SUMARIO: 1. Breve relato do Mandado de Injunção nº. 708-DF; 2. Semelhança de Objetivo entre o Mandado de Injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; 3. Precedentes ilustrativos da superação pelo STF e STJ da tradicional doutrina de um judiciário passivo; 4. Separação do Poderes versus máxima efetividade da Constituição Federal; 5. Argumentos fático-jurídicos que possibilitam uma atuação mais ativa do STF na ADIM por omissão; 6. Possibilidades do STF, tendo como base o MI nº. 708/DF, suprir a omissão legislativa em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; 7. Conclusão;
1. Breve relato do Mandado de Injunção nº. 708-DF.
Antes de analisar especificamente os efeitos da decisão do Supremo no MI nº. 708 em futuras decisões em ADI por omissão é necessário que se faça um pequeno relato do teor fático desse mandado de injunção, para que possamos, antes de tudo, entender como se deu a mudança de jurisprudência do STF sobre a matéria.
Tendo por objetivo ver o seu direito constitucional regulamentado, o SINTEM-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa impetrou perante o Supremo Tribunal Federal o mandado de injunção de nº. 708 em face do Congresso Nacional.
Em síntese, o SINTEM questionou ato omissivo do Legislativo Federal corresponde à persistência da situação de ausência de edição de lei específica para regulamentar o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis, nos termos do inciso VII do art. 37 da Constituição Federal. Inicialmente, o impetrante alegou que a assembléia sindical dos trabalhadores em educação da rede pública de João Pessoa/PB deliberou pela aprovação de indicativo de greve, principalmente, em razão das péssimas condições de trabalho a que estariam submetidos os servidores.
A entidade sindical argumentou que, em 08 de junho de 2004, informou à Secretaria de Educação do Município de João Pessoa/PB que os professores municipais entrariam em greve por tempo indeterminado, a partir do dia 05 de julho de 2004. Nessa mesma oportunidade, a fim de negociar a situação e evitar a paralisação, o sindicato solicitou ao Prefeito de João Pessoa/PB uma audiência.
Entretanto, como as reivindicações da categoria não foram atendidas, e nem mesmo a audiência foi concedida, deflagrou-se o movimento grevista. Logo, em face da paralisação realizada pelos professores, a Administração Pública Municipal requereu a declaração de ilegalidade da greve, com pedido de antecipação de tutela, ao Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (TJ/PB).
Em 14 de julho de 2004, o Presidente do TJ/PB deferiu o pedido formulado pelo Município de João Pessoa e declarou a ilegalidade da greve deflagrada. Nessa mesma oportunidade, a Presidência do TJ/PB autorizou o desconto no salário com relação aos dias não trabalhados, sob o fundamento de que não há regulamentação do art. 37, VII, da Constituição Federal (direito de greve do servidor público), o que torna ilegal o presente movimento grevista deflagrado pelos professores do Município de João Pessoa.
Em 20 de agosto de 2004, foram solicitadas informações ao Congresso Nacional. Em resposta, o Advogado-Geral do Senado Federal, Dr. Alberto Cascais, asseverou que o Congresso Nacional não se encontra em estado de mora na elaboração da lei que regulamenta o direito de greve dos servidores públicos, já que existe em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei Completar nº. 4.497/01.
Devidamente intimado, o Ministério Público Federal, da lavra do então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, manifestou pelo conhecimento parcial do pedido tão-somente para declarar a mora legislativa do Congresso Nacional no tocante à atual regulamentação do Inciso VII do art. 37 da CF.
Quanto aos efeitos da decisão no mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que apreciou as possibilidades e condições para o exercício do direito de greve por servidores públicos, tinha o entendimento de que a Corte Suprema ficava adstrita tão-somente à declaração da existência da mora legislativa, conforme delineado nos seguintes julgados: MI nº. 20/DF, MI nº. 485/MT e MI nº. 585/TO. Assim, percebe-se que o STF adotou inicialmente, a posição não-concretista, a qual determinava que a decisão no MI apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente apenas a sua inércia.
Entretanto, em sessão datada de 20 de outubro de 2007, O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, conheceu do MI 708/DF e declarou a omissão legislativa e ainda, por maioria fotos, nos termos do voto do Relator Min. Gilmar Mendes, propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº. 7.783/89, no que couber, vencidos parcialmente, os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Carmén Lúcia, com voto proferido em assentada anterior.
Assim, conclui-se que o STF passou a adotar no MI a teoria concretista geral, já que haveria a aplicação da Legislação de greve do setor privado ao setor público enquanto persistir a mora do Congresso Nacional.
Feito a análise minuciosa do MI 708/DF e tendo em vista a posição concretista adota pelo STF para as futuras ações de mandado de injunção, passa-se a analisar as várias semelhanças entre este writ e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
2. Semelhança de Objetivo entre o Mandado de Injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão
Tendo em vista que a finalidade primordial deste artigo é demonstrar a repercução, em futuras ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal no mandado de injunção, entendimento esse esboçado no MI nº. 708/DF, é imprescindível que seja demonstrado, antes de qualquer coisa, qual a relação direta entre esse dois institutos que faz com que haja essa possibilidade de aplicação de entendimento jurisprudencial de um em outro instituto.
