RESUMO: Este artigo irá abordar acerca das formas especiais de testamento (marítimo, aeronáutico e militar), bem como as suas principais peculiaridades, ressaltando que estes não são de livre escolha do homem e só são possíveis diante a existência de circunstâncias e situações excepcionais, as quais serão avaliadas ao longo deste trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: formas especiais de testamento; peculiaridades; excepcionais;
1 INTRODUÇÃO
O testamento, na definição de Modestino é a justa manifestação de nossa vontade sobre aquilo que queremos que se faça depois da morte. A legislação pátria brasileira reconhece diversas modalidades de testamento, sendo aplicados, em regra, os testamentos ordinários, os quais se subdividem em público, cerrado e particular. Por não ser objeto perspícuo do presente trabalho, de maneira geral, podemos dizer que estes são de livre escolha do autor da herança e têm regulamentação própria.
Ocorre que além das referidas formas ordinárias, o Código Civil prevê modalidades especiais de testamentos, as quais estão elencadas nos artigos 1886 a 1896 do referido diploma e são matérias de ordem pública, não podem, portanto, ser objeto de transgressão pela vontade do particular. Neste sentido expressa o art. 1887 do Código Civil: Não se admitem outros testamentos especiais além dos contemplados neste Código.
Em regra, o ato de testar é uma faculdade da pessoa. Contudo, em se tratando de testamento especial, esta livre manifestação é relativa, isto porque, para que o autor da herança possa testar, deverá se encontrar em situações especiais, as quais estão definidas em lei. Em decorrência da excepcionalidade, os testamentos especiais, se comparados com os demais, apresenta uma simplicidade nas formas. Neste sentido, prolaciona Paulo Nader:
O denominador comum entre os testamentos especiais consiste, de um lado, na simplicidade das formalidades, dado o caráter emergencial em que são feitos e, de outro, no fato de sua eficácia subordinar-se à morte do declarante dentro de certo prazo. (NADER,2009. p.268).
Esta simplicidade ocorre, em virtude da impossibilidade de se recorrer às formas comuns, ordinárias de testamento, afinal, para fazer o testamento especial, o testador deverá estar submetido a condições anormais, dentro da qual não pode ou é extremamente difícil a utilização de uma forma ordinária de testamentificação.
Por se encontrar nesta situação, o testador não terá tempo nem meios de fazer vir oficial público, afinal, estará em local que não comporta a presença de juristas. Destaca-se ainda que, em virtude desta simplicidade, muitos doutrinadores criticam a existência dos testamentos especiais, a exemplo de Silvio Rodrigues, o qual informa que:
Ao conferir ao particular a possibilidade de dispor de seus bens causa mortis, o legislador já lhe confere uma regalia. Todavia, para desfrutar de tal vantagem deve o interessado recorrer a uma forma de testamento mencionada na lei, pois, caso contrário, seus bens irão a seus herdeiros legítimos. Para testar, na forma ordinária, tem a pessoa toda uma existência. Se, entretanto, por desinteresse ou negligência, descuida de fazer seu testamento, não deve o legislador abrir exceção para proteger o negligente e o desinteressado, a fim de permitir-lhe que, á última hora, temeroso da proximidade da morte, faça um testamento que não quis fazer antes. Parece que é dar importância excessiva ao interesse individual. (RODRIGUES, 2002, p.170).
Em que pese a opinião do renomado autor, é salutar ressaltar que esta simplicidade (a qual será abordada mais adiante) não significa que para sua elaboração sejam dispensados requisitos formais, estes serão apenas menos rigorosos, se comparados com os da via ordinária.
Passaremos a análise das principais peculiaridades que giram em torno dos testamentos especiais.
2 FORMAS ESPECIAIS DE TESTAMENTO
2.1 TESTAMENTO MARÍTIMO
Nos termos do art. 1.888 do Código Civil, o testamento marítimo testamento pode ser celebrado por passageiros e tripulantes, sendo definido como declaração de última vontade de quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou mercante (que transporta coisas ou pessoas), não precisando estar, necessariamente, em alto-mar.
Assim sendo, é acessível a quem se encontre em viagem fluvial, lacustre ou em alto mar, especialmente em lagos ou rios de grandes dimensões.
