RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar as crises que afetam o Estado e a Constituição, como também a transformação dos direitos humanos e a sua correlação com o Estado na pós-modernidade. Um estado que passa hoje por diversas crises em sua estrutura.
PALAVRAS-CHAVE: Crise do Estado; Constituição; Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
No grego, krisis que significa escolha, seleção, decisão, mudança no curso de um processo, provocando conflitos ou um profundo estado de desequilíbrio. No plano político, afeta todos os membros de um Estado, a natureza de suas instituições e conseqüentemente seu regime político.
Nesse contexto, denuncia-se que o Estado e suas instituições políticas, policiais, administrativas, econômicas, sociais e jurídicas, estão todas passando por bruscas transformações. No plano do Direito pátrio, essa crise se mostraria no não cumprimento das promessas constitucionais do Estado Democrático de Direito. Esse Estado, e sua Constituição, são acusados de serem inúteis, ante a manutenção das discrepâncias sociais em nosso País.
Desta forma, coloca-se em perigo o dirigismo social pretendido pela Constituição. Nota-se, ainda, um enorme distanciamento do cidadão em relação ao Estado. Este distanciamento contraria o ideal de democracia, que se diferenciaria por uma diminuição da distância entre governantes e governados. Nesse ínterim, cabe perguntar quais elementos da tal crise do Estado já se fazem perceber e como tais elementos interferem na aplicação dos direitos contidos na Constituição.
Os direitos humanos devem ser reconhecidos em qualquer Estado, grande ou pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e econômico que essa nação adota. Nenhuma ideologia política que não incorpore o conceito e a prática dos direitos humanos pode fazer reivindicações de legitimidade. Apesar dos vários tratados e declarações adotados com a consciência e o consenso da comunidade internacional a triste realidade é que nenhum dos direitos declarados é respeitado uniformemente no mundo inteiro.
A questão da crise do Estado não se resume ao povo, à soberania e ao território, também abarca a economia-política do liberalismo e do socialismo. Porém, diante dessas duas perspectivas encontrar-se-ão dois modelos de Estado o liberal e o de Bem-estar social (Welfare State), dois paradigmas de Estado em que giraram as crises. É baseado neles sem ignorar o modelo do socialismo (tal qual), mas não o incluindo na discussão sobre as crises – que se discorrerá sobre as crises geradas nos respectivos modelos para se visualizarem, com maior clareza (dentro do possível), as debilidades das instituições e os recursos empregados para superá-las, pelo menos, as do Estado liberal. Além do mais, o caráter exemplar delas é capaz de fornecer elementos suficientes a fim de contribuir no repensar e reescrever o Estado. Assim, a conjuntura política e a econômica devem ser levadas em consideração, mas não podem se sobrepor à dignidade humana nem conduzirem a vida ativa da esfera pública.
As motivações das crises desses dois modelos de Estado revelam a problemática de sustentabilidade atual da concepção geral de Estado. Isso questiona, cabalmente, a viabilidade do Estado como ente soberano compromissado com determinadas finalidades e capacitado a normatizar as relações entre os indivíduos e entre os indivíduos e o Estado. As crises de modelo de Estado configuram parte importante, quiçá fundamental, para compreender as mudanças de referenciais ocorridas contemporaneamente. Elas também desmascaram o Estado diante dos súditos ao mostrarem a incapacidade de governar, cumprir as “promessas/deveres” e ordenar as relações intersubjetivas, além de mostrar o teor das exigências sociais. Devido à farta discussão sobre os dois modelos de Estado, o tópico tocará somente nos aspectos das crises. Isso se justifica na descrença do retorno do Estado Liberal e do Estado Social no moldes já experimentados, mas resta a formulação/implementação de um Estado preconizador da força hegemônica da sociedade.
