I. INTRODUÇÃO.
1. Trata-se de análise acerca da legitimidade da decisão administrativa que revoga efeito suspensivo concedido em recurso administrativo.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
2. O parágrafo único do art. 61 da Lei nº 9.874/1999 dispõe que “havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”.
3. Ou seja, para a concessão do efeito suspensivo mister a verificação do fumus boni iuris e do periculum in mora, avaliação que fica a cargo do órgão decisório perante o qual está em curso determinado processo administrativo.
4.Quando da concessão do efeito suspensivo, o órgão competente entendeu, com base em elementos indicados na respectiva motivação, estarem presentes os fundamentos para o deferimento daquele pedido.
5. Assim, a fim de evitar prejuízos ao recorrente, fora deferido o efeito suspensivo em face de decisão que aplicara certa sanção, com base em cognição superficial da autoridade regimentalmente competente, a quem coubera verificar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora no caso concreto. Vale lembrar, todavia, que tal decisão é precária, na medida em que oriunda de um juízo de probabilidade, e, por isso mesmo, passível de reforma acaso verificada uma alteração nas circunstâncias que nortearam seu originário deferimento.
6. E verificando-se a ocorrência de tal situação no curso de um processo administrativo, isto é, considerando não haver mais a presença do fumus boni iuris, caberá à Administração Pública o poder-dever de agir no sentido de revogar a decisão que concedera o efeito suspensivo, devolvendo, pois, à decisão recorrida, sua executividade imediata, que antes lhe havia sido retirada.
7. Evidentemente que a revogação à qual se refere a decisão que traz o ato revocatório não diz respeito ao exame de conveniência e oportunidade que norteia a revogação do ato administrativo.
8.Nesse caso, trata-se, indubitavelmente, de medida processual pertinente à própria processualidade estabelecida no âmbito dos processos administrativos. E tanto é assim que não é possível se aplicar, no julgamento do recurso que recebeu efeito suspensivo, a teoria das nulidades ou da revogação do ato administrativo, pois a decisão cuja executividade foi suspensa, uma vez confirmada pelo órgão hierarquicamente superior, não recuperou aquele atributo com base em juízo de conveniência e oportunidade, e muito menos decorrente de reparação de uma ilegalidade identificada.
9. Com efeito, a decisão que concedeu efeito suspensivo a um recurso administrativo se despe das características de um ato administrativo propriamente dito para se revestir das qualidades de um ato meramente processual. Até porque os atos administrativos integrantes de um processo administrativo não podem ser revogados, conforme lição de José dos Santos Carvalho Filho, “pela simples razão de que se opera a preclusão do ato anterior pela prática do ato sucessivo.”
10. Essa possibilidade de reforma de atos dentro do procedimento administrativo, fora das hipóteses de anulação e revogação, encontra guarida na Lei de Processo Administrativo, consoante se depreende do dispositivo abaixo transcrito:
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
11. Note-se que a própria norma regulamentar do processo administrativo acaba por admitir outras formas de alterar o ato administrativo objeto do recurso quando prevê, além da anulação e da revogação, a modificação do ato fora dessas duas hipóteses.
12. Nesse sentido, e à luz do princípio da instrumentalidade das formas, o ato revocatório, ao determinar a revogação do efeito suspensivo concedido em sede de recurso administrativo utilizou esse instituto jurídico segundo a sistemática do direito processual civil.
13. Assim, fala-se em revogação do mesmo modo que em cassação, em perda de vigência, tudo para se referir a reformar, em termos processuais, a decisão que havia atribuído efeito suspensivo ao recurso.
14. Como se trata, então, de uma decisão processual, a motivação para o ato possui também essa mesma natureza, qual seja, a ausência do fumus boni iuris e do periculum in mora, o que deverá ser fundamentadamente examinado e exposto por ocasião da revogação do efeito suspensivo.
15. Nesse ponto, convém recordar que as hipóteses para concessão de efeito suspensivo guardam estreita relação com as situações que ensejam sua cassação. Se, de um lado, a autoridade competente pode conceder motivadamente o efeito suspensivo, a pedido do interessado ou mesmo de ofício, de outro lado, essa mesma autoridade pode cassar, a pedido ou de ofício, o efeito suspensivo outrora concedido, também de forma motivada. É o que se interpreta do art. 61, parágrafo único, da Lei no 9.784, de 1999:
Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.
Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso. (grifou-se)
16. Portanto, a decisão processual de cassação ou revogação de um efeito suspensivo outrora concedido deve ser equiparada, para efeitos de análise, à decisão denegatória de efeito suspensivo. Nessas duas decisões processuais é abordada a mesma situação fática, à luz dos mesmos dois requisitos legais (fumus boni iuris e periculum in mora), mas em momentos subsequentes.
17. Por tudo isso, não se cogita de ilegalidade da decisão que revoga efeito suspensivo, outrora concedido, em sede de recurso administrativo, e, tampouco, de sua recorribilidade.
18. No tocante à via disponível ao administrado para expressar sua discordância com a revogação do efeito suspensivo, há que se registrar que, independentemente de previsão regulamentar para recurso contra decisão que concede ou denega o efeito suspensivo, certo é que o direito de petição, constitucionalmente assegurado, orienta para o recebimento do pedido nesses termos.
19. Percebe-se que não haverá qualquer prejuízo ao administrado, no que toca a seu direito ao contraditório e à ampla defesa, visto que seus argumentos seriam devidamente conhecidos pela autoridade julgadora, em atendimento ao direito constitucional de peticionar, na ocasião do julgamento do recurso administrativo interposto contra o ato administrativo recorrido.
III. CONCLUSÃO.
Pelo exposto, conclui-se pela legitimidade da decisão que, motivadamente, promove a revogação do efeito suspensivo concedido anteriormente ao recurso administrativo.
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