RESUMO: O artigo analisa, através de um julgado, parte dos direitos de vizinhança, buscando demonstrar a relevância destes na atual conjuntura sócia. Elementos como a natureza jurídica, a teoria da culpa são abordados para consubstanciar a idéia principal, que é demonstrar que na sociedade urbanizada da contemporaneidade as relações de vizinhança ocorrem em maior número e com uma maior incidência de conflitos.
Palavras-chaves: direitos de vizinhança, limitação, convivência, abuso, lesão, dano, social, coletivo.
SUMÁRIO: Introdução; Breve histórico; Desenvolvimento; Considerações finais; Referência bibliográfica.
1.Introdução
Os Direitos de vizinhança impõem aos que compartilham limites patrimoniais imóveis o respeito, a obediência há algumas premissas que almejam, intentam , regular princípios mínimos para uma convivência harmônica e respeitosa, visto que, mesmo nas sociedades tidas como mais evoluídas, ou onde a consciência acerca do Estado democrático de Direito está mais assentada em bases sólidas, sempre persistem os litígios advindos de desrespeitos aos direitos ou à natureza da propriedade alheias.
Os Direitos de Vizinhança, que está disciplinado nos artigos 1277 a 1313 do Código Civil de 2002, tem sido alvo de discussões sobre sua aplicabilidade, entendimento, natureza jurídica, e outras questões relativas a este segmento do direito, não sendo tão pacífico o posicionamento proveniente dos Tribunais Superiores e das doutrinas, no entanto tal temática é de grande relevo, pois atualmente o número de relações de vizinhança só tem crescido, fruto do movimento de urbanização da sociedade. No entanto, é evidente, que atemática abarcada pelo Código Civil vigente almeja proteger a sociedade do proprietário ou possuidor que usa de maneira indevida seu imóvel, exacerbando os limites do convívio social, vez que o Direito Real limitado de propriedade é uma relação jurídica real, do seu proprietário ou possuidor com uma coisa, sendo este direito sobre a coisa, direito potestativo, como assevera Orlando Gomes:
Concede-se afinal que alguns direitos de vizinhança tenham natureza pessoal e outros, real. Dessa dificuldade de encerrá-los em uma categoria única provém a tendência, muito difundida doutrinariamente, para considerá-los modalidades de obrigações que se caracterizam pela aderência à coisa.
, não obstante, o Direito não poderia assegurar gozo total da propriedade por seu proprietário ou possuidor em detrimento a sociedade e a outros possuidores ou proprietários, sendo omisso em relação àqueles sujeitos de direitos que são lesados pelas ações do proprietário ou possuidor em relação à sua coisa, o ordenamento jurídico estaria contribuindo para o surgimento de litígios,e para o desrespeito as normas gerais de boa convivência em sociedade, incentivando, de alguma forma, a auto-tutela, situação que se afigura completamente contrária ao Estado democrático de Direito que se busca consolidar no Brasil, assim sendo, fez-se necessário o Direito de Vizinhança, que tem uma origem histórica que acompanha a mudança de entendimento da função da propriedade.
Portanto, infere-se que nas relações humanas é sempre necessário o estabelecimento de limites, regras, restrições de liberdade em prol de propiciar e promover uma boa convivência coletiva, pois como afirma Jean- Jacques Rousseau “"O maior passo em direção ao bem é não fazer o mal.”(ROUSSEAU,2001,78), corroborando com esse pensamento preleciona Ihering, “O direito no sentido objetivo é o conjunto de princípios jurídicos aplicados pelo Estado à ordem legal da vida.”(IHERING,2010,P.25) .
É evidente que a idéia base das restrições não é impedir que o proprietário ou possuidor da coisa, caso do inquilino, de usufruir, dispor ou gozar do imóvel, mas sim fazer com essa utilidade não venha a provocar ou diminuir os direitos de outrem sobre outro imóvel, acarretando lesão ou dano a direito de terceiro, por mera conveniência ou capricho de alguém; assim sendo, o intuito primordial dos direitos de vizinhança é a coletividade, essa idéia adquiri maior sustentação e validade, pois está consubstanciada no ensinamento de Orlando Gomes, que afirma:
“Tais limitações não se editam no interesse dos particulares. É o interesse social de harmonizar interesses particulares dos proprietários vizinhos que justifica as normas restritas do exercício do direito de propriedade.”
