Resumo: Este trabalho aborda a teoria dos princípios, destacando, sobretudo, as obras de Humberto Ávila, Ronald Dworkin e Robert Alexy. Apresenta o conceito de princípios e a distinção entre estes e as regras, bem como as técnicas utilizadas em casos de aparente conflito entre normas. Por fim, destaca-se a solução da antinomia por meio da ponderação de interesses ou sopesamento, chamada por Alexy de aplicação do princípio da proporcionalidade.
Palavras-chaves: princípios, regras, proporcionalidade
Sumário: 1. Conceito de princípio. 2. Distinção entre regras e princípios. 3. Colisão entre princípios e conflito entre regras. 4. Princípio da proporcionalidade.
1. Conceito de Princípio
A tarefa de apresentar um conceito para princípio não é das mais fáceis. Muito se tem escrito sobre o tema, de forma que grandes doutrinadores do direito divergem, adotando os mais variados métodos distintivos.
Destacamos que a importância de se apresentar um conceito para princípio se consubstancia na necessidade de se compreender bem o tema e permitir que, conhecendo seu conceito, identifiquemo-lo mais facilmente, de modo que nos permitirá aplicar a técnica adequada ao caso, em se tratando de eventual colisão entre princípios ou entre regras.
Como destaca Robert Alexy:
“Clareza conceitual, ausência de contradição e coerência são pressupostos da racionalidade de todas as ciências. Os inúmeros problemas sistemático-conceituais dos direitos fundamentais demonstram o importante papel da dimensão analítica no âmbito de uma ciência prática dos direito fundamentais que pretenda cumprir sua tarefa de maneira racional.”[1]
Nota-se, a par disso, a imprescindibilidade de se apresentar um conceito, ou, ao menos, delimitá-lo, para que se entenda corretamente o objeto de estudo.
Como aduz Alexy, “princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas”.[2] Entretanto, não se pode olvidar de apresentar as distintas definições que a doutrina construiu ao longo de anos de discussão, réplicas e tréplicas, consolidando vasto material para pesquisa sobre o assunto.
A tarefa de conceituar algum instituto do direito é, sem dúvida, muito perigosa. Lembremos da visão do direito como problema, da máxima do direito romano que tinha como baliza o omnis definitio in iure civilis periculosa est; parum est enim, ut non subverti posset, que pode ser assim entendida: toda a definição é perigosa em direito civil, porque é difícil que não possa ser subvertida. No entanto, convém sejam feitas breves considerações a respeito da conceituação apresentada pela doutrina.
De plano, destaca-se o que é ensinado por José Afonso da Silva, para quem a palavra princípio é equívoca, pelo fato de apresentar sentidos diversos, conformando acepção de começo, de início.[3] Obviamente não será esta a acepção abordada neste trabalho. Trataremos da palavra em seu sentido jurídico, a partir de seu significado para o direito e seus operadores, ou seja, princípio como norma jurídica.
Pelo que adverte Luís Roberto Barroso:
“(...) O papel do cientista natural é a descrição de sistemas reais, do modo de ser de determinado objeto. O Direito não é uma ciência da natureza, mas uma ciência social. Mais que isso, é uma ciência normativa. Isso significa que tem a pretensão de atuar sobre a realidade, conformando-a em função de certos valores objetivos. O Direito visa a criar sistemas ideais: não se limita a descrever como um determinado objeto é, mas prescreve como ele deve ser.”[4]
Logo, pode-se compreender que, distintamente da ciência natural, a ciência do direito é normativa, operando na esfera do dever-ser. Por essa razão, o seu objeto é a norma jurídica, por tratar-se de uma ciência normativa. Portanto, complementa Barroso, “normas jurídicas são o objeto do Direito, a forma pela qual ele se expressa.” Deixa claro o autor que estas normas são “prescrições, mandamentos, determinações que, idealmente destinam-se a introduzir a ordem e a justiça na vida social.”[5]
Nesse sentido, Leo Van Holthe entende que as normas jurídicas constituem o gênero, do qual são espécies as regras e os princípios jurídicos.[6] Ademais, Barroso também conclui que veio a se consolidar na teoria do direito o entendimento que normas jurídicas são, sim, “um gênero que comporta, em meio a outras classificações, duas grandes espécies: as regras e os princípios.”[7]
Norberto Bobbio, citado por Dirley, acrescenta que:
“Os princípios gerais são apenas... normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerias. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulado: ma então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?”[8]
Princípios são normas jurídicas. Esta seria uma conceituação válida, correta, porém incompleta, uma vez que não nos apresenta condições de distingui-los dentre as demais normas. Cabe, portanto, agregar-se a este conceito elementos definidores capazes de possibilitar a identificação de um princípio.
