Resumo[1]: O artigo em tela trata da atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) na Guerra Civil da Ex-Iugoslávia e da instituição de um Tribunal Penal Internacional “ad hoc” para o julgamento dos responsáveis pela ocorrência de crimes na região dos Bálcãs, abordando suas características e objetivos, além de esclarecer as dificuldades encontradas para julgar os responsáveis pelas atrocidades cometidas contra a população daquela região. Após discutir estes temas, o trabalho aborda o contexto da criação do Tribunal Penal Internacional de jurisdição global, além de discorrer sobre suas características, objetivos, finalidade e representatividade na conjuntura atual da globalização. O trabalho trata, por fim, dos motivos que fizeram a ONU estabelecer um novo Tribunal Penal Internacional de caráter global e optar por não mais instituir tribunais de caráter “ad hoc” para solucionar os conflitos internacionais.
Palavras-Chave: direito internacional, Iugoslávia, tribunal penal internacional, guerra civil.
Abstract:The paper discusses the role of the United Nations (UN) Civil War in the Former Yugoslavia and the establishment of an International Criminal Court "ad hoc"for the prosecution of those responsible for the occurrence of crimes in the Balkan region addressing their characteristics and goals, as well as clarifying the difficulties to try those responsible for atrocities against the local population. After discussing these issues, explores the context of establishing the International Criminal Tribunal with global jurisdiction, and elaborate on their characteristics, objectives, purpose and representativeness in the current context of globalization. The work is ultimately the reasons that made the UN establish a new International Criminal Court in a global and most choose not to establish courts of character "ad hoc" to solve international conflicts.
Keywords: international law, Yugoslavia, international criminal court, civil war.
INTRODUÇÃO
A Guerra Civil da Ex-Iugoslávia consistiu em um dos maiores conflitos bélicos desde a 2ª Guerra Mundial e praticamente arrasou o território dos Bálcãs, devido a intensidade e quantidade dos conflitos ocorridos entre as várias etnias que ainda povoam aquele território.
Esta guerra ocasionou um grande número de crimes que envolveram os direitos humanos, dentre os quais citam-se: crimes contra a humanidade, genocídio, violações às Convenções de Genebra e crimes de guerra. Este fato, aliado à gravidade dos conflitos e a durabilidade da guerra atentaram a ONU para a necessidade de intervenção com a finalidade de se extinguir os atos criminosos e as disputas políticas e territoriais.
Neste contexto, a ONU dividiu-se em três frentes de atuação, a militar, a diplomática e a jurídica, sendo que na primeira ela atuou por meio da OTAN, enquanto que na segunda estabeleceu diversos acordos de paz e na terceira instituiu o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia com a finalidade de julgar os responsáveis pelos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos como reflexo da guerra. Ressalva-se, entretanto, que O Tribunal “ad hoc”, mesmo após obter relativo sucesso em seu trabalho, foi alvo de críticas dos países em guerra e de juristas internacionais, o que ensejou a criação, por parte da ONU, de um Tribunal com jurisdição global. Neste sentido, o artigo tem a função de esclarecer os motivos que levaram ao estabelecimento deste novo Tribunal e expor sua importância para a resolução dos conflitos internacionais.
DESENVOLVIMENTO
A antiga República Federativa da Iugoslávia presenciou um dos principais conflitos de repercussão global desde a 2ª Guerra Mundial. Porém, antes de abordamos a guerra em si, se faz necessário realizar a retomada histórica da República Federativa da Iugoslávia com a finalidade de explicar a formação política e populacional deste território, considerado um caldeirão social devido às várias etnias que povoam as terras da península balcânica.
Neste contexto, a formação da Iugoslávia iniciou-se a partir de 1908 com os conflitos envolvendo o Império da Áustria-Hungria contra organizações nacionalistas que participavam da vida política a partir de seu ingresso no Parlamento Bósnio (AGUILAR, 2003, p. 52).
Contudo, o atentado praticado em 1914 pelo estudante sérvio Gavrilo Princip contra o herdeiro do trono austro-húngaro Franz Ferdinando, abalou as frágeis relações políticas existentes, sendo considerado o estopim de uma série de conflitos que culminou na 1ª Guerra Mundial, com duração de 1914 até 1917.