Apesar de esses dois institutos terem diferenças entre si, tais como: legitimidade ativa e passiva, órgão julgador, etc., essas duas ações possuem um ponto em comum que talvez seja o mais importante, qual seja, tanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão quanto o mandado de injunção buscam, nas palavras de Pedro Lenza, “combater a síndrome de inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada”1.
Ao cinco dias de outubro de 1988, após cerca de 25 anos de experiência ditatorial o país voltava, enfim, aos trilhos democráticos. Contemporânea e reflexiva, a Constituição Federal pátria marcou o seu desligamento com aquele Estado, que até então a utilizara como arma a seu favor (como havia sido com todas as Constituições até então).
Décadas mais tarde, recheada de Emendas, a Constituição Federal brasileira contempla dispositivos que sequer entraram em funcionamento, não pela ineficácia ou inaplicabilidade da norma, mas pelo desinteresse e desídia do legislativo que não lhes forneceu as “peças necessárias” para uma aplicabilidade efetiva. “Omissão legislativa”, é esta a nomenclatura utilizada para o que acontece com tais dispositivos. Trata-se de lacunas condicionadas ao conteúdo da expressão “regulamentação infraconstitucional”.
Entretanto, a ausência de funcionamento automático não significa dizer, contudo, que não possam tais normas ser movimentadas “manualmente” pelo poder judiciário. Por isso, prevendo as incertezas do amanhã, o legislador constituinte delas se precaveu fazendo constar dentro do próprio texto constitucional dois mecanismos, comumente chamados “remédios”, com escopo de sanar esse problema, os quais são Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção.
Assim, o Poder Constituinte Originário, não desejando que o seu trabalho fosse visto como a criação de apenas uma folha de papel e que suas normas fossem tidas como leis e não apenas como conselhos, criou ambos os instrumentos como uma forma de proteção dos vários direitos tão arduamente conquistados e estabelecidos na Carta Magna de 88.
Logo, a conclui-se que, apesar de serem institutos distintos, tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão quanto o Mandado de Injunção são ações que têm o mesmo objetivo, pois ambas pretendem de uma forma direta ou indireta fazer com que seja Respeitado o princípio da Supremacia da Constituição Federal, princípio este que não deve ser encarado apenas na inconstitucionalidade por ação, onde há o desrespeito direto à Constituição, mas também na inconstitucionalidade por omissão, já que nesta, por não fazer o legislador o que a Constituição ordena, há de forma indireta um desrespeito ao princípio da Supremacia da Constituição. Além disso, o próprio fato do STF, na sua página oficial na internet, manter de forma conjunta no subitem denominado “Omissão inconstitucional” casos práticos de decisões em sede de ADI e MI demonstra a relação de finalidade entre essas duas ações constitucionais2.
Assim, partindo da premissa de que o mandado de injunção luta contra a omissão do legislador, tendo, portanto, o mesmo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, e que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, passou a adotar em relação ao mandado de injunção uma posição concretista, coerente é o raciocínio de que se deva estender a aplicação desse mesmo entendimento também a ADI por omissão, já que devido aos efeitos erga omnes dessa ação, a proteção dos direitos constitucionais seria ainda maior.
Como o presente artigo pretende demonstrar a repercução do entendimento dos efeitos concretistas das sentenças do MI nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, importante se faz demonstrar a mudança de entendimento que vem, mesmo que paulatinamente, passando o Supremo Tribunal Federal, no que se refere a uma atuação mais ativa do judiciário, em relação às omissões legislativas, mesmo em ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o que será discorrido no item seguinte.
3. Precedentes ilustrativos da superação pelo STF e STJ da tradicional doutrina de um judiciário passivo.
Apesar de vários Ministros do Supremo Tribunal Federal ainda possuírem posicionamento um tanto quanto ortodoxo, percebe-se que em decisões proferidas recentemente o Pretório Excelso vem aceitando a possibilidade de uma regulação provisória pelo Próprio Judiciário, uma vez que:
A inexistência de Lei Complementar reclamada pela Constituição reflete a inobservância, pelo Poder Legislativo, dentro do contexto temporal referido do seu dever de editar o ato legislativo em questão, com evidente desapreço pelo comando constitucional, frustrando, dessa maneira, a necessidade de regulamentar o texto da Lei Maior, o que demonstra a legitimidade do reconhecimento, por esta Suprema Corte da omissão congressual apontada3.
A omissão parcial, nas palavras de Luiz Roberto Barroso4 é aquela que ocorre quando a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, violando assim o princípio da isonomia. Inicialmente, ao se analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, nota-se que ainda há Ministros apegados aos teores da Súmula 339 daquela Corte, que os proíbe de estender os benefícios concedidos a uma determinada classe e negados à outra na mesma situação fática, ainda que a pretexto de tornar efetiva a cláusula isonômica prevista na Constituição Federal5.