Mais uma vez recorrendo às lições de Luís Roberto Barroso, destaca-se que o autor traz à discussão o caráter valorativo dos princípios:
“O reconhecimento da distinção valorativa entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo. Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico.”[9]
Este mesmo constitucionalista, ao escrever o artigo intitulado Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito, adota a concepção que “há direitos fundamentais que assumem a forma de princípios (liberdade, igualdade) e outros a de regras (irretroatividade da lei penal, anterioridade tributária). Ademais, há princípios que não são direitos fundamentais (livre-iniciativa).”[10]
Robert Alexy, ao tratar do duplo caráter das normas de direitos fundamentais, afirma que estas normas podem ser regras, podendo, igualmente, serem apresentadas como princípios, sendo possível, em alguns casos, possuírem estas normas o duplo caráter, qual seja, o de regra e de princípio.[11]
Humberto Ávila, ao escrever sobre a teoria dos princípios, traça um panorama no qual apresenta a definição de Josef Esser, para quem “princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado”, bem como a conclusão a que chega Karl Larenz que aduz que princípios são “normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, norma de comportamento”.[12]
Nesse passo, Ávila conclui que:
“Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas: normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos.”[13]
Por fim, Canotilho esclarece que “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos”[14]
Em suma, apesar de diversa a conceituação, pode-se concluir que há uma certa unidade conceitual implícita, de modo que o conceito sintético de princípio apresentado por Alexy, “princípios são mandamentos de otimização”,[15] nos traz a clareza necessária para introduzirmos a discussão sobre o tema, corroborada pelos ensinamentos de Barroso que destaca que “os princípios são – notadamente os princípios constitucionais – a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico”.[16]
2. Distinção entre regras e princípios
Apresentada a conceituação de princípio, convém, pois, traçarmos aspectos distintivos entre as regras e os princípios, visto que ambos são espécies de normas jurídicas, como já visto, e comumente são confundidas, não sabendo o intérprete, ao certo, qual delas se apresenta no enunciado normativo.
É cediço que a discussão sobre a distinção destes institutos não é recente e possui grande relevância prática, ao passo que a “distinção qualitativa entre as duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo”.[17]
Humberto Ávila apresenta um panorama da evolução da distinção entre estes institutos, podendo resumir da seguinte forma seus estudos: para Josef Esser, o critério distintivo estaria na “função de fundamento normativo para a tomada de decisão”, ou seja, seria uma distinção qualitativa; para Karl Larenz, distinguem-se também em “função de fundamento normativo para a tomada de decisão, sendo a qualidade decorrente do modo de formulação da prescrição normativa”, posto que os princípios “não são regras suscetíveis de aplicação”; já para Canaris a distinção se dá pelo fato de os princípios possuírem “conteúdo axiológico explicito” e necessitarem de regras para serem concretizados, além de serem precedidos de “processo dialético de complementação e limitação”; para Dworkin, a distinção “não consiste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios classificatórios”; e Alexy os distingue por entender que os princípios possuem “apenas uma dimensão de peso e não determinam as conseqüências normativas de forma direta, ao contrário das regras”.[18]
Dos autores citados por Humberto Ávila, nós analisaremos mais detidamente alguns aspectos da teoria de Dworkin e a de Robert Alexy, por entendermos serem as que mais citados em estudos sobre o tema.
Ronald Dworkin, ao escrever o livro Levando os Direitos a Sério, faz uma distinção entre regras e princípios a partir da apresentação de casos práticos, os quais não seriam resolvidos, segundo ele, se adotássemos métodos clássicos de interpretação de regras.
