1.INTRODUÇÃO
O presente artigo visa a análise do recurso extraordinário como controle de constitucionalidade.
Inicialmente, todas as constituições do período republicano brasileiro mantiveram o STF como órgão de cúpula do Poder Judiciário, variando, tão-somente, a sua competência recursal. Entretanto, até 1988, todas as constituições tinham a previsão do recurso extraordinário, tanto em causas que envolvessem violações à Constituição Federal como causas em que a suposta ofensa fosse dirigida às leis federais.
Foi apenas com a criação do Superior Tribunal de Justiça que o Supremo Tribunal Federal perdeu competência recursal para a violação à legislação federal, a qual passou a ser revista por meio do recurso especial, cuja competência é do STJ.
2. DESENVOLVIMENTO
O recurso extraordinário está inserido no controle de constitucionalidade difuso e caracteriza-se pela possibilidade de qualquer juiz ou tribunal, analisando uma lide concreta, verificar e declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, prejudicial ao exame do mérito. Destina-se, também, a manter a integridade da Constituição Federal e a uniformizar a aplicação do direito constitucional em todo o território nacional, não se destinando, porém, a corrigir eventuais injustiças cometidas em julgamentos de instâncias ordinárias.
Trata-se de uma das modalidades dos chamados recursos excepcionais, com previsão constitucional no artigo 102, III, o qual dispõe:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
O citado recurso foi modificado em dois pontos pela emenda constitucional 45/2004. O primeiro deles refere-se à ampliação das hipóteses de cabimento, o que é um contra-senso, já que a chamada “reforma do judiciário” iniciada pela referida emenda, objetivava desafogar os tribunais e, em especial, o STF. Contudo, analisando-se cuidadosamente o assunto, verifica-se que a hipótese em questão envolve um conflito de competência legislativa, matéria indiscutivelmente constitucional1.
A segunda e mais importante modificação, consistiu no acréscimo ao artigo 102, da Constituição Federal, do parágrafo 3º 2,estabelecendo, como mais um requisito para admissão do recurso extraordinário, a demonstração da repercussão geral da questão debatida no caso.
Como é espécie do gênero recursos, o recurso extraordinário possui os mesmos requisitos de admissibilidade dos seus demais congêneres: cabimento, legitimação e interesse para recorrer, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. Os três primeiros são chamados requisitos intrínsecos, por referirem-se à decisão recorrida considerada em si mesmo. Os demais, são denominados extrínsecos, pois se referem a fatores externos à decisão judicial impugnada.
As hipóteses de cabimento estão previstas no artigo 102, III da Constituição Federal acima transcrito.
A legitimação para recorrer segue as regras do artigo 499 do Código de Processo Civil, são elas: a parte vencida no processo, o Ministério Público e o terceiro prejudicado pela decisão impugnada.
Por seu turno, para aferir o interesse em recorrer, faz-se mister a existência do binômio utilidade-necessidade como integrantes deste pressuposto recursal.
A tempestividade, a necessidade do recolhimento do preparo e a regularidade formal, seguem, também, a disciplina geral, sendo de 15 dias o prazo para a interposição do recurso.
Para atender ao requisito da regularidade formal, a exposição do fato e do direito, a demonstração do cabimento do recurso interposto e as razões do pedido de reforma da decisão recorrida, deverão vir expressos na petição de interposição do recurso extraordinário, ex vi a redação do artigo 541 do citado diploma processual civil.
Entretanto, nas causas impeditivas ou extintivas do poder de recorrer, além daquelas comuns a todos os recursos, as quais na visão de Nelson Nery Júnior são a renúncia ao recurso, o reconhecimento jurídico do pedido e a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação3, acrescentam-se as chamadas causas anômalas de impedimento de recurso extraordinário, quais sejam, o prequestionamento e a presença de matéria já decidida anteriormente ou sumulada4.
Em que pese a sua exigência não vir expressa em qualquer diploma legal, o prequestionamento consiste na exigência de que a matéria constitucional discutida já tenha sido levantada nas instâncias inferiores e levadas ao STF5.
No que se refere à presença de matéria já decidida anteriormente ou sumulada, a exceção da possibilidade de edição de súmula vinculante introduzida pela emenda constitucional 45/04, não há qualquer limitação para o conhecimento do recurso extraordinário, entretanto, é facultada ao relator a possibilidade de negar-lhe seguimento monocraticamente nas hipóteses do artigo 557 da CPC.