, assim os direito de vizinhança instrumentalizam a sociedade com regras e soluções ,para possíveis conflitos, provenientes das relações de vizinhança, atendendo de forma reflexa aos mandamentos constitucionais inserido no artigo 5°, incisos XXII e XXIII.
A função social da propriedade de forma subsidiaria deve ser evocada para consubstanciar a necessidade e relevância dos direitos de vizinhança, pois a propriedade não pode atender somente ou exclusivamente o interesse do particular, sendo ele proprietário ou possuidor, se este é contrário, provocando dano, lesão ou mesmo mitigação dos direitos de outros e por conseqüências dos direitos sociais.
Pelo exposto introdutório, no presente trabalho será abordado o direito de vizinhança com base no julgado TJSC - Apelacao Civel: AC 88100 SC 2001.008810-0, que versa sobre direito de vizinhança relativo a muro que impede a passagem de águas pluviais, além de limitar o acesso a áreas vizinhas. O julgado mencionado servirá de exemplo de como o direito de vizinhança é aplicado e repercute no cotidiano, deixando clara a sua importância crescente numa sociedade onde o interesse e o direito individual está em constante conflito com o interesse e o direito coletivo.
2. BREVE HISTÓRICO
A noção de propriedade apresenta três ciclos, até chegar as bases vigentes na contemporaneidade, o primeiro deles compreende o período do Império Romano, onde a propriedade é vista como algo pertencente a família, após o declínio do Império romano a propriedade passa ser tida como um bem coletivo, período historicamente conhecido com período feudal, com a decadência das bases feudais, e surgimento do Código de Napoleão a idéia de propriedade retoma as bases do direito romano sendo concebida, como algo pertencente ao sujeito e a sua família, cabendo a ordenamento jurídico proteger esta propriedade contra a os demais sendo um direito erga omnes, ressaltando um direito absoluto em relação a propriedade, situação essa, que só veio a ser alterada no período pós segunda guerra mundial com o movimento conhecido como neoconstitucionalismo, onde as constituições buscam reforçar a condição social e coletiva da propriedade, essa assertiva coaduna com a lição de Caio Mario que afirma: “Mais do que antes, o direito moderno, que concebe a noção jurídica da propriedade como essencialmente relativa, assegura ao dominus o exercício dos seus direitos em subordinação aos interesses coletivo”.(PEREIRA,1997,P.228)
Se em outros momentos o direito a propriedade tido como direito absoluto já sofria um processo de mitigação, na atual conjuntura sócia econômica este processo é mais severo e palpável, pois se atribui a propriedade, principalmente no decurso do século XX, um conteúdo social no seu uso, inquestionável. Assim sendo, a moderna concepção, longe de ser um exemplo de potestade absoluta, é um direito limitado no interesse da coletividade, ou seja, é relativa, levando em conta mais o coletivo em face do individual.
Reconhecido e inquestionável é o postulado de que o poder é originário sempre do povo e pelo povo deve ser exercido de forma direta ou por representação, essa é uma das premissas basilares do Estado Democrático de direito , sendo a lei reflexo deste poder, a lei deve refletir as expectativas do povo, da sociedade, contribuindo para manutenção de um convivência coletiva harmoniosa, e como menor número de conflitos possíveis. Acontece que nos sistemas normativos positivados de modelo romano – canônico onde há clara opção pela lei escrita e sujeita a um processo mais rígido e democrático de formulação, as leias acabam não acompanhando as mudanças que ocorrem no seio social, pois seu processo de formulação, aprovação e posterior vigência demanda um tempo razoável, gerando situações onde a norma depois de aprovada já não é mais necessária, pois a situação que buscava regular já está resoluta.
Muito se discutiu sobre a natureza jurídica dos direitos de vizinhança, no entanto a posição majoritária hoje, e que goza de maior fundamentação é que define os direitos de vizinhança como uma limitação do uso da propriedade em prol do coletivo, posição essa defendida e adotada por Orlando Gomes, que diz :
O novo Código Civil , ao regula a disciplina jurídica do direito de vizinhança em capitulo próprio, aliás, no título da propriedade afilia-se à concepção do direito de vizinhança cuja natureza jurídica é de limitação legal da propriedade e não de servidão legal. Desse modo, estabelece a regar da regularidade na utilização dos bens, coisas e objetos inseridos nas relações de vizinhança.
Pelo ensinamento anteriormente citado, é possível afirmar que o novo Código Civil confere maior importância aos direitos de vizinhança, refletindo a evolução social que confere a estes maior relevância por conta do número grandioso de problemas advindos das relações de vizinhança que a sociedade contemporânea suscita.
