O presente artigo terá por escopo o estudo do princípio federativo, sendo que estampado na Constituição de 88, em seus arts. 1º e 18, enuncia um princípio fundamental estruturante da República elevado a condição de cláusula pétrea pelo art. 60, §4º, I, da Carta Maior.
Sob esse panorama, então, será necessária a análise de conceitos, características, aspectos constitucionais, estrutura histórica e a co-relação com outros temas afins, tudo no intuito de obter critérios seguros para se desvendar o âmbito de proteção do princípio federativo.
Nesse sentido, parte-se de logo a compreender que o princípio federativo define uma forma de Estado, qual seja: a Federação, tendo como seu extremo contrário o Estado Unitário, ambos imprescindíveis para a compreensão do tema, sendo este último alvo do tópico que se segue.
No estudo da Teoria Geral do Estado é comum se fazer a diferenciação entre as formas de Estado Unitário e Federal. De fato, são essas as duas principais, contudo a noção de Estado é tão dinâmica ao longo da história que suas características deparam-se, não raras às vezes, com novas situações que se torna impossível se manter um conceito estanque.
Em razão disto é que a doutrina vem se esforçando para elaborar critérios mais amplos capazes de abarcar as situações fáticas com mais exatidão. Dentro desse contexto, então, o ponto de partida é a diferenciação entre Estados centralizados e descentralizados, que inclusive, já vem sofrendo críticas doutrinárias.
Os Estados centralizados, conforme Flávio de Azambuja Berti, são aqueles que executam suas atribuições por meio dos seus próprios órgãos em seu próprio nome e exclusiva responsabilidade. Com isso, o exercício do Poder é realizado exclusivamente por um órgão central. Já os Estados descentralizados, pelo mesmo autor, seriam aqueles em que o exercício do Poder seria transferido para outras entidades.[1] Haveria, dessa forma, o poder central e entidades parcelares.
Dentro dessa ótica é que a doutrina comumente diferenciava as formas de Estado, considerando os Estados centralizados como verdadeiros Estados unitários e os descentralizados como Estados federais.
No entanto esse critério não se fez mais suficiente. Michel Temer, sobre o tema, explica que diante da centralização política, obviamente, haverá um Estado unitário, mas o critério da descentralização, por si só, não é mais suficiente para modificar sua fisionomia.[2] Durante a evolução histórica da sociedade, em razão das novas complexidades estatais e dos inúmeros campos de atuação exigidos nas diferentes necessidades coletivas, os Estados unitários passaram a se aproximar dos elementos de descentralização, necessitando atribuir tarefas as demais esferas de poder, alterando, com isso, os critérios anteriormente utilizados.
Dessa forma, a doutrina passou a classificar os Estados unitários em três tipos, quais sejam: o Estado unitário puro, o descentralizado e os regionais. O primeiro deriva do próprio conceito clássico como aquele Estado cujas atribuições encontram-se centralizadas em apenas um centro de poder, sendo que, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a autonomia de eventual ente não teria qualquer garantia contra a vontade do governo central.[3]
Já os Estados unitários descentralizados são aqueles que repartem o poder administrativamente, mantendo ainda a tomada de decisões políticas nas mãos do governo nacional. São criadas, nessa senda, pessoas para executar as decisões políticas do poder central.[4]
José Afonso da Silva, nesse mesmo sentido, aponta que “o Estado unitário pode ser descentralizado e geralmente, o é, mas essa descentralização, por ampla que seja, não é do tipo federativo, como nas federações, mas de tipo autárquico, gerando uma forma de autarquia territorial no máximo, e não uma autonomia político – constitucional, e nele as coletividades internas ficam na dependência do poder unitário, nacional e central.”[5]
Já os Estados unitários regionais são aqueles em que há uma descentralização administrativa e política. Assim, na execução das decisões políticas outras esferas também deteriam certa autonomia para decidir no caso concreto a melhor solução na execução do comando central.[6] Conforme obtempera Manoel Gonçalves Ferreira Filho, essa espécie é comum na Europa, sobretudo na Itália e Espanha, sendo que “a autonomia do ente descentralizado – a região – tem uma garantia e um campo mínimo de abrangência definidos pela Constituição.”[7]
Contudo, feita esta classificação, tomando-se por base os novos tipos e conceitos de Estado unitário, ainda paira no ar uma questão de suma importância: se os critérios de centralização e descentralização já não são mais suficientes, qual o método a se adotar para diferenciar um Estado unitário ou Federal?
Para responder a essa questão, necessária são as palavras de Michel Temer, in verbis:
“Em síntese: a descentralização política fixada na Constituição é fator indicativo da existência do Estado Federal. Não é o definitivo, contudo. Vários outros devem somar-se para fornecer o conceito adequado do objeto deste estudo. Entre eles, a participação das vontades parciais na vontade geral.”[8]
Com efeito, para o mencionado autor, de fato a descentralização não é mais o único critério para esse mister, mas é um ponto de partida, ao qual deve se somar a vários outros. Temer, nesse viés, elenca outras características, as quais juntas seriam capazes de identificar um Estado Federal, tais como: a participação das vontades parciais na vontade geral e a capacidade dos Estados- membros de auto- organização.
De grande importância, portanto, para responder a questão alhures é o estudo dessas características, além de outras, mas será deixado para o tópico seguinte, o qual adentrará especificamente nas características da federação. Por ora, deve-se deixar claro apenas que o conceito de Estado unitário não comporta mais a sua figura tradicional, sendo rebelada ao longo dos anos a novos contornos pela Teoria do Estado, trazendo a baila modernos tipos e conceitos.
O estudo da federação, por conseqüência, levará a análise do princípio federativo, foco desta discussão. Contudo, outros elementos ainda precisam ser abordados no intuito de levantar subsídios para a sua conclusão. Portanto, passa-se, a seguir, ao contexto histórico.
A doutrina tradicional[9] costuma identificar a origem do Federalismo em 1787 nos Estados Unidos quando as 13 Colônias não mais se organizaram sob a égide de uma Confederação, mas sob uma nova forma de Estado, qual seja: a Federação.