Para que seja possível a realização desta espécie de testamento, é necessário que haja a incidência de algum risco de vida, bem como a impossibilidade de desembarque em algum porto, o que inviabiliza a feitura do testamento pela via ordinária. Nas lições de Paulo Roberto Gonçalves:
Não prevalece o testamento marítimo, se a embarcação estiver em pequeno cruzeiro, ou mesmo no curso de uma viagem, se ao tempo de sua confecção “ o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária. (GONÇALVES, 2009, p. 285/286).
Para que esta modalidade de testamento tenha validade, é necessário que a viagem se realize em território nacional, que o navio seja de guerra ou mercante e que o testador esteja a bordo do navio. Ademais, a cédula testamentária deve ser registrada em livro diário de bordo, e ficará sob a guarda do comandante. Sendo este o testador, o ato será presidido pela pessoa autorizada a substituí-lo, provavelmente, o subcomandante.
No que se refere à forma, este pode ser celebrado de modo semelhante ao testamento público ou cerrado. Em se adotando àquele, o testamento será lavrado pelo comandante, na presença de duas testemunhas e registrado no livro de bordo.
Caso opte pelas formalidades do cerrado, o próprio testador ou alguém ao seu rogo o assinará e entregará ao comandante perante duas testemunhas. Paulo Roberto Gonçalves informa:
O testamento que corresponda ao tipo cerrado deverá ser entregue ao comandante perante duas testemunhas capazes de entender a vontade do testador, declarando este tratar-se de seu testamento o escrito apresentado, cuja aprovação requer. O comandante certificará, abaixo do escrito, todo o ocorrido, datando e assinando com o testador e as testemunhas. Todos os partícipes (testador, comandante e testemunhas), devem estar reunidos, simultaneamente presentes, de início ao fim da solenidade. ( GONÇALVES, 2009, p. 287).
Assim como ocorre na via ordinária, as testemunhas devem ser capazes, e saber assinar e estão ainda, submetidas às proibições do art. 1801 do Código Civil.
Por fim, registra-se que esta modalidade de testamento estar submetida à caducidade, a qual pode ser entendida como perda da eficácia do testamento, a qual ocorre, nos termos do art. 1891 do Código Civil: Se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento.
Vê-se que esta perda de eficácia é legitima, porque, esta modalidade de testamento é algo excepcional, instituída para atender a uma situação de emergência, não pode ser vista como sinônimo de privilégio.
2.1.2 TESTAMENTO AERONÁUTICO
Nos termos do art. 1889 c/c art. 1888 do Código Civil, o testamento aeronáutico só deve ser celebrado por quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, podendo testar perante pessoa designada pelo comandante, em presença de duas testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou cerrado.
A hipótese de incidência desta modalidade de testamento só ocorrerá na hipótese da existência de longas viagens e por motivos individuais, como casos de doença ou indisposição súbita e iminência de morte. Para Paulo Nader, a acolhida desta espécie de testamento é restrita, isto por que, em casos de perigo no ar, o tumulto impedirá a confecção do testamento e este, se feito, se reduzirá as cinzas diante de um sinistro. (2009, p. 272).
Esta modalidade de testamento, também deve observar a forma pública, vez que a cerrada, em virtude das circunstâncias, torna-se inviável. Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves:
A maneira mais prática é o ditado da disposição de bens à pessoa designada pelo comandante e a leitura por ela feita, ao testador e as duas testemunhas, após a lavratura do instrumento, com a assinatura de todos. Se o testador estiver passando mal e não tiver condições de assinar, a pessoa que fizer às vezes do notório assim o declarará, assinando pelo testador, e a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias. (GONÇALVES, 2009, p. 290).
Ressalta-se ainda que embora não haja disposição expressa, predomina o entendimento no sentido de que, o testamento aeronáutico não terá validade, na hipótese de a viagem ser interrompida, permanecendo a aeronave durante lapso temporal que permita o disponente testar na forma ordinária.
A semelhança do testamento marítimo, o ato de disposição de ultima vontade ficará sob a guarda do comandante, que ao chegar a aeroporto nacional o entregará a autoridade administrativa competente. Ademais, será verificada a caducidade se testador não morrer na viagem ou, nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque, não fizer o testamento na forma ordinária.
