A dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça existente no sistema processual brasileiro e na Constituição Federal sob a forma de princípio recebem críticas de todas as vertentes do direito, principalmente dos direitos humanos. Não é raro o questionamento sobre o acesso à justiça e ao real funcionamento do processo, que têm como objetivo principal, assegurar à sociedade a realização de um direito. O processo é o instrumento que tem o seu procedimento traçado, pela lei, e permite, portanto, que o juiz, órgão do poder judiciário, exerça a jurisdição.
O acesso à justiça teórico, em confronto com a prática, gera um desconforto que objetiva realizar análise e desenvolver-se com a verificação da ótica do direito positivado constitucional brasileiro e as realidades vividas pela população pátria. O diferencial entre o que está positivado na Constituição Federal, nos artigos 1º, inciso III; 5º, inciso, XXXV e 7º, inciso IV, e, a realidade socioeconômica dos brasileiros menos favorecidos, demonstra o contraste existente entre a positivação dos direitos humanos do texto constitucional e as consequências sociais, como a baixa qualidade de vida imposta aos desabonados e ainda a desigualdade no tratamento, como efeito da causa aqui tratada, e no acesso à justiça.
No que diz respeito ao confronto entre o princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1º inciso III e o acesso à justiça, o ordenamento nacional é carecedor de leis mais flexíveis. Não tem efetividade no desenvolvimento de um país um ordenamento rígido como o nosso e que não funciona eficazmente, ou seja, a lei é feita já em um formato que beneficia alguns grupos. Os grupos dos mais abonados.
O acesso à justiça, no que diz respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, está diretamente ligado aos direitos humanos anunciados brevemente no preâmbulo da Constituição e concretizados em seu texto. O Estado, de forma democrática, positivou partes do direito natural quando introduziu em seu texto, questões filosóficas, permite-se essa analogia sabendo-se ser a filosofia um modo de pensar e agir, e não um conjunto de conhecimentos prontos e acabados. Assim, são atribuídos os direitos humanos, práticas de vida que procuram locupletar-se a pensar nos acontecimentos além de suas aparências e hipóteses. O homem é um ser filosófico que não está acabado ou pronto, estando sempre à procura do seu aperfeiçoamento, que envolve o modo de ser das pessoas em suas mais variadas culturas e etnias.
Analisando o contexto axiológico de justiça como valor, conclui-se que: “Justiça respeito do direito; virtude moral que inspira o respeito dos direitos de outrem e que faz dar, a cada um, o que lhe pertence”[1]. Acrescentando ainda o conceito de direito como: “Direito, razão fundada nas leis. Conjunto de regras que disciplinam as relações entre os membros da comunidade social, e cuja observância é em geral. Imposta coercitivamente.”[2]. Diante desses conceitos teremos nestes dois campos, justiça e direito, institutos encarregados de aplicar a autoridade judicial, racionalmente, para decidir sobre os direitos das pessoas humanas. Para ter acesso à autoridade judicial, desejando a justiça, é necessário percorrer um caminho oneroso e moroso para chegar-se ao ponto desejado, a decisão. O processo, primeiramente, deve atender aos ditames constitucionais e aos princípios. É um instrumento pelo qual a jurisdição se opera em uma sequência contínua e ordenada de procedimentos praticados pelo órgão judicial, pelas partes e, eventualmente por outras pessoas, todas as vezes que se provoca o exercício da função jurisdicional em determinado caso. O processo estabelece uma relação jurídica pela qual se atrelam as pessoas que participam dessa atividade.
A efetividade do processo consiste na realização do direito justo por intermédio do acesso à justiça. O acesso à justiça, que não flui corretamente, viola a Constituição Federal em relação aos direitos humanos e à própria Constituição Federal. A justiça tem o dever de realizar, a quem quer que seja, o direito buscado pela pessoa humana. Para Cappelletti: “Direito ao acesso à proteção significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitam de uma ação do Estado para sua proteção “[3].O direito natural já existia antes da formação do Estado. Então existem muitos obstáculos para que o acesso à justiça se realize de forma igualitária e natural. Partindo dessa premissa, quando o juiz faz uso dos costumes para estabelecer sua convicção em um julgamento, ele está buscando a fonte do direito natural, pois o costume, nada mais é do que o uso reiterado de uma conduta perfazendo o costume. O costume forma-se paulatinamente, quase que imperceptível, e ganha força de sentença. Tornando-se muitas vezes lei, sendo óbvio que é fonte segura do direito.
