The constitutional hermeneutics between stability and dynamics: evidence for an understanding of the concept of constitutional mutation.
RESUMO[1]: O presente estudo tem como objetivo analisar de que modo a influência de teorias hermenêuticas, voltadas à investigação sobre o conceito de norma jurídica, tem causado impactos na interpretação e aplicação da Constituição brasileira de 1988 pelo Poder Judiciário, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, quando em uso o discurso sobre o conceito de mutação constitucional. O exame dessa relação se dará com atenção à mudança de paradigma na compreensão do que seja a própria norma jurídica, considerando a conexão existente entre o texto oferecido como produto do trabalho do legislador e o resultado apresentado pelo aplicador do direito quando diante de um caso concreto. Buscar-se-á através de uma visita aos estudos clássicos produzidos por Georg Jellinek e Hsü Dau-Lin, sobre o conceito e os limites das mudanças informais da Constituição, verificar se e em que medida seria possível justificar discursivamente, por via interpretativa, uma autêntica mutação do próprio texto e não somente de seu significado, a norma.
PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica Constitucional. Norma Jurídica. Mutação Constitucional.
ABSTRACT: Constitutional Hermeneutics. Legal Norm. Constitutional Mutation.
KEY-WORDS: This study aims to examine how the influence of hermeneutic theories, focused on research on the concept of rule of law has impacted the interpretation and application of the Constitution of 1988 by the judiciary, especially the Supreme Court, when use in the discourse on the concept of constitutional mutation. The examination of this relationship will be with attention to the paradigm shift in understanding of what the rule of law itself, considering the connection between the text offered as a product of the work of the legislature and the result presented by applying the law when faced with a case. Search will be through a visit to the classic studies produced by Georg Jellinek and Hsü Dau-Lin, on the concept and limits of informal change the Constitution to determine whether and to what extent might be justified discursively, by way of clarification, mutation of the authentic text itself and not just its meaning, the norm.
01. Introdução.
Não é de hoje que o tema da interpretação e aplicação das normas constitucionais instiga inúmeros juristas e estudiosos do direito, seja pela fascinante idéia de descobrir diversos sentidos derivados de uma mesma proposição textual normativa, seja para conferir-lhe função anteriormente não imaginada, seja pela necessidade de imprimir sentido prático que aproxime o texto da realidade.
Está fora dos objetivos do esforço de pesquisa aqui apresentado tratar sobre uma filosofia ou teoria geral da hermenêutica jurídica, nem mesmo sobre os incontáveis métodos de interpretação do direito positivo, mas apenas avaliar, à medida do possível, os mecanismos tidos como essenciais à atividade de realização da “vontade de constituição”, buscando os fundamentos apresentados pela dogmática do direito para o desenvolvimento e sistematização do conceito de mutação constitucional.
Inclinando-se a observar os fatores envolvidos na debatida crise do papel do direito e do juiz na resolução de reais e aparentes conflitos da sociedade brasileira, cuja complexidade crescente tem exigido do Estado a inovação de mecanismos, bem como a mudança dos tradicionais métodos de solução de litígios, será de indispensável importância entender como o ordenamento jurídico posto tem sido compreendido, sem esquecer o quão difícil é esta tarefa, pois, como lembra Nelson Saldanha “é difícil também imaginar a ordem ‘em si’; imaginá-la sem pensar a conexão entre ela e um conceito que a considere: ao menos um conceito difuso ou impreciso. Esta conexão poderá ser encontrada nas configurações mitológicas, bem como em momentos históricos especiais.” (SALDANHA, 2003, p. 216).
E é considerando um prognóstico resultante desse entendimento que se pretende estudar o instituto denominado mutação constitucional, buscando compreendê-lo como fenômeno resultante da própria mutabilidade do direito, sem esquecer, porém, a sua respectiva utilização retórica como instrumento argumentativo construtor de propostas normativas em decisões judiciais[2].
Servirá de fundamental apoio à investigação a que se propõe o trabalho uma revisita ao conteúdo das obras de Georg Jellinek[3] e Hsü Dau-Lin[4] sobre as mutações constitucionais, cujas contribuições, seguindo o pioneirismo de Paul Laband[5], ofertaram os primeiros estudos sistemáticos sobre o conceito de mutação constitucional, ressaltando a utilidade de um mecanismo de mudança informal da Constituição em um processo de adaptação da norma constitucional à dinamicidade das transformações sociais.
02. O fenômeno da compreensão e a mutabilidade do direito na crescente complexidade das relações sociais.
A questão da mudança de compreensão de determinado fato por seu observador, a despeito de ser um problema gnoseológico, no sentido de que a essência da natureza e seus fenômenos podem ser apreendidos por diferentes pontos de vista a depender de uma série de outros fatores, e.g. o momento histórico vivido, a experiência pessoal do observador, diferenciação sensível dos órgãos psicomotores de cada um[6], entre outros, reveste-se também, e talvez por isso mesmo, importante característica do direito.
Não é novidade que a aceitação ou rejeição de regras de conduta imperativamente postas a todos, sob a ameaça de sanção, relaciona-se com o tempo em que são elaboradas e aplicadas, razão da importância de institutos jurídicos como o princípio do tempus regit actum, a vigência, irretroatividade, prescrição e decadência, além da própria validade e eficácia da norma jurídica, cuja interpretação e concretização não se faz sem a devida conexão com o tempo em que o operador jurídico realiza seu afazer hermenêutico.
O tempo ocupa, então, relevante lugar nas preocupações de filósofos e de juristas, pois é por emprestar-se tamanha importância a sua passagem que a própria história dos sujeitos é construída, em consideração a aspectos como saúde, educação, família, meio ambiente, patrimônio, previdência, dentre outros, não sendo exagero afirmar que: é olhando-se a si mesmo, sob uma perspectiva temporal, enquanto pessoa integrada a uma sociedade e a um projeto de nação, que se constrói o que cada um é.
Discorrendo sobre o pensamento hermenêutico e o modo como a linguagem relaciona-se com o poder, Nelson Saldanha, em referência a Gadamer, dimensiona o nível de importância do tempo histórico para a compreensão dos textos, revelando, inclusive, a distinção entre o signo e seu(s) significado(s), o que torna a atividade do intérprete não só tão especial, mas enigmaticamente difícil, quando não se domina com o devido aprofundamento o tipo de linguagem exigido. É o que se pode visualizar no seguinte trecho:
Tudo no mundo (no mundo humano) são significações, e portanto todo pensar é hermenêutico: tudo depende de como interpretar. E daí símbolos, códigos, signos, linguagens. A “verdade” depende sempre de uma série de explicitações, que são comunicações (Hermes, intérprete e mensageiro), e portanto são pontos de referência. O problema da linguagem corresponde a um processo histórico-cultural fundamental para a questão do compreender, do “significado” e da interpretação. A atribuição de significados, que constitui basicamente o fenômeno hermenêutico, envolve a experiência da linguagem, com o entendimento dos signos e de uma série de contextos. Trata-se de um problema essencial quanto à própria existência da cultura: toda cultura tem seus códigos. (SALDANHA, 2003, p. 220).