No entanto, interessantes são as palavras de Flávio de Azambuja Berti, o qual observa que as raízes históricas do Estado Federal já se encontravam presentes na Antiguidade Clássica, quando as cidades-estado da Grécia Antiga constituíam associações políticas com órgãos e instituições regidas por um pacto Federal. É bem verdade, segundo Berti, que tais organismos se aproximavam mais da idéia de uma confederação, porém, representaram importante passo na história a cerca do tema.[10]
Mais adiante, ainda nas palavras do mencionado autor, antes mesmo da independência das 13 Colônias, tem-se o exemplo da Confederação Holandesa, que representou importante evolução histórica do Federalismo, pois serviu de base para a própria federação norte- americana.[11]
Com efeito, a independência das 13 Colônias britânicas da America provocou a formação de novos Estados soberanos, os quais, diante da constante ameaça de retomada dos ingleses, se uniram sob a forma de Confederação. Sob esse pacto, realizado através de um tratado internacional chamado de “Artigos de Confederação”, era permitido o direito de secessão e não havia sanções em caso de descumprimento, o que gerava constante instabilidade e fragilidade dessa união.
A par dos problemas vivenciados na Confederação, foi na Filadélfia em que as ex- colônias se reunirão e decidiram conferir um ar de evolução para aquele pacto, transmudando-se para a Federação. A partir de então, cada Estado cedia parcela de sua soberania ao poder central – União -, sendo negado o direito de secessão.
A partir daí, o conceito, as formas, os tipos e as demais características do Federalismo foram evoluindo e se modificando ao longo da história, assumindo papel muito mais complexo nos Estados hodiernos.
Ainda caminhando, em certa medida, sobre o contexto histórico do Federalismo, não se pode deixar de olvidar as espécies de federação que foram se desenvolvendo a partir da nova forma de Estado adotado pelos Estados Unidos em 1787. Para tanto, o primeiro tipo costumeiramente citado pela doutrina é o Federalismo por agregação e por desagregação.
O primeiro, ocorrido essencialmente no país norte-americano, revela um Federalismo em que Estados soberanos cedem parte de sua soberania para agregar-se entre si, formando um novo Estado com entidades agora autônomas. Com este modelo vige a idéia de indissolubilidade do vínculo federativo, sendo vedado o direito de secessão.[12]
É obvio que tal processo não ocorreu de forma automática entre as antigas ex-colônias, de maneira que a construção do Federalismo americano percorreu um processo gradativo de alianças, cabendo a Suprema Corte fortalecer o papel da União em detrimento das autonomias dos Estados, cujo objetivo seria consolidar o novo Estado.[13]
Já as federações surgidas por desagregação são aquelas em que o Estado unitário se descentraliza. Nesse caso, o próprio poder central retira de si parte de suas atribuições e atribuem as entidades parcelares, as quais passam a possuir autonomia.
Nesse processo, costuma-se dizer que no Federalismo por agregação a formação da federação ocorre por aglutinação dos entes soberanos em um movimento centrípeto. Por outro lado, no Federalismo por desagregação a federação decorre de um processo de segregação do ente unitário em um movimento centrifugo.
Ademais, vale salientar que o Federalismo originado pelo processo de agregação tende a conceder maior grau de autonomia aos Estados- membros (entidades parcelares), uma vez que é trabalho politicamente mais árduo retirar poder dos Estados soberanos do que, por outra banda, ocorre no movimento de desagregação quando o próprio ente retira parte de suas competências para atribuir aos entes autônomos, os quais, em decorrência disso, tendem a possuir um menor grau de autonomia.
Dirley da Cunha Junior, sobre o tema, consigna o seguinte:
“Quanto à maior ou menor concentração de poder, temos o Federalismo centrípeto, o centrifugo e o de equilíbrio. O centrípeto é o Federalismo que proporciona uma maior concentração de poder no governo central (foi o que ocorreu no Brasil, com a carta de 1967); o centrifugo implica numa maior descentralização, com redução dos poderes centrais e ampliação dos poderes regionais (EUA); e o de equilíbrio, que visa instaurar uma equilibrada e equitativa repartição de poderes entre o governo central e regionais (tendência da constituição brasileira de 1988)”[14]
Ato conseqüente do Federalismo estudado no tópico anterior é o Federalismo dual e cooperativo. No primeiro se tem uma divisão rígida da repartição de atribuições, contemplando apenas competências privativas entre as entidades federadas, atuando cada ente de maneira isolada e independente.[15]
Manoel Jorge e Silva Neto obtempera o tema, salientando que o Federalismo dual teve sua gênese na fase inicial da federação americana, os quais instituíram uma “maior separação entre o órgão central e as porções estaduais, circunstância decorrente de outorga de rol considerável de competências aos estados- membros (...)”[16]
Já o Federalismo cooperativo surge durante o século XX em meio as ideias do Estado de Bem-Estar-Social, caracterizando-se por uma interação na repartição de competências. A partir disso, foi possível contemplar competências comuns com a colaboração recíproca entre os entes da federação.
Para tanto, conforme analisa o autor acima citado, esse é o modelo de federação atualmente seguido pela maioria dos Estados federais que após a crise de 1929 e “a subsequente intervenção do Estado no domínio econômico, Franklin Roosevelt, adotou o planejamento econômico chamado New Deal, limitando fortemente a autonomia das unidades parciais”.[17]
Segundo Dirley da Cunha Junior, os tipos de Federalismo divididos em simétrico e assimétrico decorrem do equacionamento das desigualdades. Assim, para o autor, aquele revela um Federalismo de divisão de competência e receitas igualitárias, enquanto este busca promover uma redução das desigualdades regionais, atribuindo competências e receitas de maneira não uniforme, “tratando de forma diferente os diversos integrantes da Federação de molde a torná-los iguais.”[18]
Para se falar das formas de Estado, ao longo da história, adotadas pelo Brasil, tem-se como marco a independência do país ocorrida em 7 de setembro de 1822, uma vez que antes desse período seu status jurídico era de colônia, sendo, portanto, parte integrante da Coroa portuguesa.