Contudo, em posição divergente, acertada diga-se de passagem, foi a decisão advinda do Agravo 211422-PI que teve como relator o Ministro Maurício Corrêa, que resolveu estender o reajuste de 28,86% previstos nas leis 8.622/93 e 8.627/93 àqueles excluídos, tendo em vista o cumprimento do artigo 37, X, da Constituição Federal. Destaca-se a passagem do presente acórdão:
“Senhor Presidente, sob pena de caminhar-se para verdadeiro paradoxo, fulminando-se princípio tão caro às sociedades que se dizem democráticas como é o da isonomia, não vejo como adotar óptica diversa em relação ao pessoal civil do executivo federal, já que o militar foi contemplado. As premissas assentadas por esta Corte quando da deliberação administrativa continuam de é e mostram-se adequadas no caso vertente. Houve revisão geral de vencimentos, deixando-se de fora os servidores civis. Apanhada esta deficiência da auto-aplicabilidade do preceito constitucional, Legislativo, Judiciário e Ministério Público determinaram a inclusão do reajuste nas folhas de pagamento, tendo como data-base janeiro de 1993. Nisso, deram fidedigna observância ao preceito constitucional que prevê a revisão a ser feita na mesma data sem distinção entre civis e militares. Assim, ato omissivo que insurge contrário à ordem jurídico-constitucional em vigor, valendo notar que de duas uma: ou o Judiciário, Legislativo e Ministério Público agiram em homenagem à carta da república, então procede o inconformismo dos recorrentes, ou a vulneraram. Excluo esta última conclusão pelas razões acima lançadas”.
De se ressaltar que essa decisão adquiriu notável caráter pedagógico. A ela se seguiram semelhantes pronunciamentos adotados por toda a Justiça Federal, daí ocasionando a correção da omissão relativa por parte do próprio Presidente da República, que editou medida provisória estendendo os efeitos daquele julgamento do STF.
Outro exemplo é a jurisprudência criada pelo STF para estender também aos servidores inativos os proventos estabelecidos no § 4º do art.40, da CF6. E nesse precedente, RE 198.129/SP, o curioso é que o STF se vale do mesmíssimo raciocínio usado na legitimação das sentenças manipulativas aditivas, qual seja, o argumento de que o tribunal pode desconsiderar a norma infraconstitucional discriminatória a pretexto de aplicar uma outra norma, auto-aplicável, já prevista na Constituição Federal. Por todos, confira-se:
ISONOMIA – ATIVOS E INATIVOS - §4º DO ARTIGO 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – APLICABILIDADE. A garantia insculpida no §4º do artigo 40 da Constituição Federal é de eficácia imediata. A revisão dos proventos da aposentadoria e a extensão aos inativos de quaisquer benefícios e vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade pressupõem, tão-somente, a existência de lei prevendo-os em relação a estes últimos. O silêncio do diploma legal quanto aos inativos não é de molde a afastar a observância da igualação, sob pena de relegar-se o preceito constitucional a plano secundário, potencializando-se a atuação do legislador ordinário como se a este fosse possível introduzir, no cenário jurídico, temperamentos à igualdade. Uma vez editada lei que implique outorga de direitos aos servidores em atividade, dá-se, pela existência da norma constitucional, a repercussão no campo patrimonial dos aposentados. A locução contida na parte final do §4º em comento – ‘na forma da lei’ – apenas submete a situação dos inativos às balizas impostas na outorga do direito aos servidores da ativa7.
Outra ilustração não do STF, mas sim do STJ e não menos importante, é que a diz respeito à linha jurisprudencial firmada pelo segundo mais importante tribunal brasileiro. Em matéria penal, efeito aditivo “de garantia” vem sendo dado pelo Superior Tribunal de Justiça na interpretação do art. 2º da Lei 10.259, de 12/07/2001. Esse dispositivo fixou a competência dos Juizados Especiais Criminais da Justiça Federal para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo e o parágrafo único do mesmo artigo assim as definiu: “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.” Todavia, no âmbito dos Juizados Especiais da justiça dos Estados-membros e do Distrito Federal, o legislador foi menos generoso. O art. 61 da Lei 9.099, de 26/09/95, restringiu o conceito das infrações penais de menor potencial ofensivo somente aos delitos criminais cuja pena máxima não seja superior a um ano. Mas como tal disparidade implicaria tratamento discriminatório, o STJ, embasado exatamente no princípio da isonomia, passou a entender que a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo acabou por derrogar aquela prevista no art. 61 da Lei 9.099/95. E isso tudo a despeito da regra de exclusão explícita, contida no transcrito parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001, conforme a qual a nova definição de crimes de menor potencial ofensivo só se aplicava para os efeitos da própria Lei 10.259/2001.
E por último e talvez o mais importante, por se tratar de controle de constitucionalidade abstrato, foi a ADIN 3.862-MT8, a qual teve como relator o Ministro Gilmar Mendes. Trata-se no caso do art.18,§ 4º da CF que trata da criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, esta essa criação subordinada a período determinado por lei complementar, lei essa que não foi elaborada pelo Legislativo. Em decisão proferida em 2007, a ação foi julgada procedente e declarou o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo de 18(dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.
Sendo assim, o STF e o STJ, a despeito de sua tradicional jurisprudência aferrada ao dogma da vedação de que o Judiciário aja como “legislador positivo”, admitiram fazer autênticas “adições normativas” para contemplar situações manifestamente contrárias á “vontade negativa” do Legislativo.
O maior empecilho para que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão seja eficaz, protegendo realmente os direitos estabelecidos na constituição, é a aparente violação ao princípio da separação do poderes, defendida por parte da doutrina e da jurisprudência brasileira. Por isso é necessário fazer uma ponderação de princípios, analisando assim qual princípio deva prevalecer, se o da separação dos poderes ou o da supremacia da constituição, e ainda verificar quais são os fundamentos fáticos e jurídicos que possibilitam ao STF atuar supletivamente ao legislador, em caso de sua inércia, em Ações Diretas de Inconstitucionalidades, é o que será feito no item seguinte.
