SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. 1.1 FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. 2. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. CONCLUSÃO.
I - INTRODUÇÃO.
O presente texto tem por objetivo enfrentar o tema direito fundamental à saúde, com ênfase na obrigação do Estado em fornecer medicamentos, bem como a responsabilidade solidária dos entes federativos em garantir aos cidadãos o efetivo cumprimento deste preceito fundamental.
A questão ganha principal destaque com a constante negativa da rede pública de saúde em fornecer os medicamentos de alto custo e a proliferação de ações judiciais com o intuito de condenar o Estado a entregar tais medicamentos indispensáveis ao tratamento e manutenção da vida do indivíduo.
Diante da negativa estatal, não resta alternativa ao cidadão necessitado a não ser promover uma ação judicial que, neste caso, poderá imputar a lide contra todos ou qualquer um dos entes federativos, visto que a responsabilidade destes entes é solidária, de forma que todos estão obrigados a cumpri-la.
II – DESENVOLVIMENTO
1. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
Proteger a saúde do indivíduo nada mais é senão efetivação ao texto constitucional que garante, com proteção integral, a inviolabilidade do direito à vida, bem de maior valor, previsto no artigo 5º da CF/88. Ciente da magnitude deste bem, como também da sua fragilidade, o constituinte não poupou esforços em protegê-lo e o elencou como preceito fundamental, incluindo-o no rol dos direitos e garantias fundamentais.
A proteção constitucional que garante a saúde está expressamente prevista no artigo 6º da Carta Magna, no capítulo dos direitos sociais:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso)
Ao fazer uma interpretação sistemática do texto constitucional, não resta dúvida que a intenção do legislador foi de não poupar esforços para proteger a vida, qualificando o direito à saúde como direito fundamental a todos, visto que este representa uma consequência indissociável do direito à vida.
Assim, não é possível admitir que o Estado tente se omitir de sua responsabilidade como garantidor do direito à saúde, já que o próprio legislador constituinte o colocou nesta condição ao estabelecer o artigo 196 da Carta Magna:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso)
Conforme o citado artigo, é de responsabilidade do Estado promover, através de políticas públicas, as condições necessárias para salvaguardar todos os tratamentos necessários à manutenção da saúde do cidadão, colocando à sua disposição ações e serviços de saúde (art. 197 CF), o acesso universal e o atendimento integral às pessoas necessitadas, desde concessão de medicamentos gratuitos, fornecimento de tratamento cirúrgico, oncológico, exames, etc.
Neste sentido, copiamos trecho da ilustre decisão de relatoria do desembargador do Estado de São Paulo LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA, no julgamento do recurso de Apelação/Reexame necessário nº 9000576-25.2010.8.26.0506, proferido em 30/01/2012:
“O direito à vida é amplo e explicitamente protegido pela Carta Magna. No dizer de Jacques Robert, citado por José Afonso da Silva, “o respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., SP, Malheiros Editores, 1997, p. 195). Por princípio básico de hermenêutica jurídica, quem dá os fins tem de dar os meios. A Constituição Federal, quando estabelece o direito à vida (art. 5º, caput) e o direito à saúde (art.6º), está dizendo que nenhum ser humano poderá ter interrompida a sua trajetória na face da Terra a não ser que inexistam meios, ao alcance do Estado, para evitar a morte.
A omissão do poder público viola regra profundamente enraizada na consciência ética e jurídica dos povos civilizados, de sorte que ao Estado não é dado, mesmo por inação, tirar da pessoa aquilo que a ela não deu, vale dizer, a vida. Está-se aqui diante daquilo que os juristas conhecem como omissão juridicamente relevante, pois o Estado tem, por força da carta magna, obrigação de cuidado e proteção. Sonegar um remédio vital, imprescindível à sobrevivência do enfermo, é conduta da maior gravidade, não escusável, sobretudo à vista do mandamento inscrito no artigo 198, II, da Constituição Federal. A mesma carta constitucional que garante o direito à vida, dá ao homem público os meios para prover a fruição do direito, que estão nos artigos 195 e 198, parágrafo único, daquele texto. Mais que isto, o Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 791, de 9/3/95) prevê, no seu art. 7º, a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas que causarem danos ao indivíduo ou à coletividade”.
Diante do exposto, garantir a saúde do cidadão proporcionando todos os meios necessários a manutenção da vida, além de um dever do Estado expressamente previsto na Constituição Federal, também representa um maneira de proporcionar a todos o respeito à dignidade da vida humana, efetivando um dos principais fundamentos do Estado Democrático do Direito, conforme reza o artigo 1º, III, da Constituição Federal.
1.2 DO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS.
A obrigação do Estado em garantir ao cidadão o direito à saúde engloba desde o fornecimento de medicamentos, quanto à necessidade de intervenção cirúrgica, exames, concessão de tratamento oncológicos e bem como qualquer outra intervenção que se fizer necessária para estabelecer a vida e proporcionar a cura das patologias aos necessitados.