A fundamentação mais acentuada do direito natural está em sua universalidade. É universal, pois suas normas regem toda a humanidade. O homem é parte importante que integra a natureza e hoje formou sociedades construídas como base em preceitos e princípios naturais que norteiam o respeito pelo próprio homem. A garantia do acesso à justiça constitui um direito da pessoa, portanto não se pode negar a natureza jus naturalista que norteia o processo e é primordial que ele se efetive com fundamentos nos direitos humanos.
Os direitos fundamentais, imprescindíveis para todas as classes, em especial para a classe mais necessitada, são propósitos perseguidos pelo homem justo; o fato é que a justiça não consegue realizar a contento o trabalho para o qual foi primordialmente idealizada, ou seja, o de difundir a justiça com presteza maior e com igualdade para todos. Se justiça é uma virtude moral, que inspira o respeito dos direitos de outrem e que faz dar, a cada um, o que lhe pertence, não vislumbramos problemas na ordem natural do direito, mas podemos sim, constatar outros males. Uma das mais notórias das moléstias judiciais é, sem dúvida alguma, a dificuldade de acesso pelas classes menos favorecidas, alimentadas ainda pela morosidade que compromete de modo inarredável o desempenho de uma justiça forte e segura. Já seria um grande avanço para o acesso à justiça se estas moléstias fossem eliminadas.
Já há algum tempo existe uma visível preocupação dos juristas e pesquisadores quanto a alternativas de acesso à justiça como os Juizados Especiais, a arbitragem e a conciliação, que são medidas ainda insuficientes para acompanhar a demanda crescente por acesso à justiça, necessitando-se ainda, de uma ampla reforma processual.
Há controvérsias entre os agentes do direito sobre a imprescindibilidade de uma reforma processual capaz de diminuir o número de recursos e de atos meramente protelatórios, propiciadores de maior efetividade das decisões primárias, porém devemos direcionar-nos para a sociedade que tem sede de justiça célere. A viabilidade do acesso à justiça não depende de algumas decisões isoladas, depende que se decida para o bem de todos, principalmente daquele que carecem de justiça. Nesse sentido dispõe Kazuo Watanabe: ”Com efeito, a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”[4], ou seja, é necessária mudança geral em toda a órbita que diz respeito à justiça, a começar pela postura ética dos agentes do direito.
O processo adquiriu importância ao longo dos anos, em face do reconhecimento de sua autonomia científica como ramo do ordenamento jurídico. Entretanto, a supervalorização da forma, indiscutivelmente, compromete o que se busca conferir a alguém. Não se trata de atribuir- lhe papel secundário e de mera regra adjetiva, conotações tão repugnadas pelos estudiosos da matéria, mas o de dar-lhe formas mais simples e eficientes. O equilíbrio deve ser buscado na interpretação das normas e deve sempre ser levada em consideração a ponderação na aplicabilidade destas normas. Ao que nos parece o processo, ao invés de viabilizar o acesso à justiça, impede ou dificulta a realização desta.
Nesse aspecto, impõe-se um serviço urgente de modificações, mediante a simplificação do código processual civil, sem que isso viole os princípios e garantias constitucionais.
É necessário acrescentar alguns elementos aos princípios constitucionais fundamentais para que o direito processual e a justiça de um modo geral, saiam da crise pela qual está passando. O Estado brasileiro e o poder público estão cada vez mais preocupados com as tarefas impostas pelo poder capitalista e deixam de atender as garantias constitucionais internas. Os direitos sociais e individuais estão sendo violados e isto desestabiliza a ordem pública. Se não temos ordem pública falta- nos o essencial, que é a segurança dos valores humanos.
