Introdução: o Direito do espaço virtual
Primeiramente, é importante ressaltar que a questão terminológica é de extrema importância para a delimitação do próprio conteúdo do trabalho. De acordo com Ortega y Gasset, "sem o conceito, não sabemos bem onde começou e onde termina uma coisa. O conceito nos dá a forma e o sentido das coisas". Tendo isso em vista, são de extrema valia a delimitação do objeto e o estabelecimento de um marco teórico do presente artigo.
Busca-se fazer algumas digressões acerca da vinculação peculiar do direito dos contratos com o mundo cibernético, com base, especialmente, na obra de Newton de Lucca, mas com constantes acréscimos provindos de fontes doutrinárias, jurisprudenciais, bem como jornalísticas. O trabalho está estruturado em torno de cada uma das questões mais complexas relativas ao tema como a posição de fragilidade do consumidor ao contratar eletronicamente, a aplicabilidade do CDC, os meios de prova utilizados, a formação do contrato etc.
Para tratar da relação do direito dos contratos com o mundo cibernético, a doutrina pátria e estrangeira tem se utilizado de termos como direito informático, informática jurídica, juscibernética, direito do espaço virtual, cyberlaw, droit de multimédia, diritto del' internet, derecho del espacio virtual. No entanto, tais termos não são sinônimos. Por exemplo, a informática jurídica, segundo Losano, "designa qualquer forma de automação da Administração Pública ou dos procedimentos regulados pelo direito".[1]
Já Newton de Lucca, em seu interessante artigo Títulos e contratos eletrônicos: o advento da Informática e suas conseqüências para a pesquisa jurídica, demonstra que um segundo sentido de informática jurídica deveria corresponder, pelo menos em linhas gerais, ao que se convencionou chamar de Direito da internet ou Direito do espaço virtual. De fato, esse parece ser o melhor termo para sintetizar o objeto deste artigo.
Seguindo a expressão consagrada nos países de língua espanhola, "derecho del espacio virtual, e tendo em vista a origem terminológica de virtual (do latim medieval, virtualis, derivado de virtus, força ou potência), o direito do espaço virtual revela a Ciência Jurídica aplicada àquilo que tende a se atualizar sem passar pela concretização efetiva.
Três são as características desse novo ramo da Ciência Jurídica[2]:
1º) Multidisciplinariedade. A integração das áreas de conhecimento, quando se trata de contratos eletrônicos não envolve apenas os diversos ramos do Direito, mas também outros ramos da ciência, como a engenharia eletrônica.
2º) Cosmopolitanismo. Códigos deontológicos são criados por vários países e organismos internacionais, desenvolvendo e organizando a cooperação internacional, a fim de que o caráter cosmopolita da internet não seja um entrave à aplicação de normas regulamentadoras.
3º) Tecnicalidade. A utilização de conceitos técnicos é uma constante no trato desse tema. Diplomas legais de diversos países já possuem definições sobre o que vem a ser, por exemplo, documento eletrônico, assinatura digital, chave pública, criptografia assimétrica, etc.
Mas como e por que se tornou necessário o estudo dos contratos eletrônicos e informáticos? De fato, é previsível que o século em que vivemos agora será decisivo para a História da Humanidade por o computador e a internet possuírem a potencialidade de mudança das estruturas de poder atualmente vigentes. Seguindo a linha de raciocínio de Alvin Toffler, Newton de Lucca acredita que a terceira onda (além da agrícola e industrial) da sociedade humana será a da sociedade de informação.
1. A revolução digital
Enquanto na sociedade industrializada era a quantidade de trabalho investida nos produtos e serviços que servia de paradigma de valor, na sociedade digitalizada será a quantidade de informação e conhecimento que tais produtos conseguem agregar.
Arnoldo Wald, em seu artigo Um novo direito para a nova economia: os contratos eletrônicos e o código civil, ensina[3]:
A grande ruptura do terceiro milênio consiste na criação, no reconhecimento e na generalização, no mundo inteiro, da nova economia, baseada no desenvolvimento tecnológico e na competição, mas também na globalização e na desmaterialização parcial da riqueza. E esta nova concepção da economia tem reflexos em todos os aspectos da sociedade e inclusive no direito
Também Ives Gandra Martins afirma que, por a Revolução Digital ser um problema absolutamente novo para a Ciência Jurídica, pode-se asseverar que ela trará a esta última um impacto tão ou mais considerável do que aquele ocasionado pela Revolução industrial[4].
A Revolução digital silenciosa e paulatina a qual vivemos nos obriga a abandonarmos o século do papel, como o século XX é classificado por Vasseur, para adentramos em um século digital, onde pessoas se relacionam e contratam em espaços virtuais. A ainda escassa regulamentação legal sobre tais espaços acarreta uma volta a determinados padrões éticos. Segundo Davara Rodríguez[5]:
La conseqüência es que las normas, em ocasiones, sirven a intereses distintos a los que e um principio deberían servir, enontrándonos em una relacion de servidumbre com otros condicionantes que se escapam a nuestra comprension; el deterioro jurídico está serviedo haciendo buena, desgraciadamente, lá máxima, que tiempo há mantenemos, centrada em que el desarrollo tecnológico lleva aparejado un deterioro jurídico y, desde esta perspectiva, apoyamos con fuerza un acercamiento a la ética como tabla de salvacion, o, mejor dicho, uma vuelra a la ética como horizonte y guia de comportamiento.
A insegurança jurídica presente nos contratos eletrônicos e informáticos, especialmente em torno de questões complexas a serem tratadas no trabalho, faz que antigos valores das relações interpessoais romanas, como a honradez, a moral, a ética e a importância da declaração de vontade, ganhem especial destaque.
