Primordialmente, faz-se necessário lembrar que o direito de propriedade não é absoluto, encontrando limites no direito alheio, que deve ser respeitado. No Direito Moderno, cada vez mais, vão surgindo medidas restritivas ao direito de propriedade, impostas pelo Estado em prol da supremacia do interesse público. Assim, o direito de propriedade esbarra na sua função social e ambiental, no interesse público, no princípio da justiça e do bem comum.
O que se questiona é a aplicação e regulamentação das duas leis simultaneamente sobre o instituto, ou, ainda, é de se perguntar se, no conflito de normas, o novo código, como lei posterior, derrogará os princípios do Estatuto das Cidades. Entretanto, cabe-nos esclarecer que, ante a colisão dos dispositivos legais, o novo Código Civil encontra-se posto como norma geral, e o Estatuto da Cidade, como microssistema, sob enfoque de norma especial. Traços esclarecedores já foram dispostos, tais como o fato de que as normas previstas no Código Civil, regulando o direito de superfície, não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano.
Outro aspecto importante merece ser apreciado quanto ao uso do subsolo ou espaço aéreo. O parágrafo primeiro do art. 21 do Estatuto da Cidade estabelece que o direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística. Já o parágrafo único do art. 1.369 do Código Civil dispõe que o direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.Dentro desse enfoque, indagamos; qual seria a solução, diante do silêncio do Código Civil, para o uso do subsolo e do espaço aéreo relativo ao terreno?
Por sua vez, o Código Civil estabelece, no art. 1.229 que, ”a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondente, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais que tenha ele interesse legítimo em impedi-las. Ao analisarmos a propriedade de uma forma geral, tal como contemplada no Código, podemos encontrar, pois, resposta para a dita indagação, e conseqüentemente não se poderemos aceitar que o espaço aéreo e o subsolo não estejam abrangidos na propriedade do solo.
Nesse contexto do Código Civil e do Estatuto da Cidade, podemos perceber que, o direito de propriedade do solo abrange o subsolo, porém o seu alcance é limitado, ou seja, está correlacionada à função social da propriedade, expressa no art. 5º, XXIII, além das menções feitas nos arts. 183 e 191, estabelecendo formas de uso em obediência à função social.
Pode-se, a título exemplificativo, citar o caso da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, versus, exploração de reserva mineral, de um lado, se apresenta, a necessidade de dar ao imóvel rural, uma destinação compatível com a nova concepção do direito de propriedade,e do outro se apresenta, exploração de reserva mineral, considerada como de utilidade pública, em face dos benefícios econômicos e sociais que possa gerar, proporcionando progresso e gerando riquezas.
De igual forma, temos a água subterrânea que encontra-se no subsolo.É a parcela da água que permanece no subsolo, onde flui lentamente até descarregar em corpos de água de superfície, ser interceptada por raízes de plantas ou ser extraída em poços. Tem papel essencial na manutenção da umidade do solo, do fluxo dos rios, lagos e brejos. A água subterrânea é também responsável pelo fluxo de base dos rios, sendo responsável pela sua perenização durante os períodos de estiagem. É uma contribuição mundial de quase 1/3 da descarga dos rios, de suma importância para a humanidade.
No Direito Moderno, cada vez mais, vão surgindo medidas restritivas ao direito de propriedade, impostas pelo Estado em prol da sua função social e ambiental, no interesse público, no princípio da justiça e do bem comum.Todavia existem limitações constitucionais como na utilização do espaço aéreo e do subsolo, através do dispositivo legal art. 1.229 do CC⁄02 existe o critério da utilidade como parâmetro definidor da propriedade do subsolo,evidenciando assim a proteção conferida pela Constituição e pelo próprio Código Civil à função social da propriedade.
O solo e o subsolo, no Brasil, obedecem hoje a relações jurídicas em que o direito de propriedade, como verdadeiro instrumento jurídico de controle da economia capitalista, tem limitações importantes, destinadas a equilibrar os tradicionais valores do chamado direito privado com as necessidades vitais da pessoa humana na realidade brasileira do século XXI .Como bens destinados ao uso comum do povo, o solo e o subsolo passaram a ter natureza jurídica de bens ambientais (art. 225 da Carta Magna), elevando-se à condição constitucional a definição jurídica de recurso ambiental já existente na década de 80, quando elaborada a Política Nacional do Meio Ambiente ,art. 3º, V, da Lei n. 6.938/81.
Pode-se entender que no Direito brasileiro a lei limita o direito de propriedade que não é mais tão absoluto. Mas atualmente já vimos que a propriedade precisa cumprir uma função social; já vimos que os minerais do subsolo pertencem à União. Há também outros limites ao direito real de propriedade: como por exemplo, a limitação legal, em respeito ao interesse da sociedade: tal limitação legal se dá por força de leis de direito privado e por força de leis de direito público (ex: desapropriação, requisição para as eleições, segurança nacional, tombamento, urbanização, leis ambientais, a questão da função social e da exploração dos minerais, assuntos que vocês estudarão em direito administrativo/constitucional/eleitoral; ver §§ 3º, 4º e 5º do art. 1228). Nas limitações privadas existe reciprocidade (um vizinho tem que respeitar os limites do outro e vice-versa), já nas limitações públicas não há reciprocidade (o particular não pode desapropriar bens do Estado), mas sempre se pode exigir indenização e brigar na Justiça contra abusos dos governantes.
Portanto, a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 1.229 do CC estabelece que a propriedade do solo abrange a do subsolo correspondente. Entretanto, a segunda parte do artigo limita o alcance da propriedade do subsolo a uma profundidade útil ao seu aproveitamento. “Com efeito, o legislador adotou o critério da utilidade como parâmetro definidor da propriedade do subsolo, limitando-a ao proveito normal e atual que pode proporcionar, conforme as possibilidades técnicas então existentes”, afirmou a relatora.
Para a ministra, a Constituição Federal e o CC conferem proteção à função social da propriedade e isso é “incompatível com atos mesquinhos do proprietário, desprovidos de interesse ou serventia”. Ela afirmou que “a propriedade constitui inegável fato econômico, de sorte que a extensão do subsolo a ela inerente deve ser delimitada pela utilidade que pode proporcionar ao proprietário”. A ministra Nancy Andrighi explicou também que o direito de construir, previsto no artigo 1.299 do CC, abrange o subsolo, desde que seja respeitado o critério de utilidade previsto no artigo 1.229.
Logo, o direito de propriedade do solo abrange o subsolo, porém o seu alcance é limitado a uma profundidade útil ao seu aproveitamento, o que impede o proprietário de se opor a atividades realizadas por terceiros em espaço sobre o qual ele não tenha interesse legítimo. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial.
Referências
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. I Jornada de Direito Civil. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/
revista/enunciados/Ijornada.pdf. Acesso em 26.7.2007
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
CAVALCANTI, Marise Pessôa. Superfície Compulsória: instrumento de efetivação da função social da propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 15.
SÉGUIN, Elida. Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
Servidora Pública da Secretária do Meio Ambiente, Licenciada em História, Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Psicopedagogia, acadêmica de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Cordélia Alves. A Função Social do Subsolo: Reflexões á cerca da decisão proferida pela ministra Nancy Andrighi em relação ao direito de propriedade e uso do subsolo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2012, 08:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32337/a-funcao-social-do-subsolo-reflexoes-a-cerca-da-decisao-proferida-pela-ministra-nancy-andrighi-em-relacao-ao-direito-de-propriedade-e-uso-do-subsolo. Acesso em: 22 nov 2024.
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