A vala que se estabeleceu, entre o indivíduo e a justiça, está cada vez mais profunda, e a maior parte da sociedade tem prejuízos que muitas vezes não têm reparação. O judiciário deveria ser parte integrante da sociedade, mas fica isolado. O poder do juiz não pode ser concentrado em um só lugar como de fato o é, em seu gabinete. O bom desempenho da justiça brasileira no que se refere ao acesso à justiça foi, e continua sendo, muito discutido no meio jurídico, mas apenas discutido. Efetividade ainda não existe e isso desrespeita os princípios contidos na Constituição Federal.
Dentro de uma sociedade a tudo se atribui um valor, e, a resolução de um problema, na medida da justiça também tem um valor e ele é subjetivo para aquele que o aguarda. Está faltando respeito ao indivíduo que busca, na justiça, um valor autônomo e que seja justo.
O princípio da igualdade é um dos princípios que norteia o processo civil e, um dos objetivos dessa igualdade, é disponibilizar armas iguais aos litigantes no curso do processo. O Estado, como detentor da tutela jurisdicional tem o dever de erradicar os obstáculos que impeçam a efetividade desses direitos. A igualdade deve ser trazida ao processo para que haja mais confiabilidade e para assegurar o acesso à justiça para todos, indistintamente.
Atualmente não nos parece que seja assim, a luta parece contrária à igualdade. O poder político institucionalizado exerce no papel presente, não a luta pela igualdade possível, mas sim pela desigualdade sofrível.
Entende-se que a igualdade deformada, é a desigualdade, um dos obstáculos que devem ser erradicados do processo. Aquele que detém o poder tem o dever de manter a ordem, neste caso processual. Talvez, o problema não se localize naqueles que detém o poder, mas como o detém. Poder é força e pode realizar a justiça igualitária e, sobretudo honesta. Parece-nos que assim não ocorre, uma vez que o homem produz o Direito, que deve ter como fundamento essencial a justiça, que, na prática não funciona de forma igualitária, e muito menos para todos. É no aspecto institucional que o acesso à justiça também não é efetivo. “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos”[5].
Proclamar o direito àquele que busca. Só que quem busca deve estar ciente do que procura. A maioria das pessoas não tem capacidade para entender seus direitos e muitos também não sabem quais são seus deveres. A capacidade de reclamar um direito muitas vezes está, primeiramente, em reconhecer a existência deste direito e se ele é juridicamente possível. A figura do advogado ou do defensor público, que tem o dever de desenvolver, em conjunto com o indivíduo, a parte sociológica, é fundamental para o ele entenda o direito que busca e o que poderá encontrar pelo caminho processual ou no final dele. O direito movimenta e regula a vida das pessoas é necessidade vital e tem como objetivo trazer certeza e segurança. Se isso não ocorre estabelece-se uma relação de insatisfação, e na maioria das vezes esta insatisfação não era a esperada pela pessoa que procurou na tutela jurisdicional, segurança e certeza.
Ao observar Kant[6] (1724/1804), podemos retirar de sua filosofia uma constituição sistemática que visa assegurar o significado amplo e geral do mundo, da vida e dos principais problemas morais que envolvem o homem. A dignidade para este filósofo é independente de qualquer outra coisa. Ela não é relativa. Para que este pensamento seja mais bem compreendido, Kant[7] faz uma comparação entre coisa e pessoa humana. Descreve que, coisa tem preço e pessoa tem dignidade, sendo este valor absoluto, não relativo, e não passível de comparação, logo, por uma questão moral e democrática, o Estado descumpre o texto Constitucional ao ferir princípios fundamentais como do acesso à justiça que, uma vez truncado, viola, concomitantemente o princípio da dignidade da pessoa humana, que foi instituído como fundamento da República Federativa do Brasil, artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.
O acesso à justiça reveste-se de aparência enganadora, pois, o indivíduo vai à busca de um direito e, quando é enviado para o tribunal, depois de suportar um prosseguimento lento e longo, como já vimos anteriormente, depara-se com o grande dispêndio com que deve arcar para ter uma solução que não o satisfaz. É o ônus inesperado ou talvez até uma punição dependendo do poder econômico do indivíduo.
