RESUMO: Diante de um tema tão citado ultimamente, faz-se necessário estudo sobre suas peculiaridades e vicissitudes. Será analisado se a entidade internacional FIFA, a partir do momento em que impõe requisitos legais para realização do evento, a Copa do Mundo de 2014, esses contrários à legislação nacional, estaria ferindo a soberania do Brasil. Alguns pontos sobre o caso serão verificados, como a Lei Geral da Copa de 2014 e um dos pedidos da entidade, a comercialização e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios durante a Copa, tudo isso será analisado no presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Soberania Nacional; Lei Geral da Copa de 2014; Bebidas Alcoólicas.
1 INTRODUÇÃO
A partir da escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014, no dia 30 de outubro de 2007 pela FIFA (FédérationInternationale de Football Association), maior entidade do futebol no mundo, o país sabia do imenso trabalho a se fazer para a realização desse grande evento mundial. Inicialmente a empolgação de ter outra Copa do Mundo de Futebol em seu território, última e única foi realizada em 1950, tomaram não somente a população, mas também todos que participaram da vitoriosa candidatura.
Em geral as divulgações focam em mostrar os benefícios advindos com uma Copa ao país que a recebe, pois tal anfitrião tem que estar preparado para recepcionar turistas de todo o mundo, com uma estrutura adequada, por isso terá que se modernizar. Mas será que existe algum ponto negativo em sediar uma Copa? Será que o benefício econômico se sobrepõe a qualquer outro aspecto? E a FIFA, está preocupada a se adequar as normas do país sede?
Esse último questionamento existe pelo fato de a República Federativa do Brasil defender sua soberania, seja de maneira interna, com sua autoridade máxima, ou seja, externamente, onde pelo princípio da soberania não deve se submeter a qualquer injunção internacional. Logo à primeira vista as imposições da FIFA, que sejam contrárias a alguma lei brasileira, não seriam válidas, pois iriam de encontro com esse princípio, isso porque as relações internacionais feitas pelo Brasil são regidas por princípios, esses positivados no artigo 4º da CF/88.
A soberania está na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º, inciso I, que dispõe.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
Entretanto o assunto é mais amplo, então necessita de um estudo maior, pois o conceito da palavra soberania é em grande escala complicado, como elucidado por Santi Romano (1977, p. 58), que o trata como um dos mais obscuros e controvertidos conceitos.
Em torno desse elemento confuso, será observada a pressão totalmente exacerbada utilizada pela FIFA, visando claro alcançar seus objetivos, para que seus interesses sejam inseridos na Lei Geral da Copa de 2014.
Os pontos mais falados e que geram mais polêmica dentro dos requisitos são a liberação do consumo e venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios na Copa e a meia-entrada para idosos e estudantes.
Em busca de respostas este projeto de artigo visa entender em específico se a FIFA estaria ferindo o princípio da soberania nacional a partir do momento que impõe requisitos, no caso contrário à legislação brasileira, para a efetiva realização da Copa de 2014 no Brasil.
Com tudo exposto surge o tal questionamento a ser dissecado “As imposições, contrárias à legislação brasileira, feitas pela FIFA para a realização da Copa de 2014 ferem de algum modo à soberania nacional do Brasil?”.
Utilizando conceitos teóricos e autores que já dissertaram sobre o princípio da soberania nacional e livros que tratam do Direito desportivo e suas peculiaridades, junto com o Estatuto do Torcedor, aprovado em 2003 no Brasil, vamos à procura de respostas para esse fato, não tentando, é claro, concluir com alguma solução para o caso, mas analisando os dois lados, com seus interesses e seus poderes.
2 SOBERANIA NACIONAL E DIVERSAS OPINIÕES
A intensa avalanche de notícias sobre o tema da Lei Geral da Copa de 2014 impressiona, fazendo com que a população, os interessados, se sinta instigada a entender a situação. Cabe agora uma explicação sobre cada ponto importante do assunto, explicando alguns termos e acontecimentos para a completa compreensão do leitor.