O fim da Grande Guerra possibilitou a definição de novas fronteiras na Europa, sendo que a formação da Iugoslávia foi influenciada pela unificação dos povos dos eslavos do sul sob Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, que englobava também os territórios da Macedônia, Kosovo, Montenegro, Bósnia-Herzegovina e Voivodina (Lorecchio, et al., 2010, p. 2).
Devido à variedade étnica, a unificação impediu que o sentimento de nação se desenvolvesse pelo território iugoslavo, ocasionando inúmeras divergências tanto no campo social quanto no político. Nesta linha, podemos citar como exemplo, a aprovação da Constituição do Reino, que centralizou o poder sob a égide do rei da Sérvia, Alexandre I e resultou na formação de grupos nacionalistas de origem eslovena, bósnia e croata que eram resistentes aos sérvios (Lorecchio, et al., 2010, p. 2).
Já no período da 2ª Guerra Mundial, a Iugoslávia foi invadida pela Alemanha, que proclamou a Croácia como Estado independente e instalou o governo extremista e nacionalista de Ante Pavelic denominado “ustasha”, fortemente ligado aos nazistas. Neste sentido, leis anti-semitas e de proteção ao povo croata foram promulgadas, iniciando-se intensa perseguição e eliminação da população minoritária, o que, até o final da guerra resultou na morte de 12 dos 14 mil judeus que moravam na Bósnia (AGUILAR, 2003, p.58).
Além da luta contra os alemães e italianos, o território iugoslavo vivenciou uma guerra interna de extremistas entre croatas contra sérvios, bem como entre as duas principais organizações de resistência, os chetniks (nacionalistas sérvios) e os partisans (comunistas liderados por Joseph Broz Tito). A maior parte da população apoiou as forças de Tito que em 1943 contavam com 300 mil homens e passaram por toda a guerra sem serem derrotados pelos nazistas (AGUILAR, 2003, p. 59).
O final da 2ª Guerra Mundial fez o Marechal Tito sair como o grande vitorioso após resistir à investida alemã, sendo então alçado pela população como o grande líder da Iugoslávia, onde centralizou os poderes no Partido Comunista, nas forças armadas e na polícia secreta que eliminava qualquer foco de resistência (CINTRA, 2009, p.24).
Desta forma, Tito governou a Iugoslávia com mão de ferro, não permitindo qualquer conflito com o intuito de manter a unidade política e social do país. Porém, a integração do Estado foi artificial, conseguida principalmente a partir de sua liderança carismática e do estabelecimento de práticas políticas e econômicas com a finalidade de tranqüilizar as diferentes etnias (CINTRA, 2009, p.27).
Este sistema de concessões durou até 1974, quando Tito promulgou uma nova Constituição que garantia maior liberdade e poder às seis repúblicas e às duas províncias autônomas, instituindo o banco central, polícia e sistemas judiciais e educacionais separados. Esta Constituição combinava componentes do federalismo e confederalismo, e objetivava a rotatividade do poder executivo para manter o equilíbrio político e impedir a perpetuação da maioria sérvia no poder (CINTRA, 2009, p. 39).
Este modelo governamental durou apenas 11 anos, pois a morte do Marechal Tito em 1980 aliada à decadência econômica pela qual passava a Europa Ocidental reacenderam o ódio étnico nos Bálcãs. A Iugoslávia entrou em um período de grave crise com dívidas superiores a 20 bilhões de dólares, mais de 50% de seu capital atrelado a empréstimos e bancos externos e sem possibilidade de acesso às reservas internacionais (CINTRA, 2009, p. 37). Políticas austeras dos órgãos econômicos internacionais quase levaram a Iugoslávia ao colapso, com diminuição dos salários em torno de 30%, 1/5 das receitas totais destinadas ao pagamento da dívida externa, o nível de desemprego alcançava 1/3 da força de trabalho e a inflação chegou a 580% (AGUILAR, p. 72). A Federação, em 1987, aceitou uma emenda Constitucional que transformou o Estado iugoslavo num “estado policêntrico” com o intento de conceder maior autonomia às repúblicas, porém esta medida não alcançou a eficácia esperada e causou o aumento das pressões nacionalistas contra o Governo Central, permitindo que os líderes locais obtivessem o apoio das massas nacionalistas e realizassem seguidos levantes que culminaram com as guerras internas e localizadas entre as várias repúblicas pertencentes à Iugoslávia (CINTRA, 2009, p. 65).
