RESUMO: Às obrigações de natureza contratual são regidas por diversos princípios. Dentre esses, destaca-se o da autonomia da vontade, no qual incide a liberdade contratual das partes, consistindo no poder de estabelecer livremente o conteúdo de seus interesses. No entanto, tal autonomia não pode ser absoluta, deve estar pautada nos limites estabelecidos pela ordem pública. Essa liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Assim, surge a necessidade de se rever a isonomia aplicada aos empresários e a autonomia da vontade em face do poder estatal.
PALAVRAS-CHAVE: contrato; autonomia da vontade; função social; isonomia.
1 INTRODUÇÃO
A conjectura do direito encontra sua base na noção de liberdade subjetiva, motivo pelo qual a autonomia da vontade e a isonomia entre as partes aparecem como princípios organizadores da teoria dos contratos. Sob a influência de tais princípios, o contrato passa a ser concebido como o resultado da tendência de vontades, por sua vez, livres e iguais.
A subjetividade paralisa e equilibra as partes contratantes ao estabelecer a igualdade e liberdade para contratar. Assim, por via desse equilíbrio, neutralizam-se as divergências, surgindo à possibilidade de se aplicar os princípios da autonomia da vontade e da isonomia na relação contratual.
A autonomia da vontade ou liberdade subjetiva reside justamente nessa possibilidade do indivíduo querer ou não querer algo. Mas, a liberdade conferida aos indivíduos de exercitarem suas pretensões por meio de tais princípios não pode ser analisada como um poder ilimitado. O poder de contratar acarreta limitações expressas ou implicitamente estabelecidas por lei em defesa da organização do Estado, de suas instituições e do interesse da coletividade. Essa liberdade e poder devem se consubstanciar nas prerrogativas da órbita jurídica. Observadas essas exigências, qualquer pessoa capaz pode licitamente criar relações a que a lei empresta validade jurídica, através da livre manifestação de vontade.
2 A AUTONOMIA DA VONTADE LIMITADA PELA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
O contrato em sua essência corresponde ao vínculo obrigacional existente entre duas partes, em que uma deve prestação à outra, e esta, em oposição, deve à primeira uma contraprestação, ou seja, o contrato é um acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos.
Quanto às obrigações contratuais, estas são regidas por vários princípios, dentre eles o da autonomia de vontade, no qual se funda a liberdade contratual das partes, consistindo no poder que elas têm de estipular, livremente, a disciplina de seus interesses. Nas palavras de Victor Eduardo Rios Gonçalves, a autonomia da vontade nada mais é do que:
A liberdade das partes para negociar, celebrando contratos, nominados ou inominados, sem qualquer intervenção governamental. Essa autonomia, porém, não é absoluta, esbarrando nos limites da ordem pública, uma vez que não se pode conferir às partes liberdade para confrontarem o Estado de Direito. Além disso, é necessário que se respeitem a moral e os bons costumes. (Títulos de crédito e contratos mercantis, p. 104).
É notório que a vontade dos contratantes atualmente se encontra subordinada ao interesse coletivo, tendo em vista o sentido da norma delineada no artigo 421 do Código Civil Brasileiro de 2002, onde aduz que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. A norma citada visa combater os excessos do individualismo, limitando a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico-social do negócio jurídico, que não pode deixar de atender ao bem comum e aos fins sociais. Essa função social do contrato vem limitar a autonomia de vontade, quando essa autonomia entra em confronto direto com o interesse social.
Nesse propósito, torna-se evidente que as relações de natureza contratual têm adquirido, cada vez mais, em contrapartida ao teor individualista, uma concepção voltada aos interesses do bem comum. Assim, nas palavras do notório escritor Humberto Theodoro Júnior:
É inegável, nos tempos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de Direito, hão de submeter-se ao intervencionalismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar. (O contrato social e sua função social, p. 6).