“A diferença entre princípios jurídicos e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou é inválida, e neste caso em nada contribui para a decisão.”[19]
Como se depreende, o jurista, introdutoriamente, apresenta a técnica utilizada para se verificar a possibilidade de aplicar ou não determinada regra. Sendo válida para o caso concreto, a regra será aplicada; no entanto, se inválida, não será aplicada. Por isso chama essa forma de resolução de tudo-ou-nada. Ressalta-se, porém, que o próprio Dworkin alerta-nos para o fato de que as regras podem ter exceções, as quais devem estar no enunciado normativo.
“Contudo, um enunciado correto da regra levaria em conta essa exceção; se não fizesse, seria incompleto. Se a lista de exceções for muito longa, seria desajeitado demais repeti-la cada vez que a regra fosse citada; contudo, em teoria não há razão que nos proíba de incluí-las e quanto mais o forem, mais exato será o enunciado da regra.”[20]
Ao tratar de princípios, Dworkin afirma que estes possuem uma dimensão de peso ou importância que as regras não têm, de modo que, em caso de colisão, o que tiver maior peso se sobreporá ao outro, sem que este perca a sua validade[21].
Inobstante a isso, Robert Alexy faz referência a alguns critérios para distinguir os institutos: critério da generalidade, “a determinação dos casos de aplicação, a forma de seu surgimento, (...) o caráter explícito de seu conteúdo axiológico, a referência à ideia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a importância para a ordem jurídica”[22].
Prossegue Alexy, afirmando que outro fator distintivo é o fato de os princípios “serem razões para regras ou serem eles mesmos regras”, ressaltando, ainda, a possibilidade de se constituírem “normas de argumentação ou normas de comportamento”.[23]
Entende o supracitado autor que a distinção qualitativa é a acertada e aponta critério que se assemelha ao apresentado por Dworkin:
“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau.”[24]
Ante o quanto exposto, é inevitável concluir que são inúmeros os critérios distintivos, sobretudo pelo fato de termos lançado mão de apenas alguns dos que a doutrina aponta como suficientes para efetuar a delimitação do que vem a ser cada espécie de norma ora estudada.
Luís Roberto Barroso sintetiza e classifica os referidos critérios[25], sem, contudo, por fim à discussão. O primeiro critério que Barroso apresenta tem por parâmetro de análise o conteúdo da norma. Nesse particular, os princípios “são normas que expressam decisões políticas fundamentais”, “valores a serem observados em razão de sua dimensão ética”, “ou fins públicos a serem seguidos”. De outra sorte, as regras jurídicas não conduzem a “valores ou fins públicos porque são a concretização destes”. Isso ocorre porque o legislador, diferentemente do que fizera quanto aos princípios, não deixou para o intérprete a avaliação das condutas aptas à realização das regras.[26]
Distinguem-se também, afirma Barroso, quanto à estrutura normativa. À medida que, enquanto os princípios “apontam para estados ideais a serem buscados”, sem descrever objetivamente a conduta a ser seguida, as regras, ao revés, descrevem comportamentos, dando ao intérprete pequena margem de interferência em caso de se atribuir “sentidos aos seus termos e na identificação de suas hipóteses de identificação”. Logo, enquanto os primeiros “são normas predominantemente finalísticas”, as “regras são normas predominantemente descritivas”.[27]
Por fim, pelo modo de aplicação é que Barroso entender residir a principal distinção entre as duas espécies normativas, retomando o que fora assinalado linhas acima: regras são aplicadas na modalidade tudo ou nada, restando violada caso deixe de ser aplicada à sua hipótese de incidência. Opera-se a subsunção, enquadrando-se o fato na norma de modo a se chegar a uma conclusão objetiva, pois são comandos definitivos, visto que, para que não seja aplicada é necessário que exista uma regra de exceção ou que seja inválida.