Observemos o que diz Rudolf Von Ihering: “Nenhuma pessoa que tenha deixado cair uma moeda na água irá gastar duas para recuperá-la.” Para essa pessoa a questão de quanto deverá despender é um puro cálculo aritmético. E por que, no caso de um processo, não executar o mesmo cálculo?[8]. Será mesmo que todos os indivíduos, que buscam na justiça brasileira, uma jurisdição para os seus conflitos terão uma solução prática e justa? Será que o Estado quando busca soluções para as suas demandas encontra as mesmas dificuldades?
Os obstáculos que impedem a efetividade do acesso à justiça são visíveis e claros que é até hilário comentar, porém, a grande massa da população brasileira não sabe o que é justiça nem tampouco o que é direito. Não podemos confundir condição social com ignorância ou com “preferencias”, isso é demasiadamente preconceituoso e execrável, o processo que se arrasta por um judiciário comprometido com o Estado e com o povo, não devendo levar em consideração a que classe este pertence, ainda está longe de efetivar sua função que, dentre tantas, é a de ser célere e justo.
A sociedade, cada vez mais complexa, carece de uma ação estatal mais eficiente. O Estado tenta empenhar-se para sair de um sistema vetusto e não consegue, estando amarrado e enraizado a conceitos de direitos, amargados pelo pisoteio do povo, devido ao crescimento populacional gigantesco e contrastes cada vez mais definidos em virtude de um adiantamento do poderio econômico, dominado por poucos, que certamente têm seus lugares garantidos no judiciário brasileiro.
A realidade brasileira apresenta contraste do direito positivado no que se refere aos direitos humanos, provocando a exclusão social de muitos, que são vítimas do sistema político, econômico e social, que interessa aos detentores do poder, em detrimento daqueles que não sabem ou que não têm oportunidades para reivindicar seus direitos.
Existe, na sociedade brasileira, a exclusão daqueles que estão economicamente desfavorecidos ou desproporcionalmente abaixo da linha imaginária do necessário à manutenção do “status” das divisões das classes sociais, em desrespeito e afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A realidade social brasileira, o acesso à justiça e o princípio da dignidade da pessoa humana, não interagem correspondendo com os anseios e as necessidades da população marginalizada economicamente, provocando a exclusão social e a perda destes direitos inerentes da cidadania.
O Estado e a sociedade favorecida não efetivam medidas concretas que objetivem estabelecer condições para que todos tenham direitos e deveres iguais e proporcionais, garantindo a liberdade de acesso à justiça e que esta seja digna. Acreditamos que, para assegurar os direitos básicos do indivíduo, há que se fazerem reformas, porém estas devem começar de dentro para fora, ou ficaremos nas hipóteses e formalidades alegando que o erro é institucional. O erro é institucional, mas, antes disso, é pessoal, pois quem forma a instituição e o sistema é o homem, quem produz o Direito é o homem, portanto, o sistema mais complexo é o humano, pois ele é capaz de realizar grandes coisas e gerar o progresso para si e para o semelhante.
Os homens que têm missões importantes, são facilmente reconhecidos, devem cumprir seus desígnios levando conhecimento do Direito para o povo que o desconhece. A Assistência aos pobres não deve ser somente a Judiciária. É necessário o ensino e a educação, para que esta classe menos favorecida tenha conhecimento dele e passe a entender o mínimo vital, com a ponderabilidade necessária para uma vida mais digna. Segundo Mauro Cappelletti: “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos.”[9]
Se o acesso à justiça pode ser encarado como o mais básico dos requisitos fundamentais dos direitos humanos, os impedimentos do acesso à justiça devem ser atacados. É bom que os homens que tenham como missão difundir o Direito o façam na iminência de perderem a grande oportunidade de internacionalizar os Direitos Humanos, que há muito tempo se arrastam e não conseguem firmarem-se.
Como dito anteriormente, há reformas a serem realizadas, porém, elas devem começar pela causa e não pelo efeito. O homem está atingindo patamares evolutivos e as nossas leis que são instáveis não os acompanham. Mauro Cappelletti[10] demonstra que pode ser simples a convivência do processo e as leis. Basta que o Legislativo não edite leis discricionárias, pois estas estabelecem a desigualdade. Segundo Marinoni:
“[...] o controle da razoabilidade da lei, realizada em virtude da garantia do devido processo legal, te por fim evitar leis que sejam arbitrárias, ou melhor, leis ou procedimentos judiciais que discriminem em desatenção ao princípio da igualdade, ou que deixem de diferenciar quando necessário à sua observância.”[11].