Isso é uma mudança paradigmática significativa já que a vinculação de um contrato a instrumentos físicos, como documentos, começou a ganhar muita relevância em 1804 com o Código Napoleão que pretendia tudo compreender e tudo regular. Buscava-se deixar o mínimo de espaço à atuação hermenêutica dos juízes para que os ideais revolucionários fossem mantidos. Segundo Ronaldo Poletti[6]:
O direito nacional junto da vontade geral do povo, revelada pelos seus representantes, que falam em nome da nação, positivou-se em normas legais e, desde lodo, gerou o embaraço na sua aplicação.
O código deveria compreender tudo. As omissões no ordenamento não são idealmente existentes e qualquer interpretação, por sua vez, acarretaria uma intervenção não permitida na vontade geral revelada na lei. Sabemos da desconfiança dos revolucionários franceses em face dos juízes, que eram vistos como parte do antigo regime.
De fato, a idéia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente suas condições em situação de igualdade e que se vinculam estritamente a um documento físico, deve-se aos conceitos traçados nos Códigos francês e alemão. Entretanto, como bem reconhece Carlos Roberto Gonçalves, essa espécie de contrato, essencialmente privado e paritário, representa hodiernamente uma pequena parcela do mundo negocial[7].
2. O retorno da relevância de antigas condições das relações interpessoais
Hoje em dia, grande parte dos contratos é celebrada com pessoas jurídicas e com o Estado em espaços virtuais ainda sombrios e com pouca regulamentação. Essa insegurança jurídica ainda presente no campo dos contratos eletrônicos faz com que a confiança na parte com quem se contrata seja fundamental.
Segundo pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo em 23 de agosto de 2012, as informações veiculadas nas redes sociais influenciam as decisões de compra (seja online ou não) de 48,64% dos internautas[8]. De fato, é um mercado que não pode deixar de ser considerado por qualquer empresa. Conscientes disso, grandes empresas prezam mais do que nunca pelo zelo à sua marca.
Recentemente, a título exemplificativo, houve rumores de que a Foxconn Technology, a maior sociedade empresária terceirizada do mundo, que fornece produtos eletrônicos à Apple, utilizava-se de trabalho escravo em suas instalações na China. O temor de que tais relatos gerassem uma desconfiança dos consumidores em relação à Apple fez com que até mesmo o presidente da multinacional., Tim Cook, visitasse o país oriental. Segundo o jornal New York Times[9]:
Foxconn, with 1.2 million Chinese employees, is one of China’s largest employers. It assembles an estimated 40 percent of the smartphones, computers and other electronic gadgets sold around the world. […]
In recent weeks, labor rights groups have staged coordinated protests in various countries after reports that some of Apple’s Chinese suppliers operate harsh, abusive and dangerous facilities. To stem criticism, Apple hired a nonprofit labor group to inspect the plants it uses. […]
And worried that the old model is dying, Foxconn has announced plans to invest in millions of robots and automate aspects of production.
Essa busca por aquisição de confiança em torno do nome da empresa com que se contrata no mundo virtual é oriunda da consciência disseminada de que, tal como fruto de um processo de globalização, a interligação de pessoas em todo o mundo por meio da rede de computadores não é garantia de contribuição para felicidade coletiva e tampouco o Direito fornece respostas uníssonas em torno de complexas questões. No entanto, como bem explica o Professor Paulo Lopo Saraiva, "o direito tem a função essencial de humanizar o processo globalizante, mantendo o valor humano acima de qualquer outro valor. A defesa, neste passo, do princípio da dignidade da pessoa humana, é decisiva."[10]
3. A informática jurídica
Segundo Losano, a história da informática jurídica, ou direito do mundo virtual, como se prefere chamar, está estritamente ligada à evolução tecnológica da informática e a difusão dos computadores eletrônicos na sociedade civil após a segunda guerra mundial, sendo paradigmático o Congresso Mundial de Juízes, realizado em Genebra em 1967. Em interessante artigo denominado A informática jurídica vinte anos depois, o autor mencionado explica que[11]:
Nos anos 60 a informática jurídica atravessa o Atlântico e inicia seu desenvolvimento autônomo na Europa pela atuação não de informáticos, mas de juristas. [...]
A única exceção parece ter sido Hebert Fiedler, na Alemanha, com doutorado tanto em matemática quanto em direito. Talvez essa origem 'amadorística' contribua para explicar a ruptura em numerosas carreiras de juristas informáticos por volta da metade dos anos 70.
No que tange à informática jurídica, Newton de Lucca diferencia os contratos informáticos, ou seja, aqueles que têm por objeto bens e/ou serviços de relacionados à ciência da computação, daqueles que se formaram mediante a utilização da informática como meio de comunicação ou de expressão da vontade, que correspondem aos contratos telemáticos ou eletrônicos[12]. Primeiramente, vamos analisar algumas questões sobre contratos informáticos, para depois entrarmos a fundo no principal objeto de nosso trabalho: os contratos eletrônicos.
3.1. Contratos informáticos
É importante ressaltar que contratos informáticos não representam uma nova categoria do ponto de vista da Teoria Geral dos Contratos. Não possuem, portanto, princípios jurídicos próprios. Não obstante a isso, diversas especificidades são identificadas ao tratarmos com instrumentos contratuais com objetos eletrônicos. Diante disso, muitas vezes, o subsídio da teoria geral dos contratos se mostra insuficiente em face das especificidades desses instrumentos.