No que respeita aos princípios, estes “indicam uma direção, um valor, um fim”; não sendo aplicados na modalidade tudo ou nada, posto que assumem uma dimensão de peso no caso concreto. Observe-se que não há um peso estabelecido previamente para cada princípio, mas será a situação específica que conduzirá o intérprete ao exercício de ponderação a fim de definir, naquelas circunstâncias do caso em análise qual princípio apresenta maior peso.[28]
Conclui, pois, Roberto Barroso:
“Por isso se diz que princípios são mandamentos de otimização: devem ser realizados na maior intensidade possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese. Daí decorre que os direitos neles fundados são direitos prima facie – isto é, poderão ser exercidos em princípio e na medida do possível.”[29]
3. Colisão entre princípios e conflito entre regras
Obviamente, tem-se que perquirir que tipo de norma está a colidir, no caso concreto, para que se aplique a técnica adequada à solução do conflito. Isso porque, conforme já acima esposado, a forma de solução do eventual conflito se distinguirá de acordo com a espécie normativa verificada.
Em se tratando de regra, a solução não guarda maior complexidade. Cabe ressaltar que “as regras têm a função de gerar uma solução para um conflito, evitando que a controvérsia entre valores morais que elas afastam ressurjam no momento de aplicação”.[30]
Entretanto, em que pese essa função peculiar de solução de conflito, as próprias regras podem entrar em conflito. De acordo com o que nos ensina Ronald Dworkin:
“Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, de ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras que dão precedência à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero. Um sistema jurídico também pode preferir a regra sustentada pelo princípio mais importante.”[31]
Na mesma linha, Robert Alexy afirma que “um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma delas for declarada inválida”.[32]
Assevera Alexy que se o conflito não for resolvido pela inclusão de uma cláusula de exceção, o será “por meio de regras como Lex posterior derogat lige priori e Lex specialis derogat legi generali”. Por esta razão, conclui-se que os “conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade”.[33]
Encontraremos solução diversa quando, no caso concreto, constatarmos conflito entre princípios. Pois, estes, ao contrário das regras, podem colidir, mesmo que ambos sejam válidos. Não se trata de verificar qual dos princípios colidentes é inválido como se faz no caso de colisão entre regras, mas sim, de se perquirir qual tem maior peso na análise fática.
Alexy sintetiza:
“Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção.”[34]
O que nos afirma o autor alemão é que “um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições”. No entanto, em outras “condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”. Naturalmente, conclui o autor, que “isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência”.[35]
Não há prevalência prima facie de um princípio em relação a outro. Isso porque, de acordo com Celso Ribeiro Bastos, citado por Manoel Jorge, “Pode-se argumentar corretamente que todos os direitos individuais são passíveis de limitação.” Manoel Jorge apresenta também uma hipótese que acredita configurar-se exceção: “Talvez o único que escape a tal regra é o direito à igualdade perante a lei, que, por sua vez, não elide adequação interpretativa.”[36]
Por essa razão, o eventual conflito entre princípios[37] não será resolvido com a invalidação, mas com o sopesamento entre esses interesses colidentes. Este sopesamento tem por objetivo definir qual dos interesses que, embora abstratamente estejam no mesmo nível, tem maior peso no caso concreto.[38]
É a partir do sopesamento que Alexy apresenta a lei de colisão. O autor nos ensina, portanto, que é possível se estabelecer a seguinte premissa, que servirá de base: “em um caso concreto, o princípio P1 tem um peso maior que o princípio P2 se houver razões suficientes para que P1 prevaleça sobre P2 sob as condições C, presentes nesse caso concreto”.[39] Logo, estando presentes as condições “C”, caso colidam P1 e P2 é possível que se estabeleça a priori que, em dadas condições, um dos princípios terá maior peso, prevalecendo diante do outro.
Reafirma Alexy que duas normas quando consideradas isoladamente podem levar a conclusões contraditórias, no entanto não se pode imaginar, por isso, que uma invalidará a outra, visto que não há precedência absoluta de nenhuma delas. Essa precedência só pode ser avaliada à luz do caso concreto.[40]
Diante dessa análise, é apresentada a seguinte conclusão com base na lei de colisão: “As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio que tem precedência.”[41]
Como exemplo, para deixar o mais claro possível esse entendimento, pode-se dizer que quando o legislador optou por criar a regra que possibilita a aplicação da prisão preventiva, verificou que em determinadas condições fáticas o princípio da segurança pública se sobrepõe aos direitos individuais da liberdade, ainda que não tenha ocorrido o devido processo legal nem a imposição de uma pena.
