INTRODUÇÃO
A técnica da lei ainda constitucional, de matriz germânica, constitui forma de decisão que rejeita a inconstitucionalidade da norma, mas que ressalta seu trânsito para uma futura inconstitucionalidade.
DESENVOLVIMENTO
A técnica de decisão que declara a lei ainda constitucional é plenamente aplicável ao sistema jurídico brasileiro.
Consiste na simples declaração de que a lei ainda é constitucional em virtude das situações fáticas existentes. Todavia, uma mudança no plano real pode levar a uma situação de inconstitucionalidade da norma, o que caracteriza sua inconstitucionalidade progressiva.
Existe um verdadeiro apelo ao legislador para que corrija a situação ainda constitucional antes que se efetive sua completa inconstitucionalidade.
Sobre essa técnica do apelo ao legislador, Dirley da Cunha Júnior ensina que:
O Tribunal rejeita a inconstitucionalidade da norma, pronunciando, contudo, em face de uma deficiência da norma impugnada, uma possível conversão dessa situação ainda constitucional num estado de inconstitucionalidade, caso não se edite uma nova normativa capaz de corrigir essa situação imperfeita. Assim, embora a Corte reconheça a constitucionalidade da lei, recomenda que o legislador formule – às vezes até assinalando-lhe um prazo – disposição complementar de natureza corretiva. (CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 201).
E como lembra Gilmar Ferreira Mendes (2004), o apelo para corrigir uma situação ainda constitucional antes que se consolide o estado de inconstitucionalidade, não obriga, juridicamente, o órgão legislativo a legislar. Com efeito, em caso de inércia do legislador, a lei declarada ainda constitucional considerar-se-á válida até que, devidamente provocada, venha a Corte proferir nova decisão.
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema.
No julgamento do Habeas Corpus n° 70.514, a Suprema Corte decidiu que não deve ser reconhecida a inconstitucionalidade de dispositivo legal que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público que é a parte adversa, como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.
Ou seja, reconheceu-se a constitucionalidade do dispositivo que concede prazo em dobro para a Defensoria Pública até que esses órgãos alcancem a devida estruturação.
No Recurso Extraordinário Criminal n° 147.776, o Supremo Tribunal Federal analisou a questão da legitimidade do Ministério Público para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, quando for pobre o titular do direito.
O artigo 68 do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal – determina que quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
Ocorre que a Constituição Federal conferiu referida atribuição de assistência judiciária à Defensoria Pública.
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Defensoria Pública, para esse fim, só pode ser considerada existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do artigo 134 da Carta Magna e da lei complementar por ela ordenada.
Assim, até que se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o artigo 68 do Código de Processo Penal será considerado ainda vigente.
O Ministro Sepúlveda Pertence (1998), relator do caso em questão, destaca em seu voto que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da Constituição subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fática que a viabilizem.
Pedro Lenza enfatiza que:
Portanto, vem o STF entendendo, de maneira acertada que o art. 68 do CPP é uma lei ainda constitucional e que está em trânsito, progressivamente, para a inconstitucionalidade, à medida que as Defensorias Públicas forem sendo, efetiva e eficazmente, instaladas (LENZA, 2009, p. 211).
Assim, a técnica da lei ainda constitucional é uma forma de decisão consagrada no Supremo Tribunal Federal.
Por seu turno, como a justificativa apresentada pela Corte Suprema nos casos apresentados possui caráter temporário, nada impede que o Tribunal declare, posteriormente, a inconstitucionalidade do mesmo dispositivo declarado ainda constitucional.
Diante do exposto, constata-se a razoabilidade da adoção pelo Supremo Tribunal Federal da técnica de decisão que reconhece a existência de situações ainda constitucionais que caminham para a inconstitucionalidade.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a técnica da lei ainda constitucional é plenamente utilizada pelo Supremo Tribunal Federal e representa uma solução adequada aos casos que não se enquadram nem na constitucionalidade plena, nem na absoluta inconstitucionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§5° do art. 1° da Lei n° 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n° 7.871, de 08.11.1989). Constitucionalidade. Habeas Corpus. Nulidades. Intimação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. Habeas Corpus n° 70.514. Paciente: Marco Aurélio Rodrigues da Cruz e outro. Impetrante: Edson Brozoza. Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Sydney Sanches. Brasília, DF, 23 de março de 1994.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis. Recurso Extraordinário n° 147.776. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Geralda Cardoso de Paula. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 19 de maio de 1998.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira. Moreira Alves e o controle de constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29-49.
Precisa estar logado para fazer comentários.