideologies, and the limits to its performance in the private lives of its citizens without interfering in the pursuit of happiness.
Keywords: state, boundaries and happiness.
1. INTRODUÇÃO.
A Constituição Federal traz em seu artigo 226 a importância da família: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”. Observa-se que pelo artigo exposto, estamos em um Estado Social, que tem interferência na vida privada e regula condutas com o objetivo de proteger a família.
Vivemos em uma época de publicização do direito privado, sendo que cada vez mais o Estado interfere na vida dos cidadãos, mas que diante da constante evolução pode vir a dar mais liberdade. Este ponto é a chave deste trabalho, pois será traçado um paralelo entre a atuação estatal e a busca pela felicidade, com foco na família, que é base do Estado.
Antes de entrar nos questionamentos, é necessário passar pela criação do Estado, suas formas e evolução, bem como sua atuação na vida da sociedade, fazendo uma síntese entre o liberalismo e o Estado Social, para que possamos concluir até onde a intervenção estatal não irá cercear a busca de seus cidadãos pela felicidade.
Quando falarmos em felicidade, estaremos questionando sua essência, o que seria a felicidade, se está já não está “embutida” na dignidade da pessoa humana, passando pela Proposta de Emenda à Constituição n. 19, de 2010 – que altera o art. 6º da Constituição Federal para considerar os direitos ali previstos como direitos sociais essenciais à busca da felicidade, e as implicações deste termo no direito de família.
Desta feita, passamos a expor o acima transcrito, buscando na atual literatura os conceitos jurídicos e na visão dos filósofos as teorias por eles defendidas, sem fugir da nossa realidade social.
2. O ESTADO
O Estado é uma sociedade política dotada de algumas características próprias e de elementos essenciais, quais sejam: o povo, que é o elemento humano, o conjunto de pessoas que mantêm um vínculo jurídico-político, pelo qual se torna parte integrante deste, também é formado pelo território, que é o elemento material, o espaço dentro do qual este exerce a sua supremacia sobre pessoas e bens, e por fim a soberania, que apesar dos vários conceitos, sobressai em duas linhas, a política: que é o poder incontrastável de querer coercitivamente e fixar competências e no sentido jurídico, que é o poder de decidir em última instância.[1]
Na clássica obra de J. J. Rousseau, Do Contrato Social, o célebre escritor fala sobre a formação do Estado e suas abrangências, especificando no capítulo II:
A mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a da família. As crianças só ficam ligadas ao pai pelo tempo necessário à sua conservação. Tão logo cesse tal necessidade, dissolve-se o laço natural. Os filhos, liberados da obediência devida ao pai, o pai desobrigado dos cuidados que devia aos filhos, retomam todos igualmente a sua independência. Se continuarem unidos, não será mais naturalmente, será voluntariamente, e a família só conservará por convenção.
Explica que é a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas, o chefe é a imagem do pai, o povo representa os filhos, e sendo todos nascidos iguais e livres, só alienaram a sua liberdade para atender à própria conveniência. Toda a diferença consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos é compensado pelos cuidados que lhe dedica, e, no Estado, o prazer de comandar supre esse amor que o chefe não sente por seus povos.
A formação do Estado que conhecemos, é explicada na citada obra e toma-se a forma de “pacto social”, um contrato implícito em que as pessoas abrem mão de certos direitos para um governo ou outra autoridade a fim de obter as vantagens da ordem social.
Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, produz este ato de asociação um conjunto moral e coletivo composto de tantos membros quanto a assembléia de vozes, que recebe a sua unidade desse mesmo ato, o seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública assim formada da união de todas as outras tomava outrora o nome de Cidade, e assume atualmente o de República ou de corpo político, que é chamado por seus membros de Estado, quando é passivo, Soberano, quando ativo, Autoridade, quando comparado aos seus semelhantes. Em relação aos associados, tomam coletivamente o nome de Povo, e se denominam em particular cidadãos como participes da autoridade soberana e, súditos, quando sujeitos às leis do estado. No entento, esses termos frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-los quando empregados em toda a sua precisão.
Com o decorrer dos tempos, o Estado atravessou diversas fases (para facilitar a exposição, utilizaremos a classificação do nobre autor Dalmo de Abreu Dallari – Elementos da Teoria Geral do Estado), tais como o Estado Antigo, que são as formas de Estado mais recuadas no tempo, que apenas começavam a definir-se entre as antigas civilizações do oriente propriamente dito ou do Mediterrâneo, sendo que a família, a religião, o Estado, a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente.