O acesso à justiça não deve ferir princípio da igualdade de forma arbitrária, pois ato contínuo a este seria a violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Deverá dar condições legais e processuais para tais princípios sejam efetivados em todos os âmbitos sociais atendendo a elucidação do constituinte no preâmbulo constitucional. Que os princípios sejam fundamentos da República Democrática Brasileira e que sejam exercidos em benefício de todos, sem prejudicar os direitos de quem quer que seja, indistintamente, aflorando o princípio da cidadania.
O princípio da dignidade da pessoa humana, não pode significar apenas e tão somente as letras positivadas em artigos da Constituição. Os Direitos Humanos devem ser respeitados e a sua transformação do positivismo inerte para a realidade fática necessita da interferência do Estado e da sociedade para assegurar, indistintamente, o uso e gozo dos seus direitos de cidadãos, tais como: o acesso à justiça, a liberdade, a educação, a moradia, a saúde, o lazer, a alimentação e outras garantias vitais para a sadia qualidade da vida humana.
Discussões sobre os Direitos Humanos remontam a épocas históricas. Muitos foram os pensadores e entusiastas da valoração do homem como ente participante e importante da natureza, que deve ter localização, não apenas no espaço geográfico, mas sim, nos diretos e nos deveres da manutenção da qualidade de vida. Saindo do direito positivado, esta é a esperança numa superioridade de valores que podemos conquistar com inteligência e bom senso.
A individualidade do valor absoluto definido por Kant, a dignidade da pessoa humana, têm em cada ser humano, forma específica. O salário mínimo, por exemplo, apesar de ser único e determinado pela União, tem sua importância variada em razão de decretos estaduais que o diferenciam, sempre para maior, visto que, as nossas realidades regionais são muito diferentes, assim, o que seria digno para um poderá ser indigno para outro, dadas as diferenças regionais, culturais e geográficas, entre outras.
O desrespeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana tem revelado, no Brasil, a marginalização de muitos, a exclusão social de parcela da população, e, o relato da escravidão, que continuam mantidas, não apenas em propriedades rurais distantes e estrategicamente organizadas para esse fim, e também nos grandes centros, com imigrantes, na maioria das vezes ilegais, vindo de países da América do Sul e Ásia.
O princípio da dignidade da pessoa humana em um país capitalista, será concretizado quando todos, indistintamente, tiverem recursos para garantir suas necessidades vitais. Levando em consideração todas as normas de condutas já conquistadas pelo homem ao longo da história, compreendendo os indivíduos que compõem a sociedade humana. Quando o propósito é o acesso à justiça agregado à dignidade da pessoa humana, há uma conexão íntima com a cidadania, a democracia e ao direito a um desenvolvimento humano digno, relacionado aos aspectos mental, físico, educacional, profissional e espiritual, para que possamos alcançar a sadia qualidade de vida, com resultados na autoestima, na produção, na personalidade que infunde ideias, honra natureza, elevação e respeito de sentimentos próprios e que permite o reconhecimento da cidadania como qualidade moral.
Acreditamos na existência da dificuldade de doutrinadores e juristas em admitir um juízo de valor que não o positivismo, posto que, a dignidade da pessoa humana transcende as letras do texto legal, e sempre há a necessidade de adequação na efetiva evolução da sociedade. É preciso que cada um de nós cientista transforme-se em um condutor da verdade essencial. O direito discorre o que é, mas são a ética e a moral que determinam como deve ser feito.
O texto da norma jurídica não pode ser um paralelo entre as necessidades do povo e a imposição positivada pelo Estado, que sofre as influências de classes dominantes, com interesses próprios em seus bens. Os princípios são como nascente cristalina de valores básicos sociais e estão implícitos e explícitos na Constituição Federal de 1988, onde se assenta um sistema normativo. São fundamentos que vinculam as condutas humanas às leis. Norberto Bobbio faz alusão ao tema ao discorrer: “Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessário do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos [...].”[12] .