No preceito legal mencionado anteriormente não se verifica a necessidade de culpa por parte do proprietário ou do possuidor para que este seja responsabilizado pelos danos, lesões, ou incômodos causados ao seu vizinho, assim sendo basta apenas que o ato do possuidor ou proprietário de um imóvel gera uma invasão no direito de outrem para que este seja considerado responsável e venha a ser compelido à adotar a medidas necessárias para sanar tal desrespeito. Portanto o Código Civil de 2002 ao versar sobre os direitos de vizinhança, nos artigos 1.277 até 1.313, adota a teoria da responsabilidade objetiva.
3. DESENVOLVIMENTO
O julgado escolhido para o desenvolvimento do tema direito de vizinhança, abarca três questões inerentes ao direito de vizinhança, a primeira a obstrução de via pública para atender interesse particular em detrimento de interesse coletivo, a segunda a construção de muro que impossibilitou seus vizinhos de terem acesso a suas propriedades, e o terceiro a obstrução do escoamento das águas pluviais que acarretou prejuízos não só aos seus vizinhos mais a coletividade.
No entanto antes de passar à analise efetiva do julgado selecionado, é mister esclarecer que vizinho não é só aquele que tem propriedade limítrofe com outra, mais qualquer propriedade que venha a sofre efeitos de uma outra propriedade, essa assertiva encontra fundamento nas lições de Orlando Gomes, que afirma:
“A vizinhança é um fato que, em Direito, possui significado mais largo que na linguagem comum. Considera-se prédios vizinhos os que podem sofrer repercussão de atos propagados de prédios próximos ou que com eles possam ter vínculos jurídicos.
Portanto os direitos de vizinhança que serão analisados não se referem apenas vizinhos próximos, mas sim a qualquer sujeito, proprietário ou possuidor, que venha sofre dano ou lesão por atos ocorridos numa propriedade, não importando a intenção do proprietário ou possuidor quando os adotou, mas sim seu resultado face ao seu vizinho
Abaixo está posto o referido julgado que será analisado.
Dados do acórdão
Classe: Apelação Cível
Relator: Newton Trisotto
Data: 2003-02-24
Apelação Cível n., de Blumenau.
Relator: Desembargador Newton Trisotto.
DIREITO DE VIZINHANÇA - AÇÃO COMINATÓRIA - DERRUBADA DE MURO - DESOBSTRUÇÃO DO ESCOAMENTO DE ÁGUAS PLUVIAIS - DESIMPEDIMENTO DE SERVIDÃO - LITÍGIO ENTRE PROPRIETÁRIOS DE IMÓVEIS CONFINANTES - PROCESSUAL - VALORAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL
1. Assim como a prova testemunhal, também a versão das partes "deve, pelo princípio da persuasão racional (CPC, art. 131), ser analisada, medida e ponderada, posta em confronto com a lógica e as regras da experiência, desprezando-se o inverossímil e o improvável, para acolher-se o que se evidencia racional, coerente e compatível com as circunstâncias " (Des. João José Ramos Schaefer).
2. Comprovado que é particular a via de acesso à residência da demandada, carece o autor de legitimidade para reclamar o desfazimento de obras nela realizadas.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º , da Comarca de Blumenau (Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Erily Gutz e apelado o Município de Blumenau:
ACORDAM , em Segunda Câmara de Direito Público, por votação unânime, rejeitar as preliminares de conversão do julgamento em diligência e de cerceamento de defesa, e, no mérito, dar provimento ao recurso, fixando os honorários advocatícios em R$
(cinco mil reais).
Custas na forma da lei.
RELATÓRIO:
O Município de Blumenau ajuizou "ação de demolição com pedido de tutela antecipada, combinado com preceito cominatório" contra Erily Gutz, narrando na petição inicial:
"A requerida é proprietária de um imóvel situado nos fundos da Coronel Fedderson, fazendo frente com uma rua inominada de n.º 2.018, registrada no 2º Oficio do Registro de Imóveis, o qual serve de ligação com a via principal (Coronel Feddersen), conforme certidão anexa.
Dita rua inominada teve origem através de desmembramento do imóvel que, na época, era de propriedade de Rolf Gutz, cujo projeto foi aprovado em 20/11/80 através do processo n.º 95285, o qual foi deixado parte da área do imóvel para a rua inominada a fim de que o imóvel da requerida não ficasse encravado, possibilitando o acesso para a Rua Coronel Feddersen, conforme cópia do projeto de desmembramento aprovado, caracterizando ato jurídico perfeito.