Vale entender qual o papel da tão citada FIFA, em seu site oficial a entidade se classifica como “a instituição dirigente do futebol mundial, sendo assim responsável por vários aspectos do jogo, desde publicar as Regras do Jogo até organizar os principais torneios internacionais como a FIFA World Cup™” (SOBRE..., p. 1).
É interessante relatar que as regras da FIFA devem ser seguidas pelas outras federações para que o evento seja validado, porém as federações têm alguma liberdade para acrescentar outras regras, entretanto, essas novas regras não podem ir de encontro com qualquer uma já estipulada pela FIFA. Como elucida Dardeau de Carvalho (apud MIRANDA, 2011, p. 48) que diz que a filiação seria algo como um contrato de adesão feito entre uma federação nacional e a entidade internacional, onde surge o dever de observar as regras e as formas de disputa, podendo, caso descumprir, sofrer pena de desfiliação.
Agora, cabe pontuar que antes mesmo da escolha oficial do Brasil como sede da próxima Copa do Mundo, a FIFA já tinha feito as exigências básicas, no caso as de maior repercussão atualmente, e o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu garantias à entidade com a assinatura de um documento, no ano de 2007, assegurando que o Brasil se comprometeria a adotar todas as medidas necessárias, com base na Constituição, para aprovação no Congresso Nacional de todas as garantias estipuladas. Caso que aconteceu agora na Rússia que realizará a Copa de 2018, onde assinaram uma garantia parecida com a do Brasil, que a bebida será liberada na realização da Copa, algo que eles preveem que vai render muito, pois a Rússia tem uma lei que proíbe não só a venda de cerveja nos estádios, mas também a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas em arenas esportivas.
O que é primordial nesse estudo é entender a questão da soberania nacional, englobando suas várias definições ao longo do tempo, e se há alguma relação com o caso. Como já dito na introdução a palavra soberania é de uma grande complexidade, tendo correntes que a interpretam de formas diferentes.
O percussor a retratar o tema foi Jean Bodin (apud TAVARES, 2009, p. 1015) no livro Les Six Livres de La République publicado em 1576, ele cita de uma forma rígida que a soberania é um poder perpétuo e ilimitado. Ao passar do tempo novas opiniões vem aparecendo, e é de relevância a fala de Machado Paupério (apud TAVARES, 2009, P. 1015), fortalecendo a afirmação de que a vontade de um Estado soberano não é de nenhuma outra, classificando-a como a vontade suprema. Fica clara sua felicidade em descrever algo que é visto nos dias de hoje, ao citar que o direito do futuro estará na direção dos supremos interesses da humanidade.
O que é congruente com a fala de André Ramos Tavares (2003, p. 147), ao citar que “A globalização, como fenômeno de nítida conotação econômica (e comercial, além da cultural), implica, em parte, no reconhecimento da importância da economia internacional para a saúde dos países.” Nesse sentido ele caracteriza que a soberania nacional nega qualquer relação de dependência ou injunção externa, principalmente econômica, entretanto a globalização atualmente impõe novos limites a essa soberania. Themístocles Brandão Cavalcanti (apud TAVARES, 2003, P. 148) completa dizendo “Nenhum país pode se isolar dentro dos princípios de sua economia; não há economia interna isolada; as economias são, evidentemente, internacionais.” Isso significa que a soberania nacional deve ser sim preservada, porém deve seguir em conjunto com o desenvolvimento econômico, no entendimento de Tavares (2003).
Com isso surgem as justificativas de quem concorda que a Lei Geral da Copa de 2014 não viola de nenhuma maneira a soberania do Brasil. Um estudo feito pela assessoria do PT (ESTUDO..., 2012, p. 1) concluiu que não há quebra na soberania, pelo fato de o Brasil ter assinado um contrato, aquele relatado acima, onde firma garantias para a realização da Copa de 2014. Ao tocar no assunto mais controverso da legislação em debate o relator do projeto da Lei Geral da Copa na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT - SP), explicou que o Artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, que trata da questão das bebidas em estádios, não deixa muito claro se a venda ou o porte de bebidas em estádios é proibido. Dispositivo esse que está relatado no inciso II.
II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).
