Resumo: O presente artigo aborda o direito à razoável duração dos processos judiciais e administrativos previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Além do significado desse direito, das normas e jurisprudência pertinentes ao assunto, este trabalho também trata da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos indivíduos em razão da afronta ao direito à razoável duração dos processos.
Palavras-chave: Direito fundamental – duração – processo.
Abstract: This article discusses the right to reasonable length of judicial and administrative proceedings provided in art. 5, subsection LXXVIII, of CF/88, added by Constitutional Amendment number 45/2004. Besides the significance of this right, the rules and case law pertinent to the issue, this article also deals with the responsibility of the State for damage caused to individuals by reason of affront to the right to reasonable length of proceedings.
Keywords: Fundamental right - duration - process.
Sumário: Introdução. 1. O direito fundamental à razoável duração do processo. Conclusões. Referências.
Introdução
O direito fundamental à razoável duração do processo foi expressamente previsto em nossa Constituição Federal de 1988 em razão da Emenda Constitucional n. 45/2004 que o inseriu no inciso LXXVIII do art. 5º. Referido dispositivo assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Embora a razoável duração do processo e a celeridade processual já estivessem subentendidas na cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88) e no princípio da eficiência (art. 37, caput, CF/88), o constituinte seguiu a tendência mundial de consagrar, de maneira expressa o referido direito. Com efeito, no âmbito internacional o direito à razoável duração do processo já vinha expresso em várias normas, tais como: Convenção Europeia de Direitos do Homem de 1959 (art. 6º, 1), Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, 1), Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 (art. 47), Constituição italiana (art. 111), Constituição espanhola (art. 24) e Constituição portuguesa (art. 20).
Objetivando estudar com maiores detalhes o direito fundamental processual à razoável duração do processo, o presente artigo abordará os aspectos normativos, doutrinários e jurisprudenciais relativos ao tema.
1. O direito fundamental à razoável duração do processo
Inicialmente é importante estudar o que se deve entender por “razoável duração do processo”.
Uadi Lammêgo Bulos prefere designar a razoável duração do processo como princípio e o define da seguinte forma:
Pelo princípio da razoável duração do processo, as autoridades jurisdicionais (processo judicial) e administrativas (processo administrativo) devem exercer suas atribuições com rapidez, presteza e segurança, sem tecnicismos exagerados, ou demoras injustificáveis, viabilizando, a curto prazo, a solução dos conflitos[1].
Na cultura anglo-saxônica encontramos expressão que traduz o direito em comento: “justice delayed is justice denied”, ou seja, justiça lenta é justiça negada. Assim, deve-se impedir que a justiça tardia se transforme em injustiça.
Na verdade, o direito fundamental à razoável duração do processo abriga conceito indeterminado, o que evidencia trabalho para os juristas que devem adensar o termo.
Obviamente que o direito à razoável duração do processo não quer significar necessariamente que há direito a processo rápido, instantâneo. O próprio termo processo (conjunto de atos tendentes à solução da lide) é incompatível com a ideia de resultado imediato. Veja o que Marinoni e Mitidiero dizem a respeito:
O direito à duração razoável do processo não constitui e não implica direito a processo rápido ou célere. As expressões não são sinônimas. A própria ideia de processo já repele a instantaneidade e remete ao tempo como algo inerente à fisiologia processual. A natureza necessariamente temporal do processo constitui imposição democrática, oriunda do direito das partes de nele participarem de forma adequada, donde o direito ao contraditório e os demais direitos que confluem para organização do processo justo ceifam qualquer possibilidade de compreensão do direito ao processo com duração razoável simplesmente como direito a um processo célere. O que a Constituição determina é a eliminação do tempo patológico – a desproporcionalidade entre duração do processo e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar. Nesse sentido, a expressão processo sem dilações indevidas, utilizada pela Constituição espanhola (art. 24, segunda parte), é assaz expressiva. O direito ao processo justo implica sua duração em “tempo justo”[2].
Com efeito, a razoável duração do processo não pode ser classificada como um conceito estático, mas sim dinâmico, a depender do caso concreto, pois é óbvio que situações mais complexas corresponderão a processos mais demorados, ao passo que casos mais simples, serão resolvidos em menos tempo.
Importa ressaltar que celeridade demais em muitos casos pode até implicar injustiça, pois a ânsia de resolver o assunto com rapidez pode resultar em trabalho mal feito, em análise inadequada.
Assim, não se deve promover cegamente a eficiência como fim, sem temperamentos, como objetivo absoluto, desconsiderando outros valores.
Além disso, o processo democrático, participativo, embora demore um pouco mais, dota a decisão de legitimidade, justiça e efetividade.
O direito à razoável duração do processo, da maneira como vem expresso na Constituição Federal de 1988, não apresenta sanções a seu descumprimento. Em verdade, é comando direcionado ao legislador que deve produzir normas destinadas a otimizar e promover a celeridade dos processos, bem como ao administrador, no sentido de que suas técnicas de gestão conduzam a decisões de qualidade no menor tempo possível e ao juiz no sentido de que preste a tutela jurisdicional em espaço de tempo razoável, pois a duração razoável do processo gera confiança por parte da sociedade na eficácia da ordem jurídica.
A doutrina aponta parâmetros aplicáveis para fins de aferição da concretização do direito ao processo sem dilações indevidas os quais devem ser ponderados caso a caso. Acerca desses critérios Marinoni e Mitidiero expõem o seguinte:
A complexidade da causa, sua importância na vida do litigante, o comportamento das partes e o comportamento do juiz – ou de qualquer de seus auxiliares – são critérios que permitem aferir racionalmente a razoabilidade da duração do processo[3].