4. Separação do Poderes versus máxima efetividade da Constituição Federal
Primeiramente é importante destacar que a Constituição na visão de Han Kelsen tem a natureza jurídica de norma fundamental, pois serve de fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas, sendo “o ponto de convergência de todas as normas que compõem o sistema jurídico”9 e fazem com que exista um ordenamento jurídico e não um amontoado de normas.
Assim, Tendo em vista que a Constituição Federal é a Lei suprema, foi concedido ao Supremo Tribunal Federal o papel de seu Guardião, com a finalidade de preservá-la, exercendo o controle de constitucionalidade, com o objetivo de afastar qualquer ato que a viole, seja ele comissivo ou omissivo, buscando a harmonia entre as normas hierarquicamente inferiores com a Carta Magna.
Em se tratando de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, verificada a procedência da ação, compete ao Supremo Tribunal Federal somente, nos termos do § 2º do art.103 da CF, a comunicação ao Poder omisso para que tome as medidas necessárias para assegurar a máxima aplicabilidade da norma constitucional por meio de suas funções típicas, in verbis:
Art. 103. [...]
§ 2º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
No entanto, a ciência do fato pelo órgão omisso é inócua, pois quando se trata do legislativo, inexiste qualquer prazo para a adoção de medidas cabíveis10, não sendo o mero atestado de mora suficiente para constranger o legislador a expedir normas e, nas lições de Aylton Barbosa, a obrigatoriedade ou prazo para que a ordem seja cumprida não ocorrerá devido ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal11.
Nesta tônica, a partir da concepção de que na ação direta de inconstitucionalidade por omissão há tão somente a comunicação ao órgão transgressor para que adote as medidas necessárias, fácil é concluir que tal instrumento se torna insuficiente para efetiva realização da eficácia da Constituição.
Sabe-se que grande parte da doutrina constitucionalista, inclusive jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal, não admite a atuação do Judiciário como legislador positivo na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, apontando como óbice o princípio da separação dos poderes.
No entanto, ao interpretar o disposto no artigo 2º da Constituição Federal que preceitua que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, infere-se que cada um possui função específica, dada a sua independência, sem “haver entre eles dependência ou subordinação no que tange ao exercício de suas funções”12, cabendo ao Legislativo a edição de normas, ao Executivo a sua operacionalização e o Judiciário a verificação de sua correta aplicabilidade. Por outro lado, a própria Constituição Federal introduz mecanismo de controle mútuo entre os poderes visando o estabelecimento de equilíbrio necessário a evitar o arbítrio e o desmando de um poder em detrimento do outro13.
De acordo com Dirley da Cunha Júnior, “o que caracteriza a independência entre os órgãos do Poder Político não é a exclusividade no exercício das funções que lhes são atribuídas, mas sim, a predominância no seu desempenho”14. Assim, as funções legislativas, executivas e judiciárias são exercidas predominantemente e não exclusivamente. O que se tem é uma “verdadeira coordenação ou colaboração ou co-participação entre os Poderes em certas tarefas, onde um Poder participa, de forma limitada e secundária, da função do outro”, o que caracteriza a harmonia entre os Poderes, desejada pelo legislador constituinte.
Entender o contrário é admitir um efeito paralisante às reivindicações da sociedade, o isolamento dos poderes e, consequentemente o fim do tão importante equilíbrio representado pelas limitações recíprocas de freios e contrapesos.
Destarte, o que se infere do exposto acima é que não há efetivamente, em uma possível atuação ativa do STF na ADIM por omissão, uma quebra do princípio da separação do Poderes, como arduamente defendido por muitos juristas, mas sim uma harmonização direta desses mesmos poderes, já que com a atuação fiscalizatória de um poder em outro, haveria justamente o oposto, ou seja, um fortalecimento dos três Poderes estabelecidos na nossa Constituição: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Feito isso, parte-se para a parte mais importante do presente artigo que é demonstrar quais são os argumentos fáticos e jurídicos que possibilitam ao STF atuar de forma ativa, concreta, na ADIM por omissão, protegendo, assim, a CF.
5. Argumentos fático-jurídicos que possibilitam uma atuação mais ativa do STF na ADIM por omissão.
É nessa ótica, tendo como fundamento o princípio da supremacia da constituição, que se enquadra o poder normativo do STF diante da omissão legislativa detectada em sede de ADI por omissão. Ora, se a lei inconstitucional deve ser anulada, o mesmo raciocínio deve ser adotado no caso das omissões inconstitucionais, pois, também são contrárias à Constituição Federal, devendo o Supremo, por analogia à ação direta de inconstitucionalidade por ação, afastá-las do ordenamento, uma vez que “ não existe liberdade de escolha do legislativo em não legislar”, cabendo àquele garantir a Supremacia da Constituição.
