I - Introdução
O contrato, instrumento de operações econômicas indispensáveis ao regramento do convívio social, é inspirado por princípios éticos e disciplinado conforme os interesses da sociedade .
Tal qual a propriedade, não pode ser manejado com abuso, devendo cumprir sua função social.
Visando a aplicação de um Direito justo e flexível, o Código Civil de 2002 trouxe regras de interpretação dos contratos e introduziu a figura da função social do contrato como princípio do Direito, atendendo também às exigências da competitividade econômica.
Nesse diapasão, a interpretação dos contratos consiste em extrair-lhes o seu real significado, conferindo verdadeiro sentido e alcance às declarações que integram o contrato. Ao juiz se atribui ampla discrição “mas seu alvedrio é condicionado pelo interesse social, pelos princípios de justiça e pelas regras especiais hermenêuticas[1].”
Antes do advento do Código Civil de 2002, a doutrina e a jurisprudência aceitavam várias regras para a interpretação dos contratos. Nesse sentido:
Os contratos devem ser interpretados segundo a boa-fé, as necessidades do crédito e as leis da equidade (RT 145/652 e 180/663).
Assim, na esteira dos entendimentos firmados pela doutrina e jurisprudência na vigência do Código de 1916, o artigo 421 do novo Código Civil tratou de regras gerais aplicáveis a todos os contratos, trazendo em seu corpo questões como a limitação da máxima da autonomia da vontade como regra obrigatória entre as partes contratantes, a constatação e consideração do desequilíbrio entre as partes para avaliação da liberdade e validade da declaração. Outra inovação do atual Código foi o interesse social e o princípio da boa- fé como parâmetros dessa limitação.
Segundo Azevedo, a visão da função social do contrato anteriormente ao Código Civil de 2002, objetivava obstaculizar as relações prejudiciais à sociedade: “A ideia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao fixar como um dos fundamentos da República o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), essa disposição impõe ao jurista a proibição de ver o contrato como átomo, algo que somente interessa às partes desvinculado de tudo o mais”.
Nesse contexto, o artigo 113 do Código Civil enfraquece o dogma da pacta sunt servanda, dispondo:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Destarte, a vontade não é mais a única fonte de interpretação do ato jurídico, inovando o Código ao trazer o comportamento da própria parte indicando a sua real expectativa como outra referência de interpretação. Assim, a conduta das partes é extremamente importante para resolver possíveis conflitos entre a real vontade destas e o que foi externado por elas no contrato.
Desse modo, com o supracitado art. 113 do CC/ 2002, o que importa agora é a forma como as partes se conduzem em relação ao negócio jurídico, pois a boa- fé passa a ser um limite à liberdade individual.
Por outro lado, dispõe o art. 187 do CC/2002 sobre abuso de direito contratual:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Vê-se, portanto, que foi acrescentada nova categoria ao sistema de responsabilidade civil, que conta agora com os princípios da boa-fé objetiva e da justiça contratual.
No título V do atual Código Civil – “Dos Contratos em Geral” - os arts. 421 e 422 externam cláusulas gerais da função social do contrato e da boa-fé objetiva, respectivamente. Vejamos:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Nesses dispositivos, encontram-se a análise da constitucionalidade da nova legislação contratual, que trazem comandos fundamentais, como novos parâmetros do direito contratual.
Para Pasold (1998, p. 73):
A função social possui uma destinação evidente: realizar a justiça social
(...)
A justiça social somente apresentará condições de realização eficiente e eficaz se a sociedade, no seu conjunto, estiver disposta ao preciso e precioso mister de contribuir para que cada pessoa receba o que lhe é devido pela condição humana.
Desta forma, não é prudente entender que todos os atos que compõe a função social seja atribuição do Estado isoladamente, mas que o Estado é auxiliado pelos particulares por meio da função social da propriedade, do contrato ou da empresa, os quais são benéficos à própria sociedade.