2.1.3 TESTAMENTO MILITAR
Esta modalidade de testamento é facultada aos militares (integrantes do exército, marinha e aeronáutica, policiais militares e outras forças auxiliares) e civis que estejam a serviço das Forças Armadas e, em virtude da situação em que se encontram, são impossibilitados de testar pela via ordinária.
O art. 1893 do Código Civil expressa que:
O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, dentro do País ou fora dele, assim como em praça sitiada, ou que esteja de comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo tabelião ou seu substituto legal, ante duas, ou três testemunhas, se o testador não puder, ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas.
§ 1º Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento será escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação ou posto inferior.
§ 2º Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento.
§ 3º Se o testador for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o substituir.
Para que haja a validade do testamento, é necessário que a força e o disponente estejam mobilizados, em praça situada, não sendo necessária, segundo interpretação jurisprudencial e doutrinária, a existência do estado de guerra, podendo ser feito sempre que militares estejam trabalhando para atender a salvação pública, como no caso de incêndio e inundações. Ademais, precisa haver a existência de situação de perigo atual e que, não haja no local, um tabelionato.
No que se refere à forma, pode ser assemelhado ao testamento público, ao cerrado e ao nuncupativo, vide arts. 1893, 1894 e 1896. Acerca da possibilidade do testamento particular, Carlos Roberto Gonçalves enfatiza que:
Nada impede que as pessoas legitimadas a fazer testamento militar, devido à situação em que se encontrem, optem pela utilização do testamento particular, escrevendo e assinando o documento e lendo-o, depois, a três testemunhas, que também assinam. (GONÇALVES, 2009, p. 294).
Aspecto que deve ser ressaltado, diz respeito à forma do testamento nuncupativo, o qual não é observado nas demais modalidades de testamento. Este constitui exceção a regra, no sentido de que o testamento é um negócio solene e escrito, uma vez que, possibilita ao disponente, quando se encontre em combate ou ferido, que declare verbalmente a sua ultima vontade, desde que presentes duas testemunhas.
Parte dos juristas condena esta modalidade, afirmando possível existência de riscos, fraudes, pois facilita a deturpação da vontade do testador. Neste sentido, prolaciona Silvio Rodrigues:
Não oferece o testamento nuncupativo garantias suficientes, pois morta uma pessoa em batalha, não há nada eu impeça o fato de algumas outras a se mancomunarem para duas delas se apresentarem como testemunhas, declarando que o defunto testou nuncupativamente em favor de terceiro. Daí se poder afirmar que tal modalidade facilita a simulação e a fraude, promove demandas e favorece, como mencionado, o dolo das testemunhas, que podem alterar a manifestação de ultima vontade do testador. (ROFRIGUES, 2002, p. 174)
Assim, havendo a morte do testador, o testamento nuncupativo deve ser apresentado em juízo, sendo publicado. Para tanto, as referidas testemunhas serão ouvidas. Após, os herdeiros poderão, no prazo de cinco dias, manifestar-se sobre o ato. Não havendo controvérsias, o mandado será cumprido.
No que se refere à caducidade do testamento militar, este, em regra, caducará, desde que, depois dele, o testador esteja noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar na forma ordinária. Por fim, ressalta-se que sendo feito pela forma nuncupativa, não terá validade, se o testador não morrer na guerra ou convalescer ferido.
3. CONCLUSÃO
Embora estas formas especiais não sejam aplicadas com tanta freqüência, vez que são observadas apenas em situações especiais, extraordinárias, de extrema gravidade, quando o disponente não tem alternativa para testar, elas são de fundamental importância, afinal, garante ao homem o direito de ser atendida a justa pretensão de fazer valer as suas disposições de última vontade.
REFERÊNCIAS
_________. Código Civil Brasileiro (2002). In: Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 25. ed. São Paulo: saraiva, 2002, v. 7.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: saraiva, 2009.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – direito das sucessões. 3.ed. Rio de Janeiro: forense, 2009, v.6.
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. As formas especiais de testamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 set 2011, 07:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25552/as-formas-especiais-de-testamento. Acesso em: 26 nov 2024.
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