O nacionalismo exacerbado, a inconsistência social e política e a decadência econômica foram os principais fatores que permitiram o ressurgimento de líderes ultranacionalistas que se ampararam nas massas para conquistar o poder político de várias formas e possibilitou a ocorrência das guerras travadas entre as repúblicas.
Neste contexto, a antiga Iugoslávia presenciou três focos principais de conflitos ocorridos durante a dissolução da República Socialista Federativa da Iugoslávia. Eles compreenderam a Guerra da Independência Eslovena (1991), a Guerra da Independência Croata (1991-1995) e a Guerra da Bósnia (1992-1995). No outro grupo observaram-se as guerras em áreas povoadas por albaneses, sendo a Guerra do Kosovo (1996-1999), o Conflito no Sul da Sérvia (2000-2001) e o Conflito na Macedônia (2001). Por fim, há as operações da OTAN contra a Sérvia chamadas de Operação Força Deliberada (bombardeio sobre posições sérvias na Croácia e na Bósnia entre 1995 e 1996) e a Operação Força Aliada (bombardeio sobre a Sérvia em 1999).
Em relação à Eslovênia, seu governo passou a negar todas as instituições federais contrárias, o nacionalismo ressurgiu na Croácia com o reaparecimento do ex-general Franjo Tudjman como líder, como reação à consolidação do poder de Slobodan Milosevic na Sérvia através de manobras política e midiática com a exposição de fotos e vídeos dos massacres do governo croata ustashe da 2ª Guerra Mundial (AGUILAR, 2003, p. 74).
Estes atos fizeram com que o governo federal apertasse o cerco à Croácia e enviasse tropas por meio da Bósnia, iniciando combates entre sérvios e croatas, com cercos a quartéis, e retirada de tropas de seus postos. Neste período, a Sérvia havia conquistado as regiões da Krajina às Eslavônias ocidental e oriental e em dezembro de 1991 foi adotada a primeira constituição da República Sérvia da Krajina (AGUILAR, 2003, p. 84).
No início de 1992, a comunidade internacional reconheceu a independência croata, eslovena e das outras repúblicas, reduzindo a Iugoslávia às regiões da Sérvia, Montenegro e Bósnia.
A República da Bósnia, neste período, foi alvo de interesses sérvios, muçulmanos e croatas, devido principalmente à sua importância econômica nas áreas agrícola, mineradora, metalurgia e defesa (CINTRA, 2009, p. 38). A grande questão, porém, é que se em toda a Iugoslávia os nacionalistas se utilizavam de discursos étnicos, a população bósnia era totalmente miscigenada, o que invalidava esse posicionamento (CINTRA, 2009, p. 72). Na medida em que o diálogo tornava-se insustentável, a região foi sendo dividida em Zonas Autônomas entre sérvios, croatas e muçulmanos. Em fevereiro realizou-se um plebiscito para a independência, porém apenas 64% da população votou, e mesmo com o apoio de líderes políticos, ele não teve força prática o que permitiu o controle de grande parte da Bósnia pelas forças sérvias, que, aliadas a grupos paramilitares e milicianos chegaram a controlar 60% do território bósnio (AGUILAR, 2003, p. 91). As cidades foram em sua maioria completamente bombardeadas e limpas etnicamente com militares resistentes sendo enviados a campos de prisioneiros ou executados e mulheres e crianças mortas e suas casas saqueadas.
Nesse contexto, a Iugoslávia foi tomada pelo parco exército federal na tentativa de evitar o controle por grupos paramilitares e guerrilheiros patrocinados pelas próprias repúblicas, porém, conflitos cada vez mais intensos ocorreram com total destruição de várias cidades. A brutalidade dos líderes levou a Iugoslávia ao caos e crimes como massacres, estupros, guetificação de territórios, deslocamentos forçados, limpeza étnica e violações constantes à Convenção de Genebra foram praticados constantemente contra a própria população.
