Introdução
Analisando a letra fria da Lei, especificamente, no art. 1.641, II do CC, onde o legislador resolveu, por mero preconceito, impor aos nubentes maiores de 70 anos (alteração feita pela Lei 12.344/10, pois, antes da entrada em vigor dessa lei, a vedação abarcava os de idade sexagenária), o regime da separação absoluta de bens, chamada também de obrigatória, nomenclatura essa mais adequada, por não dá alternativa às pessoas maiores de 70 anos para escolherem o regime de bens que regerá seu casamento.
A partir dessa premissa destacam-se alguns pontos relevantes na defesa da exclusão do inciso II do art. 1.641 do Código Civil Brasileiro. Os quais seguem adiante:
Inconstitucionalidade
A inconstitucionalidade do referido texto legal encontra-se baseada na flagrante afronta ao principio da isonomia, o qual nossa Constituição o estabelece em vários de seus dispositivos. Exemplo claro dessa preocupação em estabelecer igualdade por parte da CF/88, está inserido entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quando o art. 3º, inc. IV diz: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Outro exemplo inconteste é o caput do art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Por isso, ser inconstitucional tal imposição aos idosos, pois, tiram deles o direito de poder escolher a forma de como querem vê dispostos seus patrimônios com a pessoa a qual se apaixonou e resolveu casar.
Ainda analisando o principio da isonomia, faz-se necessário trazer ao debate a norma legal inserida no art. 1.639 do CC, “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. No entanto, em relação àqueles que chegaram à idade de 70 anos, essa liberdade não se aplica. Dessa forma, só resta aos nubentes septuagenários se conformarem com a vontade suprema da Lei.
Afronta ao Estatuto do Idoso
Trata-se de norma infraconstitucional criada no intuito de efetivar direitos e garantias fundamentais já encravados em nossa Carta Magna em relação à pessoa idosa. Não se baseia em buscar diferenciar a pessoa com 60 anos em diante, mas sim, de buscar na diferença material a igualdade formal, ou seja, a igualdade da Lei. Igualdade essa já garantida pela nossa Constituição Federal e, a partir do ano de 2003, também garantida pelo Estatuto em comento. No qual, em seu art. 10, prescreve:
“Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 2o O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.”
Ao lê o dispositivo supra, não deixa dúvida quanto à afronta a qual o mesmo sofre pela imposição do regime da separação obrigatória no que tange ao casamento da pessoa idosa. Pois, ao contrário do que preceitua o Estatuto do Idoso, o nosso dito “Novo Código Civil” posiciona-se na contramão ao desrespeitar a vontade do idoso.
Autonomia da Vontade
Não há como falar em Estado Democrático de Direito sem vislumbrar o principio maior o qual regeu os homens nas lutas sociais em busca de liberdade, solidariedade, fraternidade e tantos outros valores. Contudo, só foi possível essa busca incessante, por que existe no ser humano um outro principio, chamado de Autonomia da Vontade. Esse princípio, ao contrário do que muitos pensam, não é um princípio criado com o advento do Estado Liberal, nem tampouco se limita a existir em um sistema da mesma natureza.
A autonomia da vontade é algo inerente ao ser, por isso, tratar o ser humano, cidadão capaz, detentor de direitos e obrigações no âmbito civil da forma prevista no artigo 1.641 inciso II, é dizer que tais cidadãos deixaram, por mera previsão legal, portanto abstrata, de ter vontade própria. Algo que por si só já é ultrajante na dignidade de tais pessoas.
Falta de Subsídio Probatório
Para todas as outras previsões legais que impõem a mesma sanção, ao menos existem justificativa de ordem patrimonial, que são as hipóteses dos incisos I e III do mesmo artigo em estudo. Nesses casos consegue-se verificar a tentativa de proteger o interesse de alguém. Mas, com relação aos idosos, não há como se verificar essa mesma tentativa, pois o interesse é tão somente do próprio idoso. Ele é o dono de seu patrimônio.