Existem alguns que nem entram no mérito, pois não acham necessário qualquer debate sobre o tema, concordando com o que Regis Fernando de Oliveira (apud TAVARES, 2009, p. 1014) alude, ao dizer que nenhum Estado vive no isolamento, essa interação é necessária. É primordial, para ele, que a soberania não seja considerada como um elemento perigoso, como algo que possa vir a destruir uma nação.
Vale a posteriori expor algumas opiniões que afirmam haver uma violação a tal soberania brasileira com a promulgação da falada Lei Geral da Copa de 2014. Ao ler a opinião do jornalista e escritor Fábio Campana (2012, p. 1), fica visível a inconformidade com a aprovação da lei, descreve-a como um atentado a soberania do país e configura a criação de um Brasil excepcional.
Alguns magistrados também criticam essa Lei, para o Dr. Rodrigo Badaró (apud JÚNIOR, 2011, p. 1) diz que a proposta cria um tribunal de exceção, o que só poderia ser feito em caso de guerra ou quando é declarado estado de sítio. Relata sua indignação ao projeto de Lei da Copa de 2014.
Eu sou extremamente contra essa tentativa, porque é inaceitável um País com instituições democráticas muito consolidadas, como o Brasil, um País com as instituições de Estado funcionando plenamente, como a Justiça, não obstante a demora, mas nós não podemos criar um Tribunal de Exceção para atender um evento. Isso para mim é totalmente inconstitucional, daqui a pouco vai abrir precedente a qualquer situação criar tribunais de exceção.
Opinião também defendida pelo jornalista escocês Andrew Jennings (2011, p. 1), que em sua obra, o livro “Jogo Sujo”, denunciou esquemas de corrupção dentro da FIFA e também na CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Dentre as várias justificativas que dá, pondera que o Brasil deveria usufruir desse momento ruim da FIFA para assegurar a estabilidade de sua legislação, não aceitando, portanto, qualquer injunção estrangeira feita pela entidade.
3 BEBIDAS ALCÓOLICAS DENTRO DOS ESTÁDIOS DA COPA DE 2014
Chegamos a um ponto crucial do estudo, que é a venda e ingestão de bebidas alcoólicas durante a realização da Copa de 2014 dentro dos estádios realizadores do evento. Para deixar claro, algo que está contrário em nosso ordenamento, mesmo com a intensa vontade de alguns políticos em dizer que o caso é obscuro em nossa lei.
É necessário também analisar não só a possível quebra dessa nossa soberania, mas motivar o porquê da instituição dessa lei, quais os motivos históricos para a sua criação, já que em outros países como Alemanha e Inglaterra, está com uma legislação mista, permitem tal tema controverso.
Com relação a promulgação da Lei Geral da Copa de 2014, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff no dia 05 de junho de 2012, o que ficou decidido de importante para a questão da bebida foi que no entendimento dos parlamentares, cabe agora a entidade negociar com os estados, com legislação explicitamente contrárias, a abrir uma exceção em seu território durante a realização da Copa. Os estados são Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Ao passar por essa explicação, chegamos as justificativas para a não aceitar essa quebra excepcional de nosso ordenamento. Como é de conhecimento maçante da população, a questão de brigas envolvendo torcidas nos estádios é triste em nosso país, seja em jogos de âmbito nacional ou propriamente regional. Em reportagem muito bem feita pelo site Lancenet (VESSONI, Rodrigo, 2012, p. 1), conseguiram demonstram o tamanho desse problema em nosso país, começando com essa frase “Em 2012, número de mortes pela violência no futebol poderia ser maior se polícia, acaso ou a sorte não fizessem sua parte”.
Em outra reportagem feita pelo mesmo site Lancenet (VESSONI, Rodrigo, 2012, p. 1), ela demonstra um ranking com o número de mortes praticadas por facções que se dizem torcedores dos times brasileiros. O quadro explicita quem mais matou e quem mais morreu, os números, claro, assustam.
Quem não se lembra do jovem cruzeirense espancado e morto por outros jovens, torcedores do Atlético Mineiro. As imagens de segurança mostraram a covardia feita, onde foram usadas placas de trânsito e diversos chutes já com o jovem caído no chão da rua.
