O ideal positivista de objetividade e neutralidade mostrou-se inadequado, o formalismo exagerado pôs em risco as Constituições.
Surge então a teoria material da constituição para contrapor a ideologia liberal, sacrificando os primados do constitucionalismo clássico. O foco de tensão do Direito Constitucional passou a ser os direitos fundamentais, trata-se da espinha dorsal do pensamento moderno.
Dentro deste contexto, inovações constitucionais foram brotando, os estudos revelaram a normatividade da constituição, a interpretação abandonou a velha dogmática jurídica.
Tribunais constitucionais e juízes de uma maneira geral passaram a adotar esta postura moderna, abrilhantou o ativismo judicial voltado à integração dos direitos fundamentais.
Não poderia ser diferente, a mesma preocupação que outrora pesava sobre o executivo, agora pesa sobre o judiciário.
Um novo dilema surge, a normatividade alcançada poderia ser atingida a tal ponto que o Direito Constitucional correria risco. A politização exagerada associada a decisões casuísticas destituídas de juridicidade poderia levar a uma crise constitucional, com confusão de poderes e competências, e com supressão de garantias.
A preocupação acima aludida é verdadeira, sendo levantada por diversos estudiosos, inclusive por Paulo Bonavides em seu Curso de Direito Constitucional, veja-se as palavras do ilustre doutrinador:
“Se exagerarmos, porém, na teoria material da Constituição, tornamos a reiterar, o Direito Constitucional corre o grave risco de dissolução; já não será ciência, mas literatura política, e, além de entrar em declínio de normatividade, ele se flexibilizará, disperso nos casuísmos do poder ou nas soluções tópicas de um decisionismo sem juridicidade, que confunde poderes, extingue garantias e transgride competências”. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 591. (grifo nosso)
Esse estado de alerta vem acompanhado de três outras questões, quais sejam: a legitimidade do judiciário; sua interferência na viabilização de políticas públicas e a existência de uma suposta supremacia ética do Poder Judiciário sobre os demais poderes.
A legitimidade do Poder em comento está estampada na própria Constituição Federal e nas demais Leis, emanadas do Poder Legislativo, cujos integrantes são eleitos por voto popular.
No que toca ao segundo ponto levantado, evidente que o judiciário no exercício de suas funções constitucionais pode e deve integralizar os direitos fundamentais, inclusive viabilizando políticas públicas por meio de uma interpretação jurídica de vanguarda, assim como prega o pós-positivismo, no entanto, mister se faz ressaltar que neste processo não se pode esquecer as cláusulas pétreas, vetores fundamentais do sistema, sem os quais o nosso Estado Democrático de Direito não pode subsistir.
Por fim, não há uma supremacia ética do poder judiciário capaz de legitimá-lo em incursões sobre as prerrogativas e atribuições dos demais poderes, até porque os componentes do judiciário, apesar de recrutados por meio de um critério técnico, ou técnico-político, a exemplo dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, estão sujeitos às mesmas paixões e aos mesmos pré-conceitos que atormentam os integrantes dos demais poderes, escolhidos pelo voto popular. Parece óbvio que dogma da neutralidade não mais existe, ou ao menos, ninguém mais nele acredita. Melhor seria acreditar na objetividade possível, assim como ensina Luis Roberto Barroso:
“A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas no direito como em outros domínios, jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre o produto de uma interação entre o interprete e o texto, e seu produto conterá elementos objetivos e subjetivos”. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 288. (grifo nosso)
É preciso concluir. Os avanços promovidos pelo pós-positivismo foram necessários para afastar a irracionalidade do liberalismo, mas verdade é que quaisquer descompassos, motivados pelas mesmas bases filosóficas que permitiram a derrocada do positivismo, podem ocasionar o descarrilamento do nosso direito constitucional, provocando perdas inenarráveis, principalmente em relação aqueles valores de chamamos de cláusulas de pedra.
Bibliografia:
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves; SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza. A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocência Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
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