No entanto, erigida a independência brasileira, a Constituição de 1824 adotou a forma de Estado unitário. Contudo, conforme obtempera, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tal intento “não satisfez, assim, o anseio Federalista que, por todo, o Império, serviu de arma à oposição, inclusive ensejando conflitos armados.”[19]
Gustavo de Freitas Cavalcante Costa, sobre o assunto, explica os motivos da escolha pela forma unitária de Estado da seguinte maneira:
“Posteriormente, a outorga da Carta Constitucional de 1824, pelo Imperador, manteve a opção por um Estado centralizado, num momento em as diferenças regionais marcantes favoreciam o sentimento de descentralização do poder. Esta opção, por sua vez, amparava-se no argumento de que o fracionamento do poder enfraqueceria a monarquia e a própria independência, dado que levaria o país a desordem.”[20]
Para tanto, o fato é que a bandeira Federalista percorreu a mente das elites brasileiras com o intuito de derrubar o Império. Dessa forma, o Federalismo brasileiro nasceu junto com a República, quando, em 15 de novembro de 1889, o Brasil se tornou um Estado Republicano, através do Decreto nº 1/1889.[21]
Em ato contínuo, foi com a Constituição de 1891 que se institucionalizou o Federalismo no Brasil, fruto da influência norte-americana, outorgando autonomia aos Estados – membros. Contudo, nos moldes como ocorrera diz-se que o Federalismo brasileiro nasceu em um processo de desagregação, uma vez que o antigo Estado unitário brasileiro havia se segregado para formar a federação, em um movimento, portanto, centrifugo (de dentro para fora).
Além disso, em seu primeiro momento a federação brasileira adotou um modelo dual, também fruto da influencia dos Estados Unidos, contendo repartições de competências extremamente rígidas e conferindo maior preponderância de poder nas mãos da União.
Outrossim, foi com a Revolução de 30 e, consequentemente, com a Constituição de 1934 que passou-se a ter um Federalismo com caráter mais cooperativo, que ao lado das competências privativas da União se estabeleceu também competências concorrentes com os Estados.[22] Todavia, tudo desaguou quando Getulio Vargas instituiu o Estado Novo e buscou fortalecer ainda mais o poder da União.
A partir daí e até a Constituição de 1967 o Brasil seguiu essa tendência, levando a doutrina a intitular esse modelo de Federalismo de integração[23], quando se tem, portanto, a preponderância extremada do Governo central sobre as suas entidades parcelares.
Por fim, é com a Constituição de 1988 em que se visa restabelecer o Federalismo cooperativo, conferindo maior autonomia aos Estados, além de estabelecer competências legislativas e administrativas concorrentes e comuns, respectivamente.
É com a Carta de 88, ainda, estampando logo em seu art. 1º que, de maneira inédita, enumera os municípios como mais um ente autônomo, de maneira que a organização política- administrativa da República Federativa do Brasil, conforme o art. 18, “compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
De mais, não se pode olvidar que a atual Constituição erigiu o Federalismo como cláusula pétrea, sendo vedado, pelo art. 60, § 4º, qualquer “deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.”
Feitas todas essa considerações, chega-se ao ponto crucial do estudo do Federalismo, eis que, até então, todos os pontos aqui estudados serviram de subsídios para o estudo do tema. É a partir de agora que a análise do princípio Federalista toma mais corpo, pois são suas características básicas que definirá o seu âmbito de proteção.
Todavia, há que se registrar que a doutrina possui grande dissonância sobre quais as características que compõem a federação e neste aspecto o presente trabalho utilizará daquelas em que há certo consenso entre os doutrinadores. Sem mais delongas, passa-se a análise de cada uma.
Segundo Flávio de Azambuja Berti, a descentralização corresponde a situação em que o Poder Público transfere a titularidade de sua competência, atribuída pela Constituição, para outra entidade com personalidade jurídica própria. No âmbito administrativo, a descentralização ocorre para a administração indireta, criando autarquias e fundações, por exemplo. A esse fenômeno se dá o nome de descentralização administrativa.[24]
Já no âmbito político, é a Constituição que confere a transferência de poder, porém, não será para entidades administrativas, mas para entes políticos como Estados-membros, Municípios, Províncias e outras, a depender da forma federativa adotada por cada país. Neste caso, a descentralização não será feita por lei, mas decorrerá da vontade da própria Carta Constitucional. No caso brasileiro, os arts. 1º e 18 da Constituição da República dão o tom dessa discussão quando o constituinte originário conferiu tais atribuições aos municípios, Estados-membros, Distrito Federal e a União.
Com efeito, embora na federação se tenha tanto a descentralização política como a administrativa, o certo é que somente a primeira, em conjunto com demais fatores, é capaz de caracterizar o Estado como Federal. Assim, são entidades políticas de uma federação as pessoas jurídicas de direito público dotadas de autonomia, conferida pela Constituição, com competências políticas, administrativas e legislativas, diferentemente das pessoas administrativas cuja competência se limita a executar os programas de governo das suas entidades criadoras.
Registre-se, que a descentralização não pode ser confundida com a desconcentração, cujo conceito, conforme Berti, “caracteriza-se pela atribuição de competências e misteres públicos a outros órgãos internos do Estado, porém não dotados de personalidade jurídica própria, constituindo-se simplesmente em centros de competência e sem atribuições de natureza político-legislativa, pelo que impedidos de legislar, o que leva à conclusão segundo a qual não há que se falar em autonomia (...)”[25].
