INTRODUÇÃO
A idéia de controle de constitucionalidade é antiga e aprimorou-se ao longo da história.
Dirley da Cunha Júnior, ao tratar dos antecedentes históricos da fiscalização de leis através dos tempos, destaca que o controle de constitucionalidade “é resultado de um paulatino processo de amadurecimento através de séculos de história” (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 61).
DESENVOLVIMENTO
Com efeito, a noção de fiscalização de leis existe desde a antiguidade clássica.
Os gregos já apresentavam a diferença entre nómoi e pséfisma, tal como apresentado por Dirley da Cunha Júnior:
Podemos dizer que esse processo remonta à antiguidade clássica, em especial à civilização ateniense, onde se distinguia entre os nómoi e o pséfisma. Em linguagem moderna, devemos reconhecer que os nómoi representavam as leis constitucionais da época, não só porque dispunham sobre a organização do Estado, mas também porque só podiam ser alterados por procedimentos especiais. Já o pséfisma apresentava-se como uma lei ordinária que, qualquer que fosse seu conteúdo, devia conformar-se, formal e materialmente, com os nómoi. O descompasso entre o pséfisma e os nómoi era resolvido em favor destes, em face de sua reconhecida superioridade (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 61).
Sobre a Idade Média, o renomado autor ressalta que:
A concepção que se tinha do Direito e da Justiça serve também, em certo sentido, de precedente histórico da jurisdição constitucional. Com efeito, naquela época, o direito natural assumia um lugar de destaque na concepção vigente do Direito, uma vez que se lhe reconhecia o status de norma superior, de derivação divina, na qual todas as outras normas deviam ser inspiradas, sob pena de nulidade (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 61).
A Inglaterra também serviu de base histórica no controle de constitucionalidade das leis. Todavia, deve-se destacar a existência de dois períodos distintos: antes e depois da Revolução Gloriosa.
Com relação ao primeiro período, Cunha Júnior ensina que:
Na Inglaterra da primeira metade do século XVII, obviamente antes da Glorious Revolution de 1688, predominou a doutrina de Sir Edward Coke, que pregava a superioridade da Common Law, em face mesmo do Rei e do Parlamento. Segundo Lord Coke, a supremacia da Common Law era garantida pelos juízes, que exerciam uma autoridade de árbitro entre o Rei e a Nação. Assim, os juízes deveriam controlar a legitimidade das leis votadas pelo Parlamento, negando aplicação àquelas contrárias à Common Law (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 62).
A partir da Revolução Gloriosa de 1688, a situação do constitucionalismo inglês mudou por completo. Dirley da Cunha Júnior destaca que:
No entanto, as idéias de Edward Coke – da supremacia da Common Law e de sua garantia pelos juízes – foram abandonadas na Inglaterra com a revolução de 1688, a partir da qual foi proclamada a doutrina da supremacia do Parlamento (supremacy of the Parliament), ainda hoje vigente naquele País, onde não se fala em controle judicial de constitucionalidade (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 62).
Com efeito, o modelo inglês constitui, atualmente, um referencial de ausência de fiscalização de constitucionalidade, em virtude de sua base constitucional costumeira.
Acerca do modelo de controle em questão, Clèmerson Merlin Clève destaca que “se a vontade do Parlamento, expressada pela maioria, é ilimitada, inexistindo Constituição escrita na Inglaterra, então não há lugar para a instituição de um mecanismo de fiscalização de constitucionalidade” (CLÈVE, 1995, p. 47).
Sobre os antecedentes históricos mais próximos, deve-se destacar a experiência francesa, que pregou, a partir da Revolução de 1789, a separação entre poder constituinte, fonte da Constituição, e os poderes constituídos.
O modelo francês adotou o princípio da separação de poderes de forma bastante radical, sem permitir interferências de um poder no outro.
Com base nisso, o direito francês nunca atribuiu aos órgãos judiciários competência para exercer o controle de constitucionalidade, em que pese ter a França adotado Constituições rígidas. Isso significaria uma indevida intromissão do Poder Judiciário no âmbito de atuação do Poder Legislativo (CLÈVE, 1995, p. 48).
Além disso, merece destaque o constitucionalismo dos Estados Unidos.
Como salientado por Ronaldo Poletti, “a grande criação americana não proveio do texto expresso da Constituição, sim da jurisprudência” (POLETTI, 2001, p. 23-50).
Trigueiro (1981) citado por Poletti (2001, p. 23-50) destaca que a Justiça do Estado de New Jersey, em 1780, declarou nula uma lei por contrariar a Constituição do Estado e que, em 1787, a Suprema Corte da Carolina do Norte invalidou uma lei por colidir com os artigos da Confederação.
Sobre os antecedentes norte-americanos, Ronaldo Poletti acrescenta que:
Um dos antecedentes mais importantes foi o decidido em Rhode Island, 1786, Trevett v. Weeden, no qual os juízes, embora deixando de conhecer o caso, por ausência do pressuposto de jurisdição, declararam a lei inválida, numa antecipação que guarda alguma similitude lógica com o aresto de Marshall, no qual se construiu a doutrina da inconstitucionalidade, embora desconhecendo-se e negando-se provimento ao writ, justamente por aquilo (POLETTI, 2001, p. 23-50).
Com efeito, a Constituição de 1787 consagrou a sua supremacia em face de qualquer disposição estadual que lhe fosse contrária.