O arrasamento e desespero causado chamaram a atenção do mundo e a ONU através do Conselho de Segurança (CS) começou a agir por meio de acordos de paz, embargos econômicos e operações de paz (AGUILAR, 2003, p. 95).
Os crimes de guerra e contra a humanidade não passaram incólumes pelo Conselho de Segurança, que instituiu em 1993 duas resoluções com a finalidade de se estabelecer um Tribunal Penal “ad hoc” para a Ex – Iugoslávia, com competência somente para agir nos conflitos que envolveram a guerra civil ocorridos neste território.
O tribunal está situado em Haia na Holanda por motivos de segurança jurídica e ambas as resoluções definiram que o objetivo principal era o de julgar os responsáveis pelos graves crimes internacionais ocorridos na Guerra Civil da Ex – Iugoslávia. O tribunal também era responsável por construir uma relação pacífica entre as etnias que coabitam a região e prevenir novas ações atentatórias ao Direito Humanitário Internacional (Resolução 808 e 827, Conselho de Segurança, 1993, tradução nossa).
Além destas funções principais, o tribunal conta com programas de suporte como o registro e processamento de indiciamentos, apoio e proteção às testemunhas e vitimas da guerra, tradução de documentos e ajuda nos assuntos administrativos, possuindo um corpo de funcionários com mais de 1200 pessoas de mais de 80 países (ROCHA, 2003, p. 2).
A estrutura do tribunal é dividida em três câmaras principais de julgamento com três juízes cada e uma Câmara de Apelações composta por sete juízes, que são escolhidos pela Assembléia Geral das Nações Unidas a partir de uma lista elaborada pelo Conselho de Segurança. Além destas câmaras o tribunal conta com a área de promotoria, que tem a função de conduzir as investigações, coletar indícios e provas, exumar corpos, identificar testemunhas e preparar os indiciamentos que serão apresentados ao Tribunal (ROCHA, 2003, p. 2).
O TPI para a Ex – Iugoslávia começou a atuar em 1991 e irá encerrar seus trabalhos quando todos os casos que estiverem sob sua jurisdição forem devidamente julgados. Até o momento mais de 80 indivíduos, dentre importantes líderes militares, políticos, chefes de organizações nacionalistas e paramilitares já foram sentenciados.
Apesar de realizar um bom trabalho de combate aos criminosos de guerra e contribuir para a ajuda às vítimas de guerra, o tribunal sofreu várias críticas de alguns juristas reconhecidos internacionalmente. Carla del Ponte, expõe que uma das principais dificuldades foi a falta de cooperação entre os governos envolvidos na guerra para capturar os acusados. Sérvia e Croácia, são grandes exemplos, pois o nacionalismo exacerbado presente nas duas Repúblicas impediu que muitos dos nacionais fossem enviados para o Tribunal Penal Internacional para a Ex – Iugoslávia e optando por julgá-los em tribunais domésticos muitas vezes contestados pela União Européia (ALVES, 2004, p. 24).
O tribunal também conviveu com críticas sobre sua competência para julgar os acusados, posto que ele foi criado pelo Conselho de Segurança da ONU e não mediante um tratado, além de discutir crimes ocorridos em conflitos armados internos e não internacionais (BRANDÃO,2006, p. 82).
Questionou-se também o grande número de sérvios que foram julgados em detrimento dos acusados de outras nacionalidades, o que ensejou o aumento das tensões na região, considerando que todas as etnias participantes da guerra civil praticaram atos contra a humanidade. A tentativa do tribunal de reescrever a história iugoslava por meio dos julgamentos, como nos tribunais da 2º Guerra Mundial, também foi duramente criticada principalmente pelos analistas políticos, que viram com ceticismo os julgamentos no formato exibição (show trials), pois a população encarou estas atitudes como vingança das forças de ocupação.