O Estado Grego, classificação atribuída a todos Estados que nasceram entre os povos helênicos, tinha como característica fundamental a cidade-Estado, ou seja, a polis, como a sociedade política de maior expressão. O ideal visado era a auto-suficiência, a autarquia, dizendo Aristóteles que “a sociedade constituída por diversos pequenos burgos forma uma cidade completa, com todos os meios de abastecer por si, tendo atingido, por assim dizer, o fim a que se propôs”.
Já no Estado Romano, assim como no Estado Grego, durante muitos séculos, o povo participava diretamente do governo, mas a noção de povo era muito restrita, compreendendo apenas uma faixa estreita da população. Como governantes supremos havia os magistrados, sendo certo que durante muito tempo as principais magistraturas foram reservadas às famílias patrícias.
O Estado Medieval, marcado pela participação ativa da igreja, foi para muitos um período negro na história da humanidade, pois as guerras, cruzadas assolavam a população, a ordem era sempre bastante precária, pela improvisação das chefias, pelo abandono ou pela transformação de padrões tradicionais, pela presença de uma burocracia voraz e quase sempre todo-poderosa, pela constante situação de guerra, e, inevitavelmente, pela própria indefinição das fronteiras políticas.
As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno, as quais já foram expostas no primeiro parágrafo deste capítulo, sendo o que hoje conhecemos por Estado.
Assim, após ser exposto a definição de Estado, bem como seu surgimento e evolução, passamos a questionar seu papel na vida do cidadão, na sua vida familiar.
3. LIMITES DA ATUAÇÃO ESTATAL
Ainda na época do Estado medieval, a burguesia se via oprimida pelo poder absolutista e pela intervenção da igreja, porém um novo ideal surgia com os pensadores da época, seria um Estado Liberal, onde haveria uma intervenção estatal mínima.
O Liberalismo é um sistema político-econômico baseado na defesa da liberdade individual, nos campos econômico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal, preconizava a intervenção mínima do Estado na vida social, considerando a liberdade contratual um direito natural dos indivíduos.
Adam Smith, na célebre obra “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776, sustentava que cada homem é o melhor juiz de seus interesses e deve ter a liberdade de promovê-los segundo a sua livre vontade. Afirmando a existência de uma ordem natural, capaz de assegurar a harmonia espontânea de todos os interesses, Adam Smith condena qualquer intervenção do Estado.[2]
Nesta mesma linha Stuart Mill, na sua obra “Da Liberdade”, defende que o “indivíduo é melhor árbitro de seus interesses do que o Estado, não podendo haver mal maior do que permitir que outra pessoa julgue o que convém a cada um. Assim, qualquer erro que alguém cometa, consciente ou inconsciente, não produz tanto mal quanto a submissão ao Estado.
Este Estado Liberal trouxe diversos benefícios: houve um progresso econômico acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial; o indivíduo foi valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo a ideia do poder legal em lugar do poder pessoal. Em contrário senso, a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo, que ignorou a natureza associativa do homem e deu margem a um comportamento egoísta, altamente vantajoso para os mais hábeis,mais audaciosos ou menos escrupulosos.
Dessa forma, vê-se que no Estado Liberal a intervenção mínima gerou uma grande diferença entre classes, pois a partir do momento em que o Estado não presta auxílio aos mais necessitados, como a população conseguiria ter dignidade de vida, se somente aqueles mais privilegiados teriam condições de arcar com os custos de uma vida digna.
Assim, a total liberdade do cidadão não trouxe grandes benefícios para as famílias, muito pelo contrário, marginalizou e excluiu ainda mais os necessitados.
Observando a formação de grandes proletariados e marginalização da maior parte da população, novos ideais surgiram, o socialismo na Rússia, e a implantação de um Estado Social em outros países, tendo como marco a Constituição de Weimar. Em 1932, Franklin Roosevelt é eleito presidente dos Estados Unidos, encontrando o povo em situação desesperadora. Enfrentando a resistência dos empresários e dos tradicionalistas, Roosevelt lançou seu programa de governo conhecido por New Deal, que era, na realidade, uma política intervencionista. Desta forma, o Estado procura proteger os homens contra a arbitrariedade, e não dirigi-los arbitrariamente.
No Brasil, ao longo dos anos 70 e 80, foram implantadas diversas políticas assistencialistas o que levou a ápice com a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada por muitos como a Constituição Cidadã.