E apesar das contribuições dos que acreditam apenas no "hoje" como momento para ser vivido e disciplinado, além da prazerosa sensação de bem-estar presente na filosofia do carpe diem, parece prevalecer, no trato das relações humanas, a idéia de que a vida e o próprio direito constituem-se de um encadeamento lógico-histórico em que os fatos de significante relevância social tornam-se normas jurídicas.
Não que esse encadeamento seja uma mera sucessão de dias e noites onde as discussões sobre o surgimento e a extinção de direitos sigam um rito procedimental como espelho do exato momento histórico vivido em sociedade (até pouco tempo o texto da lei civil brasileira reputava como nulo o casamento se o nubente descobrisse, após a realização do matrimônio, que a noiva já havia sido "desposada" – ou seja - não era mais virgem)[7], um claro exemplo de descompasso entre o estágio vivenciado pela sociedade brasileira ao final do século XIX e a proposição textual de uma norma jurídica.
Por outro lado, não há como negar que a conquista de vários direitos só foi possível graças à prévia conquista de outros, em tempo histórico anterior, e.g. o direito da mulher ao voto só se fez possível num dado momento histórico em que se reconhecia a mulher como cidadã, e em ocasião posterior, verificou-se a revogação do estatuto da mulher casada, o reconhecimento da isonomia entre os gêneros, de patamar constitucional, e as conseqüências dele decorrentes. O exemplo denota como é difícil sustentar um descolamento entre a atualidade das circunstâncias fáticas e o regramento jurídico de determinado tema social relevante.
Outros exemplos podem ser verificados na história do ordenamento jurídico brasileiro, como a evolução do tratamento dos direitos dos negros, da escravidão à libertação e o direito à participação política, além da recente inserção das políticas de ação afirmativa, assim também as conquistas dos trabalhadores, que num primeiro momento adquiriram liberdade de manifestação e associação, direitos de primeira dimensão, segundo a classificação referida em alguns manuais de direito constitucional (BONAVIDES, 2003, p. 562; MIRANDA, 2000, p. 24), para depois marcarem posição mais ativa na reivindicação pelo direito de greve e a aquisição de vários direitos trabalhistas como o 13º salário, aviso prévio, férias, licença gestante, entre muitos outros.
Indissociável, pois, a relação histórica entre a aquisição, modificação e extinção de direitos, cuja conexão evidencia o ordenamento jurídico como um sistema dinâmico, sujeito à mudanças para adequá-lo ao que os homens, reunidos, querem para si mesmos. Razão pela qual também é possível cogitar que eles (os homens) não querem as mesmas coisas o tempo inteiro, mas que o objeto do querer de ontem tem forte carga de influência sobre o que se quer hoje.
Com essa observação, em consideração à velocidade de muitas das transformações experimentadas nas relações sociais no Brasil, é que tem se mostrado a importância do aprofundamento dos debates sobre a mutabilidade do direito, materializada na chamada mutação constitucional, e como os juristas têm compreendido o intercâmbio entre e dinâmica e a permanência do significado do texto da Constituição, até porque, como destaca Gustavo Just da Costa e Silva, atento às lições de Peter Häberle, a incapacidade para compreender a mudança pode ser também sinal de inaptidão para lidar com a permanência (SILVA, 2001, p. 272-273).
A tensão entre dinâmica e estabilidade no direito, como fundamento de validade e eficácia de uma ordem normativa, apresenta-se como desafio para os juristas em função da constante necessidade de identificação do bem jurídico assegurado pela norma, seja ao tempo da elaboração de seu texto, proposição normativa, ou de sua aplicação, que pode se dar de maneira imediata (operação lógica) ou imediata (delegação a uma autoridade legisladora), razão pela qual Kelsen tratou da estática e da dinâmica jurídicas nos capítulos IV e V de sua Teoria pura do direito, distinguindo dois tipos de normas:
Segundo a natureza do fundamento de validade, podemos distinguir dois tipos diferentes de sistemas de normas: um tipo estático e um tipo dinâmico. As normas de um ordenamento do primeiro tipo, quer dizer, a conduta dos indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral. (...) O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou - o que significa o mesmo - uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental. Um exemplo aclarará este ponto. Um pai ordena ao filho que vá à escola. À pergunta do filho: por que devo eu ir à escola, a resposta pode ser: porque o pai assim o ordenou e o filho deve obedecer às ordens do pai. Se o filho continua a perguntar: por que devo eu obedecer às ordens do pai, a resposta pode ser: porque Deus ordenou a obediência aos pais e nós devemos obedecer às ordens de Deus. Se o filho pergunta por que devemos obedecer às ordens de Deus, quer dizer, se ele põe em questão a validade desta norma, a resposta é que não podemos sequer pôr em questão tal norma, quer dizer, que não podemos procurar o fundamento da sua validade, que apenas a podemos pressupor. O conteúdo da norma que constitui o ponto de partida: o filho deve ir à escola, não pode ser deduzido desta norma fundamental. (KELSEN, 1998, p.136-138).
Da lição de Kelsen pode-se extrair que a dinâmica do ordenamento jurídico depende da forma como o legislador disporá da competência que lhe foi delegada pela Lei fundamental, logo àquele legislador caberá a tarefa de identificar no seio social os elementos valorativos a serem protegidos pela norma jurídica e em que tempo isso deve ocorrer. A partir de então, surge uma questão: apenas ao legislador é destinada tal tarefa?
A resposta para tal problema hoje recai, inevitavelmente, sobre os debates acerca da dissociação entre o texto e a norma, a generalidade da lei, a criação do direito pelo juiz, o papel da hermenêutica constitucional e a busca de uma releitura para o clássico princípio da separação de poderes na crescente complexidade das relações sociais, já que as respostas “evidentes” fornecidas pela crença no jusnaturalismo não são mais capazes de conferir à sociedade e ao direito uma estrutura moral comum, pois, “as bases axiológicas comuns das sociedades mais simples dissolvem-se na complexificação social, em grupos sociais nos quais torna-se difícil encontrar consenso sobre problemas dos mais pueris do cotidiano” (ADEODATO, 2008, p. 214), sobrecarregando o direito como o único refúgio ético da sociedade.