A disparidade entre fornecedor e consumidor certamente é uma dessas particularidades. O desconhecimento da informática, a complexidade das relações contratuais e a posição dominante de empresas multinacionais muito freqüentemente levam a inclusão de cláusulas abusivas em contratos de adesão, corriqueiramente utilizados.
Scott, em Computer Law, citado por Newton de Lucca, reconhece ao menos quatro particularidades responsáveis por isso: a maior experiência e pela utilização de contratos de adesão pelo fornecedor; a linguagem técnica; a complexidade do sistema informático; e a continuidade da relação adquirente/fornecedor enquanto o primeiro se utiliza do sistema[13].
Assim, nas relações de consumo, assume extraordinária importância o código de defesa do consumidor. Não obstante a isso, não se pode concluir que, em todas as situações, a teoria do resultado será aplicada às obrigações do fornecedor, já que tal conduta conduziria a uma desproporcional transferência de responsabilidades.
A fragilidade do consumidor no mundo da contratação informática também é gerada devido ao mercado de produtos eletrônicos possuir características monopolísticas. Umas dessas características é a existência de grandes barreiras estruturais de entrada neste mercado:
As barreiras estruturais decorrem das características dos mercados: [...] (ii) vantagens absolutas de custos: custos inferiores, resultantes por exemplo da experiência de estar no mercado há mais tempo, ou de se utilizar uma tecnologia mais eficiente ou de se ter acesso a preços dos factores produtivos mais baixos, permite ao monopolista baixar o preço e ganhar guerras de preço; (iii) patentes e concessões: trata-se de uma protecção legal para uso exclusivo do produto que a empresa desenvolveu, permitindo a recuperação dos investimentos assumidos e fomentando a inovação (exemplo: indústria farmacêutica); (iv) diferenciação: quando o produto é diferenciado, a existência de muitas empresas pode tornar os custos não suportáveis; (v) restrições do comércio internacional: é o caso de tarifas e quotas protectoras de mercados internos.[14]
Além disso, para comprar um equipamento informático autônomo, muitas vezes, o consumidor pode enfrentar problemas de uma contratação complexa, já que existem diversos fornecedores envolvidos e o instrumento contratual não determina exatamente as várias obrigações assumidas pelas diferentes partes.
Por isso, é de extrema importância distinguir o equipamento informático, que engloba a unidade central de processamento e os aparelhos periféricos, do sistema operativo que o faz funcionar, ou seja, programas de computador e aplicativos. Em algumas situações, tais sistemas operativos são tão indissociáveis da máquina, que são considerados parte integrante do próprio equipamento. Isso quer dizer, segundo José Carlos Moreira Alves, que são acessórios que se incorporam a uma coisa composta, completando-a e tornando possível o seu uso. Muito embora mantenham suas identidades, o bem principal sem as partes integrantes não está completo e não serve para seu uso normal[15].
Discussões sobre partes integrantes comumente estão em torno da natureza dos programas de computação. E, assim, vem à tona outra questão obscura acerca dos contratos informáticos: a localização da proteção aos programas de computação dentro do direito industrial ou do direito autoral.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a comercialização dos programas de computador conhecidos como softwares tem por objetivo a transmissão de um conjunto organizado de instruções indispensáveis ao tratamento eletrônico de informações, em linguagem natural ou codificada.
No Brasil, a lei 7.646 de 18 de dezembro de 1987 foi a primeira a regular problemas relativos aos programas de computador que, embora possuindo diversas particularidades por serem crimes informáticos, deveriam ser tratados segundo o regime jurídico do direito do autor (Lei 9.279, de 14 de maio de 1996). Posteriormente, a Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regulou a propriedade industrial, excluiu expressamente de sua tutela os programas de computador devido a sua impossibilidade de patenteamento. Também os programas de computador foram excluídos da Lei nº. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, de proteção ao direito autoral, que dispõe que "os programas de computador são objeto de legislação especifica, observadas as disposições desta Lei que lhe sejam aplicáveis".
Semelhantemente à Lei nº. 9.279/1996, a atual lei da informática, Lei nº. 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, entende pelo não patenteamento dos softwares:
Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
Apesar de o programa de computador não ser muito bem classificado como uma obra artística, científica ou literária, a proteção a tais programas envolve dois pontos fundamentais dos direito autorais: o direito moral e patrimonial do autor sobre sua obra e o interesse da coletividade em desfrutá-la.
O direito autoral tutela apenas a forma de exteriorização da idéia, não impedindo obra semelhante, "quando se der por forca das características funcionais de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de limitação de forma alternativa para a sua expressão" (Lei n. 9.609, art. 6º, III). Já a proteção concedida ao inventor é mais ampla, uma vez que alcança a idéia inventiva, excluindo a possibilidade de terceiro fazer uso de trabalho semelhante, embora original.
Assim, o criador do software, ainda segundo Carlos Roberto Gonçalves, tem a prerrogativa de impedir a comercialização por terceiros de programa com idêntica forma, desde o momento em que se torna público (Lei n. 9.609/98, art. 14). A prática da "pirataria", consistente na "reprodução por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente", é considerada infração penal, punida com pena de reclusão por representar conduta lesiva aos direitos do autor.[16]
Já acerca das unidades físicas componentes de um computador, não há dúvidas de que estas estão sujeitas à tutela do direito industrial. Estas unidades são objetos que não acarretam muitas peculiaridades específicas a um contrato.
Não obstante à ausência de peculiaridades quanto aos contratos informáticos que envolvem unidades físicas do computador, o alargamento do dever do fornecedor em agir com lealdade e boa-fé é evidenciado. Assim, devido à complexidade das informações sobre bens informáticos, o fornecedor deve identificar as reais necessidades do consumidor, orientando-o quanto ao equipamento mais adequado.