A propósito, não cabe o tratamento diferenciado a esses dois tipos de controle judicial, sob o dogma da vedação da atuação do judiciário como legislador positivo, uma vez que tanto no controle por ação quanto no por omissão o STF sempre interfere na atividade legislativa, seja quando supre a ausência de lei, seja quando invalida lei inconstitucional. Aliás, a interferência no âmbito da atividade legislativa se dá com maior intensidade neste último caso, pois o juiz ao retirar do ordenamento lei inconstitucional sobrepõe sua interpretação da Constituição à interpretação do legislativo, enquanto que no primeiro caso, “o juiz atua apenas supletivamente, censurando não uma ação do legislador, mas uma omissão, ou melhor, talvez apenas desenvolvendo e efetivando a Constituição.
O que se defende nesse trabalho não é a criação de uma Corte Constitucional acima de todos os poderes, um “governo de juízes”, mas sim a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo nos casos em que quem deveria legislar não edita normas que propiciem a eficácia da Constituição, sobrepondo, de forma neutra, a vontade do constituinte à vontade do legislador ordinário, uma vez que o STF se limitaria tão-somente a dizer o direito preexistente.
Nesta linha de raciocínio, diante da subsistência da omissão inconstitucional, que afronta a ordem jurídica e a efetiva aplicação do texto constitucional, deve ser reservada ao Pretório Excelso competência para suprir as lacunas normativas, podendo expedir regulamento de caráter provisório enquanto durar a omissão.
Nota-se que a lei editada pelo Tribunal terá caráter provisório, e poderá ser alterada por vontade do legislador, pois durará apenas enquanto perdurar a omissão. Dessa forma, o que se procura não é colocar o Poder Judiciário acima de todos os poderes, mas sim, que ele atue como verdadeiro Guardião e intérprete da Constituição Federal, buscando viabilizar a prevalência e supremacia da Lei Maior.
Ademais, conforme ensina Sapiro, citado por Jorge Hage, o Judiciário não é de todo tão carente de representatividade uma vez que todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo Presidente da República, eleito por voto popular, e aprovados pelo Senador Federal, cujos seus representantes também são eleitos por voto popular. Além disso, a rotatividade dos Ministros impede que a orientação político-filosófica permaneça sempre a mesma15.
Outro posicionamento para que o Judiciário possa legislar provisoriamente é o de que todos os seus atos devem ser fundamentados, logo o STF não estaria com um poder arbitrário em suas mãos, já que estaria ele adstrito a esse princípio16.
Logo, criar uma restrição ao STF quando ele se deparar diante de omissão legislativa que empeça a efetividade de uma norma Constitucional, apenas por causa deste mito da “vedação de atuar como legislador positivo”, só faria sentido se houvesse diferenças substanciais entre o controle de constitucionalidade por ação e o por omissão. Ocorre que em ambas as hipóteses, o juiz interfere na atividade legislativa, seja para declarar a nulidade de uma norma devidamente promulgada, seja para constatar a omissão. Em suma, o que se está fazendo é constatar a supremacia da Constituição.
Após a análise minuciosa de tudo que envolve a efetividade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a qual é, nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes17 um dos temas mais tormentoso do Direito Constitucional brasileiro, passa-se ao escopo do presente artigo, que é demonstrar a possibilidade de o STF aplicar à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a sua posição concretista firmada no MI nº. 708/DF.
6. Possibilidades do STF, tendo como base o MI nº. 708/DF, suprir a omissão legislativa em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
Após tudo que foi relatado, a conclusão a que se chega é a de que a sociedade brasileira lutou tanto para conquistar vários direitos; passando, assim, por um período ditatorial e chegando, após intensas reivindicações, à democracia em que vivemos atualmente; entretanto o legislador, como órgão de representação dessa mesma sociedade, de maneira absurda vem se furtando a dar efetividade a esses direitos.
Apesar de a Constituição brasileira tentar reprimir essa inércia legislativa através de instrumentos que possibilitem a fiscalização dessas omissões inconstitucionais, o que ocorre na prática é a falta de efetividade desses instrumentos, a qual somente será superada após a extensão da teoria concretista, agora estabelecida para o mandado de injunção, à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Consultando a página oficial do STF18 na internet, onde o Supremo mantém uma relação das decisões em que se declarou a mora do Poder Legislativo e cuja matéria ainda se encontra pendentes de disciplina, percebe-se o quanto a posição doutrinária e jurisprudencial que entende que nas omissões legislativas deva a Corte Suprema simplesmente notificar o Legislativo torna o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão totalmente ineficazes; conforme descrito no quadro abaixo:
OMISSÕES LEGISLATIVAS
Processo |
Relator |
Data do julgamento |
MI 788 |
Min. Carlos Brito |
15/04/2009 |
MI 795 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 796 |
Min. Carlos Brito |
15/04/2009 |
MI 797 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 808 |
Min. Carlos Brito |
15/04/2009 |
MI 809 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 815 |
Min. Carlos Brito |
15/04/2009 |
MI 825 |
Min. Carlos Brito |
15/04/2009 |
MI 828 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 841 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 850 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 857 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 879 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 905 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 927 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 938 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 962 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 998 |
Min. Carmén Lúcia |
15/04/2009 |
MI 758 |
Min. Marco Aurélio |
1/7/2008 |
MI 670 |
Min. Mauricio Corrêa |
25/10/2007 |
MI 708 |
Min. Gilmar Mendes |
25/10/2007 |
MI 712 |
Min. Eros Grau |
25/10/2007 |
MI 721 |
Min. Marco Aurélio |
30/8/2007 |
ADI 3.682 |
Min. Eros Grau |
9/5/2007 |
MI 695 |
Min. Sepúlveda Pertence |
1/3/2007 |
ADI 3.376 |
Min. Eros Grau |
2/6/2005 |
MI 278 |
Min. Carlos Velloso |
3/10/2001 |
MI 95 |
Min. Carlos Velloso |
7/10/1992 |
MI 124 |
Min. Carlos Velloso |
7/10/1992 |
MI 369 |
Min. Sidney Sanches |
19/8/1992 |
Frente a essa inércia inaceitável do Legislativo em cumprir os ditames constitucionais, alguns constitucionalistas, tendo como base a supremacia da constituição, vem propondo soluções a essa problemática, como é o caso de José Afonso da SILVA19 que sugere a adoção de uma decisão judicial normativa, para valer como lei, se após certo prazo o legislador não suprir a omissão. Segundo o referido autor46 (2011, pag. 48/49):
“A Mera Ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não está obrigado a legislar. Nos termos estabelecidos, o princípio da discricionariedade do legislador continua intacto, e está bem que assim seja. Mas isso não impede que reconhecesse a omissão inconstitucional já pudesse dispor normativamente sobre a matéria até que a omissão legislativa fosse suprida. Com isso, conciliar-se-iam o princípio político da autonomia do legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais.