As críticas feitas ao TPI para a Ex – Iugoslávia estimularam a ONU a rever o sistema de julgamento dos crimes contra o direito humanitário internacional. Em 1994, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas com a ajuda de mais de 60 ONGS (organizações não-governamentais) e representantes de quase todos os países membros da ONU elaborou um esboço com ampla aceitação internacional do futuro Estatuto de Roma (NETO, 2005, p. 62).
O Estatuto de Roma foi elaborado a partir de 1996 e adotado em 17 de julho de 1998 com a participação de 160 Estados, 33 organizações intergovernamentais e 236 organizações não governamentais (NETO, 2005, p. 62). O Comitê, para ordenar o Estatuto, teve de se ater a diversos princípios doutrinários específicos e gerais do direito penal internacional. A base da criação do Estatuto foi a utilização do princípio da complementariedade, que estabeleceu a competência do Tribunal para julgar indivíduos somente quando um tribunal nacional não tiver capacidade ou se eximir do julgamento. Os princípios gerais utilizados na elaboração do Estatuto foram os do nullum crimen sine lege, o da taxatividade dos delitos, o da irretroatividade dos delitos internacionais, o da coação psíquica, o da legitima defesa e o da coisa julgada.
A competência do TPI é definida para julgar pessoas físicas que cometeram crimes internacionais de maior potencial ofensivo, tais como genocídio, agressão, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. O TPI está apto para julgar estes crimes somente nos países que assinaram o Estatuto de Roma, porém o Conselho de Segurança da ONU pode intervir em casos excepcionais e garantir a atuação do TPI em países não signatários do Estatuto.
Este tribunal também trouxe uma novidade importante no que diz respeito à proteção dos direitos das vítimas dos atos criminosos, pois ao contrário do imaginado, os tribunais “ad hoc” anteriores não consideraram estas pessoas como parte legítima e independente nos procedimentos (GONZÁLES, 2006, p. 20). Estes direitos são reunidos em três categorias principais, sendo elas a participação, a proteção e a reparação. Porém, apesar deles serem garantidos pelo Estatuto, não podem ser considerados absolutos, pois são condicionados ao juiz, que devem velar pela imparcialidade entre respeitar um julgamento justo e fazer valer o direito das vítimas (GONZÁLES, 2006, p. 22).
Após entrar em vigor, o Estatuto esteve apto para a assinatura, adesão e ratificação, sendo de extrema importância este fato, pois até 31 de dezembro de 2000, os Estados podiam assinar sem concordar totalmente com o mesmo e desta forma permitir a argumentação de que estariam comprometidos com os valores do tribunal sem ficarem obrigados a cumprir as regras de cooperação internacional impostas pelo TPI. Desta forma, deve-se ressaltar que o tribunal não tem competência para julgar alguns países importantes no cenário político internacional, como os EUA e Israel que não assinaram o Estatuto com o argumento de que o tribunal mitiga o conceito de soberania, alegando que o TPI pode-se utilizar de meios políticos para processar cidadãos. Contudo, ao ter esse posicionamento, não levaram em consideração as várias formas de garantias relativas à celebração de julgamentos justos (CABRAL, 2004, p. 2). Os EUA ainda são acusados de pressionar os governos para não entregar cidadãos americanos mediante a imposição de acordos ilegais com a ameaça de retirar a ajuda militar aos países que não aceitarem a proposta. Convém notar que muitos países já aceitaram estes tratados, como Timor Leste, Israel, Romênia, Honduras, República Dominicana, Ilhas Marshall, Mauritânia, Índia e Tadjiquistão (CABRAL, 2004, p. 2). O tribunal também tem passado por um grave problema de aplicabilidade prática, pois não houve nenhuma investigação formal conforme o estabelecido pelo artigo 53 do Estatuto. Em 80% dos casos houve erro quanto à jurisdição do Tribunal, destes, 5% não haviam jurisdição temporal (os casos ocorreram anteriormente à entrada em vigor do tribunal), em 24% não haviam competência material, 13% estavam fora da competência pessoal ou territorial e 38% eram relativos a casos manifestamente infundados sem detalhes específicos concernentes a políticas locais ou nacionais (AMBOS, 2005, p. 7)
Apesar destes fatos, é notável a importância do TPI para a resolução de conflitos e para a doutrina internacional, posto que ele é considerado o principal instrumento para identificar, julgar e prender os responsáveis pelos atentados contra a pessoa humana em áreas onde geralmente eles são protegidos pela própria população, que se utilizam de métodos como campanhas publicitárias de forte apego religioso e político que influenciam diretamente a estrutura da sociedade e dificultam a captura dos acusados.