Diante do exposto, é possível depurar alguns fatores da crise do Estado. O debate sobre a superação ou não dessa época não é relevante nesse momento, é imprescindível estabelecer a noção de que a contemporaneidade surge com o aumento do nível de complexidade social. Isso exige novas e/ou adaptadas estruturas da concepção inicial de modernidade. A insuficiência das estruturas modernas é uma das causas da crise, mas não é a única. É curial considerar a forma como o Homem moderno posiciona a política, a econômica, o social e o jurídico, para poder contrastar à necessidade de praticar atitudes diversas. Para chegar mais próximo da possível reescrita a fim de tomar consciência diante da problemática fragilização dos fatores: constitucional, funcional e político.
A Constituição, como um instrumento político-jurídico, concentra as tensões de poderes antagônicos ao condensar e conciliar interesses contrários, conforme o grau das forças opostas. Em decorrência disso, sofre tentativas de transformação de sua normatividade em direção a formar um rol de direitos a serem concretizados ou alterados ou não, conforme a vontade política. Assim, o fenômeno constitucional, alicerce do Estado Democrático de Direito, é tratado como um conjunto de normas programáticas vinculantes (ou não), conforme o arbítrio legislativo, executivo ou, até mesmo, judiciário. Na verdade, dá-se o movimento de politicização da constituição (no primeiro momento no Direito) e não da constitucionalização da política. Por conseguinte, o paradigma normativo jurídico é substituído pelo modelo legitimador do Direito, a balizar todas as ações políticas.
A instabilidade constitucional não permanece restrita à crescente interferência da política, está, também, na enorme influência de poderes externos. A perda da posição privilegiada da Constituição, devido ao aumento de acordos/pactos legislativos supranacionais, dá-se principalmente com a aparição das Comunidades internacionais. Assim, os documentos que tratam dos Direitos Humanos e dos Cidadãos forçam os respectivos signatários a se adaptarem aos referenciais desses documentos, ou seja, as Constituições devem estar aptas ou se adaptarem para acolher tais direitos. No entanto, as influências exteriores não se resumem à política e ao direito, na esfera econômica as influências são, por vezes, mais fortes e incisivas do que as demais. A globalização econômica impele o Estado ao máximo controle dos resultados de sua balança comercial e a submissão aos interesses de entes economicamente hegemônicos. Estes processos exercem pressões fatais nos agentes políticos nacionais e, sem dúvida alguma, forçam a desestabilização dos preceitos constitucionais, já politizados.
Em outra perspectiva, o fator funcional não está livre da crise do Estado que envolve a divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). A separação e a harmonia entre os três poderes enfrentam, nas respectivas linhas de batalhas, os ataques das circunstâncias problematizantes. A primeira linha de batalha, a interna, diz respeito à dificuldade de realizar suas tarefas clássicas, pois os três Poderes se deparam com a debilidade da centralidade e exclusividade do Estado, ao acarretar ineficiências nas intervenções de tais poderes na sociedade. A segunda linha tem caráter externo, justamente pelo preenchimento de espaços da especialização funcional por outros setores; significa a interferência no desenvolvimento dos papeis ligados às outros dois Poderes, numa autofagia. Não só instituições restritas aos três Poderes, mas outras concorrentes com as prerrogativas do Estado, pertencentes aos atores semi-públicos, privados, nacionais, locais, internacionais, inclusive, marginais, além de todas aquelas organizações ou setores que conseguem adquirir ou pôr em dúvida a legitimidade, a capacidade de decisão, de execução e de resolução de conflitos do Estado, participam na debilidade da intervenção estatal, por meio de seus Poderes e oportuniza o pluralismo funcional. O espaço público deixa de ser coberto pelas ações do Estado e busca, em paralelo, outras estratégias de satisfação das exigências existentes em seu âmbito.