No mesmo sentido se posiciona Flávia PIOVESAN20; para a professora paulista, ao instituir a ação direta de inconstitucionalidade por omissão no modelo atual, a ordem constitucional divorcia-se de sua sistemática tradicional de controle, que permite eliminar as inconstitucionalidades do sistema jurídico, pois a simples declaração do vício e a ciência ao legislador para que adote as providencias necessárias à realização do preceito constitucional não serão suficientes para a efetivação das normas constitucionais.
A jurisprudência do STF também tem avançado, mesmo que timidamente, no tema, pois a Corte Constitucional na ADO 3.682-MT21 saiu da sua clássica posição passiva e fixou um prazo para que o congresso nacional editasse a Lei complementar de que trata o art.18, § 4º, da CF. Foi nesse sentido o Voto do Ministro Gilmar Mendes, relator da ação:
“Assim sendo, voto no sentido de declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18(meses), adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela Omissão”.
Nas palavras exaradas pelos próprios Ministros do Supremo em seus votos na ADO 3.682-MT, percebe-se a indignação dos mesmos em relação à inércia consciente do Legislativo. É o que se conclui do voto do Ministro Marco Aurélio:
[...] Simplesmente proclamo, embora o Congresso esteja cansado de saber disso, a mora do Congresso Nacional a respeito.
Assim, antes mesmo do MI nº. 708-DF, já entendia o STF que os efeitos da decisão de procedência em ação direta de inconstitucionalidade por omissão não podiam resumir-se a dar ciência ao Legislativo acerca de sua omissão.
É importante, frisar, que o próprio legislador constituinte tinha conhecimento dessa inatividade legiferante que sempre caracterizou o Legislativo brasileiro. Tanto é que no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte, a complementação da norma pelo Poder Judiciário chegou a ser admitida, constando, inclusive, no I Substitutivo do Relator Bernardo Cabral, nos §§ 2º e 3º do art. 149, nestes termos22:
“Art. 149........................................................
§ 2º. Declarada a inconstitucionalidade, por omissão, de medida para tornar efetiva norma constitucional, será assinado prazo ao órgão do Poder competente, para a adoção das providências necessárias, sob pena de responsabilidade e suprimento pelo STF.
§ 3º. Decorrido o prazo aludido no parágrafo anterior sem que seja sanada a omissão, poderá o STF editar Resolução, a qual com força de lei, vigerá supletivamente.”
A análise, também, da tramitação legislativa da Lei nº 12.063/2009, a qual regulou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão em âmbito infraconstitucional, demonstra um reconhecimento do próprio Parlamento de que é sim necessário dotar de maior eficácia as decisões que julgarem procedentes ADOs. A supracitada Lei nº. 12.063/2009 é oriunda do projeto de Lei nº. 2.277/200723, de autoria do Deputado Federal Flávio Dino. Durante toda a sua tramitação, percebe-se a preocupação dos parlamentares quanto á eficácia dos efeitos das decisões proferidas pelo STF em sede de ADO, e isso é confirmado pelo próprio parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados24, o qual teve como relator o Deputado Regis de Oliveira. Segundo o Deputado relator:
[...] ganha importância a posição recente do Supremo Tribunal Federal que passou a estabelecer prazos suficientes para dar conta da abstenção legiferante, vejamos:
“Apesar de existirem no Congresso Nacional Diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, §4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. [...]Ação Julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que em prazo razoável de 18(dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º[...]”.
“A citada decisão constituiu um avanço no sentido de que fixou um prazo, o qual não estava previsto na Constituição para a efetivação de um direito via ação de inconstitucionalidade por omissão.
Assim, em boa hora é o projeto de lei que visa estabelecer a disciplina processual para a ação de inconstitucionalidade por omissão permitindo a nossa Constituição alcançar a máxima efetividade.