A esses deveres, as cláusulas contratuais de garantia e a limitação da responsabilidade do fornecedor diversas vezes atentam aos direitos do adquirente. De modo geral, a cláusula de garantia limita-se ao bom funcionamento do equipamento, negando relevância a eventuais acordos firmados entre as partes e que não figuraram no instrumento contratual.
Assim, quando a relação é de consumo, o Código de Defesa do Consumidor assume especial relevo. No âmbito do CDC, a noção jurídica da oferta não guarda correspondência com o instituto da proposta do Código Comercial. Também o CDC, quando aplicável, impede as cláusulas de limitação da responsabilidade:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
[...]
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis
Apesar da ausência de especificidades substanciais em torno dos contratos com objetos informáticos de modo geral, há alguns desses contratos que merecem especial atenção. Por exemplo, o contrato de escrow pode ser considerado um contrato de serviços informáticos atípico pelo fato de possuir uma natureza complexa, tendo como pressuposto para sua celebração a existência de um depósito prévio por parte da empresa titular dos direitos de propriedade intelectual sobre o programa.
Em tais contratos, um terceiro, que seria como um agente fiduciário, guarda o código-fonte, devendo ele, devolve-lo à empresa de informática depois do cumprimento de diversas condições ou entregar ao usuário, nas hipóteses em que a empresa fornecedora deixa de prestar ao usuário a assistência técnica pertinente.
Esses contratos são similares aos contratos de depósito, disciplinados pelos artigos 627 a 652 do Código Civil. No entanto, uma diferença substancial é a existência da figura de um terceiro depositário que assegura a satisfação dos interesses do usuário do programa cedido e a empresa titular dos direitos de propriedade intelectual sobre esse programa (com o interesse de que o código-fonte não seja usado indevidamente). Sendo assim, conclui-se que uma aproximação muito mais pertinente seria desses contratos com aqueles de compra e venda sujeitos a uma condição suspensiva.
Outro tipo de contrato que merece especial atenção é o leasing. Sendo verificável a rápida evolução da tecnologia, que gera uma obsolescência constate dos equipamentos informáticos, a opção pelo leasing tornou-se mais atrativa aos empresários do que a compra e venda ou a locação. Assim, grandes empresários não precisam investir grandes montantes para instalar um novo sistema de computação e, por outro lado, tem a possibilidade de renovar seus equipamentos sem grandes custos.
No entanto, os contratos que apresentam maior expressão econômica hodiernamente são os que tem por objeto programas de computador e não equipamentos informáticos. O tipo de contrato mais difundido em torno de programas de computador são os de licença para uso, cuja inexistência, contudo, poderá ser suprida pelo documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia (art. 9º, parágrafo único da Lei 9.609/98). Nesses contratos, o titular de direitos de exploração do programa autoriza sua utilização por parte de outra pessoa, conservando para si a propriedade. Como já sustentado, estando o programa de computador regido pelo direito autoral, a cessão desse direito se encontra disciplinado pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Um programa de computador também pode ser objeto de contrato entre empresários (cessão ou licença de direitos autorias ou, ainda, transferência de tecnologia) ou entre o titular dos direitos de comercialização e o usuário. O usuário de programa de computador, que o tenha adquirido em uma relação de consumo, pode invocar, para a tutela dos seus interesses, não somente a Lei n. 9.609/98, como também as normas do Código de Defesa do Consumidor.
Uma dúvida persiste acerca da possibilidade de os softwares, diferentemente dos equipamentos de informática, serem objetos de leasing. Segundo Arnoldo Wald, leasing é um contrato pelo qual uma empresa, desejando utilizar determinado equipamento ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato.[17]
A dúvida sobre os softwares como objetos de leasing existe porque eles sendo bens incorpóreos e de difícil estimativa monetária ao final do contrato. Não obstante a essas características, é plenamente possível o leasing sobre direitos de exploração ou licença de uso de um software útil. Da mesma forma, entende-se como exeqüível um contrato de leasing que tenha por objeto um software específico, já que esses podem ser vendidos ou locados.
Por sinal, nos contratos envolvendo softwares específicos, feitos sob encomenda para satisfazer determinada demanda, as obrigações de resultado devem prevalecer. Caso não exista outra estipulação em contrário, os direitos autorais pertencerão ao criador do programa, em relação às obras nele contidas, e ao encomendante, com relação ao software em si.
O que importa em relação aos programas de computador é que, em muitos casos, eles estarão coligados à aquisição dos equipamentos informáticos. No dizer de Almeida Costa, contratos coligados são os que se encontram ligados por um nexo funcional, podendo essa dependência ser bilateral, unilateral ou alternativa. Ou seja, são contratos ligados por uma cláusula acessória, implícita ou explícita.[18]
Assim, é comum que junto à aquisição de um equipamento de informática seja acompanhada de outros contratos, tais como os de manutenção, de assistência técnica, de aquisições de programas, de licença de uso de programas etc. Trata-se de vários contratos que se acham interligados por uma única operação econômica complexa. E também devido a isso, o consumidor, que não é um especialista em informática, encontra-se em situação jurídica vulnerável.
Os contratos de manutenção e assistência técnica, quase sempre presentes em tais operações econômicas, são contratos de serviço de computação. Da mesma forma como os contratos de elaboração de bases de dados, de outsourcing e de firewalls. Tais como os contratos de elaboração de softwares, estes contratos constituem obrigações de fazer, vinculadas a determinado resultado, vide aqueles que possuem como objetos firewalls contra hackers.