A extensão da crise abrange a política no mecanismo democrático. O ponto fulminante está na crescente falta de opções, parte do jogo político, pelos eleitores. Sem alternativas de escolha, o cidadão perde o sentido de democracia, pois ela pressupõe pluralidade. Além do mais, torna-o descrente na sua capacidade de e no instrumento de escolha, e começa a duvidar da própria instituição democrática. Para agravar, mesmo quando eleito uma opção destoante do cenário comum/dominante, o representante cede/adapta-se aos contextos econômicos gerados pelo capitalismo, sob pena de inserir o caos no Estado. Por conseguinte, as pautas políticas estão concentradas nas tendências econômicas globais, contra as quais o Estado não possui força suficiente para ir de encontro a elas.
Nas últimas décadas, falar de crise tornou-se referência frente à desconstrução de paradigmas que orientam a construção dos saberes e das instituições da modernidade. Com a denominada globalização econômica, foco de atenção de juristas, sociólogos, economistas, historiadores, etc., ocorreram transformações e mudanças de valores nas Constituições e no constitucionalismo.
“os juristas do Estado Social, quando interpretam a Constituição, são passionais, fervorosos da justiça; trazem o principio da proporcionalidade na consciência, o principio igualitário no coração e o principio libertário na alma; querem a Constituição viva, aberta, real. Às avessas, pois, dos juristas do Estado liberal, cuja preocupação suprema é a norma, a juridicidade, a forma, a estrutura,a pureza do mandamento legal com a indiferença aos valores e, portanto, à legitimidade do ordenamento do qual, não obstante, são também órgãos interpretativos”. Paulo Bonavides (1996, p. 19)
A fragilização das Constituições, geradora da crise que aqui se refere, decorre sobremaneira dos efeitos do processo de globalização, que acarretaram uma mudança de perfil da soberania. Ocorre que o poder soberano antes era concebido como monopólio da força e da política sobre um determinado território, habitado por uma população. Atualmente, devido a novas realidades, houve uma interdependência entre os Estados – Nação, o que acarretou um entrelaçamento na idéia de soberania.
Ademais, através da intervenção das chamadas comunidades supranacionais, das organizações econômicas, das organizações não-governamentais (ONGS), etc., foi marcadamente evidenciado, a mudança do caráter soberano atribuído ao Estado. Ora, mudado o perfil do Estado cujas premissas básicas não repousam mais nos seus postulados clássicos, surge a Crise da Constituição. Morais refere que a soberania vem sendo compulsoriamente partilhada, o que obriga o Estado a rever sua política legislativa, a mudar suas estruturas, redimensionar a jurisdição de suas instituições, mediante amplas e ambiciosas estratégias das denominadas “des” regulamentação, legalização e constitucionalização.
Esse processo, advém da multiplicidade de poderes, onde vislumbra-se a dicotomia entre o público e o privado, sendo que cada vez mais evidencia-se o enfraquecimento das Constituições, submetidas à flexibilização. Na verdade, trata-se de enfraquecimento e crise do próprio Estado. Sobre a relação que há entre Estado e Constituição, vale observar o que dispõe Garcia, quando afirma que o Estado Constitucional Democrático expressa-se e confirma-se na Constituição. Também, aduz que esta é a representação da democracia, sendo que do respeito que lhe demonstram governantes e governados é que depende a possibilidade da mesma ser real ou uma mera enunciação de princípios.
Vislumbra-se, assim, uma crise “da” Constituição e não “na” Constituição, pois nela há irradiação de vários centros de poder, que ditam suas próprias leis, impõem a desnacionalização, evidenciando um Estado carente de soberania e de governantes comprometidos com a verdadeira democracia. A Constituição combalida e agonizante pede concretude e eficácia. É necessário, para evidenciar-se uma maior efetividade à Constituição, ocorrer uma modificação do paradigma liberal-individualista-atomista, expressão evidente do sentido comum teórico dos juristas, comprometidos com uma postura dogmáticametafísica, em que o ser dos entes permanece escondido.
Apesar das ofensivas à Constituição, deve-se procurar dar a ela o máximo de concretização as suas normas. Consoante Hesse, a Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia.Nesse passo, resulta de fundamental importância para a preservação e consolidação da força normativa da Constituição, recuperar o seu sentido material, expressão do sentimento, da cultura e dos valores da comunidade.