Por fim, aduz-se que “a ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento”. Torna-se, portanto, evidente que “a ponderação, sem uma estrutura e sem critérios materiais, é instrumento pouco útil para a aplicação do Direito”.[42]
Ávila chega à conclusão assemelhada àquela a que chega Alexy, asseverando que “os estudos sobre a ponderação invariavelmente procuram estruturar a ponderação com os postulados de razoabilidade e de proporcionalidade e direcionar a ponderação mediante utilização dos princípios constitucionais fundamentais”.[43]
4. Princípio da proporcionalidade
Para Ávila, a ponderação se realiza em três etapas: a primeira seria a “preparação da ponderação”, na qual se analisam todos os elementos e argumentos de forma exaustiva; a segunda etapa é a da “realização da ponderação”, pela qual se fundamenta a “relação estabelecida entre os elementos objeto de sopesamento”; e a última seria a da “reconstrução da ponderação”, realizada “mediante a formulação de regras de relação, inclusive de primazia entre os elementos de sopesamento, com a pretensão de validade para além do caso.”[44]
Robert Alexy, ao tratar do tema, afirma que esta é feita com a aplicação da “máxima da proporcionalidade”, subdividindo-o em três “máximas parciais”: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.[45]
Para Alexy, meio idôneo ou adequado é aquele capaz de concretizar o direito fundamental. Logo, caso o meio utilizado não concretize, efetivamente, o direito fundamental, será inidôneo. Constitui-se uma análise da possibilidade fática.[46]
Humberto Ávila esclarece que:
“A adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não o meio, ele próprio) possa contribuir para a promoção gradual do fim”.[47]
Adverte, com efeito, Humberto Ávila que para que se compreenda essa relação entre meio e fim deve-se responder a três perguntas:
“O que significa meio adequado à realização do fim? Como deve ser analisada a relação de adequação? Qual deve ser a intensidade de controle das decisões adotadas pelo Poder Público?”.[48]
Passando à análise da necessidade, verifica-se se a concretização do direito fundamental (P1) é a menos gravosa para o direito fundamental (P2). Portando, se houver meio menos gravoso para que se exercite o P1, não será necessário o que foi implementado. Trata-se, também, de verificação de possibilidades fáticas, conforme leciona Alexy.
Para Humberto Ávila, trata-se da “verificação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmente escolhido”.[49] Quer-se saber se há meios que possam realizar o direito fundamental, de maneira a restringir em menor intensidade o princípio afetado.
Nesta fase, se “estabelece si la importancia de satisfacer el principio opuesto”.[50]
O terceiro passo é a análise da proporcionalidade em sentido estrito, como afirma Alexy, “mandamento de sopesamento propriamente dito”[51]. Nem sempre se chega a esta fase. Constitui-se numa análise jurídica.
Quanto mais alto é o grau do não cumprimento ou do prejuízo do princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do outro. Para sacrificar um princípio, o outro deve possuir maior peso, no caso concreto. “Finalmente, em la tercera etapa se establece si la importancia de satisfacer el segundo principio justifica el detrimento o la satisfacción del primer principio”[52].
Deve-se atribuir valores, pesos, importância, significado aos princípios. São três as etapas a se seguir nesta fase: analisa-se o grau de sacrifício ao princípio (baixo, médio, alto); bem como o grau de importância do outro princípio (baixo, médio, alto) e, por fim, verifica se a concretização de um compensa o sacrifício do outro.
Se o peso do primeiro é alto, deve-se sacrificar o segundo. Se a importância do segundo é alta, não se deverá privilegiar o primeiro. É um procedimento altamente racional, pelo qual se realiza um juízo racional sobre o sacrifício e a importância dos princípios.[53]
Na sistematização desta fase, Ávila, ao descrevê-la como a “comparação entre a importância de realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais”, indaga: “O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais?”.[54]
Na hipótese de resposta positiva para a pergunta feita, concluir-se-á que a restrição imposta a um dos princípios colidentes guarda proporcionalidade.