De outra sorte, conforme relatado em linhas anteriores quando se estudava o Estado unitário, chegou-se a conclusão de que a descentralização política é, em princípio, uma característica da federação, contudo, não é elemento essencial para diferenciá-lo das demais formas de Estado, uma vez que hodiernamente é comum Estados regionais (tipo de Estado unitário) também se utilizarem da descentralização para realizarem seus misteres públicos. Ainda com o pensamento de Flávio Azambuja Berti, tem-se as seguintes palavras:
“No entanto, há que se mencionar que atualmente talvez não seja tão segura a afirmação no sentido de que a descentralização é nota característica do Estado Federal, pois mesmos nalguns Estados considerados unitários há indícios de alguma descentralização, ainda que apenas forma nalgumas hipóteses. A propósito do assunto, Jose Luís Quadros Magalhães, ao tratar da Espanha, pais constituído sob a forma unitária, demonstra que ali existem governos provinciais e municipais, estes últimos conduzidos por um conselho eleito diretamente pelo voto dos habitantes locais, sendo as eleições periódicas – a cada quatro anos -, observando-se que tal conselho é responsável pela supervisão do orçamento próprio da localidade, bem como pela autorização para o aumento de impostos dirigidos aos contribuintes locais.”[26]
Sem deixá-lo de fora dessa, Michel Temer ratifica a exposição, sustentando que a descentralização política é fator indicativo da existência de uma federação, mas não o definitivo, sendo necessária a soma de outras características para a formação do Estado Federal, consoante assim expõe:
“Em síntese: a descentralização política fixada na Constituição é fator indicativo da existência de Estado Federal. Não é o definitivo, contudo. Vários outros devem somar-se para fornecer o conceito adequado do objeto deste estudo. Entre eles, a participação das vontades parciais na vontade geral. Ou seja: cada qual das unidades federadas deve participar, com sua manifestação, da vontade Federal.”[27]
Em síntese, a descentralização política, através de comando constitucional, traz como efeito a característica de um Estado Federal, mas, como relatado pela doutrina, por si só, não é suficiente, sendo preciso o estudo das demais, como será feito adiante.
Com certeza, é a autonomia o pilar do Federalismo e não somente porque está previsto formalmente na Constituição, mas sim, em decorrência do valor materialmente expresso para as entidades parcelares de um Estado Federal.
Com efeito, o primeiro ponto de discussão, ao se falar de autonomia, diz respeito a sua diferença com a soberania. Enquanto o primeiro se refere a uma forma de Estado, o segundo, a lado do povo, finalidade e território, é um elemento constitutivo do próprio Estado. Mas as diferenças não param por ai.
Segundo Manoel Jorge e Silva Neto, a soberania é una, mas tem um caráter externo e interno, representando, em sua primeira faceta, a capacidade da pessoa política decidir a respeito de questões próprias sem a interferência de outro Estado (advirta-se, que em relações recíproca com outros Estados soberanos não há subordinação). Já na segunda, é o poder mais alto existente dentro do próprio Estado, é a summa potestas, a potestade, não podendo ser limitado por outro poder.[28]
Michel Temer, sobre soberania, lança as seguintes palavras:
“Soberania é fenômeno ligado a idéia de “poder”, de autoridade suprema. Funciona como unificadora de uma ordem. Daí a concepção Kelseniana segundo a qual ela é a expressão da unidade de uma ordem. Esta ordem unificada, por sua vez, é o que representa aos demais Estados. A estes importa, tão somente, a existência dessa ordem jurídica global. É esta a reconhecida, ou desconhecida, internacionalmente. Esta fisionomia externa do Estado é figurada pela soberania. Ela faz com que, no plano jurídico, inexistam Estados maiores ou menores, fortes ou fracos, mais ou menos importantes. Iguala-os a todos. Pois, em nível externo, não reconhece nenhum poder superior ao seu. Reconhece-se iguais. Admite, pois, os demais Estados. Ou seja, entreve neles a soberania.”[29]
Em mesma linha de raciocínio encontra-se José Afonso da Silva que assim assinala:
“No Estado Federal há que se distinguir soberania e autonomia e seus respectivos titulares. Houve muita discussão sobre a natureza jurídica do estado Federal, mas, hoje, já esta definido que o Estado Federalismo, o todo, como pessoa reconhecida, pelo Direito internacional, é o único titular de da soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação. Os Estados federados são titulares tão só de autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal.”[30]
Roque Antônio Carraza, em semelhante pensamento, consigna que a “soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder. Bem por isso, ele sobrepaira toda e qualquer autoridade.”[31]
Ainda sobre soberania, é dela que decorre a ideia de Confederação, uma vez que seu conceito se refere a uma união internacional entre entes soberanos para a consecução de objetivos comuns, mas que se conserva a liberdade de se autogovernarem, pois não criam novo Estado.[32]
Abrindo um parêntese, vale registrar, consoante as lições de Carraza, as diferenças entre Confederação e Federação. Em linhas gerais, o traço distintivo é a própria soberania e o direito de secessão que existem na primeira, mas não há na segunda. Na federação, ao seu turno, os entes possuem autonomia, ficando subordinados a uma Carta que lhes conferem competências e limites.[33] Na Confederação o pacto entre os entes formadores decorre de uma ideia de independência, o que não ocorre, outrossim, com a federação.
Fechado o parêntese, tem-se que a autonomia, diferentemente da soberania, desfruta de aspecto apenas interno e delimitado pelos comandos constitucionais. Segundo José Afonso da Silva, o conceito de autonomia remete a um “governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal”[34]
Dalmo de Abreu Dallari, em mesmo intelecto, conceitua a autonomia como o direito de se reger pelas suas próprias leis, definindo como a “faculdade que possui determinado ente de traçar as normas de sua conduta, sem que sofra imposições restritas de ordem estranha.”[35]
Sem ficar de fora, Nilo Marcelo de Almeida Camargo conceitua da seguinte forma:
“Pode-se conceber, então, a autonomia como a capacidade de expedir leis próprias, pelo ente federativo, no âmbito de sua esfera de competência constitucionalmente prevista. E mais, essa autonomia pressupõe certo grau de liberdade do estado ou do Município na busca do interesse público local (art. 3º, CF), das escolhas a serem adotadas, propiciando a concretização do princípio da subsidiariedade, e em equilíbrio com os demais princípios e valores constantes da Constituição nacional.”[36]
Gustavo de Freitas Cavalcante Costa também se arrisca no tema e consigna o seguinte pensamento:
“Trata-se de outra característica imprescindível ao Estado Federal e corresponde ao poder de auto-organização que as entidades político – jurídicas componentes possuem. Este poder de auto-organização significa a competência da entidades federativas para fixarem sua própria estrutura orgânica básica, respeitados os limites fixados pela Constituição Federal.”[37]
Curiosamente, vale registrar que, etimologicamente, a autonomia origina-se da palavra nómos e significa a edição de normas próprias.[38] Com isso, revela a autonomia um poder de auto-organização, porém elevada ao seu conceito máximo, do qual se traduz na auto-constituição, no autogoverno, na auto-administração[39] e na autonomia financeira.[40]
Nesse sentido, a auto-constituição significa o poder de cada entidade parcelar da federação elaborar a sua própria constituição, ou melhor, de criar a sua própria estrutura orgânica, nos limites traçados pela Carta maior. No Brasil, a União segue integralmente a Constituição da República, os Estados, através do poder constituinte decorrente, elaboram as suas Constituições estaduais e o Distrito Federal e os Municípios estão permitidos a criarem suas leis orgânicas, sendo que todos devem obediência ao princípio da simetria.