Cumpre salientar, que a função social do contrato não se restringe aos contratantes, refletindo em terceiros. O exercício da vontade, nesse aspecto, deve balizar-se também pela utilidade que possa ter aos interesses gerais.
Em razão da impossibilidade de a lei alcançar todas as hipóteses de desequilíbrio e abuso no exercício abusivo dos direitos individuais, surgiu como regra geral a proibição do exercício do direito, o qual consiste em um mal uso do direito ou o exercício de direito que não se destina ao seu fim econômico e social.
Nessa atmosfera de valorização da função social do contrato e de seu conceito como instrumento de transações econômicas, elevou-se o princípio da boa-fé e da função social do contrato à posição de limitador da autonomia de vontade.
Sendo assim, o princípio da boa-fé representa a obrigação das partes de agirem em consonância com a economia e a finalidade do contrato, mantendo-se o equilíbrio entre as obrigações pré-determinadas no contrato. Contudo, não é permitido ao juiz criar obrigações, sendo autorizado a este apenas a interpretação e a delimitação das obrigações que surgem do contrato, respeitando os princípios da auto vinculação, da função social do contrato e da boa-fé.
Outro princípio que merece atenção, por ser fundamental no Direito Contratual, é o da força obrigatória ou pacta sunt servanda, pelo qual o contrato faz lei entre as partes, sendo assim elemento essencial para a segurança jurídica. Tal princípio reflete imediatamente na autonomia da vontade, a qual deve ser respeitada, em princípio, como se lei fosse.
Todavia, essa manifestação de vontade está subordinada à limitações que derivam de regras superiores de convivência, tais como o princípio da função social do contrato. Dessa forma, as partes devem sempre agir com responsabilidade na manifestação de sua vontade, devendo o contrato respeitar além das regras técnicas de validade, os princípios que conduzem à necessária observância de um conteúdo ético e social indisponível.
Tal socialização surgiu como uma tentativa de mudar a concepção contratual extremamente individualista. Desse modo, em uma relação contratual, o homem não pode ser visto como um ser individual, devendo estar atento às consequências perante toda a sociedade.
Em decorrência disto, quando houver algum dano indevido à sociedade ou à terceiro, o contrato terá sido utilizado de forma injurídica, caso em que o instrumento contratual será invalidado ou o contratante responsável pelo dano será obrigado a reparar o prejuízo causado. Quanto ao tema, manifestou-se Santos (2004, p. 127):
(...) o contrato será passível de modificação se não observar os critérios de justiça, equidade, sociabilidade e paridade. Que o forte não se aproveite da credibilidade do mais fraco e abuse da confiança depositada, obrigando-o a efetuar contratos que contenham cláusulas leoninas e abusivas, que venham a acarretar danos inclusive a terceiros e à coletividade.
Cumpre ressaltar, que o referido princípio do pacta sunt servanda, por significar lei entre as partes, revelou-se muitas vezes, uma regra injusta, porém não foi banido da órbita jurídica, apenas foi mitigado ao sofrer uma releitura perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Ante o exposto, diante da ausência de previsão da função social do contrato no Código Civil de 1916, coube ao Código Civil de 2002, a tarefa de demonstrar a liberdade de contratar sob um prisma social, incluindo a função social do contrato como princípio e cláusula geral, que funcionam como limitadores da liberdade contratual. Destarte, pode-se afirmar que o novo Código Civil, em seu artigo 421, deu uma nova feição ao contrato para atender aos interesses sociais e possibilitou a revisão judicial quando os reflexos do contrato forem prejudiciais aos interesses da outra parte ou da sociedade.
Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal do Estado de Goiás, em exercício na Agência Nacional de Telecomunicações desde agosto de 2008 até a presente data. Atuou por 06 (seis) anos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JULIANA DE ASSIS AIRES GONçALVES, . A função social do contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2012, 08:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29533/a-funcao-social-do-contrato. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.