Diante do exposto, o parecer é pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do projeto de lei nº 2.277/07 e, no mérito, pela aprovação”
Após aprovação na Câmara, o supracitado projeto de lei foi enviado para o Senado Federal, onde foi também corroborado a importância de uma posição mais ativa do STF nas decisões em ADOs. Tanto é que, na Comissão de Constituição e Justiça de, o Senador Aloízio Mercadante apresentou em plenário a sugestão de emenda de redação nº 1, que alterava o art. 12-H, para possibilitar a fixação de prazo de 180 dias para o Poder Legislativo suprir a omissão inconstitucional reconhecida pelo Supremo tribunal Federal25, nos seguintes termos:
EMENDA DE REDAÇÃO Nº 1
Dê-se ao caput do art.12-H, de que trata o PLC nº 132, de 2009, a seguinte redação:
“Art.12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no at.22, será dada ciência ao Poder competente para as providências necessárias no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Sendo assim, em sessão datada de 02 de setembro de 2009, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tendo como relator o Senador Demóstenes Torres e sob a presidência em exercício do senador Wellington Salgado de Oliveira, votou pela aprovação do projeto de Lei, com a emenda de redação supracitada. Entretanto, infelizmente, em 16 de setembro de 2009, depois da dúvida suscitada pela Secretaria-Geral da Mesa quanto à natureza da Emenda de Redação nº 1, a Comissão de Constituição e Justiça, reapreciando a matéria, votou pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara, porém retirando a Emenda de Redação nº 1.
Devido à moderna jurisprudência do STF em relação ao mandado de injunção, basicamente a partir do MI nº 708/DF, bem como, a consciência pelos parlamentares de sua própria inércia legislativa, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 17/02/2009 o projeto de Resolução Legislativa nº 153/200926 de autoria do Deputado Flávio Dino, tendo como objetivo alterar o Regimento Interno da Câmara dos Deputados a fim de estabelecer providências a serem tomadas pela Mesa em casos de decisões declaratórias de inconstitucionalidade por omissão. O Deputado Flávio Dino na justificativa54 ao seu projeto de Resolução Legislativa aduz que:
[...] “Não se justifica a eventual inação do Poder Legislativo frente a omissões legislativas declaradas inconstitucionais pelo STF. Tal inação acaba por ser usada para justificar a intensa atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, com a conseqüência depreciação do Poder Legislativo. Por esse motivo, julgo relevante a presente proposta, pois busca criar ferramentas regimentais que levem a Câmara dos Deputados a criar um diálogo institucional com a nossa Corte Constitucional, por intermédio do exercício de suas funções precípuas.”
Em 24/09/200927, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, de relatoria do Deputado Mendonça Prado, recebeu o projeto de resolução referido. Já em 25/11/2011, o relator demonstrou em seu voto a importância do referido projeto, nos seguintes termos:
[...] “No mérito, o projeto merece todo nosso apoio, propondo medidas que sem dúvida vão ao encontro do ideal de máxima efetividade de nossas normas constitucionais. A previsão hoje existente no art. 15, inciso XII, do Regimento Interno da Casa a respeito desse assunto é excessivamente vaga, fazendo menção apenas à necessidade de a Mesa tomas as providências necessárias, de sua alçada ou que se insiram na competência legislativa da Câmara dos Deputados. O grande valor do projeto está justamente em especificar e dar contornos mais objetivos a essas providências, além de distribuir a responsabilidade pela proposição das medidas legislativas faltantes entre Mesa, lideranças partidárias e presidências de comissões permanentes relacionadas com o mérito da omissão legislativa em casa [...].
“[...] Estão atendidos os requisitos constitucionais formais para tramitação, cuidando o projeto de alteração ao Regimento Interno, matéria pertinente à competência privativa da Câmara dos Deputados, de Iniciativa facultada a qualquer Deputado ou comissão. Quanto ao conteúdo, não verificamos nenhuma incompatibilidade material entre o ali proposto e as regras e princípios que informam a Constituição vigente, muito ao contrário, a proposição visa justamente incentivar a produção normativa reclamada pelo próprio texto constitucional [...]”.
Com isso, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara votou no sentido da constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e redação, e, no mérito, aprovou o Projeto de Resolução nº 153, de 2009. Entretanto, em 31/01/2011, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, infelizmente, arquivou o referido projeto.
Não obstante o arquivamento do projeto, percebe-se que o problema da eficácia das decisões do STF em ADO já vem sendo reconhecido pelo próprio poder Legislativo, órgão encarregado, na maioria das vezes, de proceder a regulamentação dos direitos garantidos pela constituição federal.
7. Conclusão
O legislador constituinte, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 optou por inserir normas de eficácia limitada, ou seja, que dependem de posterior regulamentação legal para que tenham eficácia plena. Infere-se que o constituinte assim o fez por questões meramente políticas, pressionado de todas as formas a editar o quanto antes a nova Constituição, pois todos estavam aclamando por ela. Por este motivo, foi cômodo não prever diversas situações, deixando para o Legislador posteriormente regulamentar. Ocorre que a ausência do Legislador em suprir o que é previsto constitucionalmente não pode e não deve ser acatada pela sociedade, prejudicando seus direitos, fazendo com que, caso não suprida, gere omissões do Poder Judiciário. Assim, cabe ao Poder Judiciário na qualidade de guardião da Constituição, ante a ausência legislativa, velar pela fiel aplicação dos direitos nela estabelecidos.
Ora se ao Poder Executivo é permitido à assunção parcial de poder do Legislativo ao editar Medidas Provisórias, porque não ao Poder Judiciário, visto que constitucionalmente é o guardião da Lei Maior e, como tal, não pode e não deve permitir a sua ineficácia?