Ainda nesse passo, registre-se que a auto- constituição confere ao ente uma autonomia político- legislativa, o que lhes autorizam a produzir não somente as suas Constituições, mas também, as suas normas próprias, através de seus órgãos legislativos.
Já o autogoverno refere-se a uma garantia assegurada ao povo em exercer o direito de escolha de seus próprios governantes.[41] Daí decorre a possibilidade de cada entidade realizar a sua própria eleição para que a sua população escolha o seu gestor ou dirigente.
A auto- administração, por sua vez, revela a possibilidade do ente realizar a sua própria administração, ou seja, a faculdade de dar execução própria às suas leis e, bem assim, realizar concretamente as suas atividades fins.
No que tange ao aspecto financeiro, esta parece ser a maior expressão da autonomia, uma vez que é patente a sua inexistência se o próprio ente não puder arrecadar, gerenciar e utilizar seus recursos como bem lhe interessar. Pode-se até dizer que é um pressuposto para uma efetiva autonomia, pois não garantir que entes federativos tenham liberdade em seus recursos financeiros, nos limites legais, é o mesmo que nada ter.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho se manifesta sobre o assunto com mesmo raciocínio, sustentando que “a existência real da autonomia depende da previsão de recursos, suficientes e não sujeitos a condições, para que os Estados possam desempenhar suas atribuições.”[42]
Humberto Ávila também possui pensamento próprio no tema, deixando assente que a autonomia das pessoas políticas de direito interno constitui um dos fundamentos da federação e arremata da seguinte maneira:
“De acordo com o artigo 1º da Constituição, O Brasil é uma República Federativa. Além disso, a Uniã, os Estados e os Municípios são autônomos entre si (art. 18). Aspecto necessário dessa autonomia é a autonomia financeira. A independência financeira pressupõe o impedimento de que as pessoas políticas de direito interno possam instituir umas com relação às outras (imunidade recíproca).”[43]
Nesses termos, deve a Constituição prever uma autonomia que disponha recursos suficientes aos entes. Em outras palavras, de nada adiantaria conceder recursos financeiros em caráter limitado, vez que indiretamente ficaria as entidades parcelares subordinadas ao poder central, forjando, assim, uma autonomia apenas no plano formal.
Deve, com isso, existir uma igualdade jurídica na descentralização dos recursos. No entanto, deixa-se claro que conceder, de maneira razoável, maior participação financeira a União em detrimento das demais, por si só, não descaracteriza a autonomia. Se ao ente central, por vezes, lhe é destinado maior participação nos recursos é em razão da sua maior participação nas atribuições do Estado, isto é, se a Constituição lhe confere maiores responsabilidades, maior deverá ser seus recursos.[44] O importante, nesse diapasão, é que as demais entidades não fiquem na dependência da entidade central.
Em síntese, tem-se que um Estado Federal é aquele que atribui autonomia as suas entidades parcelares, lhes garantindo a liberdade de elaborarem suas próprias Cartas políticas e suas leis, bem como, lhes assegurando a escolha dos seus próprios governantes para administrarem a si mesmos, assim como, gerenciar os recursos financeiros suficientes para realização de suas finalidades.
Como efeito da auto- constituição, em um Estado Federal devem coexistir ordens jurídicas distintas, ou seja, para que haja o Federalismo verdadeiramente autônomo deve mutuamente viger ordens jurídicas totais e parciais.
Em outras palavras, deve existir uma ordem jurídica com âmbito de validade sobre todo o Estado e demais ordens parciais emanada pelas entidades parcelares, as quais devem obediência à ordem total.[45]
No Brasil, vale salientar que o art. 18 da Constituição da República, in verbis, ao tratar da coexistência dessas ordens jurídicas destaca o termo “todos autônomos”, definindo um sentido muito claro, qual seja: inexistência de hierarquia entre qualquer dos entes, pairando uma relação de coordenação. Além disso, é certo que os arts. 21, 22, 23 e 24 da Carta revelam a intenção constitucional de estabelecer âmbitos de competências, sem traçar qualquer grau de vinculação entre os entes.
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
Nessa senda, Roque Antônio Carraza corrobora com a discussão, sustentando que no campo da atuação legislativa de cada ente, de fato, não há qualquer relação de subordinação, mas campos de ação autônomos e exclusivos, conforme traçados na Carta de 88. E arremata da seguinte forma:
“Laboram em erro os que vêem uma relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O que há, na verdade, são, para cada uma destas entidades políticas, campos de atuação autônomos e exclusivos, estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode alterar.”[46]
Por outro lado, embora se fale em coexistência de ordens jurídicas autônomas, para que o Estado ainda se caracterize como Federal é necessária que a vontade das entidades parciais participe na vontade criadora da ordem jurídica total. Isto quer dizer que as unidades federadas devem possuir como prerrogativa básica participar da elaboração das normas jurídicas nacionais.[47]
Por conta disto, é que o Senado, representante dos Estados-membros, integra o Congresso Nacional, tendo competência para intervir no processo de reforma constitucional; discutir e deliberar sobre leis infraconstitucionais federais; participar do controle de constitucionalidade difuso e concentrado; autorizar operações externas de natureza financeira e participar do processo de homologação de tratados e acordos internacionais. [48]
Diferentemente da Confederação, a qual se pauta na ideia de soberania, a federação somente se caracteriza como tal em razão da inexistência do direito de secessão. Em razão disto, é vedado as entidades parcelares pleitearem o seu direito de separar do Estado Federal, impedindo, com isso, que os entes se desliguem da União.[49] Vige, portanto, o caráter de indissolubilidade da federação.