Deve-se destacar que a norma constitucional quer garantir não apenas a duração razoável do processo judicial, mas também do processo administrativo, evitando com isso a prescrição das pretensões que são objeto desses processos. Exemplo de norma que consagrou o direito à razoável duração dos processos administrativos pode ser encontrada na Lei 11.457/07 que criou a Super Receita. O artigo 24 desta lei afirma que a decisão administrativa deve ser proferida obrigatoriamente no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.
Relativamente aos processos judiciais a própria Emenda Constitucional n. 45/2004 abrigou várias medidas de celeridade e desburocratização, tais como: necessidade de prévia demonstração de repercussão geral das questões constitucionais para o conhecimento do recurso extraordinário; fim de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau; distribuição imediata de processos em todos os graus de jurisdição; número de juízes proporcional à demanda de litígios e à respectiva população; delegação a serventuários da justiça da prática de atos administrativos e de mero expediente, sem caráter decisório e as súmulas vinculantes.
No que diz respeito às normas infraconstitucionais criadas a fim de otimizar os processos judiciais, a título exemplificativo, podemos citar, dentre outras, as seguintes: Leis n. 12.153/09, 12.106/09, 12.063/09, 12.019/09, 12.016/09, 12.012/09, 12.011/09, 11.969/09, 11.925/09.
Importante instrumento de atuação no combate à morosidade da justiça é também a representação por excesso de prazo passível de ser formulada perante o Conselho Nacional de Justiça, devendo-se demonstrar os motivos da demora e os fatores que justificam a lentidão do julgamento.
No campo da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o direito à razoável duração do processo em diversas situações, tais como: excesso de prazo e demora no desfecho do processo (STF HC 87.550/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 7-3-2006); direito a julgamento sem dilações indevidas (STF HC 92.226-MC/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 12-9-2007); economia processual e instrumentalidade das formas (STF, AC 1.350/RJ, Rel. Min. Carlos Brito, DJ de 19-9-2006, p. 30; STF, Pet. 3.637-MC/RJ, Rel. Min. Carlos Brito, DJ de 18-4-2006)); princípio da causa madura (STF, RE 321.292/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 31-8-2005, p. 78); prisão cautelar excedente de prazo (STF, HC 85.988-MC/PA, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10-6/2005; STF HC 92.226-MC/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 12-9-2007), dentre outras.
Acerca do dano causado pela demora injustificada do processo, Bedaque o qualifica como dano marginal e explica:
(...) o simples fato de o direito permanecer insatisfeito durante todo o tempo necessário ao desenvolvimento do processo cognitivo já configura dano ao seu titular. Além disso, acontecimentos podem também se verificar nesse ínterim, colocando em perigo a efetividade da tutela jurisdicional. Esse quadro representa aquilo que a doutrina identifica como dano marginal, causado ao agravado pela duração do processo.(...) com o objetivo de evitar o dano marginal, causado pelo processo, existe a possibilidade de sumarização da atividade cognitiva, tornando admissível a tutela jurisdicional mediante conhecimento não exauriente[4].
Por fim, importante ressaltar que esse dano causado pela afronta ao direito fundamental processual de razoável duração dos processos judiciais e administrativos pode ensejar direito à tutela reparatória em face do Estado (responsabilidade civil extracontratual) seja este dano de natureza patrimonial ou extrapatrimonial (danos morais e à imagem), tendo a Constituição inclusive previsto expressamente casos de indenização em razão da demora, tal como o art. 5º, LXXV, CF/88.
Conclusões
O constituinte, através da Emenda Constitucional n. 45/04, decidiu incluir expressamente o direito fundamental à razoável duração dos processos judiciais e administrativos na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso LXXVIII), muito embora tal direito já pudesse ser extraído do princípio da eficiência (art. 37, caput, CF/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).
A partir dessa mudança, várias normas foram editadas a fim de otimizar os processos, principalmente os de natureza judicial.
A jurisprudência não fechou os olhos a este direito fundamental e vem consagrando o princípio da razoável duração do processo em várias decisões.
Diante desse quadro, é importante ressaltar que para promover o direito à razoável duração do processo é indispensável dotar tanto o Poder Judiciário como a Administração Pública de estrutura adequada e pessoal qualificado. Sem isso, não há como efetivar o direito em questão.
Uma vez consagrado como direito fundamental é óbvio que os indivíduos que sofrerem danos patrimoniais ou extrapatrimoniais (morais e à imagem) em decorrência da demora injustificada na solução de seus processos judiciais ou administrativos apresentarão direito à tutela reparatória em face do Estado (responsabilidade civil extracontratual).
Por fim, deve-se ressaltar que o direito fundamental processual à razoável duração dos processos visa proteger o direito material que está sendo discutido por meio do processo judicial ou administrativo, a fim de que não pereça em razão da demora injustificada na instrução e decisão da questão posta.
Referências
ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 5 ed. São Paulo, Malheiros, 2009.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: RT, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 10 ed. São Paulo: RT, 2008.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.
TREPAT, Cristina Riba. La eficacia temporal del proceso – El juicio sin dilaciones indebidas. Barcelona: Bosch, 1997.
Notas:
[1] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 4ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 591.
[2]SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p.678/679.
[3] Ib. Ibidem. p. 680.
[4] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 5 ed. São Paulo, Malheiros, 2009. p. 15 – 19/20
Procuradora Federal, Mestre em direito pela Universidade Federal do Ceará, Especialista em direito público pela Universidade Federal do Ceará, Graduada em direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Rosalliny Pinheiro. O direito fundamental à razoável duração do processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2012, 08:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31843/o-direito-fundamental-a-razoavel-duracao-do-processo. Acesso em: 22 nov 2024.
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