Nesse contexto, muitas vezes nos deparamos com situações em que o Sistema Único de Saúde nega o fornecimento de medicação prescrita alegando que o remédio não é fornecido por não constar na portaria de remédio de distribuição autorizada. Ocorre que a obrigação do Estado é de zelar pela vida, não se permitindo poupar esforços para combater as enfermidades. Logo, se existe alguma forma possível de tratamento, ainda que seja apenas um medicamento paliativo, é obrigação do Estado fornecê-la, estando ou não previsto em tal portaria.
Isto porque a norma constitucional prevê o direito à saúde de forma ampla, possuindo aplicação imediata, não existindo nenhum outro regulamento capaz de limitar tal previsão, sob pena de notória inconstitucionalidade. Desta forma, não é possível que a concessão de algum medicamento, prescrito por profissional habilitado, possa ser negado ou substituído por outro, simplesmente para atender a uma questão burocrática e, assim, desvalorizando o direito à proteção amplamente concedida à saúde e à vida.
E, neste sentido, ilustramos nosso texto, com outro trecho do acordão acima citado:
“ Não haverá de ser uma Portaria ou Protocolo, norma de terceiro escalão na hierarquia do ordenamento jurídico, a restringir a aplicação da lei e da regra constitucional. O Sistema Único de Saúde não implica o reconhecimento de um papel de simples gerenciamento das ações de saúde por parte do Estado membro. Aliás, o artigo 6º da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro, ao dispor sobre as condições para a prescrição, proteção e recuperação da saúde, estabelecendo diretrizes para a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, permite entender que aquele conjunto de ações integradas não comporta aplicação restritiva (decisão de relatoria do desembargador LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA, TJSP, julgamento do recurso de Apelação/Reexame necessário nº 9000576-25.2010.8.26.0506, proferido em 30/01/2012).
Pelo exposto, o direito à saúde garante ao cidadão a concessão do medicamento que se fizer necessário à redução do risco de doença, conforme prescrição médica, a ser fornecido pelo Estado de forma gratuita, mediante políticas sociais e econômicas.
1.3 DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS.
O Estado brasileiro foi constituído de forma federativa, conforme reza o artigo 60, parágrafo 4º, I, da CF. Assim, todos os entes federativos, ou seja, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, possuem a mesma obrigação de promover a saúde pública de forma solidária.
O intuito do constituinte, ao estabelecer a gestão da saúde pública como obrigação de todos os entes, foi observado inclusive no artigo 198, § 1º, da CF, ao criar um Sistema Único de Saúde, em que o financiamento conta com recursos orçamentários da seguridade social, da União, Estados, Distrito federal e Municípios, além de outra fontes.
Portanto, é de responsabilidade solidária de todos os entes federativos a concessão de medicamento, podendo o cidadão diante da negativa do fornecimento demandar contra qualquer um dos entes estatais ou contra todos.
Neste sentido, observamos a posição do Egrégio Tribunal do Rio de Janeiro, no voto do julgamento da apelação cível nº 0003006-75.2010.8.19.0061, de relatoria do Desembargador Rogério de Oliveira Souza, 9ª câmara cível, julgamento em 31/01/2012:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES FEDERATIVOS. SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 65 DO TJRJ. RESERVA DO POSSÍVEL. DIREITO À VIDA. PREVALÊNCIA. A saúde é direito social constitucionalmente reconhecido e, como tal, apresenta uma dupla vertente. Se um por lado é dotado de natureza negativa, cabendo ao Estado e a terceiros o dever de absterem-se da prática de atos que prejudiquem os destinatários da norma, por outro, reveste-se de natureza positiva, fomentando-se, assim, um Estado prestacionista. Sob tal diretriz, cabe ao Estado em sentido lato garantir a saúde de todos, mediante a adoção de políticas que visem à redução de risco de doenças. A súmula 65 do TJRJ fixou a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, em apreço aos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, bem como à Lei nº 8080/90. Infringência à reserva do Possível não configurada. Conhecimento e negativa de seguimento ao recurso.
III - CONCLUSÃO
Diante do exposto, visto o direito à saúde, como direito fundamental, demonstramos a obrigação do Estado, quer através da União, do Estado-membro, do Distrito Federal ou do Município, separada ou conjuntamente, de zelar pela vida e saúde de todos os seus cidadãos, uma vez que a responsabilidade desses entes é solidária.
O fornecimento de medicação, exames, cirurgias, tratamentos oncológicos ou até mesmo o fornecimento de suplementos alimentares, cadeiras de rodas, é direito do cidadão e dever do Estado, sendo sua garantia a previsão taxativa da Constituição ao estabelecer o direito à vida, à saúde, como também a prescrição do princípio da dignidade da vida humana, previsto no artigo 1º, III da Constituição Federal, como fundamento do Estado Democrático do Direito.
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Fabio Camacho Dell' Amore. Direito à saúde e a responsabilidade solidária dos entes federativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev 2012, 11:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27837/direito-a-saude-e-a-responsabilidade-solidaria-dos-entes-federativos. Acesso em: 22 nov 2024.
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