Às várias denominações dos direitos humanos, pode ser convergida para uma só: Direitos Fundamentais. É o que aponta a lição de José Luiz Quadros de Magalhães, para quem "quando falamos em Direitos Humanos, se utiliza esta expressão como sinônimo de direitos fundamentais." Podendo vislumbrar que os direitos humanos têm um lugar cada vez mais considerável na consciência política e jurídica contemporânea e os juristas se regozijam com seu progresso. Sendo um estado de direito e o claro respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia verdadeira, e pressupõem a um tempo um âmbito jurídico pré-estabelecido e mecanismos de garantia que assegurem sua efetiva implementação. Os direitos humanos tendem a tornar-se, por todo o mundo, a base da sociedade.
Logo após a 2ª Guerra Mundial sentiu-se a necessidade de criar mecanismos eficazes que protejam os Direitos Fundamentais do homem nos diversos Estados. Já não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais clássicos de não intervenção. O Estado está definitivamente consagrado como administrador da sociedade e convém, então, aproveitar naquele momento, os laços internacionais criados no pós-guerra para que se estabeleça um núcleo fundamental de Direitos Internacionais do Homem.
É desta forma que se fará a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948.
A dignidade humana, em uma linguagem filosófica, pode-se definir como sendo “o princípio moral de que o ser humano deve ser tratado como um fim e nunca como um meio” Verdadeiramente, é longa a caminhada empreendida pela humanidade até chegar-se ao reconhecimento e estabelecimento da dignidade da pessoa humana como direito essencial.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em resolução da III Seção Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, proclama:
“A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros quanto entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição”
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, elaborada em consciência dos desafios históricos e materiais que a justificam, caracterizou a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito que, conforme o constitucionalismo contemporâneo, é fundamentalmente um Estado de justiça social. Em seu preâmbulo, estampa o seu compromisso ideológico e teleológico ao instituir um regime democrático, que assegure o exercício dos direitos sociais e individuais.
5. CONCLUSÃO
A crise do Estado brasileiro atual se conforma com a forma de ver os direitos humanos, sob o prisma da sua aplicabilidade na vida diária de todas as pessoas, em particular quando se refere a setores socialmente excluídos de políticas a que o Estado tem, constitucionalmente, a tarefa de cumprimento dos postulados em favor dos ideais contidos no Estado democrático de direito.
Dessa maneira, ainda se recorre à força que a Constituição Federal vigente denota dentro dos seus limites geográficos. A agenda igualitária, que inspira a meta do Estado na promoção da cidadania para todos e, igualmente, no combate a todas as formas de discriminação, apresenta o rol de valores e preceitos jurídicos concernentes ao bem estar, porque imiscui-se da meta programática do não retrocesso social.
Daí por que se torna curial, que omissões perante direitos fundamentais, das quais afastam a aplicabilidade e o respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais, sejam deveras rebatidas. A comunidade científica deve se pronunciar, bem como interventos por parte dos cidadãos e do Ministério Público devem ocorrer, no sentido de provocação ao Poder Judiciário, com o fim de garantir a não violação de direitos elementares e a observância do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em outras palavras, medidas concretas de política devem ser tomadas para que sejam efetivados valores substanciais, inafastáveis aos cidadãos brasileiros, por força dos princípios e dos objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Outrossim, se deve ressaltar que, no Estado de direito material a mera enunciação de princípios, atrelada à compreensão formal da constituição não cumpre os objetivos primordiais de realização dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Martins Fontes, 1998.
MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996.
Acadêmica de Direito da Faculdade de ciências Humanas e Sociais-AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Alana Glaise Alves. As crises do Estado, da Constituição e a transformação espacial dos Direitos Humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2012, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30350/as-crises-do-estado-da-constituicao-e-a-transformacao-espacial-dos-direitos-humanos. Acesso em: 22 nov 2024.
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