Aparece aqui novamente, como ponto da discussão dessa série de questionamentos, o fator tempo. Ocupa o tempo, nesse sentido, importante lugar como elemento hermenêutico no discurso jurídico, fazendo surgir reflexões como as seguintes: deveria o intérprete buscar o significado do texto legal/constitucional no tempo de sua redação ou atualizar-lhe o sentido para assim oferecer a norma-decisão; o demasiado tempo do processo legislativo seria a causa do ativismo judicial na solução de questões envolvendo políticas públicas; seria a fórmula de separação de poderes idealizada por Montesquieu em “O espírito das leis” inadequada ao nosso tempo, em que a velocidade das transformações sociais é mais intensa.
A resposta sobre a quem caberia a escolha sobre o que deve permanecer e o que deve mudar no ordenamento jurídico passa, inicialmente, pela investigação acerca da legitimidade do poder constituinte originário e se a este é conferida “total disponibilidade ética” para escolher qual o conteúdo moral do texto adotado, como explica João Maurício Adeodato, ao fixar alguns dos problemas da concretização da lei pelo Poder Judiciário:
O primeiro (problema) é se há e quais são os limites éticos para as escolhas do poder constituinte (originário), isto é, se há nas normas previamente válidas em si mesmas, acima do início do direito positivo que se expressa na Constituição. E, se os grupos sociais divergem sobre esses limites, é necessário um critério para decidir entre as escolhas éticas antagônicas, o qual, logicamente, também estará acima do direito positivo. Mesmo que hoje se pudesse falar em consensos éticos universais, o que já é problemático, encontrados nas mais diversas culturas, como a aversão a genocídios, há assuntos mais duvidosos, mesmo em um só ambiente cultural, tais como a pena de morte, a descriminalização do adultério, a fiscalização do Judiciário, a reeleição para cargos públicos. O problema é decidir qual a escolha ”correta”. O segundo é se há e quais são os limites éticos para a decisão do conflito concreto, isto é, se o direito genérico positivado na Constituição e demais textos legais pode cumprir esse papel, seja mediante a teoria da moldura de Kelsen, seja pelo procedimento racional de Alexy, seja na decisão do juiz-Hércules de Dworkin, traduzida no atual debate entre o Estado jurisdicional e o Estado legislativo. Esses dois constituem os principais problemas da filosofia especificamente do direito na era contemporânea. (ADEODATO, 2007, p. 261-262).
Acrescente-se a isso a crise da democracia representativa e a intencional omissão do legislador no tratamento de situações de “desacordo moral razoável”, a exemplo do tema sobre o aborto de feto anencefálico; utilização das células-tronco embrionárias para fins científicos, fidelidade partidária no sistema político-eleitoral, entre outras controvérsias, que reforçam a chamada “sobrecarga do direito como único ambiente ético comum” (ADEODATO, 2007, p. 273) e a conseqüente sobrecarga decisória do Poder Judiciário no enfrentamento de tão delicadas questões, que culminam com o fenômeno do deslocamento da instância de discussão e decisão política para os tribunais, como observa criticamente Jeremy Waldron:
As pessoas convenceram-se de que há algo de indecoroso em um sistema no qual a legislatura eleita, dominada por partidos políticos e tomando suas decisões com base no governo da maioria, tem a palavra final em questões de direito e princípios. Parece que tal fórum é considerado indigno das questões mais graves e mais sérias dos direitos humanos que uma sociedade enfrenta. O pensamento parece ser que os tribunais, com suas perucas e cerimônias, seus volumes encadernados em couro e seu relativo isolamento ante a política partidária, sejam um local mais adequado para solucionar questões desse caráter.” (WALDRON, 2003, p. 74).
Aparte a importância do estudo sobre as causas e conseqüências de um suposto alargamento das funções do Poder Judiciário, ou mesmo da ineficiência de um autocontrole judicial a ensejar a adaptação da Constituição ao “ponto de vista do julgador” (BELTRAN, 1989, p. 46), deter-se-á adiante a examinar como os juristas têm se posicionado em relação à mutabilidade do direito, ou seja, como o pensamento jurídico tem se relacionado com a dinâmica social crescentemente complexa, quando em jogo a interpretação do texto constitucional.
03. A mutação constitucional como fator hermenêutico.
O advento de uma nova Constituição parece potencializar o problema do desacordo temporal entre proposições jurídicas infraconstitucionais e a realidade fática, problema nem sempre resolvido com a distinção entre normas recepcionadas e revogadas em virtude do novo texto constitucional, o que relega vários desses “conflitos normativos” (não solucionáveis pela aplicação do critério cronológico), entre a ordem antiga e a nova, ao crivo do intérprete.
Essa responsabilidade do intérprete, consistente em ofertar solução para os diversos “conflitos” entre texto novo e situação velha ou entre texto velho e situação nova, quando em vigor uma nova Constituição, encontra um desafio particular.
A particularidade desse desafio decorrente da promulgação de uma Constituição, no caso brasileiro, está relacionada com a promoção de uma série de mudanças nas instituições encarregadas de consolidar o processo democrático. Tem sido devotada à Constituição Federal de 1988, segundo Luís Roberto Barroso, a formação de uma doutrina brasileira da efetividade[8], cuja essência seria “tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa.”, como reflexo da força do texto da Constituição.
A denominação utilizada por Barroso chama a atenção para o fato de que, sob a égide da novel Constituição, o processo de interpretação e aplicação do direito ganhou novos contornos, atendendo aos anseios daqueles que enxergavam no direito uma perspectiva transformadora das mazelas e desigualdades sociais alarmantes em terrae brasilis, a exemplo da corrente do direito alternativo e da defesa de uma jurisdição de equidade, como antecedentes do neoconstitucionalismo nacional.
Assim, embora a doutrina brasileira pré-existente à Constituição Federal de 1988 não tenha negado a importância do papel dogmático da interpretação do direito positivo, o tema parece ser relativamente recente na produção jurídico-científica nacional, principalmente quando se considera uma hermenêutica com o aporte voltado à atividade de concretizar as normas constitucionais.
O tema da hermenêutica foi objeto de estudo de autores nacionais, que lançaram obras de destaque, como Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (Hermenêutica e aplicação do direito, cuja primeira edição data de novembro de 1924); Luiz Fernando Coelho (Lógica Jurídica e interpretação das leis, 1979); Alípio Silveira (Hermenêutica no direito brasileiro, 1968), e Mário Frezen Lima (Da interpretação jurídica, 1955), dentre outros, cujos textos tinham na interpretação da lei, e não da Constituição, o seu foco de análise e sistematização.
Mais recentemente, incluindo os significativos estudos acerca da hermenêutica constitucional, ainda que não se possa observar a formação de uma verdadeira escola de hermenêutica jurídica brasileira, pelo menos se pode afirmar, com segurança, que houve uma imensa evolução no trato do tema no Brasil, colaborando para tal avanço, de forma bastante sensível, o estudo de obras de natureza teórico-filosóficas como as de Martin Heidegger[9] e Hans-Georg Gadamer[10].