Como instrumento para cumprir este mister a Constituição de 88 atribuiu, no art. 60, §4º, a forma federativa de Estado como cláusula pétrea, admitindo, para tanto, no art. 34, a intervenção Federal nos Estados – membros para, dentre outros, manter a integridade nacional, assegurar a autonomia municipal e garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação.
A repartição de competências como característica do Federalismo constitui um dos seus pontos nucleares, servindo de pressuposto para a própria ideia de autonomia. Nesse sentido, a repartição de competências revela a distribuição de poder das entidades políticas da Federação. Em melhores palavras, é a divisão dos poderes autônomos de cada ente federativo.
De toda sorte, o principio geral que norteia a repartição de competência é o da predominância de interesses, segundo o qual cabe a União as matéria de interesse nacional, aos Estados-membros os assuntos de interesse regional e aos municípios são concedidos os temas de interesse local.[50]
No entanto, conforme assevera Dirley da Cunha Junior, atualmente não é fácil identificar o que é interesse nacional, regional e local, razão pela qual foram criadas técnicas de repartição de competência destinada a auxiliar o constituinte na tarefa de dividir adequadamente o poder estatal.[51] A bem da verdade há de se registrar que a repartição de competências depende da natureza e do tipo histórico de federação, de maneira que um Federalismo formado por agregação acaba concedendo maiores poderes as entidades parcelares que um Federalismo por desagregação.
Nesse contexto, de maneira geral, três são as técnicas que se manifestam no Direito comparado[52]:
a) Enumeração dos poderes da União, ficando os remanescentes para os Estados. É adotado nos EUA, Suiça, Argentina e outros;
b) Enumeração dos poderes dos Estados, ficando os remanescentes para a União. Essa técnica é adotada no Canadá.
c) Enumeração de todas as competências. Adotam essa forma a Índia e Vezuela.
A Constituição brasileira, nessa senda, conforme o pensamento de José Afonso da Silva, adotou um sistema complexo, com vistas a retomar o equilíbrio federativo, enumerando os poderes da União (art. 21 e 22), deixando os remanescentes para os Estados-membros (art.25) e definindo indicativamente os poderes dos municípios, combinando, ainda, matérias comuns e concorrentes aos entes da federação.[53]
No campo tributário, entretanto, o constituinte adotou a técnica de enumeração, discriminando os impostos de cada entidade política. Assim, somente no que tange aos impostos, cabe a União (art. 153) os impostos de importação (II), exportação (IE), operações financeiras (IOF), propriedade industrial (IPI), sobre renda e proventos (IR) e sobre a propriedade territorial rural (ITR). Aos Estados (art.155) cabe o imposto sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação (ICMS), sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) e sobre a propriedade de veiculo automotor (IPVA). Aos municípios (art. 156) cabe o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e sobre a transmissão inter vivos (ITIV). Ao Distrito Federal cabe os tributos de competência dos Estados e dos municípios. Além disso, cabe a União a competência para instituir impostos e contribuições residuais, impostos extraordinários e os empréstimos compulsórios.
Todavia, para a instituição de taxas e contribuições de melhoria foi adotada a técnica da simultaneidade ou cumulatividade, de modo que essa competência tributária é comum às pessoas políticas.
Nessa toada, veja-se que embora tenha ficado a União com maior competência tributária, como já narrado alhures, tal fato não enseja violação a isonomia do Federalismo, eis que é a União a responsável pela maior quantidade de misteres públicos, conforme vontade do constituinte originário.
Por outra banda, vale ressaltar que para que se efetive uma verdadeira Federação com entidades políticas materialmente autônomas não basta a enunciação das competências, é necessário a repartição também de receitas, revelando uma autonomia financeira de todos os entes parcelares, não ficando estes na dependência do poder central.
Nesse caso, a Constituição de 88 além de garantir que os entes políticos fiscalizem e arrecadem os tributos de sua competência, assegurou uma transferência obrigatória de recursos dos entes maiores para os menores (diretamente) ou para Fundos (indiretamente), que fará a distribuição por meio de rateamento. Assim, nos moldes do art. 157 e seguintes, foi previsto uma repartição de receitas tributárias cujo intuito é garantir a ordem Federal de maneira que nenhuma entidade federada fique subordinada a outrem.
Além disso, conforme observa Zelmo Denari, como forma a evitar que o repasse se torne uma negociação política com fins de obtenção de vantagens políticas ou qualquer outra espécie de favores, o art. 160 da Constituição veda “a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios”.[54]
Visa-se, com isso, um equilíbrio entre os entes federativos, fruto da nova concepção Federalista da Carta Política de 88 que se fundamenta em proporcionar uma convivência mais harmoniosa entre os entes da federação. Com isso, afasta-se as soluções centralizadoras de 1967 para oferecer mecanismos compensatórios e assegurar condições de convívio entre os poderes nacionais e estaduais- autônomos.[55]
Enquanto que os elementos acima estudados têm o condão de caracterizar a federação, há dois outros que são necessários para a sua manutenção. São eles: a) rigidez constitucional e b) existência de um órgão constitucional incumbido do controle de constitucionalidade. [56]
O primeiro decorre do princípio da força normativa, de maneira que as normas constitucionais devem possuir energia normativa suficiente para vincular e impor os seus comandos, expressando em sua rigidez um processo complexo para modificação de suas normas.[57] Todavia, ao elevar à federação a cláusula pétrea não basta isso, deve-se ser capaz de impedir ao legislador, ordinário ou derivado, de empreender sua desvalorização ou extinção.[58]
Já o segundo decorre da própria rigidez constitucional, uma vez que para manter um Estado Federal com autonomia, inexistência do direito de secessão, com a devida repartição de competências e outros, é necessário um órgão capaz de adequar a vontade do legislador à Carta Maior, ou seja, de realizar a compatibilização vertical.