Devido a atuação desses agentes infratores, os contratos de serviços informáticos de segurança eletrônica ganham cada vez maior relevância e diferem substancialmente dos contratos de serviços em geral, por estarem vinculados ao resultado de proteção. Os contratos de firewall mitigam, portanto, até mesmo o art. 14, § 3º, inciso II do CDC, pela sua própria razão de ser:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[...]
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Tais contratos ganham cada vez mais relevância devido à insegurança por parte dos consumidores na internet. Segundo pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo em 23 de agosto de 2012, entre as razões para não aderir ao e-commerce, o receio de fraudes é o que influencia a maior parte da população, 61,04%. Medo que se disseminou ao longo do ultimo ano, já que, em 2011, ele atingia 52,69% dos paulistanos[19]. Realmente, de acordo com Hugo Bacelar:
A confiança na celebração dos contratos decorre diretamente do ambiente de realização. Os contratantes consideram-se seguros nas contratações presencial em razão do sistema de valores e que foi gradativamente construído durante os séculos de desenvolvimento do capitalismo mercantil e, posteriormente, do consumerismo[20].
Como se vê, a insegurança por parte do consumidor é, certamente, um dos maiores entraves à maior difusão dos contratos eletrônicos. Como atenuá-la é questão controvertida e desafiadora, como será demonstrado no próximo tópico.
3. Os contratos eletrônicos
Verificadas algumas especificidades dos contratos informáticos (aqueles com objeto informático), passa-se à análise dos contratos telemáticos, que têm o computador e uma rede de comunicação como suportes básicos para suas celebrações. Com exceção das hipóteses legalmente previstas, que exigem forma solene para que o ato jurídico produza efeitos, não há norma jurídica no ordenamento brasileiro que proíba tais contratos. Não obstante a isso, o direito brasileiro não continha, até bem pouco tempo, nenhuma norma especifica sobre o comércio eletrônico.
Por isso, ainda que tardiamente, Medida provisória n. 2.200, de 28 de junho de 2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira disciplinou a questão da integralidade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos. Segundo Semy Glanz, o contrato eletrônico[21]:
[...] dispensa assinatura codificada ou senha. A segurnaca de tais contraos vem sendo desenvolvida por processos de codificação secreta, chamados de criptologia ou encriptacao, Tal métoso vem sendo aperfeiçoado, porque foi verificado que certos técnicos, mal intencionados, chamados em inglês de hackers ou crackers, conseguem descobrir as senhas e penetrar nas conas ou nas operações secretas , inclusive transferindo dinheiro das operações bancarias
Como ressaltado, a insegurança contratual ainda presente no mundo digital desestimula o comércio eletrônico e é o primeiro aspecto que merece ser tratado. Neste ano de 2012, cresceu o número de internautas que já foi vítima de algum crime eletrônico. Segundo a pesquisa da Fecomércio/SP, hoje, este total é de 12,76% ante 8,48% registrados no ano anterior, sendo que após ter sido vítima de um crime eletrônico, 27,34% dos internautas não voltam a realizar compras pela internet.
Nesse ponto, é pertinente os ensinamentos de Patrícia Peck Pinheiro:
O maior estimulo aos crimes virtuais é dado pela crença de que o meio digital é um ambiente marginal, um submundo em que a ilegalidade impera. Essa postura existe porque a sociedade não sente que o meio é suficientemente vigiado e que seus criems são adequadamente punidos. O conjunto norm-sancao é tão necessário no mundo digital quanto no real. Se houver essa falta de credito na capacidade punitiva da sociedade digital, os crimes aumentarão e os negócios virtuais serão desestimulados[22].
Consciente dessa possível caracterização de terra sem lei, atribuída ao mundo digital, o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no habeas corpus 76689/PB, envolvendo crimes de computador, é extrema valia à segurança jurídica na internet, ao estabelecer que não se trata de analogia ao subsumir condutas na internet a tipos penais, ainda que estes não prevejam tais comportamentos expressamente: "o meio técnico empregado para realizá-la (a conduta típica) pode até ser posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio".
Não obstante à tentativa de imposição da lei aos domínios eletrônicos, até mesmo grandes potências como os Estados Unidos da América, que possuem rígida regulamentação da internet, estão vulneráveis aos ataques de hackers. O jornal Washington Post, em reportagem publicada em 12 de fevereiro de 2012, afirma que[23]:
In a recent briefing to Congress about worldwide threats, FBI Director Robert S. Mueller III said that the danger of cyberattacks will equal or surpass the danger of terrorism “in the foreseeable future.” What makes that assessment particularly alarming is that the United States may be as unprepared to defend some of its critical computer systems as it was to protect New York and Washington against al-Qaeda before Sept. 11, 2001.
Though the Pentagon has a cybercommand, it does not cover the domestic civilian economy, including vital infrastructure systems such as the electric power grid, water supplies and the financial system. Many of the computers controlling those utilities lack adequate security measures and could be devastated by viruses launched by hostile states or even hackers. As it is, U.S. companies, from defense contractors such as Lockheed Martin to e-mail carriers such as Google, are under continual assault from China and Russia, which seek to steal industrial or national security secrets and probe for infrastructure weaknesses.
Além disso, outra questão que gera discussão pela doutrina e jurisprudência brasileiras quanto aos contratos eletrônicos é a relativa aos princípios e regras gerais que aplicáveis aos contratos celebrados. No entanto, o contrato de consumo eletrônico internacional obedece ao disposto no art. 9º, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que determina a aplicação, à hipótese, da lei do domicilio do proponente.