A importância de examinar com o devido cuidado os pressupostos e possibilidades de uma hermenêutica constitucional, de modo a entender o resultado institucional das propostas contidas no texto herdado do poder constituinte é levantada por Adeodato, ao destacar que “a questão de relacionar a ‘decisão do caso concreto’ com a ‘norma genérica previamente fixada’ é sem dúvida das mais importantes para a teoria do direito moderno.” (ADEODATO, 2007, p. 220-221).
Nesse sentido, para a eficiência de um estudo sobre a elaboração de um ou alguns métodos interpretativos adequados à concretização das normas constitucionais, torna-se providência necessária tomar como ponto de partida dois elementos principais, sendo o primeiro o texto da Constituição, produto do trabalho do poder constituinte, e, segundo, a sua compreensão pelo intérprete, focando o seu papel quanto à pretendida concretização.
É justamente nesse segundo elemento, a compreensão do intérprete, que se apresenta a natureza problemática da atividade interpretativa. Em termos de hermenêutica constitucional afasta-se, a partir da variedade com texto pode ser apreendido, a máxima da in claris cessat interpretatio, cuja aplicação presume que a necessidade de interpretação resultaria da falta de clareza do texto ou contradição entre os sentidos. À interpretação constitucional seria destinada, então, a atividade de “mediatizar” o significado real do caráter abstrato da norma constitucional (COELHO, 2003, p. 40).
Insere-se nessa atividade, por sua própria natureza dinâmica e dialética, o dever do intérprete de tornar aquela disposição abstrata e geral uma resposta concreta ao tempo em que lhe é exigida a atualização de sentido do texto constitucional, realizando uma renovação do direito (ou criação) através do reexame de sua validade para, assim, conferir-lhe eficácia.
Nesse contexto cabe falar da chamada mutação constitucional como processo informal de transformação da Constituição, fenômeno há muito discutido e que revela como o texto normativo pode adquirir variadas faces a depender no momento histórico, das condicionantes sociais, políticas, econômicas, culturais, etc. ou mesmo, se não preponderantemente, da posição ideológica do intérprete sob o escudo da pré-compreensão como componente hermenêutico.
Apoiado no espaço de conformação que o texto confere para atualizar cronologicamente o sentido normativo de uma disposição constitucional é que o sujeito da interpretação faz demonstrar sua pré-compreensão de mundo, mostra até que ponto o texto traz uma carga de influência sobre a norma, e também revela o grau de influência de sua visão de mundo sobre a produção daquela mesma norma. É essa influência mútua “inserida em um conjunto de indeterminação” (ADEODATO, 2007, p. 278), que acaba por definir o resultado da interpretação.
Nesse processo hermenêutico que conta com a participação decisiva, mas ao que se espera não decisionista, do intérprete, a linguagem ocupa papel central, pois é através dela que as operações lógico-comunicativas definirão qual a carga de texto e de inclinação pessoal do juiz está presente no resultado.
Sob os aspectos assumidos pela jurisdição constitucional diante da relatada dissociação entre texto e norma, como postura hermenêutica, marcam presença duas concepções opostas, a subsuntiva e a casuística, que segundo Adeodato, podem ser compreendidas da seguinte maneira:
A perspectiva subsuntiva, ou silogística, entende que a norma geral constitui a premissa maior, dentro da qual o caso concreto se coloca como premissa menor, possibilitando a decisão, esta equivalente à conclusão do silogismo. Neste sentido ela é ontológica, reificadora, ainda que seus defensores divirjam quanto ao grau de confiança na verdade do texto e na lógica silogística. A visão casuística é menos otimista diante das generalizações e parte do princípio de que a norma geral, por si só, não garante a racionalidade, a justiça ou qualquer outra forma de legitimação da decisão; para os mais céticos, a norma geral sequer fixa os limites da interpretação, servindo, quando muito, para justificar posteriormente uma decisão já tomada com base em normas ocultas pelos próprios procedimentos decisórios. Ainda que o intérprete ingenuamente acredite estar partindo da norma geral, seus parâmetros são outros. (ADEODATO, 2009, p. 143).
Aliado ao problema do uso casuístico da linguagem encontra-se outra dificuldade no estudo da hermenêutica constitucional, a natureza peculiar das normas constitucionais. Depara-se o intérprete com a abertura do texto, ou seja, a elasticidade que determinadas expressões constantes na Constituição trazem consigo, permitindo, por diversas vezes, uma discricionariedade ao julgador, que não pode (ou deveria) utilizá-las arbitrariamente, como adverte Luís Roberto Barroso ao falar sobre a chamada “liberdade de conformação” do intérprete quando se depara com a plasticidade das cláususlas genéricas da Constituição (BARROSO, 2004, p. 107-108).
Dado o contexto brasileiro, somados aos problemas da escassez de recursos financeiros para cumprir uma série de promessas constitucionais formalizadas em normas programáticas, seria por demais ingênuo acreditar que “mesmo em uma sociedade com constituição escrita e procedimentos aparentemente democráticos” (ADEODATO, 2009, p. 141), os diversos problemas sociais pudessem se resolver apenas mediante a sua submissão a tribunais institucionalizados no uso de uma interpretação “racional” do texto constitucional.
4. Mutação constitucional e dinâmica social: a tensão entre estabilidade e mudança na compreensão da Constituição.
Como se disse linhas atrás, a mudança é um fenômeno inevitável, de modo que seja a Constituição do tipo rígida, semi-rígida ou flexível, a análise do conceito e dos pressupostos da mutação constitucional mostra sua importância, em maior ou menor intensidade a depender do modelo de Constituição adotado.
O problema das mutações constitucionais aparece inicialmente na doutrina dos publicistas alemães no final do século XIX e início do século XX, como destaca Ana Victoria Sánchez Urrutia[11], quando se formulou inclusive o termo “mutação constitucional” para designar a troca de sentido de disposição da Constituição.
Os pressupostos teóricos do conceito de mutação constitucional nos primeiros estudos daqueles juristas[12] foram construídos ainda sob o marco histórico da Constituição imperial alemã de 1871, quando na Europa ainda se consolidava a concepção de Constituição como norma jurídica dotada de supremacia e rigidez, como expõe Urrutia:
En el marco de la Constitución imperial se realizan trabajos teóricos que empiezan a abordar el problema de la mutación constitucional. Los presupuestos necesarios para que se desarrolle este concepto en Europa se dan precisamente en este período del último tercio del siglo pasado: un cierto grado de rigidez de la Constitución y su comprensión como instrumento normativo. Pues si en el caso de Estados Unidos de América, la Constitución tuvo la consideración de norma obligatoria desde el principio, en Europa la concepción de la Constitución como norma que podía atisbarse en el primer constitucionalismo liberal, se diluyó durante la etapa intermedia de las constituciones flexibles de la restauración y se empezó a retomar tímidamente en esta época. (URRUTIA, 2000, p. 107).