Destaca-se o caso Ware x Hylton, julgado em 1796, com base na Constituição de 1787. Nessa oportunidade, a Suprema Corte afirmou que os tratados, por possuírem a mesma força que a Constituição, não poderiam ser violados por leis estaduais. Todavia, essa decisão não ganhou tanta repercussão.
O caso Marbury x Madison, julgado por John Marshall em 1803, ganhou mais notoriedade.
Dirley da Cunha Júnior ensina que:
A decisão de Marshall representou a consagração não só da supremacia da Constituição em face de todas as demais normas jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição. Considerou-se que a interpretação das leis era uma atividade específica dos juízes, e que entre essas figurava a lei constitucional, como a lei suprema, de tal modo que, em caso de conflito entre duas leis a aplicar a um caso concreto, o juiz deve aplicar a lei constitucional e rejeitar, não a aplicando, a lei inferior (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 64).
Assim, esse famoso caso consagrou o sistema judicial de controle de constitucionalidade das leis, influenciando os modelos adotados por outros países.
Com base na decisão de Marshall, adotou-se a idéia de que as Constituições representam normas jurídicas fundamentais e supremas a todas as demais, em especial nos sistemas que adotam Constituições rígidas. Dessa forma, caso haja desconformidade entre uma lei e uma norma constitucional, o magistrado deve sempre aplicar a Constituição, que prevalece diante das demais normas (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 66-67).
O sistema americano caracteriza-se, portanto, pela fiscalização constitucional exercida pelo Poder Judiciário. Sobre esses sistema, Clève argumenta que:
Dispõe o Poder Judiciário de competência para declarar nulos e írritos todos os atos e leis contrários à Constituição norte-americana. A competência do Judiciário, nesse campo, é difusa, porque exercitada, no curso de uma demanda, por qualquer juiz ou tribunal. Conquanto qualquer órgão jurisdicional possa exercer a fiscalização constitucional, a verdade é que a Suprema Corte, órgão de cúpula do Judiciário americano, em virtude do princípio do stare decisis, ou seja, da eficácia vinculante de suas decisões, desempenha um papel decisivo no campo constitucional, na medida em que pronuncia a última e definitiva palavra a respeito das questões constitucionais (CLÈVE, 1995, p. 50).
Ainda, destaca-se o modelo austríaco de fiscalização de constitucionalidade.
Cabe salientar os ensinamentos de Cunha Júnior:
Até o início do século XX, a comunidade juridica internacional só conhecia o sistema difuso-incidental da judicial review do direito norte-americano, no qual a jurisdição constitucional foi confiada a todos os órgãos do Poder Judiciário, que poderiam exercê-la em qualquer processo em curso posto a julgamento e por meio da qual os juízes e tribunais deveriam controlar a constitucionalidade das leis e demais atos do poder público, deixando de aplicá-los ao caso concreto, quando os reputassem inconstitucionais. Esse sistema, apesar de lógico e simples, não foi adotado, todavia, pela maioria dos países europeus, que até os albores do século XX ainda não haviam recepcionado a idéia de justiça constitucional, circunstância devida, certamente, a razões históricas (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 74).
O grande idealizador do modelo austríaco foi Hans Kelsen.
Dirley da Cunha Júnior assevera que:
Foi, entretanto, por obra intelectual de Hans Kelsen que a Europa recepcionou a doutrina americana do controle judicial da constitucionalidade das leis, com estrutura, todavia, distinta do modelo americano. De feito, Kelsen concebeu um sistema de jurisdição ‘concentrada’, no qual o controle de constitucionalidade estava confiado, exclusivamente, a um órgão jurisdicional especial, conhecido por Tribunal Constitucional, sistema, portanto, significativamente distinto do sistema de jurisdição constitucional ‘difusa’ do direito norte-americano (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 75).
Com efeito, a Constituição austríaca de 1920 criou uma Corte Constitucional para exercer o controle de constitucionalidade, de forma concentrada e unicamente por via de ação direta. A partir de 1929, o sistema constitucional da Áustria passou a prever a possibilidade de controle concreto pelos órgãos jurisdicionais de segunda instância.
Segundo Kelsen, a inconstitucionalidade representa mero pressuposto da sanção da anulação. Assim, a lei tida por inconstitucional é anulável, e não nula. Possui, pois, validade até o momento de sua anulação. Nesse contexto, a decisão de reconhecimento da inconstitucionalidade possui natureza constitutiva e eficácia ex nunc (CLÈVE, 1995, p. 54).
CONCLUSÃO
Assim, os modelos apresentados constituem os principais sistemas de fiscalização de constitucionalidade.
Nota-se, portanto, que o sistema adotado por cada país possui características próprias e peculiaridades que os diferenciam entre si.
Inclusive a Constituição do Brasil de 1988 sofreu influências dos modelos americano e austríaco, de modo que prevê a possibilidade de fiscalização com base nos métodos difuso-incidental e concentrado-principal.
REFERÊNCIAS
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007.
POLETTI, Ronaldo. Controle de Constitucionalidade das Leis. Os Casos Americanos e a História da Suprema Corte. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 23-50.
Procuradora Federal lotada no Instituto Nacional de Tecnologia da Informação - ITI/Brasília-DF. Pós-graduanda em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Danielle Salviano. Antecedentes Históricos e Sistemas de Controle de Constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2012, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32048/antecedentes-historicos-e-sistemas-de-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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