A cognição é o ato pelo qual se intermedeia a relação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível (MARINONI, 1992. p. 21). Nos dizeres de Watanabe (2005, p. 67), a cognição é:
[...] prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.
Constitui uma técnica processual pela qual o magistrado tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação (DIDIER JR., 2008, p. 285). São justamente as questões – pontos de fato ou de direito controvertidos que dependam de pronunciamento judicial, onde se inclui o pedido, a questão principal (DIDIER JR., 2008, p. 285) – o objeto da cognição.
Cuida-se de operação lógica. Didaticamente, a atividade do juiz resume-se a um silogismo, no qual a regra abstrata é a premissa maior, os fatos a premissa menor e o juízo do julgador, consubstanciado em seu provimento, a conclusão (WATANABE, pp. 68/69). A cognição abrangeria a premissa menor e a premissa maior, sendo um mecanismo pelo qual se alcança a conclusão. O juízo do magistrado – conclusão a que se chega sobre determinada questão – portanto, é fruto da cognição (MARQUES apud WATANABE, p. 68)
Diversas são as espécies de cognição. Indispensável, pois, o estudo de sua tipologia.
A cognição situa-se em dois planos: o horizontal e o vertical.
O plano horizontal diz respeito à extensão e à amplitude das questões que podem ser objeto da cognição judicial, isto é, refere-se a quais questões podem ser apreciadas pelo magistrado (DIDIER JR., 2008, p. 296).
No plano horizontal, pode ser a cognição: plena, quando não se limita o espectro de questões que pode o juiz conhecer; e parcial ou limitada, quando se limita o que o juiz pode conhecer (DIDIER JR., 2008, p. 296). Típico caso de cognição limitada é a vedação à exceção de domínio na ação possessória, artifício utilizado pelo legislador para acelerar a marcha processual (MARINONI, 1992, p. 27).
O plano vertical “[...] diz respeito à intensidade de relação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível, ou seja, ao grau de cognição do objeto” (MARINONI, 1992, p. 22). Aqui se perquire o modo pelo qual as questões serão conhecidas pelo magistrado. (DIDIER JR., 2008, p. 296).
No plano vertical, a depender do grau de profundidade/completude no exame da questão, pode ser a cognição exauriente ou sumária (DIDIER JR., 2008, p. 296/297).
A cognição exauriente é aquela em que o julgador vai a fundo no exame das questões postas a sua apreciação. “Decisão proferida com base em semelhante cognição propicia um juízo com índice de segurança maior quanto à certeza do direito controvertido, de sorte que a ela o Estado confere a autoridade de coisa julgada” (WATANABE, 2005, pp. 129/130). “Daí poder afirmar-se que a cognição exauriente é a cognição das decisões definitivas” (DIDIER JR., 2008, p. 297).
A cognição sumária, por seu turno, é aquela menos aprofundada em sentido vertical, em que o magistrado não esgota a análise das questões (MARINONI, 1992, p. 23). “[...] É permitida, normalmente, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou da evidência (demonstração processual) do direito pleiteado, ou de ambos, em conjunto” (DIDIER JR., 2008, p. 298). É justamente a situação de perigo, ao impor a urgência, que impede uma cognição completa do objeto cognoscível. (MARINONI, 1992, p. 23). Como seria de imaginar, é característica das tutelas de urgência: tutela cautelar e tutela antecipatória (MARINONI, 1992, p. 23).
Conduz tal espécie de cognição a decisões fundadas em juízos de probabilidade e verossimilhança que, por isso mesmo, limitam-se a afirmar o provável, motivo pelo qual não ensejam a produção de coisa julgada material (DIDIER JR., 2008, p. 298).
Conquanto já sacramentadas na doutrina, as construções atinentes à cognição não são imunes a críticas.
Bem pensadas as coisas, o conceito de cognição é lógico-jurídico. Em qualquer ordenamento jurídico, haverá um ato pelo qual o julgador conhece a matéria posta a seu crivo, elaborando a operação lógica que precede a conclusão. Portanto, a cognição traduz o meio utilizado para se julgar; e suas espécies os modos pelos quais esse meio se apresenta.
Sucede que conceitos lógico-jurídicos servem precipuamente como condicionantes do pensamento. Colocá-los como pressupostos de institutos jurídico-positivos é medida arbitrária, já que tais pressupostos devem ser retirados da hipótese de incidência de uma norma, ou seja, do próprio direito positivo. No entanto, as razões levantadas pela doutrina para situar a cognição exauriente como pressuposto da coisa julgada material são úteis à interpretação do direito positivo.
Diz-se que a cognição sumária conduz a decisões fundadas em juízos de verossimilhança e probabilidade, enquanto que a cognição exauriente leva a decisões baseadas em certeza, razão pela qual a primeira não faz coisa julgada e a segunda sim.
Esquecida a ideia de cognição, extrai-se daí que não forma coisa julgada material a decisão proferida com satisfação de um mero juízo de probabilidade/verossimilhança. Deveras, a coisa julgada material só imutabiliza a decisão baseada em um juízo de certeza, ainda que esta certeza seja uma ficção do sistema, como no caso do ônus da prova.
Decerto, a decisão em que é suficiente um juízo de probabilidade para seu proferimento possui elevado grau de instabilidade. Por exemplo, a instrução do processo principal pode infirmar a conclusão que se chegou quando proferida a tutela de urgência. A decisão que precisa de juízo de certeza, por outro lado, é mais estável, menos suscetível de falsas percepções. Por isso só se confere segurança, através da imutabilidade ínsita à coisa julgada, àquilo que também é seguro.
Ante o exposto, afirmar que a cognição exauriente é pressuposto da coisa julgada material significa, em uma análise valorativa, assumir a posição de que apenas aquilo que é estável pode ser coberto pela segurança jurídica trazida pelo manto da imutabilidade.
Aí está o fundamento axiológico para que as tutelas de urgência não produzam coisa julgada material.
REFERÊNCIAS
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed. Salvador: Podivm, 2008, v.1.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5 ed. Salvador: Podivm, 2010, v.2.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
WATANABE, Kazuo. Da Cognição do Processo Civil. 3 ed. São Paulo: Perfil, 2005.
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