A guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é um fenômeno político-tributário provocado pelos Estados da Federação no intuito de atrair investimentos, deflagrando a migração do capital privado para regiões que proporcionam política fiscal atinente ao ICMS mais favorável, isto é, redução da carga tributária deste imposto.
É de se saber que os entes federativos dotados de competência tributária para legislar sobre ICMS fixam dispositivos normativos que proporcionam vantagens à iniciativa privada em busca do menor custo e, por conseguinte, expansão de lucros.
Dessa forma, o termo “guerra fiscal” é conceituado como a competição entre os Estados por investimentos privados, que, quanto ao segmento da arrecadação de ICMS proporciona o desenvolvimento econômico e social da região concedente do benefício fiscal, que decorre do aporte empresarial instalado no respectivo Estado da federação.
Cumpre ressaltar que o modelo federativo quanto à competência dos Estados para regular o ICMS, tendo em vista a competitividade instaurada pelos Estados federativos, ocasiona consequências com reflexos expressivos no capital público e privado, sobretudo na destinação de recursos e investimentos conforme o fluxo de vantagens fiscais adotadas pelos entes, que deriva de sua autonomia na fixação de alíquotas quanto à tributação do mencionado imposto.
Importante trazer à colação o entendimento de Fernando Rezende que aborda a respeito de um dos temas do Fórum Mundial do Federalismo Fiscal realizado em Costa do Sauípe no Estado da Bahia em Dezembro de 2005:
“Uma importante consequência da globalização dos mercados é a crescente mobilidade de bases tributárias tradicionais, o que interfere diretamente em uma das questões centrais do federalismo fiscal: a repartição dos poderes para tributar. A maior mobilidade das bases tributárias limita a tributação da produção e dos negócios; reduz a autonomia dos governos subnacionais, principalmente no que diz respeito às normas aplicadas à cobrança dos tributos de sua competência; pressiona por uma maior harmonização de tributos em nível nacional e internacional[...]"
A guerra fiscal apresenta pontos negativos, mas como indica Leonardo Alcântara Ribeiro, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais: “a competição também possui aspectos positivos, dentre os quais, a aproximação das políticas públicas locais com a preferência dos residentes e o estabelecimento de freios ao crescimento da atividade estatal.”
Por outro viés, a concessão de benefícios fiscais, em certas situações proporciona dimensões prejudiciais ao modelo de competição, acarretando a autofágica deterioração dos recursos oriundos da arrecadação do ICMS, com o comprometimento do erário do Estado concedente.
Destarte, a própria logística empresarial no intuito de reduzir custos se adapta aos benefícios concedidos pelos Estados, operacionalizando rotas e manobras fiscais, distorcendo as finalidades de desenvolvimento econômico e social própria da disparidade da alíquota do ICMS com a variação de região para região.
Nas palavras de Alessandro Rostagno “Observe-se que a dinâmica e a dialética da guerra fiscal mostram-se presentes: a adoção de medidas abusivas por algumas unidades federadas justifica a edição por parte de outros Estados de medidas igualmente abusivas em teor e forma.”