Foi nesse contexto que se dedicou Jellinek ao estudo da possibilidade de alteração da Constituição alemã sem que fosse adotado o procedimento formal nela previsto, o que revela certa relativização, ou mesmo ruptura, com o positivismo legalista no pensamento daquele jurista, ao apresentar, como fonte do direito, a própria dinâmica dos fatos sociais sem a chancela do parlamento.
Discorre Jellinek sobre conceitos de reforma da Constituição e mutação constitucional em Reforma y Mutacion de la Constitucion (Verfassungsänderung und Verfassungswaandlung. Eíne staatsrechtlich-politische Abhandlung von Georg Jellinek), publicado a partir de uma conferência realizada em Heidelberg, datada de 18 de março de 1906, na Academia Jurídica de Viena, quando expôs alguns problemas das relações entre o direito e a política, além das transformações do parlamentarismo à época.
Após tratar das constituições como “pilares firmes em que se baseia toda a estrutura do Estado” (JELLINEK, 1991, p. 5), Jellinek distingue reforma e mutação do seguinte modo:
Por reforma de la Constitución entiendo la modificación de los textos constitucionales producida por acciones voluntarias e intencionadas. Y por mutación de la modificación que deja indemne su texto sin cambiarlo formalmente que se produce por hechos que no tienen que ir acompañados por la intención, o consciência, de tal mutación. No es menester advertir que la doctrina de las mutaciones es mucho más interesante que la de las reformas constitucionales. Sin embargo, también éstas, a las que dedicaremos, seguidamente unas pocas líneas, nos ofrecen algunas manifestaciones notables. (JELLINEK, 1991, p. 7).
Entendia Jellinek que a “intencionalidade” era a marca distintiva entre reforma e mutação constitucional. As observações feitas por Jellinek adquiriram importância no exame do que poderia se considerar como mutação constitucional, e, em que pese o estudo ter sido realizado antes do período de entre guerras e do advento da Constituição de Weimar de 1919, que mudaram a feição da teoria constitucional à época, as ponderações daquele representante da Escola Alemã de Direito Público acabaram por influenciar estudos posteriores[13] sobre o tema.
É exemplo disso o questionamento acerca da possibilidade da permanência de preceitos de uma Constituição ainda que esta seja totalmente eliminada formalmente, o que seria uma espécie de mutação constitucional às avessas, quando Jellinek, analisando o movimento revolucionário francês e as sucessivas constituições, ressaltou que mantiveram intactos os preceitos decorrentes da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão:
Respecto al tema “reforma de la Constitución mediante la revolución” surge, en seguida, uma pregunta interesante: ¿Hasta dónde se puede extender esta reforma? Si una Constitución es eliminada total y formalmente y es sustituida por outra, ¿esa Constitución anterior decae de tal modo que ninguno de sus preceptos sigue vigente? (...) De tales hechos inferimos que la abolición de las leyes no implica necessariamente y como consecuencia, la de los preceptos que contienen. Pueden mantenerse em adelante como Derecho consuetudinário lo qual es prueba de que tenían ya, antes de la abolición de la ley, el doble carácter de Derecho escrito y consuetudinário, de ello, sin duda, no se tenía conciencia mientras la lay estaba vigente. Em este sentido cabe añadir esta interesante pregunta, ¿em qué medida el Derecho consuetudinário pierde totalmente su carácter al adoptar la forma de ley? (JELLINEK, 1991, p. 10).
Mas é ao tratar da mutação constitucional pela atividade jurisdicional, que Jellinek apresenta seu entusiasmo com a possibilidade de transformação do sentido do texto normativo através da interpretação, e, dirigindo sua atenção ao sistema de controle de constitucionalidade norte-americano, ressalta as vantagens da possibilidade do controle da lei pelos juízes estadunidenses tendo como parâmetro a Constituição de 1787, como forma de proteção dos preceitos constitucionais contra eventuais abusos do legislador.
Atento à dinâmica da realidade constitucional que por vezes poderia apresentar-se em aparente oposição ao texto, o autor em referência evidencia que “no es preciso explicar a quien reconoce el poder creador de los jueces que la interpretación judicial de um precepto constitucional puede desarrollarse de modo progresista o retrógrado.” (JELLINEK, 1991, p. 21), porém, ao exemplificar uma série de situações em que os tribunais norte-americanos tinham exercido a prerrogativa de declarar inválidas algumas opções do legislador, já demonstrava preocupação com a posição que o próprio juiz ocupa na interpretação de textos constitucionais de conteúdo indeterminado:
La questión sobre cuales son estos límites se confía al arbitrio de los tribunales dada la indeterminación de los preceptos constitucionales en éste y en otros casos. Por lo tanto, en América, el juez ocupa efectivamente el lugar del legislador constitucional. No sin razón se califica a los tribunales, en América, como tercera cámara legislativa. El jues se encontra al decidir sobre la constitucionalidad de las leyes bajo la presión enorme de la opinión pública, a menudo escondida en partidos, porque la democracia se incide com fuerza irresistible sobre todo el que atua en la vida pública. Por lo tanto, la opinión del juez sobre la ley en cuestión está, por mucho que se pense objetivamente, tenida politicamente en muchos casos. Esto explica por qué los jueces solamente rehusan, en casos excepcionales, el examen de una ley, puesto que propenden a tener en cuenta la necesidad política del legislador suscitó com sus actos.(JELLINEK, 1991, p. 26).
A mutação constitucional como decorrência da atividade interpretativa dos juízes nos Estados Unidos era, para Jellinek, motivo da própria estabilidade do monumento legislativo representado pela Constituição norte-americana, e, observando aquele jurista germânico que, no primeiro século de atividade (1789/1889), a Corte Suprema tinha declarado inconstitucionais apenas vinte e uma leis federais, destacou o poder de interpretação daqueles juristas e a doutrina dos poderes implícitos como responsáveis pelo baixo número de alterações formais do texto constitucional daquele país (JELLINEK, 1991, p. 26-27).
O fenômeno das mutações constitucionais foi também objeto de sistemático estudo do jurista chinês Hsü Dau-Lin, que em monografia intitulada Die Verfassungswandlung[14], publicada em 1932, recorrendo à singularidade normativa da Constituição, definiu a mutação como “una incongruencia entre la norma constitucional y la realidade constitucional” (DAU-LIN, 1998, p. 75), destacando o desenvolvimento da atividade política estatal e a exigência de vitalidade das normas constitucionais como seus fundamentos.
