I. Introdução
A constitucionalidade do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 3º da Lei Federal n.º 9.718/98, é um dos temas tributários de grande relevância da atualidade, que aguardam definição pelo Supremo Tribunal Federal.
Trata-se da exclusão do valor relativo ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, da base de cálculo das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
Em 13.08.2008 foi deferida medida cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC n.º 18, para suspender o julgamento de todas as demandas que envolvam a aplicação do art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei Federal nº 9.718/98, com exceção daquelas que tramitam no Supremo Tribunal Federal. A medida, em 25.03.2010, teve, pela última vez, a sua eficácia prorrogada pelo prazo de 180 dias.
Todavia, em 18.05.2011, o Supremo, que ainda não julgou a dita ação declaratória de constitucionalidade, lançou novas luzes sobre a questão ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 582461.
II. Base de cálculo das contribuições COFINS e PIS/PASEP
a) Artigo 3º, § 2º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.718/98
Os tributos PIS/PASEP e COFINS são contribuições devidas por pessoas jurídicas de direito privado calculadas com base em seu faturamento.
A norma cuja constitucionalidade tem sido questionada pelos contribuintes tem a seguinte redação:
Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
§ 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:
I - as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário;
A norma colacionada exclui o ICMS da base de cálculo das contribuições apenas nos casos em que ele for pago em regime excepcional de substituição tributária.
A leitura do dispositivo, a contrariu sensu, indica que a lei legitima o entendimento de que o ICMS, exceto nos casos de substituição tributária, está compreendido na base de cálculo das contribuições sobre o faturamento.
b) Tese da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo
O cerne da questão consiste em definir se o ICMS pode ou não ser incluído no conceito de faturamento.
A tese da não-inclusão do ICMS assevera que, sendo o ICMS um tributo de competência estadual, ele não pode ser considerado “faturamento” ou “receita” da pessoa jurídica de direito privado.
A empresa ou entidade equiparada não poderia ter uma receita tributária, oriunda de imposto de competência do Estado. Atuaria na condição de intermediária, mera arrecadadora de receita do Fisco Estadual.
Desta forma, considerando que o artigo 195, inciso I, alínea b, da Constituição, autoriza a instituição de contribuições sociais sobre a receita ou o faturamento, mas não sobre tributos – no caso, sobre o imposto estadual – qualquer norma legal que disponha o contrário seria inconstitucional.
c) Tese da Fazenda Nacional
O entendimento de que o ICMS não deve ser excluído do faturamento, deriva do fato de que o imposto estadual, ao contrário de outros tributos indiretos, compõe a sua própria base de cálculo.
Deste fato deriva a noção de que o ICMS, ao contrário de outros tributos que são calculados em separado, caracteriza custo do produto ou serviço, da mesma forma como é custo o preço da matéria-prima e o preço da mão-de-obra.
Sendo custo, o ICMS acaba agregado ao preço do produto ou serviço, da mesma forma como os demais custos do produto ou serviço, e se torna indissociável da receita operacional – e portanto, do faturamento da empresa.
d) Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
A tese de que o ICMS se agrega ao preço da mercadoria, de forma que seu valor também está sujeito à tributação pelas contribuições incidentes sobre o faturamento foi acolhida pela jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos e do Superior Tribunal de Justiça, que aprovaram os seguintes enunciados:
Súmula n.º 268 do Tribunal Federal de Recursos
Inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICM.
Súmula n.º 68 do Superior Tribunal de Justiça
A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.
Súmula n.º 94 do Superior Tribunal de Justiça
A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL.
Neste contexto parece importante destacar o julgado do Superior Tribunal de Justiça, de sessão realizada em 18.05.2006, e de lavra do mais moderno Ministro do Supremo Tribunal Federal, então magistrado do Tribunal da Cidadania:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL CONFIGURADO. ICMS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. SÚMULAS 68 E 94 DO STJ.
1. A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo da COFINS e do PIS, ante a ratio essendi das Súmulas 68 e 94 do STJ.
2. Precedentes jurisprudenciais do STJ: Ag 666548/RJ, desta relatoria, DJ de 14.12.2005; RESP 496.969/RS, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 14/03/2005; RESP 668.571/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13/12/2004 e RESP 572.805/SC, Relator Ministro José Delgado, DJ de 10/05/2004.
3. Embargos de declaração acolhidos para sanar o erro material e negar provimento ao recurso especial interposto por Irmãos Amalcaburio Ltda e Outros (fls. 564/592).
e) Novas luzes lançadas sobre a questão
A definição da questão da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS no âmbito da Suprema Corte, parece próxima.
Tal previsão se justifica em razão da recente ratificação, em 18.05.2011, da jurisprudência firmada pelo Tribunal Excelso em 1999, no sentido de que é constitucional a inclusão do ICMS na sua própria base de cálculo.
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 582461, que teve repercussão geral reconhecida em 23.09.2009, restou definido que a inclusão do valor do ICMS na própria base de cálculo do tributo não configura dupla tributação nem afronta o princípio constitucional da não-cumulatividade.
O reconhecimento da constitucionalidade da inclusão do ICMS na sua própria base de cálculo, conhecida como “cálculo por dentro”, é um indicativo de que a constitucionalidade da incidência do PIS/PASEP e COFINS sobre o valor do ICMS agregado ao preço das mercadorias e serviços também deve ser reconhecida pela Suprema Corte.
Decisão em sentido contrário seria difícil de compatibilizar com o desfecho do RE 582461. O argumento de que a Constituição não autoriza que incidam contribuições sobre impostos estaduais fica esvaziado em face do fato de que também não há autorização constitucional para que o ICMS incida sobre si mesmo.
III. Conclusão
Com a expiração da eficácia da medida cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, os juízes e Tribunais do Brasil podem voltar a dar andamento aos processos que discutem a aplicação do art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei Federal nº 9.718/98.
O andamento dos processos nestes órgãos, todavia, terá pouco efeito prático, uma vez que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido da constitucionalidade da norma.
Todavia, a questão só será resolvida definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal. E, em que pese o deslinde do Recurso Extraordinário n.º 582461 constituir um indício de que a Ação Direta de Constitucionalidade n.º 18 será julgada procedente, a pacificação do tema só virá depois do julgamento, que, esperamos, ocorra em breve.
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