A pacificação somente será conquistada quando o ser humano estiver em condição de superioridade ao Estado, assim como afirmava Kant “[...] ‘paz perpétua’ não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado”[13]. Reconhecemos que a motivação é interna e que o incentivo faz-se mister para o estímulo de modificar os hábitos arraigados com o tempo, que se perpetuam muitas vezes pela falta de oportunidades ou vontade de mudar o paradigma da realidade vivida por aqueles que não têm recursos econômicos suficientes para as suas próprias necessidades.
Referido princípio constitucional não pode ser modificado, alterado ou abolido, por constituir-se em direitos e garantias fundamentais dos seres humanos, encontrando o resguardo e o amparo no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição Federal.
Reportamo-nos ao fato de que o princípio da dignidade da pessoa humana é determinação constitucional sem efetividade na realidade do povo brasileiro, que não têm condições econômicas para sustentar suas necessidades vitais em uma sociedade competitiva e capitalista.
O Estado não demonstra ter condições para fazer cumprir a Constituição Federal e as necessidades básicas de outrora se agravam com o passar dos anos, provocando o crescimento da exclusão social, marginalizando inúmeras pessoas e levando ao estado de miséria, parcela cada vez maior da população brasileira.
O poder econômico representa, na realidade nacional, a condição de sair imediatamente do “status quo” indigno para a respeitabilidade desejada e positivada. As dúvidas ao direito positivado em face de sua ineficácia perduram com questionamentos: Seria este princípio argumento aparente? Sofisma? Uma utopia política? O que representa para a sociedade brasileira referido princípio diante de um salário indigno? O Estado possui interesses divergentes do texto constitucional positivado?
Segundo Bonavides “socialmente, o Brasil é o país mais injusto do mundo; por um paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos os países”[14]. A necessidade da efetivação da garantia constitucional, por consideração ao tema que encontra relevância ante o confronto do direito positivado e as condições sociais a que estão submetidos inúmeros brasileiros.
Tudo o que vamos executar em nossas vidas fazemos um planejamento, um projeto. Por mais simples que seja o ato este é imaginado antes de ser executado. Tomar decisões em defesa da vida é obrigação de todos os indivíduos. Devemos sempre lutar pela defesa do nosso corpo, de nossa imagem, de nossa segurança, de nosso aprimoramento moral e intelectual. A vida não é um bem outorgado, não podemos interferir nela em hipótese alguma, compete ao indivíduo defendê-la e ao Estado compete amparar e proteger a dignidade da pessoa humana dando condições de igualdade para todos buscarem o progresso interior.
É, pois, a vida humana o planejamento mais inteligente e nele reside a possibilidade de compreensão da própria vida. Nesse sentido compreender as leis não seria papel tão difícil para as pessoas que trabalham com elas, posto que, as leis são feitas de acordo com o caráter ético e moral do legislador. Se a compreensão da vida do legislador tem deficiência ética e moral, o processo legislativo será deficiente.
A segurança de vida almejada pelo indivíduo comum está nas mãos de pessoas muitas vezes sem capacidade moral e ética para resolver problema judicial, mas de essência social e moral. Preservar a dignidade da pessoa humana é princípio constitucional e fundamento da constituição de um Estado democrático de direito, mas a violação deste princípio pelo próprio Estado só resulta em angústia social.
O descaso estatal pelos direitos humanos internos fez com que o próprio indivíduo mudasse sua postura em relação à justiça. O indivíduo não acredita na justiça para a defesa da segurança de sua vida porque ela demora em se realizar e quando se realiza muitas vezes já não há mais vida para assegurar.
Conclusão.
Distante da pretensão de esgotar referido tema. A proposta é que seja este pequeno trabalho seja uma contribuição, um motivador que estabeleça um critério de justiça para o nosso país. Desejar aos outros, aquilo que queremos para nós seria um bom começo. Como não é natural desejar mal a si mesmo, tomando o desejo do legislador para consigo mesmo como ponto de partida. Parece-nos um bom começo.