Sendo assim, ensina Carlos Roberto Gonçalves, malgrado o Código de Defesa do Consumidor brasileiro (art. 51, I), por exemplo, considerar abusiva e não admitir a validade de clausula que reduza, por qualquer modo, os direitos do consumidor (cláusula de não indenizar), o internauta brasileiro pode ter dado sua adesão a uma proposta de empresa ou comerciante estrangeiro domiciliado em pais cuja legislação admita tal espécie de clausula. Da mesma forma, o fornecedor brasileiro que anunciar no comércio virtual deverá atentar para as normas do nosso CDC, especialmente quanto aos requisitos da oferta.
De fato, outra especificidade dos contratos eletrônicos é em torno da oferta. Muito embora Maria Helena Diniz considere que as ofertas nas homepages seguem as normas dos artigos 427 e 428 do Código Civil, o grau variável de instantaneidade da interlocução entre os proponentes gera dúvidas relativas à classificação dos sujeitos como presentes ou ausentes.
O Código Civil, em harmonia com o artigo art. 9º, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, já citado, determina eu o direito aplicável aos contratos em geral é aquele do lugar de onde emanou a proposta. No entanto, o CDC expressamente garante ao consumidor o direito de promover quaisquer ações fundadas na responsabilidade do fornecedor perante o foro de seu próprio domicilio.
Permitir que uma corte brasileira aplique o direito estrangeiro certamente seria problemático à segurança jurídica. Por outro lado, a aplicação do direito brasileiro não seria consistente em vista que para ser acatada por outros países, essa decisão precisaria ser homologada, obrigando o consumidor a promover outra ação no exterior.
Surgem, assim, segundo Ronaldo Lemos da Silva Junior, os chamados mecanismos alternativos de resolução de disputas, que são fóruns criados especificamente para a resolução de problemas envolvendo os contratos eletrônicos. É até mesmo previsível que, em um futuro próximo, todos os sites de e-commerce tenham algum órgão de resolução de disputas[24]. Enquanto isso não ocorre, o consumidor brasileiro poderá ajuizar a ação no exterior ou no Brasil, com respaldo da Constituição Federal (art. 5º inciso XXXII), da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (art. 9º § 2º), CPC (art. 88, inciso II) e CDC (art. 101, inciso I).
Outro ponto duvidoso sobre os contratos eletrônicos é se eles deveriam ser considerados realizados entre presentes ou entre ausentes, com base na tradição doutrinária temporal brasileira ou segundo a compreensão espacial prevalecente na União Européia.
Não obstante a isso, a leitura do artigo 434 do Código Civil de 2002 demonstra que a real preocupação do legislador era fixar o momento em que se aperfeiçoava o vínculo contratual, porque somente a parir dele é que os efeitos jurídicos começavam a ser gerados:
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.
Assim, Silvio Venosa e Maristela Basso semelhantemente determinam três espécies de formação contratual: i) instantânea, em que o intervalo entre oferta e aceitação pode ser desconsiderado; ii) ex intervallo, em que existe um intervalo considerável entre a oferta e aceitação; e iii) ex intervallo temporis, em eu há troca de contrapropostas entre as partes.
A dúvida emerge quando, em razão da ausência física do oblato, se passa um tempo mais ou menos prolongado entre a manifestação de vontade do aceitante e o conhecimento dela por parte do proponente, ou seja, tal como ocorre nas espécies ex intervallo e ex intervallo temporis. Essa não determinação do momento exato do instante em que ocorre o acordo de vontades ocorre também nos contratos celebrados por correspondência epistolar, telegráfica ou radiográfica.
Ensina Newton de Lucca que, não obstante a toda essa discussão, a determinação do exato instante em que se dá a conjugação de vontades, tão relevante no âmbito das relações civis e comerciais, não apresenta a mesma conseqüência no plano das relações de consumo, até porque as manifestações de vontade assumem cada vez mais as características das feitas em tempo real. Ademais, o referido autor cita Ricardo Luis Lorenzetti[25]:
A possibilidade de fixar-se uma regra geral que qualifiue os contratos eletrônicos como presentes ou ausentes é estéril, porque se as leis não o fizeram para a economia real, tampouco será possível para o ambito virtual. Os códigos fixaram critérios gerais para decidir quando há um contrato entre presentes e como se soluciona o problema, mas não o tipificaram; tampouco será possível fazelo no ambito virtual já que não há uma tipicidade especifica denominada "contratos eletrônicos entre ausentes"
A vinculação da oferta perante os consumidores se torna uma questão complexa em vista dos vários momentos da fase pré-contratual, que interessam ao Direito do Consumidor. Dentre as diversas manifestações virtuais de vontade negocial dos fornecedores, pode-se citar aquelas feitas através de sites, links, e-mails, spams, etc. E, de fato, tais manifestações de vontade são mais que convites públicos à oferta, podendo ser classificadas como verdadeiras ofertas nos termos do artigo 30 do CDC:
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Enfim, sendo caracterizada a relação de consumo (relação fornecedor/consumidor), não há porque deixar de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor nos contratos telemáticos, muito embora esta legislação não seja suficiente e plenamente compatível, como vem sendo demonstrado ao longo desse trabalho. Dessa forma, outra dúvida em relação aos contratos eletrônicos é a quanto a possibilidade do direito de arrependimento.
Em face da virtualidade do ambiente, em que se contrata, muito se discute se a aquisição feita pela internet deve ser considerada fora do estabelecimento comercial do fornecedor ou não, em vista ao artigo 49 do CDC:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
A posição dominante da doutrina é a favor da aplicabilidade do artigo supracitado aos contratos eletrônicos, em vista da possibilidade de não-correspondência do produto adquirido pela internet às reais expectativas do consumidor.