Como se pode verificar, a rua inominada foi à época constituída por consentimento do proprietário, o qual através de processo administrativo, teve seu projeto de desmembramento aprovado, caracterizando ato jurídico perfeito.
Ocorre que a requerida obstruiu a rua inominada colocando um portão, impedindo o livre trânsito por aquela via púbica, conforme se pode comprovar através das fotografias anexas. Importa salientar que trata-se de via pública, não podendo ser fechada para uso particular, pois isto importa em atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual. Não está o Poder Público intervindo na propriedade particular, mas tão somente defendendo o que é de domínio público em face dos abusos praticados pêlos particulares.
Além do fechamento da aludida rua, outros ato ilícitos foram praticados pela requerida, eis que esta construiu clandestinamente um muro fechando 02 (dois) portões de seu vizinho Sr. Renato Meyer Zoschke, cujo imóvel faz divisa com a rua inominada, impedindo a passagem deste pela referida rua. Aliás, mister se faz necessário esclarecer que a construção dos portões pelo Sr. Renato Meyer Zoschke foi autorizado pelo Poder Público, o que se pode verificar através do alvará n.º 9708/020799 e cópia do projeto aprovado, (docs. anexos).
Por fim, a requerida completamente alheia às normas municipais, obstruiu também a canalização existente para o escoamento das águas pluviais para a rua inominada, o qual possuía aproximadamente 60 cm de diâ- metro, colocando canaleta de aproximadamente 5 cm de diâmetro, estrangu- lando a passagem natural das águas, já que esta é insuficiente para escoar as águas pluviais provenientes do imóvel de seu vizinho, trazendo inúmeros pre- juízos àquele, principalmente nos dias de elevada precipitação pluviométrica."
Com a ação aforada, pretende que a ré seja condenada a "proceder a imediata retirada do portão que foi colocado na rua inominada, bem como a demolição do muro que construiu sem alvará e que fechou os portões de seu vizinho; Requer ainda seja a requerida compelida a desobstruir a passagem das águas pluviais e que coloque canalização adequada para tanto, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) ".
Renato Meyer Zoschke e sua mulher, Alice Hilda Zoschke, por seu turno, ajuizaram "ação ordinária de preceito cominatório" contra Erily Gutz, requerendo, ao final, que fosse condenada a "desfazer o portão já descrito, bem como desobstruir as saídas pluviais existentes no imóvel e na via pública, igualmente demonstradas na inicial e, finalmente, demolir as paredes que construiu para lacrar os portões instalados pelos Requerentes no imóvel que lhes pertence ".
Ofertadas as defesas (autos da AC n.º , fls. 51/59; autos da AC n.º , fls. 33/40), os processos foram reunidos .(autos da AC n.º , fl. 117) Apresentado o laudo pericial (autos da AC n.º , fls. 125/179), o Juiz Robson Luz Varella julgou procedentes a pretensão dos autores, registrando na parte dispositiva da sentença:
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados por RENATO MEYER ZOSCHKE e ALICE HILDA ZOSCHKE e pelo MUNICÍ- PIO DE BLUMENAU em face ERILY GUTZ, determinando à mesma que, após o trânsito em julgado desta decisão, proceda a (1) retirada do portão eletrônico instalado no início da rua pública n.º 2.018, (2) a demolição das paredes por ela construídas em frente aos dois portões de acesso lateral ao imóvel dos requerentes e (3) a desobstrução das saídas pluviais , esgotos e tubulações existentes na lateral do imóvel dos autores, e a re-colocação da canalização adequada, o que deverá fazer no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de assim não pro- cedendo, estarem autorizados, tanto o Poder Público Municipal, quanto os autores da demanda originária, a efetuar tais providências às suas expensas, além de incidir de pleno direito (independentemente de nova notificação) em multa diária de R$ 100,00 (cem reais), tudo por força do que dispõe o art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil.
Arca a vencida, com o pagamento das custas processuais de ambos os feitos, remuneração do perito antecipada pelos autores (R$- fls. 114), e honorários advocatícios, estes fixados na primeira demanda (Proc. 0008.97.001960-5) em R$...
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Tomando como base o que foi explicitado no resumo do processo, é possível perceber que um ato adotado por um proprietário gerou uma série de ilícitos e danos tanto em relação a seus vizinhos quanto à Administração pública.
