O federalismo tem suas origens nos Estados Unidos na América, em 1787. Após a proclamação da independência das treze colônias britânicas, cada qual se constituiu em um Estado soberano. Para manter sua soberania, integridade e proteger-se das ameaças da antiga metrópole, firmaram um tratado internacional (Artigos de Confederação) e constituíram-se em Confederação, a qual previa o direito de secessão. Contudo, a persistência da soberania em cada um dos Estados fragmentava e enfraquecia a Confederação. Dessa sorte, através da Convenção de Filadélfia de 1787, os Estados abdicaram de sua soberania e passaram a constituir entes autônomos, conferindo à União Federal os poderes inerentes à soberania, resguardando-se, porém, a representação dos Estados na composição da vontade da União através de representantes no Senado.
Traçadas essas linhas acerca do federalismo, cujo principal objetivo é sem dúvida, conferir maior eficiência à administração do Estado, garantir a integridade nacional e conferir observância aos princípios e objetivos em que se fundam a federação, analisaremos o que se entende por federalismo simétrico e assimétrico, bem como seus reflexos na Constituição Federal de 1988.
MENDES (2008) elenca em sua obra as características básicas do Estado Federal, a saber: soberania conferida ao ente central (União Federal) e autonomia aos demais entes federados, existência de uma Constituição Federal, repartição de competências prevista constitucionalmente, participação dos estados-membros na vontade federal, inexistência do direito de secessão, existência de suprema corte para dirimir conflitos entre Estados membros ou entre esses e a União, bem como a possibilidade de intervenção federal para preservar a integridade nacional e para proteger a autoridade da Constituição Federal.
Tais características básicas mostram-se importantes à análise pretendida. Nesses termos, enuncia HORTA:
O federalismo simétrico pressupõe a existência de características dominantes, que servem para diferi-lo do federalismo assimétrico, de certo modo infenso, este último, a uma sistematização rigorosa. Se utilizarmos a caracterização lógico-formal de Kelsen para demonstração de nosso raciocínio, o federalismo simétrico corresponderá a uma estrutura normativa, distribuída em planos distintos, que identificam a concepção federal e assinalam sua autonomia no conjunto das formas políticas. Projetada na concepção de Kelsen a simetria federal, dentro de tipologia constante, envolve a existência de ordenamentos jurídico central, sede das normas centrais do Estado Federal, e de ordenamentos jurídicos parciais, responsáveis pelas normas federais da União e as locais dos Estados-Membros, organizados e comandados pela Constituição Federal, na função da Constituição total, fonte da repartição de competências, que alimenta o funcionamento do ordenamento central dos ordenamentos parciais. O esquema normativo assim descrito é constante e regular, compondo a estrutura normativa do federalismo simétrico. A reprodução posterior desse esquema normativo- ordenamento jurídico central, ordenamentos jurídicos parciais, Constituição Federal - na Constituição jurídico-positiva conduz ao modelo do federalismo simétrico, partindo da representação teórica e formal. (1999, p. 503-504).
Assim, o que diferenciaria o federalismo simétrico do assimétrico seria o fato desse último constituir-se uma anomalia das características apontadas para o federalismo simétrico, constituindo-se essa anomalia em fenômeno jurídico e, às vezes, também se constituindo em fenômeno fático, como por exemplo no abuso pelo poder central de uma de suas prerrogativas, tal qual o uso constante da intervenção federal ocorrido sob a égide da Constituição Brasileira de 1891.
LENZA (2010) explica que esse fenômeno (simetria e assimetria) decorre dos mais variados fatores, seja em decorrência da cultura, do desenvolvimento ou da língua, apontando os estados Unidos como exemplo de federalismo simétrico em virtude da homogeneidade de língua e desenvolvimento, em oposição à assimetria do federalismo suíço (cantões) e canadense, decorrentes do uso de mais de uma língua e da multiculturalidade de seus povos.
No caso brasileiro, a Constituição Brasileira tentou adotar um parâmetro de simetria, como, por exemplo, no caso da representação dos Estados-membros, os quais, não importando a extensão do território, a população, o nível de desenvolvimento, entre outras particularidades, elegem um número fixo de três representantes para representá-los perante a União.
Entretanto, a despeito da tentativa de impor regras de simetria, há na Constituição de 1988 diversas regras que provocam ruptura nesse modelo de simetria, como por exemplo a inclusão dos Municípios enquanto entes federados (art. 1º e 18), a Constituição Federal impõe restrições à composição das Assembléias Legislativas (art. 27), impões regras à Administração Pública (arts. 37, 39, 40, 41 e 42), inclui os Tribunais e juízes estaduais no Poder Judiciário Federal (art. 92, VII), determina regras aos Tribunais e juízes estaduais (arts. 125 e 126) e destina normas do Ministério Público Federal ao Ministério Público do Estado (art. 128). Portanto, a Constituição Federal reduz a autonomia administrativa e legislativa dos Estados, impondo-os normas de reprodução obrigatória, acentuando a assimetria do federalismo.
O conceito tradicional de federalismo e suas características básicas apontam o chamado federalismo simétrico, com a manutenção de regras que preservam o equilíbrio entre a União Federal e os Estados-membros, e entre estes últimos. A assimetria decorre da ruptura desse modelo, seja decorrente de fenômeno fático ou jurídico, consistindo na existência de regras diferentes entre os Estados-membros, ou demasiada interferência da União Federal na autonomia dos Estados-membros.
O modelo adotado pelo Estado Brasileiro não respeita a multidiversidade cultural, o desenvolvimento econômico e a extensão territorial do Estado, apontando para um sistema simétrico, embora permeado de regras assimétricas, em sua maioria, destinadas a conferir maior ingerência da União Federal na autonomia dos Estados-membros, além da peculiaridade da existência do Município como ente federado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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