Nesta linha de raciocínio, entendo que cabe ao Poder Judiciário, na qualidade de verdadeiro guardião da Constituição, agir ativamente para que haja uma efetiva aplicação da Lei Maior e, ao mesmo tempo, pressionar, conforme demonstrado, o Poder Legislativo para que assuma seu papel de legislar, posto que não há como aceitar que a satisfação do exercício de qualquer direito posto na Constituição Federal “deva ficar a bel-prazer do juízo de oportunidade e conveniência do Poder Legislativo.
Assim, considerando que o Supremo Tribunal Federal abriu precedente ao possibilitar, no MI 708/DF, a eficácia direta e com efeito erga omnes , não vejo óbice a que o Tribunal possa suprir, dessa forma, as omissões legislativas em sede de ADO, quer parciais, quer totais, até porque o STF, como dito anteriormente, já colocou em mora o Legislativo por diversas vezes e até hoje não houve edição da norma faltante. De qualquer sorte, vejo avanço nos entendimentos do Supremo Tribunal Federal referente á omissão legislativa, uma vez que supriu, mesmo que pelo meio inapropriado, a omissão relativa ao direito de greve dos servidores públicos.
Vale ressaltar que este trabalho não visa concordar com a atuação desmedida do Judiciário. Sustenta-se, igualmente, que o Supremo Tribunal Federal não deve temer de assegurar o total cumprimento da Constituição Federal, devendo-se, entretanto, observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que sejam traçados limites na sua atuação.
A conclusão a que se chega é a de que é necessário que se reserve ao Pretório Excelso competência para suprir, em sede de ADO, as omissões do Poder Legislativo, atuando concretamente como quis o legislador constituinte, ou seja, como verdadeiro guardião e intérprete da Constituição Federal, buscando seu efetivo cumprimento. Deve o STF, assim como vem fazendo a partir do MI nº 708/DF, dar efetividade, agora, em sede ADO, aos direitos estabelecidos na CF e imprescindíveis de regulamentação, pelos motivos expostos durante todo esse trabalho.
8. BIBLIOGRAFIA
1.Lenza, Pedro. Direito Constitucioal Esquematizado. Saraiva: São Paulo, 2011;
2. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/verTexto.asp?serviço=jurisprudenciaOmissãoInconstitucional;
3. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Tribunal Pleno. MI nº 712. Relator Eros Grau. Brasília, Brasília, DF, 25/10/2007. DJ de 30.10.08, p. 09;
4. Luiz Roberto Barroso, O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59.
5. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção. 2º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003. p.98.
6. Cf.,e.g., RE 173.682/SP, 1ª Turma, Rel. SYDNEY SANCHES, DJU de 19/12/96, p. 51.791; e RE 145.005/DF, 1ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 28/02/97, p. 4.072;
7. Grifou-se. Agravo Regimental no RE 198.129/SP, 2ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJU de 30/05/97. Aludiu-se à redação original do §4º do art. 40 da CF/88. Atualmente, por força da EC 19/98, a mesma regra está no §8º do art. 40 da Constituição Federal;
8. STF, DJU, 6 de set. 2007, ADIn 3.682-MT, rel. Min. Gilmar Mendes;
9. CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2008, p 32;
10. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2003, p. 121;
11. Aylton Barbosa apud, JÙNIOR NETTO, Giovanni Fialho O controle concentrado de constitucionalidade e a possibilidade de atuação do Supremo Tribunal Federal como legislador positivo em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 2006. 54f. Dissertação (Graduação), UniCeub, Brasília, 2006, p. 37;
12. CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p 337;
13. CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p 337;
14.CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle Judicial das Omissões do Poder Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p 338;
15.SAPIRO apud HAGE, Jorge. Omissão Inconstitucional e Direito Subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 84;
16.SAPIRO apud HAGE, Jorge. Omissão Inconstitucional e Direito Subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 84;
17.MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 5º Edição. São Paulo: Saraiva, 2009,p.1.229;Disponível:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaOmissaoInconstitucional acessado em 25 de fevereiro de 2012.
18.SILVA, José Afonso. Curso De Direito Constitucional Positivo. 6º Ed., 2º tiragem. São Paulo: RT, 1990, p.54.;
19. SILVA, José Afonso. Curso De Direito Constitucional Positivo. 34º Ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2011, p.48/49.;
20.Proteção Judicial Contra Omissões Legislativas. São Paulo: RT, 1995, p. 108-110.
21.http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=485460;
23. Apud Márcia Rodrigues MACHADO. “Inconstitucionalidade por Omissão”. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 30, p.50.
24.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=373804;
25.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_arvore_tramitacoes?idProposicao=373804;
26 .http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=66465&tp=1;
27.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=423839
27.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=423839
28.http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=423839
Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros ( Unimontes ). Aprovado no Exame de Ordem 2/2011.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCO AURéLIO DA SILVA PARAíSO, . Repercussão da decisão do STF no mandado de injunção nº. 708-DF em futuras Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2012, 09:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28547/repercussao-da-decisao-do-stf-no-mandado-de-injuncao-no-708-df-em-futuras-acoes-diretas-de-inconstitucionalidade-por-omissao. Acesso em: 22 nov 2024.
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