Isso infelizmente é o que acontece há tempos em nosso país, e é o real e justificável motivo para a criação de tal lei. Que visa sempre diminuir esses índices de violências em estádios, haja vista que esses locais devem ser tratados como áreas de lazer, momentos para diversão e não essa distorção violenta e brutal que vemos.
O que relaciona o álcool a essa violência é a clara certeza que seus efeitos contribuem para a ocorrência de tais atos. Vemos que não é um assunto que surpreende ninguém, todos conhecem os efeitos indesejáveis propiciados pelo álcool. Fazendo uma conexão com o Direito Penal, analisamos o artigo 28 do Código Penal, que cita situações que não geram a inimputabilidade do agente na prática de um crime, que seriam em estado de emoção, paixão e embriaguez. Para título de curiosidade existem dois tipos de embriaguez que geram a inimputabilidade, a por força maior ou caso fortuito, entretanto a pré-ordenada além de não gerar agrava a pena do indivíduo, seria aquele crime que a pessoa ingerir bebida alcoólica para ter coragem a praticar o crime.
Isso mostra a preocupação dos nossos legisladores com os delitos praticados sobre influência de bebida alcoólica. Nessa breve colocação identificamos situação que motivam a preocupação com a posição excepcional da nossa legislação para o interesse da FIFA.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de qualquer conclusão vale fortalecer a importância primordialmente social do tema, pelo citado, abrir brechas a qualquer modificação estrangeira, principalmente momentaneamente, seria um caso que afeta explicitamente a sociedade em geral. Apesar dos diversos possíveis benefícios a nossa nação, não se faz uma compensação à altura do perigo dessa atuação em nossas leis, essas que mostram nossas peculiaridades, nossos medos, e que, portanto, não devem ser modificadas por uma pressão de um “estranho”.
Ao analisar as falas do ilustre autor André Ramos Tavares (2003), que disserta sobre a questão econômica cumulada com a soberania nacional, é fácil e correto acompanhar a lucidez do autor, que diz que nenhum país pode viver isolado, sozinho, e por isso vale a opinião, o que responde a pergunta originária, de que não há violação a soberania de nosso país, haja vista a escolha ser feita por nossos representantes.
O que se conclui aqui não é uma ação ilegal de Estado, mas o descaso e, quem sabe, irresponsabilidade em relação a uma situação que pode se tornar perigosa para nós mesmos. Abrir excepcionalidades nem sempre é bom, pode ser tornar algo comum, pode banalizar nossas normas, elas que nos regem, nos dão sentido de convivência e conduta, e por isso, na medida do possível, são nossas bases para uma vida social correta e eficiente.
Mas há também consciência de que para alguns representantes populares, o interesse comum não é primordial, o dito relevante seria o interesse privado. Vale ressaltar que não há critica a FIFA, ela busca seus interesses, a crítica é dirigida aos nossos representantes que sabendo, ou não, de certos prejuízos se posicionam sem consciência e respeito algum perante a sociedade brasileira, colocando supostos retornos financeiros, algo que não vem ao caso, pois cabe um estudo sobre o tema, em detrimento ao nosso meio social de segurança, o ordenamento.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2007.
Fédération Internationale de Football Association. Sobre FIFA. Disponível em.<http://pt.footballs.fifa.com/Conceito/Sobre-FIFA>. Acesso em 05 jun. 2012.
ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional. Tradução por Maria Helena Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Editora Método, 2003.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7º ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
VESSONI, Rodrigo. Violência: Triste ranking dos que mais morrem e matam. Disponível em .< http://www.lancenet.com.br/futebol-general/Violencia-especial_0_676132607.html>. Acesso em 5 de jul. 2012.
VESSONI, Rodrigo. Especial: 24 brigas sem vítimas nos últimos 97 dias. Disponível em .< http://www.lancenet.com.br/minuto/Violencia-especial_0_676732497.html>. Acesso em 5 de jul. 2012.
MIRANDA, Martinho Neves. O Direto no Desporto. 2º ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
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