Deve-se salientar que estamos tratando de pessoas em pleno uso e gozo de suas capacidades mentais, pois não se justificaria tal sanção aos nubentes idosos se estes estivessem relativamente incapazes. Nesses casos a própria lei civil já faz referência aos mecanismos legais para a interdição ou outra medida necessária se for o caso. Mas, não é disso que estamos a falar, por isso, mais uma vez, tornar-se totalmente arbitrária a imposição da separação obrigatória aos maiores de 70 anos na escolha do regime de bens que quer vê regendo seu casamento, ou melhor, na não escolha.
Também, não se pode justificar notória discriminação com base nos prováveis herdeiros os quais esse nubente possa ter. Sabe por quê?
Por não serem, os prováveis herdeiros, detentores de direitos reais patrimoniais sobre o patrimônio de pessoa viva. À eles, só lhes é conferido uma expectativa de direito, nada mais. Pois, o próprio Código Civil estabelece com rigor “Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”
Presunção Legal
Não há como não notar “de cara” qual foi a presunção que o legislador derivado teve e impôs à todos aqueles que atingem a idade máxima para poder casar. Sem elencar formas de verificação da capacidade desses nubentes, o legislador, simplesmente, resolveu optar pela presunção júris et de jure de total incapacidade mental da pessoa maior de 70 anos, ou seja, há uma presunção absoluta, que não permite prova em contrário. Para o legislador, a pessoa que atinge a idade por ele imposta como limite, é um ser totalmente débil mental.
Correção feita pelo STF
A restrição à autonomia da vontade, não admitindo sequer a comunhão dos bens adquiridos durante a vida em comum, levou o STF a editar a Súmula 377, a fim de corrigir imperioso absurdo. Vejamos a súmula: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Com a sua edição, passou a ser dada a seguinte interpretação para a controvérsia instaurada: No regime da separação legal, os aquestos se comunicam pelo simples fato de terem sido adquiridos na constância do casamento, não importando se resultaram, ou não, de comunhão de esforços.
Alteração
A alteração do regime de bens é possível em nosso atual ordenamento jurídico, somente, após, o advento do Novo Código Civil (art. 1.639 § 2°) que acolheu o princípio da mutabilidade dos regimes de bens, onde os cônjuges podem, durante o curso da união, alterar o regime de bens do seu casamento, preenchidas, contudo, uma série de determinações legais.
Segundo ensina Maria Berenice Dias “se o regime da separação foi imposto em face da idade, ou seja, se um ou ambos os noivos tinham mais de 70 anos ao casar, admite a jurisprudência a alteração do regime de bens. Até porque flagrante é a inconstitucionalidade de tal restrição. De qualquer modo, a limitação legal é para a adoção do regime quando do casamento, não havendo qualquer restrição de idade para ser pleiteada a alteração do regime durante o casamento. Vejamos o art. infra:
“Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.”
Considerações Finais
Ao chegar ao fim deste trabalho se faz necessário mencionar os seguintes dispositivos:
“Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência;
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”
Por fim, a elaboração de um estudo sobre a imposição do regime da separação absoluta e obrigatória de bens no casamento daqueles com mais de 70 anos, não foi algo fácil de ser feito, pois, requereu determinado tempo e estudo sobre todos os fatores, hipóteses, características, argumentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto. Contudo, ao final vislumbra-se com maior clareza de detalhes - e convicção - nas coisas que estar-se a defender ou a acreditar. Passa-se a ter a certeza que é essa a melhor maneira de estudar o ramo do Direito, ou seja, de uma forma criativa e ao mesmo tempo criadora; de uma forma pensante; crítica; analítica. Por fim, de uma forma menos pronta, pois como o Direito é algo que nasce da sociedade, só estudando ela que podemos compreender de uma maneira menos abstrata as normas que são impostas a uma parcela de nossa sociedade, e que, certamente, será imposta à todos.
Estudante do 5º ano do curso de Direito pela Universidade Potiguar Laureate International Universities.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Alexsandro Costa. Análise Crítica da Imposição Legislativa do Regime de Bens para os Maiores de 70 anos em Nosso Ordenamento Jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30433/analise-critica-da-imposicao-legislativa-do-regime-de-bens-para-os-maiores-de-70-anos-em-nosso-ordenamento-juridico. Acesso em: 22 nov 2024.
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