1. INTRODUÇÃO
Evidencia-se uma problemática a respeito da constitucionalidade das leis que vedam a concessão de medidas liminares em ações constitucionais. Com efeito, no Brasil existem leis que vedam a concessão de liminares em relação à incorporação de vencimentos e vantagens de servidores públicos ou à antecipação de tutela em face da Fazenda Pública.
Diante disso, o presente trabalho analisará a possibilidade da legislação infraconstitucional vedar a concessão da tutela de urgência em ações constitucionais, de maneira a verificar a harmonização necessária com os ditames estabelecidos na Carta Magna.
2. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÕES CONSTITUCIONAIS
Evidencia-se que o reconhecimento e declaração de um direito na Constituição Federal são insuficientes para assegurar sua efetividade, sendo necessários instrumentos capazes de protegê-lo contra possíveis violações.
Sendo assim, Novelino (2010) assevera que “as garantias não são um fim em si mesmo, mas um meio a serviço de um direito substancial”, consistindo em mecanismos para assegurar a proteção e efetividade dos direitos fundamentais.
Cumpre salientar que, apesar dessa distinção, não há de se estabelecer uma prevalência entre essas categorias jurídicas. Na verdade, “o direito e a sua garantia instrumental guardam para sua própria existência uma verdadeira relação de interdependência”, de acordo com Rodrigues (2010, p. 03).
Com efeito, a concepção de garantia constitucional pode estar relacionada, principalmente, a duas noções básicas. Assim, a primeira compreende as garantias como instrumentos de preservação dos valores maiores da Constituição, aqueles que permitem a própria existência de direitos plenos, a exemplo dos institutos de democracia indireta e semidireta, separação de poderes e independência judicial.
Nesse contexto, Ferreira (1971, p. 27) assevera que:
Na verdade, a própria estrutura social ou o grau de cultura política de uma nação transluzem na sua organização constitucional, preestabelecendo, de uma maneira ampla, uma harmonia entre a liberdade, o poder e a ordem, na qualidade de uma suprema garantia empírica e objetiva dos direitos do cidadão.
Por seu turno, o outro sentido de garantia constitucional relaciona-se diretamente à proteção dos direitos fundamentais. Nesse diapasão, Ferreira (1971, p. 29) também averba que:
Os preceitos gerais dessas garantias constitucionais dos direitos do homem vêm concretizar-se em determinações práticas e individuais, ou em remédios jurídicos, de natureza civil e criminal, indicados pela ciência do processo para a sustentação eficiente dos referidos direitos.
Diante disso, tendo como parâmetro essa concepção, as garantias constitucionais englobam princípios processuais como, por exemplo, o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, a inafastabilidade da jurisdição e os remédios constitucionais, que são os instrumentos capazes para exigir o respeito aos direitos fundamentais, em consonância com Rodrigues (2010).
Ademais, Rodrigues (2010) ensina também que os remédios constitucionais podem ser extrajudiciais e judiciais. Na primeira situação, observam-se o direito de petição e o direito de certidão, por exemplo. Por sua vez, na outra situação têm-se as ações constitucionais, que são espécies de garantias constitucionais que permitem o exercício dos direitos e princípios estabelecidos na Constituição Federal, por intervenção do Poder Judiciário.
Em verdade, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública, as ações de controle de constitucionalidade são exemplos de ações constitucionais no sistema jurídico brasileiro.
Por outro lado, Rodrigues (2010) ensina que a tutela judicial ensejada pelas ações constitucionais deve necessariamente abranger a tutela de urgência, seja de índole cautelar ou de antecipação de tutela, sempre que seus requisitos estiverem presentes, principalmente a plausibilidade do direito e o perigo da demora. Dessa maneira, embora não exista previsão expressa na legislação de regulamentação de habeas corpus quanto à concessão de medida liminar, esta se impôs pela necessidade de efetivar a proteção da liberdade.
Nessa esteira, vale mencionar a problemática a respeito da constitucionalidade das leis que vedam a concessão de medidas liminares em ações constitucionais, o que geralmente ocorre em remédios de natureza civil. De fato, no Brasil existem leis que vedam a concessão de liminares em relação à incorporação de vencimentos e vantagens de servidores públicos ou a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública.
Nesse diapasão, Rodrigues (2010, p. 14) afirma que tanto as leis que proíbem a “concessão de medidas liminares quanto as que as condicionam em ações constitucionais”, bem como “as que impedem a concessão de liminares sem a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público ou sem o oferecimento de cautela pelo requerente”, só podem ser aplicadas quando não ocasionar prejuízo na proteção dos direitos fundamentais, o que deve ser avaliado no caso concreto.
Segundo Mendes (2008), o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a simples proibição de concessão de cautelar em determinadas situações ou matérias não se revela afrontosa ao princípio da proteção judicial efetiva, pois muitas vezes tais proibições decorrem da probabilidade de difícil reversão da medida (riscos reversos).
Não obstante, registra-se ainda que a proibição genérica de concessões de bliminares pode afetar a proteção judicial efetiva, pois o deferimento da liminar pode ter por objetivo a conservação do direito material postulado, conforme Mendes (2010).
No julgamento da ADI-MC 223, prevaleceu no Supremo Tribunal Federal o entendimento no sentido de que, em tese, não haveria qualquer inconstitucionalidade no fato da lei geral fazer uma limitação à utilização de tutela de urgência, ressalvando que no caso concreto poderia ficar configurada a inconstitucionalidade da restrição, estando o juiz de primeiro grau livre para apreciar a lide e eventualmente prover a tutela de urgência.
Além disso, ao se referir à vedação jurídica aos absolutos, vale mencionar a lição de Didier Jr. e Zaneti Jr. (2009), os quais explicam que todas as leis que limitam, regulam ou restringem a concessão de tutela de urgência (em processo individual ou coletivo) poderão ser submetidas ao controle difuso de constitucionalidade, de forma que o referido controle garantirá a razoabilidade da restrição levando em consideração o risco de ineficácia da futura decisão.
3. CONCLUSÃO
Destarte, a respeito da possibilidade da legislação infraconstitucional vedar a concessão da tutela de urgência em ações constitucionais, constata-se que se deve avaliar cada caso concreto, somente permitindo quando não houvesse comprometimento da tutela dos direitos fundamentais, de tal sorte que essas leis poderão ser submetidas ao controle difuso de constitucionalidade, a fim de garantir a razoabilidade necessária em relação ao risco de ineficácia da futura decisão.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 223/DF. Relator: Min. Paulo Brossard. Relator para acórdão: Min. Sepúlveda Pertence. Publicado no DJ 29 de junho de 1990. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 nov. 2011.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.
FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo, Método, 2010.
RODRIGUES, Geisa de Assis. Reflexões Em Homenagem Ao Professor Pinto Ferreira: As Ações Constitucionais No Ordenamento Jurídico Brasileiro. Material da 2ª aula da Disciplina Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
Precisa estar logado para fazer comentários.