Buscando a solução desse conflito a Administração pública conjuntamente com os vizinhos lesados buscou junto ao poder judiciário dirimir tal conflito, no intento de sanar os prejuízos causados pelo exercício exorbitante do poderes e direitos inerentes a propriedade atribuída à demandada.
Para tanto foi utilizado como substrato jurídico parte dos direitos de vizinhança que versam sobre as águas, no caso especifico, o escoamentos das águas pluviais, que na situação apresentada estava impedida pela construção de um portão, que também impede o acesso a um via pública, e pelo redimensionamento errado da rede de escoamento das águas pluviais, feitas pela demandada sem a devida observância das normas publicas concernentes a tal atividade, e sem a devida comunicação e entendimento com a administração pública local, para que as medidas cabíveis e as orientações pertinentes fossem feitas, afim de que as obras realizadas pela proprietária do imóvel em questão pudesse realizar a obra que intentava sem causar danos a outros, e sem cometer nenhum ilícito
Somado a este problema inicial, também é aventada a lesão causada pela construção de um muro frente a dois outros proprietários que tiveram o direito de ir e vir,e de ter acesso as suas propriedades obstados pela construção do muro na frente dos portões de acesso dos seus imóveis.
Todas as construções realizadas pela demandada carecem de alvará de autorização expedido pela autoridade pública municipal, para que estas fossem realizadas, não obstante a isso, a obras realizadas causaram prejuízos não só aos seus vizinhos, mas bem como a sociedade municipal em geral, pois cercearam do direito dos munícipes transitarem em uma determinada via pública.
No entanto a questão de maior relevo para este estudo é o abuso do direito de propriedade cometido pela demandada quando está constrói um muro que impede que seus vizinhos tenham acesso as suas propriedades, a situação configurada revela flagrante desrespeito as normas impostas pelos direitos de vizinhança no que tange os critérios reguladores das relações de vizinhança, pois afronta as três principais teorias que versam sobre esses critérios, que são: a teoria da proibição dos atos de emulação, que seriam atos que visam apenas prejudicar o uso da propriedade de outrem, sem que esses atos apresentem nenhuma utilidade para quem os prática, ou seja proprietário ou possuidor promove um ato, apenas e tão somente para prejudicar outro proprietário ou possuidor, sem que o ato praticado lhe traga nenhum beneficio, está teoria está superada, pois não há de imaginar no atual estágio de desenvolvimento econômico que um sujeito tenha um dispêndio financeiro apenas e tão somente com intuito de prejudicar outro, no entanto tratando-se de relação entre pessoas tudo pode se imaginar, tudo pode ser possível, afinal a mente humana e suas motivações ainda é revestida de grande mistério; a teoria do uso normal da coisa própria, idealizada e defendida por Ihering, defende como base a idéia do uso licito e ilícito da propriedade, que se afiguraria da seguinte maneira, licita seria todo ato que não ultrapasse o uso normal da propriedade, que não ofendesse ou lesasse direito de outro, que não interferisse na esfera da propriedade de outro sujeito, ilícito seria o ato que causasse lesão e invadisse a o exercício de direito de propriedade de outro sujeito, os atos lícitos devem ser permitidos, e os ilícitos proibidos, assim sendo nas palavras de Orlando Gomes: “Quando os atos praticados pelo vizinho são toleráveis para a média das pessoas, haverá uso normal da propriedade. Portanto, devem ser permitidos. Caso contrário, impõe-se a proibição”(GOMES,2010,P.209), tal teoria tem relevante valor teórico, no entanto padece de apoio num principio geral, desta forma sua utilização fática tornar-se um tanto inviável; a última teoria é do uso necessário, que é idealizada por Bonfante, que define que os critérios reguladores das relações de vizinhança devem pautar-se no fundamento que nenhum ato que seja necessário para manutenção e para o gozo da propriedade deve ser defeso por lei em respeito a de direito de outro, para consubstanciar tal fundamento, Bonfante, desenvolve a teoria baseado na esfera interna e na esfera externa da propriedade, para ele, os limites da esfera interna são determinados pelos limites físicos que as propriedades “impõem” umas as outras, já a esfera externa é que concerne aos direitos de vizinhança, pois abarca questões como localização, proximidade de vias, proximidades de aguadas, entre outros elementos que influem decisivamente no valor econômico de uma propriedade, em como na as utilização. A teorias apresentadas oferecem elementos para perceber que na situação fática presente no julgado ora em análise, a demandada infligiu alguns critérios básicos que devem ser observados na relação de vizinhança, quer por disposição legal, que por respeito a um média de convivência, ou, usando de uma frase do filosofo Jean-Jacques Rousseau : "O maior passo em direção ao bem é não fazer o mal."(ROUSSEAU,2001,78)