No Brasil, tal incumbência é destinada ao Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciário, cuja função é dizer o direito em caráter definitivo e com a força institucional do Estado.[59] É o Supremo, por exemplo, que irá autorizar a intervenção Federal sobre os Estados com o intuito de manter o pacto Federalista (art. 34, CF/88).
Funciona o STF, nesse contexto, como um verdadeiro Tribunal da Federação, tendo competência, ainda, conforme art. 102, I, ‘f’, de solucionar causas e conflitos entre os entes da federação, afora a sua atribuição, em recurso extraordinário, nos moldes do art. 102, III, ‘d’, de julgar válida lei local contestada em face de lei Federal, atuando como um verdadeiro órgão de proteção do equilíbrio da federação.
Em arremate sobre o tema, necessária são as palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco, que assim consigna:
“Uma vez que não há o direito de secessão na formula federativa, os conflitos que venham a existir entre Estados-membros ou entre qualquer deles com a União necessitam ser resolvidos para a manutenção da paz e da integridade do Estado como um todo. Assumindo feição jurídica, o conflito será levado a deslinde de uma corte nacional, prevista na Constituição, com competência para isso.
Falhando a solução judiciária ou não sendo o conflito de ordem jurídica meramente, o Estado Federal dispõe do instituto da intervenção Federal, para se autopreservar da desagregação, bem como para proteger a autoridade da Constituição Federal.”[60]
O princípio federativo, estampado na Carta de 88 como princípio fundamental, define a forma de Estado adotada pelo Brasil, tendo o constituinte originário erigido o princípio em questão a condição de cláusula pétrea, como já relatado anteriormente.
Com efeito, o estudo até aqui realizado trouxe de importante a possibilidade de definir o âmbito de proteção do princípio federativo, o qual se degringola especialmente na análise das características da Federação.
Assim, em primeiro momento, compõe seu espectro de proteção a descentralização política na medida em que esta somente decorre da Constituição. Embora, com as razões acima expostas, a descentralização política não traga uma proteção nuclear ao principio federativo o certo é que seu âmbito de atuação impede que lei infraconstitucional confira poderes políticos a entidades outras não previstas na Constituição ou ainda que os próprios entes deleguem competências políticas a pessoas administrativas, o que restaria, de fato, configurado uma inconstitucionalidade, pois tal vontade não foi quista pelo constituinte.
Em segundo momento, tem-se a coexistência de ordens jurídicas distintas e a participação das entidades parciais na vontade total como âmbito de proteção do princípio em tela. Por conta disto, não é possível falar em hierarquia entre os entes federados, mas sim, âmbito de atuação. Em razão dessa característica, ainda, é vedado à edição de lei ou emenda que possa retirar as competências conferidas pelo constituinte originário ao Senado Federal.
Em ato contínuo, faz parte da proteção do princípio federativo a repartição de competências e receitas, de forma que cabe aos entes políticos exercê-las, sem interferências, para prover as suas necessidades. Nesse sentido, não é possível nem mesmo a União, a despeito de legislar sobre normas gerais, invadir competências específicas ou estipular como os demais entes devem exercê-las, pois é tema sobre o qual eles próprios devem deliberar.[61]
Não pode, portanto, a União ultrapassar as atribuições previstas na Constituição para com Estados ou municípios ou destes para com aquele. Sobre o tema, Flávio Azambuja Berti consigna o seguinte pensamento:
“É defensável, portanto, interpretar o Princípio Federativo enquanto “cláusula pétrea” como norma dirigida ao legislador infraconstitucional de todas as entidades que compõem o pacto Federal (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais, Câmaras de Vereadores e Câmaras Distritais_ e também ao Constituinte derivado, no sentido de impedi-los de desconstituir, ofender, macular, ameaçar ou simplesmente flexibilizar a divisão de competências estruturada na Constituição Federal e a correspondente atribuição de poder político (autonomia) feita em beneficio de cada um dos entes federados.”[62]
Ademais, foi a Constituição que conferiu a cada um o direito de regular suas despesas e, consequentemente, de instituir e arrecadar os tributos que as atenderão. Não é possível, com isso, a União criar obstáculos no repasse das receitas obrigatórias, qualquer que seja o motivo, pois, em razão da autonomia financeira, o princípio federativo veda a submissão de um ente sobre o outro.
Por demais, quanto à autonomia, parece que esta é o principal espectro de proteção do principio federativo, podendo-se até mesmo concluir que este seria o núcleo essencial do principio. É bem verdade que a autonomia se torna pressuposto de outras características, principalmente no que se refere à repartição de competências, havendo intima ligação entre eles e, assim, o seu âmbito de proteção deve ser sempre maximizado.
Em relação a sua importância, Dirley da Cunha Junior revela que “para o conceito de Federação, interessa-nos a noção de autonomia. A Federação só existe quando, em face da descentralização política, as ordens central e parciais passam a usufruir de autonomia num mesmo território, uma vez que contempladas constitucionalmente com competências próprias”[63]
Nilo Marcelo de Almeida Camargo, em mesmo sentido, observa que a autonomia é conceito essencial para a configuração do princípio federativo, pois expressa a capacidade do ente expedir suas leis próprias, o que, para o autor, é capital para um Estado Federal. São suas palavras:
“É importante verificar, assim que a autonomia é conceito essencial à configuração do Estado Federal, e pode ser definida como a capacidade de expedir leis próprias, pelo ente federativo, no âmbito de sua esfera de competência constitucionalmente prevista. E mais, essa autonomia pressupõe certo grau de liberdade do Estado ou do Município na busca do interesse público (art. 3º, CF) local, das escolhas a serem adotadas, propiciando a concretização do princípio da subsidiariedade, e em equilíbrio com os demais princípios e valores constantes da Constituição nacional.”[64]
Dalmo de Abreu Dallari também se pronuncia com o seguinte excerto:
“O reconhecimento desse poder de fixar sua própria escala de prioridades é fundamental para a preservação da autonomia de cada governo. Se um governo puder determinar o que o outro deve fazer, ou mesmo o que deve fazer em primeiro lugar, desaparecem todas as vantagens da organização federativa.”[65]
Roque Antônio Carraza, por sua vez, arremata a questão, expressando que “como o próprio pórtico da Lei Maior revela – o Federalismo – com seu consectário conatural, que é autonomia dos entes federativos – dá a tônica do Estado Brasileiro.”[66]
Dessa sorte, tem-se na autonomia um dos pilares do princípio federativo, revelado através da auto- constituição, auto- legislação, autogoverno, auto- administração e autonomia financeira. Com isso, estará vedado ao Poder Central – União - impedir que as demais entidades da federação constituam seus próprios governos, invada competências legislativas dos mesmos, interfira em suas estruturas orgânicas, imponha diretrizes a utilização das receitas ou mesmo que diminua ou restrinja os seus recursos obrigatórios.