Ademais, ressalte-se que a concessão de incentivos fiscais unilateralmente, frequentemente é declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois necessariamente deverá obedecer à Lei Complementar 24/75 ou ser realizada mediante convênio entre Estados, conforme os julgados abaixo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. "GUERRA FISCAL". BENEFÍCIOS FISCAIS: CONCESSÃO UNILATERAL POR ESTADO-MEMBRO. Lei 2.273, de 1994, do Estado do Rio de Janeiro, regulamentada pelo Decreto estadual nº 20.326/94. C.F., art. 155, § 2º, XII, g. I. - Concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, por Estado-membro ao arrepio da norma inscrita no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, porque não observada a Lei Complementar 24/75, recebida pela CF/88, e sem a celebração de convênio: inconstitucionalidade. II. - Precedentes do STF. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 1179. Relator Carlos Velloso. STF)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. GUERRA FISCAL. ISENÇÃO DE ICMS. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. CONVÊNIO CELEBRADO PELOS ESTADOS. 1. A liberação de isenções, incentivos e benefícios fiscais pelos Estados-membros e Distrito Federal depende de lei complementar (CF, artigo 155, § 2º, XII, "g"). 2. Ato governamental concessivo de desoneração de ICMS em operações internas sem que tenha sido objeto de convênio e que não levou em conta a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recebida pela Constituição Federal de 1988, é o bastante para caracterizar por si só a sua inconstitucionalidade. Precedentes (ADIMCs 2.736-PR, SYDNEY SANCHES, julgada em 15.02.2001, e 2.353- ES, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgada em 19.12.00, inter plures). Medida cautelar deferida. (ADI-MC 2376. Relator Maurício Corrêa. STF.)
É de se mencionar que o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão deliberativo colegiado, composto por um membro representativo de cada Estado da Federação, do Distrito Federal e da União, é responsável pelas decisões de concessão de benefícios fiscais pelo ICMS, porém tais decisões destes benefícios necessitam de unanimidade para aprovação. Dessa feita, como analisa Ricardo Pires Calciolari, essa necessidade de votação unânime
“[...] traz grandes entraves para uma efetiva implementação de políticas de federalismo cooperativo para a redução de desigualdades regionais. Atualmente a situação que vivenciamos é a tendência dominante de os Estados concederem benefícios e isenções à total revelia do CONFAZ. Parte disso ocorre porque as sanções previstas no parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar nº 2471 (a única sanção prevista aos Estados que descumprirem tal Lei) são incompatíveis com a Lei de Responsabilidade Fiscal.”
Cumpre salientar que atualmente o Governo Federal busca alternativas de políticas públicas de reformas tributárias no intuito de reduzir as incertezas jurídicas decorrentes dos incentivos fiscais dados pelos Estados, em busca de segurança fiscal quanto à fixação de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, e, por fim, afastar os efeitos prejudiciais da competição federativa por investimentos da iniciativa privada.
Por último, cabe frisar que o fortalecimento da política fiscal – sobretudo com a eliminação de normatização por atos assistemáticos de regulação de alíquota – certamente traz confiabilidade ao investidor estrangeiro, pois poderá definir de maneira adequada a viabilidade da expansão de seu negócio em território brasileiro, bem como desenvolver planejamento em conformidade com diretrizes fiscais definidas.
Referências
BRITO, Márcio Renato Espírito Santo de. A diferenciação da alíquota de ICMS e a guerra fiscal entre os estados. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 72, jan 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7073>. Acesso em 05 nov. 2012.
CALCIOLARI, Ricardo Pires. Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil. In: Cad. Fin. Públ., Brasília, n.7, dez. 2006. Disponível em: <http://www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/publicacoes-esaf/caderno-financas/cfp7/cfp_n7_art1.pdf> Acesso em 07 nov. 2012.
RIBEIRO, Leionardo Alcântara. A guerra Fiscal do ICMS sob uma perspectiva comparada de competição tributária. Núcleo de Estudos Fiscais. Disponível em: <http://invente.com.br/nef/files/upload/2011/05/16/5-1-a-guerra-fiscal-do-icms-sob-uma-perspectiva-comparada-de-competicao-tributaria-rev-1.pdf> Acesso em 06 nov. 2012.
REZENDE, Fernando. Desafios do Federalismo Fiscal 1ª Edição. São Paulo: FGV, 2006.
ROSTAGNO, Alessandro. Guerra fiscal e os benefícios unilaterais concedidos por outros Estados. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2949, 29 jul. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19618>. Acesso em: 13 nov. 2012.
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. A guerra fiscal do ICMS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2012, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32590/a-guerra-fiscal-do-icms. Acesso em: 22 nov 2024.
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