A demandada ao construir um muro que impede que seus vizinhos tenham acesso as suas propriedades, e colocar ou construir um portão que impede o acesso à via pública afronta o prescreve o artigo 1.299 e seu parágrafo único do Código Civil de 2002, in verbis:
Art. 1.299. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
ao obstar o escoamento das águas com a construção, ou melhor, com a desconstrução da sistema de escoamento pluvial existente, pois pelo exposto no relatório a obra realizada pela demandada realiza um desserviço no que tange o escoamento das águas pluviais, gerando prejuízos as seus vizinhos e ao município, a demandada fere o preconiza o artigo 1.299 do Código Civil de 2002, antes mencionado, assim como o 1.286 do mencionado código, in verbis:
Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
Além dos artigos anteriormente mencionados as ações adotadas pela demandada enquadram-se nos artigos 1.278, 1.279, 1.288, 1.289 e o artigo 1.293 §1°, assim sendo a decisão proferida no julgado em análise está consoante com os preceitos adotados pelo Código Civil de 2002, bem como com as idéias defendidas pela doutrina, que intenta estabelecer limites para as relações de vizinhança, assim como estabelecer linhas de resoluções para os conflitos provenientes dessas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto é perceptível que os direitos de vizinhança adquiram maior relevância como desenvolvimento da sociedade e a sua crescente urbanização, que tem relação não só com o crescimento populacional, como também com o desenvolvimento sócio econômico. Evidente que a consolidação do Estado Democrático de Direito contribui de maneira efetiva para que estes direitos passem a figurar cada vez mais nas relações sociais.
A principal função dos direitos de vizinhança é regular as relações entre vizinhos, que neste caso devem ser entendidos num sentido mais amplo, almejando evitar, e quando necessário dirimir conflitos, limitando de alguma maneira o exercício de alguns direitos inerentes a propriedade no intuito primordial de preservar a boa convivência coletiva, no entanto numa sociedade onde coletivo e individual estão em constante conflito, a noção de razoável, de proporcional de respeito ao outro e aos seus direitos e interesses é ainda algo pouco palpável e incipiente, as demandas judiciais relacionadas aos direitos de vizinhança se avultam, assim sendo, esse leque de direitos torna-se mais presente nas resoluções de conflito, situação essa que deverá ser mais comum, posto que a sociedade tende para crescer nos centros urbanos onde as relações de vizinhança são inevitáveis.
No entanto é importante ressaltar que com o a vigência do Código Civil de 2002, e com as mudanças que este trouxe no que tange os direitos de vizinhança o ordenamento jurídico pátrio contemplou de maneira abrangente as situações duvida ou conflito por venturas advindas das relações de vizinhança, oferecendo um substrato legal consoante com a complexidade social de tais relações.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro Vol.4. Direito das coisas. 24. edição. São Paulo: Saraiva: 2009.
GOMES, Orlando, Coordenação Edvaldo Brito, Direito Reais, 20º Edição., Rio de Janeiro: Forense, 2010.
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5084448/apelacao-civel-ac-88100-sc-2001008810-0-tjsc/inteiro-teor, acessado em 04/01/2011
IHERING, Rudolf Von, Tradução João de Vasconcelos. A luta pelo Direito: Texto Integral.1 º Edição, São Paulo: Martin Claret, 2009.
LEITE, Gisele. Considerações sobre o Direito de Vizinhança. Disponível em: <http://www.juristas.com.br/a_2901~p_1~Considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-o-direito-de-vizinhan%C3%A7a>.Acesso em: 04 de janeiro de 2011.
PEREIRA, Caio Mário da Silva; Instituições de direito civil, v.1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques: O contrato Social (Título original Le Contrat Social revisado por Antonio Carlos Marquês) trad. Pietro Nasseti 20° ed. São Paulo -SP Martin Claret, 2001.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARRIDO, Rafael Adeodato. Os direitos de vizinhança, na sociedade atual, adquiriram maior relevância? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29294/os-direitos-de-vizinhanca-na-sociedade-atual-adquiriram-maior-relevancia. Acesso em: 25 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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