A Constituição foi extremamente protetiva, pois saíamos de um período negro de nossa história, e o povo necessitava de ações que resgatassem sua auto estima e os defendessem de arbítrios governamentais.
O Estado passou a tutelar e intervir na vida pessoal o que hoje gera uma publicização do direito privado, a Constituição passou a irradiar seus princípios sobre a vida privada e o Estado passou a intervir cada vez mais na vida privada.
Porém, até que ponto deve o Estado intervir na vida de seus cidadãos?
Conforme exposto acima, a plena liberdade gerou uma grande diferença entre as classes e a marginalização da grande maioria, sendo que estes ficavam sem assistência, já no Estado social, a intervenção estatal é de tal forma que está se criando um quantidade enorme de leis que visam tutelar todas as condutas sociais, ou seja, o Estado está criando um padrão de conduta para o seu cidadão.
O limite para atuação estatal é a liberdade pessoal, não aquela vista no Liberalismo, mas o respeito as decisões e a dignidade da pessoa humana, é o respeito as decisões e convicções pessoais que visem a felicidade, a vida digna.
A conceituadíssima ex-desembargadora do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e hoje advogada Maria Berenice Dias, no seu artigo “A nova lei do divórcio e a felicidade”[3], termina seu comentário sobre a nova lei do divórcio com as seguintes palavras:
Mas, de tudo, o aspecto mais significativo da mudança que se avizinha talvez seja o fato de que o Estado acabar uma injustificável interferência na vida dos cidadãos. Enfim passa a respeitar o direito de todos de buscar a felicidade que não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, com o seu fim.
Ora, conforme exposto, o Estado deve antes de mais nada respeitar a dignidade do ser humano e buscar a essência dessa dignidade.
Tal princípio ganhou a sua formulação clássica por Immanuel Kant, na "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" (título original em alemão: "Grundlegung zur Metaphysik der Sitten", de 1785), que defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos), e que assim formulou tal princípio: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade."
A limitação estatal deve ter como base o que o cidadão espera de digno para ele, deve quebrar dogmas e questionar o que o povo necessita e não tomar as decisões por ele.
4. A BUSCA PELA FELICIDADE
Não é de hoje que o conceito felicidade é empregado nas disposições legais, filósofos já desafiaram conceituar, constituições já elevaram a objetivo, mas a felicidade é a base familiar?
Para Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, felicidade é a finalidade da natureza humana[4], e completa ressaltando que a felicidade depende dos bens exteriores para ser realizada. Segundo definição do Dicionário Aurélio, felicidade é: s.f. Estado de perfeita satisfação íntima; ventura. / Beatitude; contentamento, grande alegria, euforia, grande satisfação. / Circunstância favorável, bom êxito, boa sorte, fortuna.
Por tais definições, podemos extrair que a felicidade é o bem estar pessoal, uma satisfação, seja ela momentânea, seja ela duradoura.
No Brasil, nossa Magna Carta não garantiu expressamente a felicidade como direito fundamental, porém está tramitando no Senado o Projeto de Emenda da Constituição n. 19 de 2010, que pretende alterar o artigo 6º e incluir o direito à busca da Felicidade como direito social.
O Projeto é de autoria do Senador Cristovam Buarque e o mesmo justifica citando como elementos históricos a Declaração de Direitos da Virgínia (EUA, 1776), onde outorgava-se aos homens o direito de buscar e conquistar a felicidade; na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) há a primeira noção coletiva de felicidade, determinando-se que as reivindicações dos indivíduos sempre se voltarão à felicidade geral. Que hoje, o Preâmbulo da Carta Francesa de 1958 consagra a adesão do povo francês aos Direitos Humanos consagrados na Declaração de 1789, dentre os quais se inclui toda a evidência, à felicidade geral ali preconizada.
Ainda:
A busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade
coletiva. Há felicidade coletiva quando são adequadamente observados os itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, justamente os direitos sociais – uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, dentre outros.
...
Todos os direitos previstos na Constituição – sobretudo, aqueles tidos como fundamentais – convergem para a felicidade da sociedade. É assegurado o direito à uma vida digna, direito esse que pode ser tido como fundamental para que a pessoa atinja a felicidade. Também a vida com saúde é fator que leva felicidade ao indivíduo e à sociedade. Uma adequada segurança pública implica em uma vida mais feliz, indubitavelmente. E assim ocorre com um sem-número de direitos encartados na Constituição.