Hsü Dau-Lin reconhecia expressamente a possibilidade de mutação constitucional pela via da interpretação judicial, registrando a necessidade de distinguir a interpretação da Constituição da interpretação do direito ordinário (DAU-LIN, 1998, p. 87-88) ao tempo em que, tal qual o fez Jellinek, ressaltava a importância da prática constitucional norte-americana para o estudo da interpretação como instrumento da mutação constitucional.
Nessa referência ao modelo de jurisdição norte-americano em relação às mudanças informais de sentido da Constituição, Dau-Lin sublinha três particularidades: a estreita relação dos juízes com a Constituição dos Estados Unidos como “manifestação de um desenvolvimento cultural flutuante” daquele país desde 1787; a rigidez constitucional predominante, que ao dificultar a alteração formal do texto abriu caminho para uma maior dinâmica da interpretação das cláusulas constitucionais pelos juízes, de acordo com a mudança das circunstâncias sociais, e, por último, pelo acolhimento, entre o norte-americanos, da sistemática do precedente formado na tradição jurídica do common law inglês, que atribui à decisão a condição de fonte do direito, num claro reconhecimento de que o judge made law integra o ordenamento jurídico (DAU-LIN, 1998, p. 89-91).
Também o surgimento do controle de constitucionalidade das leis e a importância da Suprema Corte dos Estados Unidos são lembrados no texto do mencionado jurista chinês, seja para destacar uma “autêntica” edificação do direito constitucional norte-americano a partir do protagonismo do juiz Marshall no caso Marbury v. Madison, em 1803, ou para confirmar, segundo Dau-Lin, a existência da doutrina da loose construction[15] e dos implied powers[16] (DAU-LIN, 1998, p. 95-99), fatores que teriam revelado a evidência de freqüentes mutações constitucionais por meio da interpretação naquele país.
As contribuições dos estudos de Jellinek e Hsü Dau-Lin ainda trataram de um problema que, guardadas as devidas proporções e distinções de caráter histórico, têm preocupado alguns juristas brasileiros. Trata-se da possibilidade de mutação constitucional por desuso de prerrogativas estatais.
O tema ultimamente ganhou relevo no Brasil após a prolação dos votos dos Ministros Gilmar Ferreira Mendes e Eros Roberto Grau na Reclamação n. 4.335-5/AC, ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento sufragado dispensa a participação do Senado Federal na suspensão da execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Tribunal, art. 52, X[17], da Constituição Federal, que teria sofrido autêntica mutação, dada a reiterada ausência de manifestação da alta casa do Congresso acerca das declarações de inconstitucionalidade de que é comunicado por força daquele dispositivo constitucional.
As características que envolvem a atividade senatorial no controle de constitucionalidade brasileiro não configuram um debate novo tanto na doutrina[18] quanto na jurisprudência[19], porém, ganhou especial repercussão no cenário jurídico brasileiro em razão dos fundamentos apresentados nos votos dos ministros Mendes e Grau para afirmar a existência de mutação do próprio texto constitucional, por inércia do Senado no uso de sua prerrogativa.
Investigando o problema da omissão no exercício do poder estatal, a partir do exemplo das prerrogativas de sanção e veto na monarquia inglesa, e sua relação com a mutação constitucional entendia Jellinek o seguinte:
La Constitución se transforma según el modo como se ejerce el poder estatal. Pero, ¿ocurre esto también cuando no se ejerce uma competência del mismo poder? De nuestra exposición resulta que de ninguna manera puede concluirse que por el desuso de una competencia del poder estatal, las correspondientes prescripciones constitucionales y legales resulten obsoletas. En este sentido se puede decir que el Derecho supremo del Estado según su esencia es imprescriptible. Pero eso, una de las investigationes más difíciles consiste determinar, en el caso particular, en que medida un poder nunca ejercido de hecho tiene relevância jurídica o no. Es decir, si es válido, si es capaz de cumplir, em algún caso, su propósito normativo para la vida estatal. (JELLINEK, 1991, p. 51).
Quanto à idéia de mutação do art. 52, X, da Constituição constante do voto[20] do Min. Gilmar Mendes, posição defendida doutrinariamente[21] antes mesmo de sua manifestação no STF, adota-se como ponto de partida a inércia do Senado Federal na suspensão de execução de leis declaradas inconstitucionais para constatar a ocorrência de transformação do sentido da participação daquela casa legislativa, que teria agora apenas função de dar publicidade à decisão da Corte, através do Diário Oficial do Congresso Nacional.
Entre os fundamentos lançados no voto do Min. Gilmar Mendes para sustentar tal idéia está a ampliação do modelo concentrado de controle de constitucionalidade após a Constituição de 1988, e da edição das Emendas nº 03/1993 e 45/2004, que teriam mudado a feição de um sistema tradicionalmente híbrido e a compreensão, sob a ótica do ministro, de que a real dimensão normativa das decisões do STF no exercício da jurisdição constitucional mudou a forma de enxergar aquele dispositivo textual, acendendo os debates sobre a mutação constitucional por parte da doutrina[22] nacional.
Registrando a repercussão do caso, importa notar que, até o julgamento da Reclamação nº 4.335-5/AC, o Supremo Tribunal Federal apenas adotara a hipótese de mudança informal da Constituição quando entendia que tinham se alterado as circunstâncias fáticas relevantes sobre as quais a norma produziria seus efeitos[23], ou quando prevaleceu em momento posterior uma nova compreensão jurídica[24] dos intérpretes da Lei fundamental sobre determinada disposição do direito ordinário, utilizando-se, em regra, do mecanismo da interpretação conforme à Constituição, e não oferecendo, contudo, nova redação ao texto constitucional ou da lei ordinária.
A questão gira em torno de diversos pontos delicados do controle de constitucionalidade, como a eficácia erga omnes e o efeito vinculante dos julgados da Corte, os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, a legitimidade democrática da jurisdição constitucional, a necessidade de uma nova compreensão sobre a teoria da separação de poderes e até mesmo ao posicionamento do Tribunal na configuração institucional da democracia brasileira, mas apresenta ainda uma conseqüência sutil, a de que a interpretação judicial pode muito bem ser utilizada para transformar a Constituição (norma fundamental elaborada pelos representantes do povo) em um instrumento de protagonismo dos juízes e não dos legisladores (SANCHIS, 2007, p. 131).