Por fim, podemos citar o problema da privacidade como outro aspecto nebuloso e problemático da internet e dos contratos eletrônicos. Tal questão foi encarada recentemente pelo STJ:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.168.547 - RJ (2007/0252908-3)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR.
1. A evolução dos sistemas relacionados à informática proporciona a internacionalização das relações humanas, relativiza as distâncias geográficas e enseja múltiplas e instantâneas interações entre indivíduos.
2. Entretanto, a intangibilidade e mobilidade das informações armazenadas e transmitidas na rede mundial de computadores, a fugacidade e instantaneidade com que as conexões são estabelecidas e encerradas, a possibilidade de não exposição física o usuário, o alcance global da rede, constituem-se em algumas eculiaridades inerentes a esta nova tecnologia, abrindo ensejo à prática e possíveis condutas indevidas.
3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais,em um ambiente até o momento desprovido de egulamentação estatal. A origem da internet , além de seu osterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com aracterísticas de auto-regulação, pois os padrões e as regras do istema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de ntidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente.
10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem. [...] (grifo nosso)
De fato, a privacidade do usuário da internet é alvo de atques constantes na internet. Algumas empresas inclusive se especializaram na captação de dados do consumidor, enquanto estes navegam pela rede. A ausência de previsão legal em relação a esses dados (cookies) certamente deixa a privacidade do consumidor em estado de vulnerabilidade. Muito válida, portanto, a Portaria nº. 5 de 27 de agosto de 2002, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que complementou o elenco de clausulas abusivas do artigo 51 do CDC:
Art. 1º Considerar abusiva, nos contratos de fornecimento de produtos e serviços, a cláusula que:
I - autorize o envio do nome do consumidor, e/ou seus garantes, a bancos de dados e cadastros de consumidores, sem comprovada notificação prévia;
II - imponha ao consumidor, nos contratos de adesão, a obrigação de manifestar-se contra a transferência, onerosa ou não, para terceiros, dos dados cadastrais confiados ao fornecedor;
III - autorize o fornecedor a investigar a vida privada do consumidor;
Por fim, concluindo a análise da lista não exaustiva de pontos problemáticos em torno dos contratos eletrônicos, deve-se ser examinada a questão relativa à autenticidade dos documentos. De fato, esse é um dos principais empecilhos ao comércio eletrônico, por serem provas extremamente relevantes em litígios envolvendo tais contratos.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, para a validade jurídica dos documentos digitais é necessário eu sejam devidamente assinados virtualmente, por meio de diferentes tipos de processos técnicos como: código-secreto, assinatura digitalizada, assinatura criptográfica, com chave pública ou privada etc. Sendo assim, a doutrina em face do elevado grau de certeza jurídica da assinatura digital, tem preconizado a sua equiparação ao escrito original, ainda que não exista lei específica ou complementar. Também a jurisprudência tem se posicionado desta forma:
INVENTÁRIO – Certidão negativa quanto à dívida ativa da União, obtida por meio da internet. Não aceitação, com ordem de juntada de outra, fornecida pela Secretaria da Receita Federal. Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que concede a esse documento os mesmos efeitos da certidão negativa comum. Aplicação do disposto na Lei Federal nº 9.800/1999. Recurso a que se dá provimento. (TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 139.645-4, Relator Luís de Macedo, julgado em 16/11/1999)
Conclusão
Em vista do crescimento exponencial do uso de contratos eletrônicos na sociedade hodierna, de economia massificada, verifica-se a importância do estudo de tais instrumentos jurídicos. Ao término desse trabalho, pode-se identificar o verdadeiro conceito de contratos eletrônicos, que são, nos dizeres de Hugo Leonardo Duque Bacelar[26]:
[...] instrumentos obrigacionais de formação e veiculação por intermédio de meio digital, consubstanciando-se em todo acordo de vontades, transmitidas por signos eletrônicos pela Internet, que permitam a modificação, criação ou extinção de deveres e obrigações jurídicas, não sendo necessária a existência de qualquer suporte físico ao negócio jurídico.
No entanto, preliminarmente, foi estabelecido o objeto do presente estudo. Foram feitas digressões sobre o direito do espaço virtual, como a internet trouxe novos horizontes ao estudo do direito e questões relativas a contratos informáticos, ou seja, aqueles eu envolvem bens e serviços de computação.
Feitas essas pontuações, chegou-se ao objeto principal foco do trabalho, que são os contratos eletrônicos. Assim, foi defendido que os contratos eletrônicos são espécie do gênero contratos, sendo aplicáveis as normas gerais de contratação do Direito Civil, como aquelas que requerem objeto lícito, agente capaz e forma prescrita ou não defesa pela lei para a contratação. Dessa forma, o contrato eletrônico é totalmente compatível com o Direito Civil porque a simples declaração volitiva estabelece o liame obrigacional entre os contratantes, gerando efeitos jurídicos independentemente de forma. Também em relação a vícios de vontade, aplica-se a nulidade ou nulidade relativa a estes contratos, negando-lhes eficácia plena.
Não obstante à aplicabilidade geral do Código Civil aos contratos eletrônicos, existem diversas especificidades do mundo virtual, que devem ser atentadas. Primeiramente, a declaração de vontade das partes é produzida ou transmitida por meio eletrônico, o que gera diversas questões acerca das propostas e das etapas de formação e aperfeiçoamento dos contratos. Isso porque nem toda contratação eletrônica deve ser entendida como presentes, por conseguinte, ocasionalmente devem ser aplicados à produção de efeitos da oferta e da aceitação dispositivos concernentes à celebração de negócios jurídicos, entre presentes e ausentes.