Os critérios objetivos da felicidade podem, no contexto constitucional, ser
entendidos como a inviolabilidade dos direitos de liberdade negativa, tais como aqueles previstos no artigo 5º (variantes da vida, ao Estado prestacional – os direitos sociais, como os preconizados liberdade, igualdade, propriedade e segurança), além daqueles relacionados no artigo 6o do Texto Constitucional. O encontro dessas duas espécies de direitos – os de liberdade negativa e os de liberdade positiva - redundam, justamente, no objetivo da presente Proposta de Emenda à Constituição: a previsão do direito do indivíduo e da sociedade em buscar a felicidade, obrigando-se o Estado e a própria sociedade a fornecer meios para tanto, tanto se abstendo de ultrapassar as limitações impostas pelos direitos de égide liberal quanto exercendo com maestria e, observados os princípios do caput do artigo 37, os direitos de cunho social.
O que se vê é novamente o Estado participando da vida particular, porém de uma forma diferente, garantindo o direito de o cidadão buscar a felicidade, o que pode gerar uma profunda mudança no atual direito de família.
Com a alteração do texto constitucional, teremos uma premissa que irá irradiar seus efeitos em todos os ordenamentos e que será base para a quebra de dogmas e a permissão de atos antes inaceitáveis por grande parte da sociedade.
Antes de entrarmos nesta questão, há que se ressaltar que a busca pela felicidade já estava consagrada nos tribunais superiores e servia inclusive de motivação para decisões, senão vejamos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal:
“O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em suspensão de tutela antecipada para manter decisão interlocutória proferida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que concedera parcialmente pedido formulado em ação de indenização por perdas e danos morais e materiais para determinar que o mencionado Estado-membro pagasse todas as despesas necessárias à realização de cirurgia de implante de Marcapasso Diafragmático Muscular – MDM no agravante, com o profissional por este requerido. Na espécie, o agravante, que teria ficado tetraplégico em decorrência de assalto ocorrido em via pública, ajuizara a ação indenizatória, em que objetiva a responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo decorrente da referida cirurgia, ‘que devolverá ao autor a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico’. (...) Além disso, aduziu-se que entre reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o interesse fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário, senão de dar primazia ao último. Concluiu-se que a realidade da vida tão pulsante na espécie imporia o provimento do recurso, a fim de reconhecer ao agravante, que inclusive poderia correr risco de morte, o direito de buscar autonomia existencial, desvinculando-se de um respirador artificial que o mantém ligado a um leito hospitalar depois de meses em estado de coma, implementando-se, com isso, o direito à busca da felicidade, que é um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana (grifo nosso).” (STA 223-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-4-2008, Plenário, Informativo 502.)[5]
Conforme visto, o tribunal máximo brasileiro já consagra a busca pela felicidade como um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana, porém a partir do momento em que estiver explícito na Magna Carta, passará a ser adotado com maior freqüência nas decisões, sejam elas em grau superior ou na primeira instância.
Recentemente entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 66/2010 que extinguiu o instituto da separação judicial e passou a prever o divórcio como forma de dissolução da sociedade conjugal, sem a necessidade de prazo de casamento ou separado (fato ou legalmente).
Sobre a citada emenda e a intervenção estatal, bem explanou Rodrigo da Cunha Pereira, no artigo “A Emenda Constitucional n. 66/2010: Semelhanças, Diferenças e Inutilidades entre Separação e Divórcio – O Direito Intertemporal”:
O Sistema dual para romper o vínculo legal do casamento, como já se disse, tem suas raízes e justificativas principalmente em uma moral religiosa. Não se justifica mais em um Estado laico manter esta duplicidade de tratamento legal. A tendência evolutiva dos ordenamentos jurídicos ocidentais é que o Estado interfira cada vez menos na vida privada e na intimidade dos cidadãos. Se não há intervenção do Estado na forma e no modo de as pessoas se casarem, por que ele interfere tanto quando o casamento termina? Os ordenamentos jurídicos de países cuja interferência religiosa é menor não tem em seu corpo normativo a previsão do sistema dual.
Conforme bem explicado, a tendência do ordenamento é que a interferência estatal seja cada vez menor, pois não há necessidade de um código de conduta, como ocorre quando existem diversas disposições legais sobre um assunto, mas apenas diretrizes constitucionais que possibilitem a seu alvo escolher o que melhor lhe convém.
No caso da extinção do divórcio, não seria justo manter um vínculo que já acabou, por pelo menos mais um ano, para só após permitir que as pessoas busquem novos caminhos, a extinção da separação na verdade foi já um grande passo, não para a extinção familiar, mas dar uma nova chance de felicidade para ambos.