Interessa, entretanto, à presente análise a verificação da possibilidade de, considerada uma omissão fática no exercício de uma prerrogativa constitucional, a interpretação da Constituição revelar uma mutação constitucional que não apenas altera o significado de um dispositivo em um caso concreto, mas muda o próprio texto do enunciado normativo contido na Constituição, para sugerir-lhe nova redação, como o fez o Min. Eros Grau:
A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há, então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro. Daí que a mutação constitucional não se dá simplesmente pelo fato de um intérprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida por um outro intérprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante, em razão de ser, a interpretação, uma prudência. Na mutação constitucional há mais. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio enunciado normativo é alterado. O exemplo que no caso se colhe é extremamente rico. Aqui passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] a outro texto [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo].[25]
Note-se que a proposta constante do trecho da decisão acima reproduzido assume uma concepção mais avançada do que a doutrina do direito constitucional tem delineado sobre os casos-limite da mutação constitucional (FERRAZ, 1986, p. 9; KUBLISCKAS, 2009, p.153), levantando hipóteses de mutação (in)constitucional via interpretação judicial que sugere a substituição do texto em vigor sem a apreciação do poder reformador, em ofensa ao princípio da separação de poderes.
A idéia direciona as atenções sobre a existência e quais são os limites da interpretação constitucional e o papel do texto como ponto de partida para a atividade do intérprete, como expõe Canotilho ao falar sobre as possibilidades conferidas pelo programa normativo:
O problema que agora se põe é o de saber se, através da interpretação constitucional, podemos chegar aos casos-limite de mutações constitucionais ou se, pelo menos, a mutação constitucional não deve transformar-se em princípio <normal> de interpretação (K. Stern). A rejeição da admissibilidade de mutações constitucionais por via interpretativa não significa qualquer aval a um entendimento da constituição como um texto estático e rígido, completamente indiferente às alterações da realidade constitucional. Pese embora o exagero da formulação, há alguma coisa de exacto na afirmação de Loewenstein, quando ele considera que uma <constituição não é jamais idêntica a si própria, estando constantemente submetida ao phanta rei heraclitiano de todo o ser vivo>. Todavia, uma coisa é admitirem-se alterações do âmbito ou esfera da norma que ainda se podem considerar susceptíveis de serem abrangidas pelo programa normativo (Normprogramm), e, outra coisa, é legitimarem-se alterações constitucionais que se traduzem na existência de uma realidade constitucional inconstitucional, ou seja, alterações manifestamente incomportáveis pelo programa normativo da norma constitucional. (CANOTILHO, 2003, p. 1228-1229).
Vislumbra-se que a posição de Canotilho alinha-se no sentido de admitir, em dissonância da proposta contida no voto do Min. Eros Grau, apenas as mutações constitucionais derivadas do âmbito normativo, ou seja, da esfera de aplicação fática a que se dirige a proposição textual (programa normativo), mas não despreza a dificuldade em separar ambas as fases da interpretação.
Essa tensão entre realidade constitucional e o texto como fatores influentes na mudança de compreensão da norma, no entender de Canotilho “é ainda um acto legítimo de interpretação constitucional”, que “considera-se admissível quando se reconduz a um problema ‘normativo-endogenético’, mas já não quando ela ‘resultado de uma evolução normativamente exogenética.”, por isso explicita que:
Perspectiva diferente se deve adptar quanto às tentativas de legitimação de uma interpretação constitucional criadora que, com base na força normativa dos factos, pretenda <constitucionalizar> uma alteração constitucional em inequívoca contradição com a constitutio scripta. (CANOTILHO, 2003, p. 1230).
O alerta necessário a se fazer nesse estado de coisas é que, longe de solucionar os problemas ligados à interpretação em casos-limite de mutação constitucional, a adoção de posições auto-suficientes ou que concentrem exclusivamente no ato volitivo do intérprete a responsabilidade pela concretização normativa da Constituição, como se sua voz fosse efetivamente a última, e porque não a melhor, palavra sobre o que o texto quer significar, adicionada à idéia de uma “mutação constitucional permanente” (ADEODATO, 2009, p. 150-151), acabam por aprofundar a crise de legitimidade democrática do Supremo Tribunal Federal, e podem criar mais problemas do que efetivamente oferecer soluções.
Se nesse ambiente, oferecer um caminho adequado para superar os diversos impasses da tensão entre a estabilidade e a dinâmica constitucionais, assim como entre texto e norma, não aparenta ser tarefa fácil, a releitura dos textos e o reexame dos fatos com um relativo grau de ceticismo sobre as próprias convicções parecem ser atitudes ao menos recomendáveis.
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[1] Texto originalmente publicado nos Anais do XX Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito/CONPEDI, realizado entre os dias 22 e 25 de junho, na cidade de Belo Horizonte.
[2] A respeito v. votos dos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau na Reclamação n. 4.335-5/AC, rel. Min. Gilmar Mendes. Supremo Tribunal Federal.
[3] JELLINEK, Georg. Reforma y mutación de la Constitución. Trad. Christian Förster. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. (orig. Verfassungsänderung und Verfassungswaandlung. Eíne staatsrechtlich-politische Abhandlung von Georg Jellinek, Berlín, Verlag von O. Häring, 1906).
[4] DAU-LIN, Hsü. Mutación de la constitución. Tradução de Christian Förster e Pablo Lucas Verdú, Bilbao: Instituto Vasco de Administración Pública, 1998.
[5] Paul Laband, jurista alemão (1838-1918), foi o primeiro a distinguir a verfassungänderung (reforma constitucional) da verfassungswandlung (mutação constitucional), na obra intitulada Wandlungen der Deutschen Reichsverfasung (Mutação da Constituição Alemã), publicada em 1895, conforme destaca Wellington Kublisckas. (KUBLISCKAS, 2009, p. 70).
[6] Como observam Humberto Maturana e Francisco Varela na seguinte passagem: “...toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de um modo pessoal, enraizado na sua estrutura biológica, motivo pelo qual toda experiência de certeza é um fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro, numa solidão que (como veremos) só é transcendida no mundo que criamos junto com ele.” (MATURANA & VARELA, 2001, p. 22).
[7] Redação do art. 219, inciso IV, do Código Civil de 1916, cuja vigência durou até 11 de janeiro de 2002, que considerava erro essencial sobre a pessoa do cônjuge a hipótese de “defloramento de mulher, ignorado pelo marido”.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos. In: Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Obra coordenada por Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento e Gustavo Binenbojm, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009.
[9] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1988.
[10] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997.
[11] URRUTIA, Ana Victoria Sánchez. Mutación constitucional y fuerza normativa de la Constitución: una aproximación al origen del concepto, Revista Española de Derecho Constitucional, Año 20. Núm. 58. Enero-Abril 2000, p. 105.
[12] Entre eles Paul Laband (Die Wandlungen der Deutschen Reichverfassung, 1895) e Georg Jellinek (Verfassungsanderung und Verfassungswandlung, 1906).
