I. Introdução
A incidência de imposto de renda sobre juros moratórios e outras verbas indenizatórias é atualmente um dos temas tributários mais discutidos no país.
Via de regra, a questão tem sido levada à seara judicial em razão do entendimento dominante entre as autoridades da Receita Federal do Brasil e dos órgãos da Advocacia-Geral da União, de que a incidência do imposto de renda sobre verbas auferidas a título de juros moratórios não é ilegal ou inconstitucional.
Este entendimento contraria parte expressiva da jurisprudência que, acolhendo o postulado de que verbas de caráter indenizatório não podem ser tributadas pelo imposto de renda, afasta a tributação dos juros moratórios em razão de sua natureza indenizatória.
O presente artigo tem por objetivo expor aos operadores de direito, e especialmente aos contribuintes, as razões jurídicas que sustentam a tese de que a tributação dos juros moratórios pelo imposto de renda não é ilegal.
II. Juros moratórios e imposto de renda
a) Tese da não incidência de imposto de renda sobre verbas auferidas a título de juros moratórios
A tese da não-incidência de imposto de renda sobre verbas auferidas a título de juros moratórios se fundamenta sobre duas premissas simples: a de que os juros moratórios ostentam natureza jurídica de indenização; e a de que as indenizações não acarretam acréscimo patrimonial, de forma que sobre elas não pode incidir o imposto de renda.
Este entendimento tem sido muito prestigiado pelo Superior Tribunal de Justiça. Para exemplificar, apresenta-se excerto da ementa do acórdão proferido no Recurso Especial n.º 1163490 / SC, de relatoria do Ministro Castro Meira:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ARTIGO 535, II, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. AUSÊNCIA DE DEBATE DE TESES RECURSAIS. SÚMULA 211/STJ. RENDIMENTOS DECORRENTES DE JUROS EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. IMPOSTO SOBRE A RENDA. NÃO-INCIDÊNCIA.
(...) 3. Não incide imposto de renda sobre rendimentos derivados de juros em reclamação trabalhista porque possuem nítido caráter indenizatório pela não disponibilidade do credor do quantum debeatur, bem como por não representarem proventos de qualquer natureza não refletem acréscimo patrimonial, consoante exige o disposto do art. 43 do CTN. Precedentes.
4. Recurso especial não provido.[1]
b) Natureza jurídica dos juros moratórios
O entendimento dominante na atualidade, tanto na doutrina como na jurisprudência, é de que os juros moratórios têm efetivamente natureza de indenização.
Para o jurista Orlando Gomes, o conceito de perdas e danos abrange os juros moratórios, que equivaleriam àquilo que o capital renderia caso estivesse em poder do credor:
“Nas dívidas pecuniárias, as perdas e danos abrangem os juros moratórios, custas honorários de advogado, pena convencional e atualização monetária. É intuitiva a razão dessa especificidade. A privação do capital em conseqüência do retardamento na sua entrega ocasiona prejuízo que se apura facilmente pela estimativa de quando renderia, em média, se já estivesse em poder do credor.” [2]
A natureza indenizatória dos juros moratórios tem sido amplamente acolhida pelos principais Tribunais do país. Neste sentido, recente julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PERCEPÇÃO ACUMULADA DE VALORES EM DECORRÊNCIA DE CONCESSÃO/REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 12 DA LEI 7.713/88. JUROS DE MORA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
(...) 3. Inexigível o imposto de renda incidente sobre os valores recebidos a título de juros de mora, porquanto os juros moratórios nada mais são do que uma forma de indenizar os prejuízos causados ao trabalhador pelo pagamento a destempo de uma obrigação trabalhista.
4. A indenização representada pelo juros moratórios corresponde aos danos emergentes, ou seja, àquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor. Assim sendo, não há, quanto aos juros de mora, qualquer conotação de riqueza nova, e, portanto, inexiste o fato gerador autorizativo da tributação pelo imposto de renda. (...) [3]
A própria legislação parece suportar a tese de que os juros moratórios se prestam a compensar os prejuízos causados pela demora, de forma que a sua natureza indenizatória é difícil de questionar. Observe-se a redação do artigo 404 do Código Civil:
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
Em suma, os juros moratórios corresponderiam a uma indenização em razão da demora na disponibilização do bem a quem de direito. Esta indenização teria por finalidade a compensação dos lucros que o credor deixou de auferir em razão da privação do capital durante o período de mora.
c) Incidência do imposto de renda sobre juros moratórios
c.1) Incidência do imposto de renda
Neste tópico reside a razão da controvérsia. Ainda que se admita a natureza indenizatória dos juros moratórios, é possível questionar a tese de que não incide imposto de renda sobre verbas de caráter indenizatório.
O imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza, nos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de proventos de qualquer natureza:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Da exegese do inciso II e do parágrafo primeiro do referido artigo, extrai-se que configuram “proventos de qualquer natureza” quaisquer acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte, independentemente da sua denominação, origem ou forma de percepção.
Desta forma, é possível afirmar que proventos de qualquer natureza, ainda que de caráter indenizatório, e desde que acarretem acréscimo patrimonial, são tributáveis pelo imposto de renda.
Para corroborar este entendimento, note-se que, em alguns casos, a própria lei contempla a isenção de várias verbas de natureza indenizatória. Por exemplo, o artigo 6º, inciso IV, da Lei Federal n.º 7.713/88 isenta de imposto de renda os rendimentos percebidos por pessoa física a título de indenização por acidente de trabalho:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(...)
IV - as indenizações por acidentes de trabalho;
Tal norma não se justificaria em um sistema tributário que não admite a incidência de imposto de renda sobre verbas indenizatórias.
Resta questionar se o recebimento de verbas a título de indenização representa ou não acréscimo patrimonial para o beneficiado. Em caso negativo, não haverá incidência do imposto; em caso afirmativo, o beneficiado passará à condição de contribuinte do imposto.
c.2) Indenização e acréscimo patrimonial
Há casos em que o recebimento de uma indenização não acarretará acréscimo patrimonial, e, portanto, não haverá incidência do imposto de renda.
Para que isto ocorra, é necessário que a pessoa indenizada tenha experimentado uma redução de patrimônio em valor correspondente ao valor da indenização. Desta forma, a indenização representará uma reposição do patrimônio lesado, e não se configurará o acréscimo patrimonial.
Há, todavia, casos em que a indenização acarretará acréscimo patrimonial. Tome-se, por exemplo, o célebre caso americano Liebeck v. McDonald's, ou outros casos de indenizações vultosas, que alteram a situação financeira do beneficiado pela indenização. Nestes casos não há redução patrimonial reposta pela indenização.
A indenização, quando não se prestar a reparar uma redução do patrimônio, representará provento de natureza indenizatória que acarreta acréscimo patrimonial. Neste contexto, o acréscimo patrimonial decorrente da indenização deverá ser tributado pelo imposto de renda.
Em suma, devem ser diferenciadas as situações em que a indenização repõe o patrimônio lesado das situações em que esta reposição não ocorre. No primeiro caso tem-se a indenização-reposição, não tributável pelo imposto de renda. No segundo, a indenização não repõe patrimônio, mas compensa algum prejuízo de outra ordem. Neste caso, tem-se a indenização-compensação, que representa acréscimo patrimonial, e pode ser tributada pelo imposto.
c.3) Juros moratórios como indenização de lucros cessantes
A natureza indenizatória dos juros moratórios é pouco controversa. Todavia, é preciso definir de que tipo de indenização se cuida.
Os juros moratórios tem por finalidade a compensação do que o credor razoavelmente deixou de auferir em razão da mora. Ou seja, não há diminuição patrimonial do credor, mas frustração da expectativa de ganho.
Considerando que os juros moratórios não repõem um patrimônio lesado, mas se prestam a compensar os ganhos que o credor deixou de ter, parece pertinente a sua classificação como indenização-compensatória.
Tomando-se os juros moratórios como uma indenização compensatória, a sua percepção acarreta acréscimo patrimonial, de forma que sobre os valores auferidos a título de juros deve incidir o imposto de renda.
III. Conclusão
Esta exposição pretendeu demonstrar, de maneira sintética, as razões pelas quais subsiste o entendimento de que incide imposto de renda sobre juros moratórios e outras verbas de natureza indenizatória.
Em que pese a tese da não-incidência do imposto de renda sobre juros moratórios ter ganho força no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a matéria só deverá ser definida no âmbito da administração tributária após a sua pacificação no Tribunal da Cidadania.
Os precedentes do Supremo Tribunal Federal indicam que a Corte Suprema não conhecerá da matéria por tratar de matéria infraconstitucional da qual não decorre ofensa constitucional direta.[4]
[1] REsp 1163490 / SC RECURSO ESPECIAL 2009/0034508-9 Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 20/05/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 02/06/2010.
[2] GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 188.
[3] Apelação/Reexame Necessário Nº 5000369-24.2010.404.7108 (Processo Eletrônico - E-Proc V2 - TRF)
Originário: Nº 5000369-24.2010.404.7108 (RS) Data de autuação: 13/12/2010 11:21:51 Relator: JOEL ILAN PACIORNIK - 1a. TURMA.
[4] AI 723605 AgR / SC - SANTA CATARINA AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 09/06/2009 Órgão Julgador: Primeira Turma.
Procurador da Fazenda Nacional. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARTMANN, Fábio Lorenzon. Incidência de imposto de renda sobre juros moratórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2011, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24681/incidencia-de-imposto-de-renda-sobre-juros-moratorios. Acesso em: 22 nov 2024.
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