5. Conclusão
À vista do exposto, impende concluir-se que, em que pese a grande discussão doutrinária, a distinção entre princípio e regras está na esfera qualitativa, visto que aqueles são, segundo Dworkin, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados, ou passo que as regras seriam satisfeitas na modalidade ou tudo ou nada.
Esta distinção tem essencial relevo nas hipóteses de aparente antinomia. Pelos ensinamentos de Alexy, deparando-se o aplicador do direito com eventual conflito entre regras, há de ser feita a análise a partir da subsunção do caso à hipótese normativa, considerando prevalecente aquela de maior grau ou cuja especialidade ou posterioridade seja observada.
No entanto, em se tratando de princípios em rota de colisão, adotar-se-á técnica diferenciada, optando-se pela aplicação do princípio da proporcionalidade, evidenciado pela adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
6. Referências
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BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Baiano de Direito Público, n. 09, março/abril/maio 2007. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rere.asp. Acessado em 18 de out. 2010.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
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CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008.
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HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 5 ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 38.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 117
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 91.
[4] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 188 a 189
[5] Idem. p. 189
[6] HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 5 ed. Salvador: Juspodivm, 2009. p . 54
[7] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 203.
[8] CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 144
[9] Idem. p. 144
[10] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil) Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Baiano de Direito Público, n. 09, março/abril/maio 2007. Disponível na internet: HTTP://www.direitodoestado.com.br/rere.asp. Acessado em 18 de out. 2010. p. 10.
[11] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 141.
[12] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 35 e 36.
[13] Idem. p. 38
[14] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1035
[15] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 117
[16] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 203
[17] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 203
[18] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 35 a 37.
[19] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39
[20] Idem. p. 40
[21] Idem. p. 40 a 42
[22] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 87 e 88. Quanto ao critério da generalidade, adverte Alexy que “Segundo esse critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo”.
[23] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008 p. 89
[24] Idem. p. 90 e 91
[25] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.205.
O autor destaca que “a doutrina costuma compilar uma enorme variedade de critérios para estabelecer a distinção entre princípios e regras. Por simplificação, é possível reduzir esses critérios a apenas três, que levam em conta: a) o conteúdo; b) a estrutura normativa; e c) o modo de aplicação. O primeiro deles é de natureza material e os outros dois são formais. Essas diferentes categorias não são complementares, nem tampouco são excludentes: elas levam em conta a realidade da utilização do termo ‘princípio’ no Direito de maneira geral. Nesse caso, como em outras situações da vida, afigura-se melhor lidar com a diversidade do que procurar estabelecer, por arbítrio ou convenção, um critério unívoco e reducionista.”
[26] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 205 a 206.
[27] Idem. p. 206.
[28] Idem 207 e 208
[29] BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 206.
[30] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 109.
[31] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução e notas por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 43.
[32] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 92.
[33] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93 e 94.
[34] Idem p. 93.
[35] Idem. p. 93 e 94.
[36] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 518.
[37] José Afonso da Silva afirma em seu Curso de Direito Constitucional que os “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
[38] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 95
[39] Idem. p. 97
[40] Idem. p. 101.
[41] Idem p. 99.
[42] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 143.
[43] Idem p. 143.
[44] Idem. p. 144.
[45] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 116.
[46] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 118
[47] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 165
[48] Idem. p. 165
[49] Idem p. 170
[50] ALEXY, Robert. Ponderacion, control de constitucionalidad y representacion. Disponível em: http://www.4shared.com/document/G_3gG-UM/Ponderacin_control_de_constitu.htm. acessado em 15 de Nov de 2010
[51] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 120.
[52] ALEXY, Robert. Ponderacion, control de constitucionalidad y representacion. Disponível em: http://www.4shared.com/document/G_3gG-UM/Ponderacin_control_de_constitu.htm. acessado em 15 de Nov de 2010. p. 6.
[53] Idem p. 6
[54] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009. p. 174.
Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA). Bacharel em Direito (UFBA). Especialização em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. Pesquisador do Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Federal da Bahia. Promotor de Justiça do estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, JAIR ANTÔNIO SILVA DE. Teoria dos Princípios: colisão entre direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27452/teoria-dos-principios-colisao-entre-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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