[13] Rudolf Smend (Verfassung und Verfassungsrecht, 1928); Hermann Heller (Staatslehre, 1934) e Hsü Dau-Lin (Die Verfassungswandlung, 1932).
[14] Texto traduzido para o espanhol por Pablo Lucas Verdú e Christian Förster: DAU-LIN, Hsü. Mutación de la constitución. Tradução de Christian Förster e Pablo Lucas Verdú, Bilbao: Instituto Vasco de Administración Pública, 1998.
[15] Livremente traduzido por “construção livre”, expressão utilizada para indicar a liberdade de que dispunha a Suprema Corte para determinar o significado do texto constitucional nos Estados Unidos.
[16] Conhecida como “teoria dos poderes implícitos”, que se consolidou como postulado de hermenêutica segundo o qual se atribui à técnica lógico-racional de interpretação o domínio principiológico e axiológico implicitamente contido nos textos jurídicos. O argumento foi usado por Marshall para fundamentar o entendimento de que se a Constituição confere um poder a qualquer das esferas do Estado, aquele poder deve ser utilizado com o maior grau de eficácia possível (that power will be construed broadly), então, se a Constituição confere ao Poder Judiciário o poder de interpretar as leis, sendo a Constituição uma espécie de lei, significa dizer que a Constituição conferiu ao Judiciário o poder de interpretá-la.
[17] Art. 52 da CF/88: “Compete privativamente ao Senado Federal: (...); X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”
[18] Pode-se registrar, por exemplo, a existência dos seguintes estudos: BITTENCOURT. Lúcio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. 2.ed., Rio de Janeiro, Forense, 1949. p. 145; BUZAID, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 84-85; MARINHO, Josaphat. O art. 64 da Constituição e o papel do Senado. Revista de informação legislativa. Brasília. v. 1, n. 2, p. 5-17, jun. 1964; BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. Revista de informação legislativa. Brasília, v.13, nº 50, p. 55-64, abr./jun. de 1976, e ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves. A competência do senado federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de informação legislativa. Brasília, ano 15, n. 57, jan./mar. 1978.
[19] O próprio idealizador do dispositivo constitucional que previa a atuação do Senado na Constituição de 1934 (art. 91, IV), o ex-senador Prado Kelly, revelou, posteriormente, já como Ministro do STF, a sua intenção quando da edição do texto normativo: [...] A jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal negava a extensão a outros interessados os efeitos de suas decisões, O julgado estava, como é da “communis opinio”, adstrito à questão focalizada perante a Côrte. [...] Então, acudia naturalmente aos estudiosos dos fatos jurídicos a conveniência de instituir-se mais adequado à pronta suspensão dos efeitos, para terceiros, das leis ou regulamentos declarados inconstitucionais pela Suprema Côrte. Foi uma inspiração de ordem prática” In: trecho do voto do Min. Prado Kelly no Mandando de Segurança 16.512. STF. MS n° 16.512, rel. Min. Oswaldo Trigueiro. DJ de 31.08.1966. Outros julgados do Supremo trataram da prerrogativa pontuando a discricionariedade do Senado (RMS nº 7.248/SP, rel. Min. Lafayette de Andrada. DJ de 17.12.1962; Rec. n. 849/DF, rel. Min. Adalício Nogueira. DJ 09.12.1971) e até mesmo a necessidade de encaminhar os acórdãos em que se declarava a inconstitucionalidade em via abstrata, por meio da representação de inconstitucionalidade (Rep. nº 933, rel. Min. Thompson Flores. DJ de 26/12/1976), prevaleceu, contudo, o entendimento que desobrigava o Supremo de remeter as decisões declaratórias de inconstitucionalidade em representação ao Senado, por força do acolhimento, pela Mesa de matéria constitucional e pela Comissão de Regimento, de parecer do Min. Moreira Alves no processo administrativo n° 4.477/1972, que se manifestava pela desnecessidade de remessa das decisões proferidas pela Corte em exame abstrato, conferindo-lhes efeitos erga omnes. O texto integral do parecer e das manifestações dos Ministros Xavier de Albuquerque, Thompson Flores, Rodrigues Alckmin, Oswaldo Trigueiro, Luiz Gallotti e Eloy da Rocha, encontra-se na edição do DJ de 16/05/1977.
[20] Decisão monocrática proferida na Reclamação nº 4.335-5/AC, rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 25/08/2006.
[21] MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de informação legislativa. Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004, p. 149-168.
[22] STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martônio Mont´Alverne Barreto. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional. AGRA, Walber de Moura; CASTRO, Celso Luis Barros de; TAVARES, André Ramos (Coord.) Constitucionalismo: os desafios do terceiro milênio. Belo Horizonte: Fórum, 2008. Também: VIEIRA, José Ribas; BRASIL, Deilton. Mudança paradigmática no controle constitucional concentrado e difuso provocada pelo experimentalismo institucional do Supremo Tribunal Federal após a Emenda Constitucional N° 45/04. Observatório da jurisdição constitucional, Brasília, ano 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.idp.org.br/index.php?op=stub&id=9&sc_1=60>. Acesso em: 13 dez. 2010. LEITE, Glauco Salomão. A extensão da eficácia erga omnes e do efeito vinculante às decisões de inconstitucionalidade em controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal: hipótese de mutação (in)constitucional. LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão (Coords.). Constituição e efetividade constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008.
[23] É o caso, por exemplo, do HC nº 82.959-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio. DJ de 01/09/2006, que serviu de parâmetro para a mesma Reclamação nº 4.335-5/AC. Naquele habeas corpus reconheceu o Supremo a inconstitucionalidade do §1º, do art. 2º da Lei nº 8.072/90 (Lei de crimes hediondos), que estabelecia o cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crimes hediondos, vedando a sua progressão. Entre os fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade assentou-se a evolução jurisprudencial da Corte que entendera em momento anterior (HC nº 69.657-1/SP, rel. p/ acórdão Min. Francisco Rezek. DJ 18/06/1993) pela constitucionalidade do dispositivo.
[24] HC n° 86.009 QO/DF, rel. Min. Aires Britto, julgado em 29/08/2006, que ressalta a alteração de interpretação da Suprema Corte sobre a competência para julgamento de habeas corpus impetrado contra ato das turmas recursais dos juizados especiais, afirmando ter havido no caso, mutação constitucional.
[25] Texto extraído do voto do Min. Eros Grau na Rcl n. 4.335-5/AC, Supremo Tribunal Federal.
Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Pernambuco. Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Alexandre Douglas Zaidan de. A hermenêutica constitucional entre a estabilidade e a dinâmica: elementos para uma compreensão do conceito de mutação constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2012, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33105/a-hermeneutica-constitucional-entre-a-estabilidade-e-a-dinamica-elementos-para-uma-compreensao-do-conceito-de-mutacao-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
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