A técnica da lei “ainda constitucional”, de origem Alemã, é também denominada na doutrina e na jurisprudência como "inconstitucionalidade progressiva" ou "declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade". Consiste na flexibilização do controle de constitucionalidade utilizada em situações constitucionais imperfeitas, de forma a considerar as normas questionadas como ainda pertencentes ao arcabouço jurídico.
Segundo Bulos (2011, p. 158), “situação constitucional imperfeita é o estágio provisório de constitucionalidade, no qual o ato legislativo está passando por um progressivo processo de inconstitucionalização”. São normas que, embora sejam incompatíveis com a Constituição Federal de 1988, situando-se entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta, devem ser mantidas no ordenamento jurídico vigente em razão de circunstâncias fáticas que as autorizam.
O Supremo Tribunal Federal, em alguns julgados, nos quais se discutia a recepção de dispositivos legais pela Constituição Federal de 1988, utilizou essa técnica de flexibilização. No Recurso Extraordinário nº 248.869-SP, o Ministro Sepúlveda Pertence sustentou em seu voto que não vislumbrava a inconstitucionalidade do § 4º, do artigo 2º, da Lei 8.560/92, por achar apropriada a atuação do Ministério Público até que se viabilize a implementação plena da Defensoria Pública em cada Estado, nos preceitos do parágrafo único, do artigo 134, da Constituição Federal.
No julgamento do Recurso Extraordinário 135.328/SP, ao se manifestar acerca da constitucionalidade do artigo 68 do Código de Processo Penal, após a vigência da CF/88, o Supremo Tribunal Federal expôs que, diante da precariedade operacional na implantação do mandamento do artigo 134 da Constituição Federal, o artigo 68 do CPP seria considerado ainda vigente, subsistindo a legitimidade do Ministério Público para propositura da ação civil ex delicto nas unidades da Federação em que a Defensoria Pública não tenha sido instituída e organizada de direito e de fato, persistindo até mesmo a assistência judiciária como tarefa atípica de Procuradores do Estado.
Consagrou-se, assim, neste julgado o entendimento de que o artigo 68 do Código de Processo Penal é uma norma ainda constitucional, todavia está em trânsito para a inconstitucionalidade, paulatinamente, à medida que as Defensorias Públicas forem estabelecidas e possam operar de forma efetiva e eficaz.
Em outra oportunidade, o Supremo Tribunal Federal empregou novamente a técnica da lei “ainda constitucional”, concluindo pela momentânea constitucionalidade do prazo em dobro para as Defensorias Públicas apresentarem recursos:
A controvérsia constitucional objeto do recurso extraordinário, a que se refere o presente agravo de instrumento, já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário, ao julgar o RE 135.328/SP, Rel. Min. Marco Aurélio (RTJ, 177:879, fixou entendimento no sentido de que, enquanto o Estado de São Paulo não instituir e organizar a Defensoria Pública local, tal como previsto na Constituição da República (art. 134), subsistirirá íntegra a regra incrita no art. 68 do CPP, na condição de norma ainda constitucional – que configura um transitório estágio intermediário situado entre os estados de plena constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade’(...) – mesmo que tal preceito legal venha a expor-se, em face de modificações supervenientes das circunstâncias de fato, a um processo de progressiva inconstitucionalização (...). É que a omissão estatal, no adimplemento de imposições ditadas pela Constituição – à semelhança do que se verifica nas hipóteses em que o legislador comum se abstém, como no caso, de adotar medidas concretizadoras das normas de estruturação orgânica previstas no estatuto fundamental – culmina por fazer instaurar “situações constitucionais imperfeitas’ (...0, cuja ocorrência justifica um tratamento diferenciado, não necessariamente reconduzível ao regime da nulidade absoluta’ (...), em ordem a obstar o imediato reconhecimento do estado de inconstitucionalidade no qual eventualmente incida o Poder Público, por efeito de violação negativa do texto da Carta Política.(STF, AGL 482332/SP, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 30-04-2004).
A crítica que se faz ao emprego dessa técnica é a de que ela viola veemente os princípios da segurança jurídica e da supremacia da Constituição, por se considerar inadmissível a aplicação de uma norma infraconstitucional em discordância do previsto na Constituição Federal, que é a lei maior da República Federativa do Brasil.
Não obstante seja respeitável tal posicionamento, é louvável o avanço do Supremo Tribunal Federal ao abandonar o rigorismo exagerado das técnicas usuais de análise da constitucionalidade das normas, para adotar a flexibilização das técnicas de decisão, de modo a reconhecer que a existência de situações constitucionais imperfeitas justifica que a norma constitucional seja relativizada, para sua melhor adequação aos casos concretos, e que as normas questionadas sejam mantidas no ordenamento jurídico.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Dispõe sobre a instituição do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 25 de novembro de 2011, às 9h01.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Método, 2011.
Sites:
http://www.stj.gov.br, acesso em 25 de novembro de 2011, às 9h01.
http:// www.stf.jus.br, acesso em 25 de novembro de 2011, às 13h44.
Precisa estar logado para fazer comentários.