Isto, porém, não importa anular a figura do contrato, nem tampouco afastar a incidência dos princípios clássicos que regem essa indispensável categoria jurídica. O contrato, segundo a lição sempre acatada de Caio Mário da Silva Pereira, continua se originando “declaração de vontade”, tendo “força obrigatória”, e se formando, em princípio, “pelo só consentimento das partes”. E, mais ainda, continua nascendo, em regra, “da vontade livre, segundo a autonomia da vontade”. [1]
Destarte, essa autonomia não possui atualmente as mesmas proporções de outros tempos (visto que sofre evidentes limitações), não só em vista dos tipos contratuais impostos pela lei como também pelas exigências de ordem pública, que cada vez mais são prestigiadas pelo direito contemporâneo.
3 OS LIMITES DA AUTONOMIA DA VONTADE NO ÂMBITO EMPRESARIAL
Na seara empresarial, o contrato será mercantil "quando os dois contratantes forem empresários, ou seja, quando ambos exercerem profissionalmente, atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços”. [2]
Nesse âmbito, o dirigismo contratual também provocou inegáveis restrições ao princípio da autonomia da vontade, pois veio permitir a intervenção estatal em certos negócios jurídicos contratuais. Passou o contratante a ser inserido em uma estrutura coletiva, na qual suas vontades devem ser limitadas, com o objetivo de proporcionar um justo equilíbrio de suas relações para com a sociedade. Assim, a autonomia da vontade torna-se mitigada, submetendo-se à ordem positiva estatal porque depende desta o reconhecimento da validade e eficácia dos contratos realizados. A vontade só é autônoma quando a ordem positiva não a proíbe e somente nesse sentido é possível falar que o contrato estabelece lei entre as partes.
Revela-se óbvio que o princípio da função social do contrato não impede que as pessoas naturais ou jurídicas exerçam livremente o poder de contratar. Exige-se tão-somente que o acordo de vontades não seja exercido em intolerável detrimento da coletividade. O que possui íntima relação com o princípio da eticidade, cuja base fundamental é a boa-fé.
Entretanto, ao nos deparar com a realidade que nos envolve, percebe-se muitas vezes que essa função social do contrato não é aplicada da melhor forma possível. Pois, diante dos padrões sociais, é possível perceber que na elaboração de muitos contratos não é levado em consideração somente à perspectiva da autonomia da vontade, mas também a posição econômica ocupada pela figura do empresário.
As instituições de cunho financeiro, por exemplo, ao submeterem o cálculo econômico, não financia a compra de certos bens ou liberam determinados tipos de empréstimos para qualquer pessoa física ou jurídica. Exige-se algumas vezes, certas garantias, das quais muitos micros e pequenos empresários não têm condições de oferecer. Logo, nem todos são convocados para contratar, mas apenas aqueles cujo poder aquisitivo lhes permitam assumir determinadas obrigações.
Sobre esse aspecto, é preciso considerar a isonomia aplicada aos empresários e rever a autonomia da vontade em face do poder estatal, ou seja, o Estado pode até não constranger a liberdade subjetiva, mas tem muitas vezes constrangido o exercício de tal liberdade, ao inviabilizar direitos e limitar o progresso econômico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento científico e econômico fez com que a legislação buscasse o equilíbrio nas relações contratuais. Passou o contratante a ser inserido em uma estrutura coletiva, na qual suas vontades devem ser limitadas, não podendo deixar de atender ao bem comum e aos fins sociais. Assim, é mantido o poder conferido aos contratantes de estabelecer o vínculo obrigacional, desde que o contrato se submeta às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse coletivo.
A função social do contrato vem revelar que o objetivo dos contratos não é o de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, mas que os pactos não podem ser transformados em instrumento para atividades abusivas, causando danos à parte contrária ou a terceiros. Combate-se assim, os excessos do individualismo, limitando a liberdade contratual pela intervenção do Estado, perante a função econômico-social do ato negocial.
REFERÊNCIAS
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Títulos de crédito e contratos mercantis. 6. Ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997.
Acadêmico da: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURVELO, Hercílio Denisson Alves. As limitações da autonomia da vontade nas relações contratuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2012, 07:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31352/as-limitacoes-da-autonomia-da-vontade-nas-relacoes-contratuais. Acesso em: 22 nov 2024.
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