A grande dificuldade apresentada hoje em defesa dos direitos humanos e do acesso à justiça está na esfera das reformas. Fala-se muito em reformas, mas não se reforma nada e o prejuízo quem paga é o miserável.
A ordem econômica fortalece o poder, a social não. Para atingirem-se padrões mínimos de dignidade há que prevalecer uma distribuição melhor de recursos entre os Estados; artigo 4º, inciso V. Que o acesso à justiça seja pensado como direito inerente à pessoa humana e assim as pessoas poderão viver com sua dignidade dentro da sociedade e dos costumes. Não podemos negar que há medidas para favorecer o acesso à justiça, mas é pouco, muito pouco para um país como o Brasil.
Já se conquistou muito, porém se preserva pouco ou quase nada. Manter sob uma condição positiva a dignidade da pessoa humana é fácil. Cumprir o que esta positivação assegura é outra coisa tendo em vista a evolução do direito e do homem. Seja qual for a posição do homem na sociedade, sua dignidade não pode ser minimizada a ponto de olharmos um mendigo na rua com frio e fome e “acharmos” normal.
O princípio da dignidade da pessoa humana é a essência dos direitos humanos. Em tempos de tecnologia avançada, em que a ciência investe na busca da vida longa, seria bom que a ciência olhasse e investisse no viver justo que é a luta da maioria.
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[1] DELTA LAROUSSE. In: ENCICLOPÉDIA delta larousse. Rio de Janeiro, 1970. v.7.p.3.781.
[2] iden. In: ENCICLOPÉDIA delta larousse. Rio de Janeiro, 1970. v. 3 e 4. p. 2.211 e 3.781.
[3] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. p. 9.
[4] Apud, BEZERRA, Paulo César Santos. Acesso à Justiça – Um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.100-101.
[5] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradutora. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. p.12.
[6] KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Tradução Edson Bini. Bauru, SP : EDIPRO, 2003. p. 18.
[7] iden. A Metafísica dos Costumes. Tradução Edson Bini. Bauru, SP : EDIPRO, 2003. p. 66.
[8] IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Tradução Edson Bini. 1ª ed. – Bauru, SP : EDIPRO, 2001. p. 37.
[9] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988.
[10] iden. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. em nota de rodapé demonstra o autor como funciona a aproximação da justiça com a população em vários países se decide de maneira célere e justa com uma simples conversa. Demonstra ainda a simplicidade processual da qual não gozamos em nosso país ainda. p. 99.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual de processo de conhecimento: 3ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004. p. 80.
[12] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992. p.1
[13] KANT, Apud, BOBBIO. A era dos direitos. p. 1
[14] BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neoliberal. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p 30.
Advogado, formado em Direito pela Uninove-SP. Formado em Redação Normativa e Técnicas Legislativas pela Uninove-SP. Técnico em Transações Imobiliárias - TTI. Formado em Análise de Sistemas pelo Instituto Compucenter, redes novell (Neac), cursos internacionais de vendas (Herman Miller) em Orlando-FL, curso de Network Management da Intel Landesk Manager em Tampa-FL, curso Siebel trainers' trainer em Irvine-CA, cursos de Técnicas de Apresentações e Técnicas de Negociação na IBM Brasil. Participação em eventos de Informática como, Fenasoft e eventos localizados por vários estados do Brasil, cursos de vendas patrocinados pela Itaú Seguradora, participação em eventos internacionais da Microsoft, Computer Associates, Platinum Technology, Quest Software, Alvimer, Ingram. Diversas viagens internacionais para os Estados Unidos, Canadá e Japão. Estagiei em Direito na MS Oliveira & Gustis Advogados, tendo experiência forense cível, criminal e trabalhista. Atuei ainda como consultor associado da ABPPP Associação Brasileira do Parceiro Público Privado em contato com várias prefeituras para implantação e execução de projetos de PPP de agosto de 2008 até janeiro de 2012. Desde Janeiro de 2014 atuando como advogado Cível e Trabalhista, OAB /SP 352.826.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GAIA, Maurício Machado. O princípio da dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça frente à realidade brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2012, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32275/o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-e-o-acesso-a-justica-frente-a-realidade-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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