Tem-se, dessa sorte, que será a autonomia, sobretudo no seu aspecto financeiro, a maior expressão do princípio federativo. Daí se emergirá temas relativos a guerra fiscal, quebra do pacto federativo, razão da previsão no ordenamento jurídico brasileiro dos convênios fazendários e dentre outros, os quais guardam, atualmente, íntima ligação com o princípio federativo, porém, valendo –se um alerta, que o seu núcleo deve ser preservado, sob pena de violação de uma clausula pétrea.
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[1] BERTI. Flávio Azambuja. Direito Tributário e Princípio Federativo. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p.26/27.
[2] TEMER. Michel. Elementos de direito constitucional. 20.ed., rev. e atual.- São Paulo: Malheiros, 2005, p.59.
[3] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35.ed. são Paulo: Saraiva, 2009, p. 53
[4] LENZA. Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 14.ed.rev.atua. e ampl. – são Paulo:Saraiva, 2010, p.340.
[5] SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 99
[6] LENZA. Pedro. op. cit., p.340.
[7] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 54
[8] TEMER. Michel. op. cit., p.60
[9] Nesse sentido: José Afonso da Silva, Dirley da Cunha Junior, Paulo Gustavo Gonet Branco, Dalmo de Abreu Dallari e outros.
[10] BERTI. Flávio Azambuja. op. cit., p.20
[11] Ibidem., p.21
[12] LENZA. Pedro. op. cit., p.341
[13] COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. Federalismo & ICMS: reflexos tributários. Curitiba: Juruá, 2004, p.31.
[14] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 876.
[15] Ibidem., p. 876.
[16] SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris, 2006, p.191.
[17] Ibidem., p.191
[18] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 877
[19] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 58
[20] COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. op. cit., p.35
[21] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 59
[22] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 877
[23] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 59
[24] BERTI. Flávio Azambuja. op. cit., p.27
[25] Ibidem., p.27
[26] Ibidem., p.28
[27] TEMER. Michel. op. cit., p.61
[28] SILVA NETO, Manoel Jorge. op. cit., p.195
[29] TEMER. Michel. op. cit., p.60
[30] SILVA, José Afonso da. op. cit., p.100
[31] CARRAZZA, Antonio Roque. op. cit., p. 139.
[32] Ibidem., p. 145.
[33] Ibidem., p. 147.
[34] SILVA, José Afonso da. op. cit.,, p.100
[35] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2007,p.22.
[36] CAMARGO, Nilo Marcelo de Freitas. A forma federativa de Estado e o Supremo Tribunal Federal pós-constituição de 1988. Porto Alegre: Núria Fabris Ed., 2010, p.40
[37] COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. op. cit., p.45
[38] CAMARGO, Nilo Marcelo de Freitas. op. cit., p.41
[39] Ibidem., p.42
[40] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 44
[41] CAMARGO, Nilo Marcelo de Freitas. op. cit., p.42
[42] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. op. cit., p. 44
[43] AVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.220
[44] COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. op. cit., p.56
[45] COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. op. cit., p.44
[46] CARRAZZA, Antonio Roque. op. cit., p. 96
[47] BERTI. Flávio Azambuja. op. cit., p.65
[48] Ibidem., p.66/67.
[49] MENDES. Gilmar; BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. e COELHO, Inocêncio Martinho. Curso de direito constitucional. 6.ed. rev. e atual.- São Paulo: Saraiva, 2011, p. 831
[50] SILVA, José Afonso da. op. cit., p.478
[51] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 879
[52] Ibidem., p. 879
[53] SILVA, José Afonso da. op. cit., p.479
[54] DENARI. Zelmo. Curso de direito tributário. Editora Forense: Rio de Janeiro-RJ, 2009, p.56
[55] CAMARGO, Nilo Marcelo de Freitas. op. cit., p.57
[56] TEMER. Michel. op. cit., p.63
[57] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 226
[58] TEMER. Michel. op. cit., p.64
[59] Ibidem., p.64
[60] MENDES. Gilmar; BRANCO. Paulo Gustavo Gonet. e COELHO. Inocencio Martinho. op. cit., p. 831
[61] CARRAZZA, Antonio Roque. op. cit., p. 172
[62] BERTI. Flávio Azambuja. op. cit., p.84/85
[63] JUNIOR. Dirley da Cunha. op. cit., p. 522
[64] CAMARGO, Nilo Marcelo de Freitas. op. cit., p.64/65
[65] DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit., p.25
[66] CARRAZZA, Antonio Roque. op. cit., p. 155
Advogado da União. Graduado, desde 2010, pela Universidade Federal da Bahia. Pós Graduado em Direito Público (2010). Pós Graduado em Direito Tributário (2012). Autor do livro: A Licença ao Uso da Imagem e suas implicações no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional de Futebol, Curitiba, Editora Protexto, 2011, ISBN 97885782660. Email: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BAHIA, Bruno Gomes. Do princípio federativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33620/do-principio-federativo. Acesso em: 26 nov 2024.
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