CONCLUSÃO
A década de 1990 foi marcada pela ocorrência da Guerra Civil na Ex – Iugoslávia, que ocorreu principalmente devido ao pânico e ódio disseminados na população civil pelos líderes extremistas alçados ao poder.
A economia da Ex – Iugoslávia foi destruída e sua sociedade estremecida, com o território tornando-se palco de diversos atentados contra o Direito Humanitário Internacional. Crimes como tortura, estupros, devastação de cidades, deportação e guetificação de grupos étnicos, massacre de população em massa e genocídio foram praticados por todos os grupos envolvidos no conflito, que somente foi resolvido com a ajuda das forças internacionais da ONU, do Conselho de Segurança e dos Estados que contribuíram com subsídios econômicos e pessoais.
Os acusados destes crimes bárbaros somente foram julgados após a instalação do Tribunal Penal Internacional para a Ex – Iugoslávia por meio do Conselho de Segurança da ONU. Porém, muitas vezes os causadores destes atos e até mesmo alguns países questionaram a legitimidade deste tribunal, levantando dúvidas acerca de sua legitimidade. A própria criação do TPI para a Ex – Iugoslávia é motivo de controvérsias, pois como foi levantado por Milosevic e Tadic, ela se deu pelo Conselho de Segurança da ONU, que é um órgão restrito e não possui base ampla de Estados-membros como a Assembléia Geral. Sua competência e idoneidade também foram discutidas, devido ao tribunal se estabelecer em Haia, na Holanda e não estar presente no local dos acontecimentos e por ele ser ponto de influência das potências ocidentais que poderiam se utilizar de meios políticos nos julgamentos dos acusados.
A eficiência do TPI para a Ex – Iugoslávia também deve ser ressaltada, pois apesar do julgamento de mais de 70 casos, ele foi alvo de diversas críticas pela incapacidade em se encontrar os foragidos e pelo não julgamento de membros militares da OTAN que também praticaram crimes durante a Guerra Civil. Apesar das críticas, o TPI para a Ex – Iugoslávia está fazendo um grande serviço no território dos Bálcãs ao condenar os criminosos de guerra e restabelecer a segurança nos territórios arrasados pelos desmandos dos generais das guerras e do terror.
Em relação ao Tribunal Penal Internacional estabelecido pelo Estatuto de Roma de 1998, ele é atualmente o principal instrumento de julgamento de crimes que afrontam as regras do Direito Internacional. Seu status deve-se especialmente a seu estabelecimento ter sido feito pela quase totalidade dos países membros da ONU, o que lhe conferiu legitimidade em escala global.
Apesar de gozar de respaldo no mundo jurídico internacional, ele enfrenta problemas a respeito de sua competência, posto que algumas potências políticas e econômicas não admitem entregar seus cidadãos para serem julgados pelo tribunal, o que cria um impasse jurídico e dificulta a atuação do tribunal. Deve-se ressaltar também os empecilhos para a aplicabilidade do tribunal, pois em muitos casos não se inicia ou completa a investigação devido a falta de jurisdição ou competência dos fatos levados ao tribunal.
Porém, mesmo com todos os contratempos deve-se constatar a natureza positiva tanto do Tribunal Penal Internacional para a Ex – Iugoslávia, que lutou arduamente contra todas as possibilidades para conseguir levar à julgamento pessoas acusadas de graves crimes internacionais cometidos no território dos Bálcãs e do Tribunal Penal Internacional, que ganhou força mundial e hoje é considerado um instrumento idôneo e capaz de levar a julgamento qualquer pessoa que afronte uma norma do direito penal internacional.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULO, Guilherme Barbon. A guerra civil na ex-Iugoslávia e a evolução do Tribunal Penal Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2012, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32847/a-guerra-civil-na-ex-iugoslavia-e-a-evolucao-do-tribunal-penal-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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