Por derradeiro, faz-se necessário mencionar os efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade pela via do recurso extraordinário. Esta decisão vincula apenas as partes envolvidas no processo, porém, caso haja reiterada jurisprudência no sentido de declarar a inconstitucionalidade de uma determinada norma por meio do controle difuso, o Senado Federal, poderá determinar a suspensão da execução do dispositivo normativo considerado inconstitucional.
Vê-se, portanto, que a decisão provoca efeitos inter partes, com a possibilidade desse efeito ser estendido para toda a sociedade, desde que o Senado Federal se pronuncie nesse sentido.
3. CONCLUSÃO
Como o próprio nome diz o recurso que ora se analisa é extraordinário, vez que suas hipóteses de cabimento são restritas. Ocorre que mesmo seu cabimento sendo restrito, ele tem sido grande responsável pela sobrecarga de processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal.
Na tabela abaixo, com dados fornecidos pela própria Corte Maior do pais em seu sítio eletrônico6, observam-se os números de processos protocolados e julgados nos últimos quatro anos.
Recurso /Ano |
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
|
Protocolado / julgado |
Protocolado / julgado |
Protocolado / julgado |
Protocolado / julgado |
Recurso Extraordinário |
43.010 / 73.258
|
26.727 / 45.136 |
12.757 / 28.358 |
13.404 / 24.572 |
Agravo de Instrumento |
66.839 / 75.661 |
64.224 / 73.915 |
59.525 / 77.640 |
48.174 / 65.518 |
Os números acima revelam o grande número de recursos extraordinários e de agravos de instrumento contra decisões denegatórias do seu seguimento que foram protocolados e julgados entre os anos de 2007/2010, fazendo-se imperiosa a adoção de providências para diminuir a quantidade de processos que chegam ao STF, vez que 90% dos processos protocolados nesta Corte referem-se a recursos extraordinários e a agravos de instrumentos contra eles interpostos.
A primeira tentativa de reduzir o número de recursos extraordinários foi com a criação do Superior Tribunal de Justiça pela Constituição de 1988, atribuindo-lhe a competência para julgar as questões que envolvam a aplicação e a interpretação da legislação federal, por meio do recurso especial.
Anos após, com o advento da emenda constitucional 45/04, que implementou a conhecida “reforma do judiciário”, foi inserido mais um requisito de admissibilidade ao tão falado recurso extraordinário, visando à diminuição das demandas e a viabilização de um o funcionamento mais racional da mais alta Corte Judiciária do país. Pelos números apresentados, constata-se que, a priori, vem surtindo efeitos, em que pese o número de demandas ainda ser muito elevado quando comparado com outras Cortes Supremas de diversos países.
REFERÊNCIAS
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MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005
NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos recursos. 6 ed. São Paulo: Ed. RT, 2004
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Método, 2008
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª edição, São Paulo: Malheiros
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Reforma do judiciário; primeiros ensaios críticos sobre a EC 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005
Notas:
1 TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; LARCÓN, Pietro de Jesús Lora (Coord.). Reforma do Judiciário analisada e comentada, p. 210-211. Nota da autora: Antes da Emenda Constitucional 45, essas situações eram decididas nos Superiores Tribunais de Justiça, o que, na prática, em nada contribuía para aliviar os trabalhos do Superior Tribunal Federal, pois, salvo raríssimas exceções, acabavam sendo conduzidas, em última instância, àquela Corte.
2 Art. 102,§ 3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
3 NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6. ed., atual., ampl. e reformulada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 285.
4 André Ramos Tavares ainda cita outras duas causas anômalas de impedimento ao recurso extraordinário. A primeira consistiria na existência de interpretação razoável da questão discutida, refletida pela Súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do artigo 101, III da Constituição Federal”. Mas o próprio autor destaca que esta exigência não foi recepcionada pelo texto constitucional de 1988, razão pela qual optamos por deixá-la de fora. (TAVARES, André Ramos, Perfil Constitucional do Recurso Extraordinário, in “Aspectos Atuais do Controle de Constitucionalidade no Brasil”, Coordenação de André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothemburg, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 30/32)
5 “Súmula 282: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
“Súmula 356: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.
6Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaClasse; acessado em 31/01/2011.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Alexandre Franco. O recurso extraordinário como controle de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 out 2011, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25767/o-recurso-extraordinario-como-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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