Observe-se que neste caso o estado recuou sua interferência e deu uma maior liberdade ao seu cidadão, este podendo acabar com algo que já nasceu acabado ou que se esvaziou com o tempo.
Não há uma preocupação de que uma onda de divórcio surja, pois as famílias que estão felizes não vão se separar por apenas ter sido facilitado o procedimento, prova deste fato é que no último ano o número de casamentos foi de 835.846; separação foram 103.529 e divórcios 138.676[6]; ou seja, houve 4 vezes mais casamentos eu dissoluções, e ainda, 94% das jovens querem se casar[7].
Outro ponto relevante que a busca pela felicidade e a interferência estatal conflitam é a união de casais do mesmo sexo, com a entrada em vigor da PEC que inclui a felicidade como direito social, poderia ser reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo?
Se buscarmos a essência da felicidade, conforme bem explicou Aristóteles, poderíamos aceitar a união estável de parceiros do mesmo sexo, pois se a felicidade é a finalidade da natureza humana e somente serão felizes estes casais se conseguirem ficar juntos, com a autorização estatal e sem a alienação legal, terão os magistrados que reconhecerem a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Com a introdução do direito de se buscar a felicidade e a menor interferência estatal na vida privada, estaremos traçando um novo rumo para o direito de família, um rumo que vedará o retrocesso e possibilitará as pessoas buscarem a felicidade.
5. CONCLUSÃO
O Estado, que tem por base a instituição familiar, surgiu desta e viu nesta a base para uma nação justa e atenta aos princípios da moral e da ética. Por vários séculos o Estado deu uma liberdade maior, o que causou grande desequilíbrio, assim como houve uma intervenção grande, necessária para restabelecer a ordem.
Ocorre que nos dias atuais a sociedade não é a mesma de algumas décadas passadas, as famílias mudaram suas estruturas, mas não mudaram seu objetivo – a felicidade.
Estamos em um estágio social que a intervenção em demasia do Estado causa alienação de parcelas da sociedade e a manutenção de certos dogmas cerceia a busca pelo bem estar social, ficam certos grupos alienados e sem a devida proteção legal, o que contraria a essência de nossa Magna Carta, carinhosamente chamada de cidadã.
Não é necessário um código de condutas para o cidadão ser feliz, muito menos um Estado Social extremamente zeloso, mas necessário é apenas o respeito e o tratamento igualitário, nos termos da máxima aristotélica que prevê tratamento igual para os iguais e desigual, aos desiguais, na exata medida de sua desigualdade.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. República Federativa. Poder legislativo. Constituição da República Federativa do Brasil: texto promulgado em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 26 set. 2010.
BUARQUE, Cristovam. Proposta de Emenda à Constituição nº 19, de 2010. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97622>. Acesso em: 12 out. 2010.
Código Civil: Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2002.
DIAS, Maria Berenice. <http://www.mariaberenice.com.br/pt/home.dept>, acessado em 12/10/2010
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Emenda Constitucional n. 66/2010: Semelhanças, Diferenças e Inutilidades entre Separação e Divórcio – O Direito Intertemporal. Artigo publicado no livro “Divórcio”. 2010. Ed. GZ.
PINHO, Rodrigo Cesar Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 9º Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24º ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: CD, 2003.
[1] PINHO R. C. R. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Saraiva. São Paulo, 2009, p.2
[2] DALLARI D. A. Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva. 2002. p.275
[3] In: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/a_nova_lei_do_div%F3rcio_e_a_felicidade__revista_da_semana__-_i.pdf – acessado em: 12/10/2010
[4] In: http://www.conjur.com.br/2010-mai-29/pec-felicidade-positivacao-direito-reconhecido-resto-mundo - Acessado em 13/10/2010
[5] In: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1 – acessado em 12/10/2010
[6] In: http://www.mariaberenice.com.br/pt/vocesabia--falando-em-amor.cont - acessado em 14/10/2010
[7] In: http://www.mariaberenice.com.br/pt/vocesabia--falando-em-amor.cont - acessado em 14/10/2010
Pós graduado em processo civil e direito tributário - Gerente Jurídico do escritório Pinho Advogados Associados Cidade de domicílio: Bauru - SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, André Luis. FAMÍLIA FELIZ: Limites da atuação estatal na busca da felicidade familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2011, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24354/familia-feliz-limites-da-atuacao-estatal-na-busca-da-felicidade-familiar. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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