Também foi estudada a questão da segurança nas contratações, em vista do fato de o meio eletrônico não fornecer aos contratantes a confiança inerente às contratações presenciais de fato. Expuseram-se os principais aspectos referentes à proteção dos interesses das partes envolvidas, analisando a autenticidade dos documentos e a privacidade das partes.
Tratando-se de relações de consumo, a incidência do Código de Defesa do Consumidor e da Medida Provisória 2.200, transformada na Lei da Assinatura Eletrônica e Certificação Digital, é inafastável, já a certificação digital e a assinatura eletrônica foram previstas legalmente. Não obstante a isso, peculiaridades como a formação e a realização do contrato, a segurança das operações e seus efeitos jurídicos, visando à efetiva proteção do contratante do meio eletrônico, são problemáticas. Isso porque não restaram dúvidas de que a prova dos elementos da contratação eletrônica são fluidas e em alguma medida manipuláveis.
Defendeu-se o dever de informação do fornecedor e o direito de arrependimento do consumidor, já que o meio digital impede o oblato total do conhecimento e vistoria do objeto do contrato. Além disso, a boa-fé objetiva assume especial relevo, visando suprimir possíveis espaços causados pela inovação tecnológica e a ausência de regulamentação específica.
Conclui-se, assim, que a legislação vigente apresenta-se quase plenamente aplicável, possibilitando a declaração de nulidade contratual, a revisão judicial dos contratos celebrados em meio eletrônico e a tutela estatal na proteção da dignidade humana, sobretudo, do consumidor, que em relações de consumo virtuais se encontra manifestamente em posição ainda mais vulnerável.
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[1] In LUCCA, Newton de. Títulos e contratos eletrônicos: o advento da informática e suas conseqüências para a pesquisa jurídica. In: _____; SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & internet – aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 4
[2] LUCCA, Newton de. Títulos e contratos eletrônicos: o advento da informática e suas conseqüências para a pesquisa jurídica. In: _____; SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & internet – aspectos jurídicos relevantes. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 56
[3] WALD, Arnoldo. Um novo direito para a nova economia: os contratos eletrônicos e o Código Civil. In GRECO, Marco Aurélio & MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenadores), Direito e Internet – Relações jurídicas na sociedade informatizada, São Paulo : RT, 2001. p. 9.
[4] GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direito e Internet: Relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 71.
[5] RODRÍGUEZ, Davara. La liberalización del mercado de las telecomunicaciones: una perspectiva desde la ética. In As telecomunicacoes e o direito na sociedade da informação, p. 179.
[6] POLETTI, Ronaldo. Introdução ao direito. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 204
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. São Paulo: Saraiva, p. 24.
[8] Disponível em http://www.fecomercio.com.br/?option=com_institucional&view=interna&Itemid=-12&id=5612. Último acesso em 18.09.2012, às 21h42.
[9] Disponível em http://www.nytimes.com/2012/02/20/technology/pressures-drive-change-at-chinas-electronics-giant-foxconn.html?_r=0. Último acesso em 18.09.2012, às 21h15.
[10] SARAIVA, Paulo Lopo. Direito, política e justiça na contemporaneidade, p. 113. Apud. DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 138.
[11] LOSANO, Mario Giuseppe. Informática jurídica vinte anos depois. RT, v. 715, fascículo I - Cível, maio 1995. Apud DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 10
[12] DE LUCCA, Newton. Aspectos jurídicos da contratação informática e telemática. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 19.
[13] SCOTT, M.D. Computer Law. New York, Wiley Law Publications: 1987.
[14] Cartilha da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (Portugal). http://www.fep.up.pt/ disciplinas/lge108/slides/slides3.pdf. Último acesso em 15.09.2012, às 12h45.
[15] MOREIRA ALVES, José Carlos. A parte geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. p. 42.
[16] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. São Paulo: Saraiva, p. 715.
[17] WALD, Arnoldo. Introdução ao leasing no Brasil. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 415/10. p. 15.
[18] ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 9.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.257/258.
[19] Disponível em http://www.fecomercio.com.br/?option=com_institucional&view=interna&Itemid=-12&id=5612. Último acesso em 18.09.2012, às 21h42.
[20] BACELAR, Hugo Leonardo Duque. A proteção contratual e os contratos eletrônicos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 46.
[21] GLANZ, Semy. Internet e o contrato eletrônico. RT, 757/70. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. São Paulo: Saraiva, p. 704.
[22] PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 256
[23] Disponível em http://www.washingtonpost.com/opinions/a-cyber-risk-to-the-us/2012/02/07/gIQA4q7-M9Q_story.html. Último acesso em 18.09.2012, às 22h41.
[24] SILVA JUNIOR, Ronaldo Lemos da; WAISBERG, Ivo (org.). Perspectivas da regulamentação da Internet no Brasil - uma análise social e de direito comparado. Comércio eletrônico. São Paulo: RT, 2001. p. 159/161.
[25] LORENZETTI, Ricardo L. Contratos “Eletrônicos”. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (coord.). Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. Vol II. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
[26] BACELAR, Hugo Leonardo Duque. A proteção contratual e os contratos eletrônicos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 81.
Graduando pela Universidade de Brasília. 6º semestre. Estagiário da Procuradoria da República no Distrito Federal - MPF. Ex-estagiário da Procuradoria Federal (AGU) especializada junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Ex-colaborador voluntário da Defensoria Pública do Distrito Federal. 3º lugar geral do ENEM no Distrito Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, André Molinar. Aspectos relevantes e controversos sobre a contratação informática e eletrônica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2013, 14:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33610/aspectos-relevantes-e-controversos-sobre-a-contratacao-informatica-e-eletronica. Acesso em: 22 nov 2024.
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