SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO ANIMAL – 3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA RUÍNA DE EDIFÍCIO OU CONSTRUÇÃO – 4. RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS COISAS CAÍDAS DE EDIFÍCIO – 5. CONCLUSÃO – BIBLIOGRAFIA – NOTAS.
1. INTRODUÇÃO
A vida moderna e os inventos da era industrial colocaram à disposição da humanidade um grande número utilidades. Ao tempo em que geram desenvolvimento, esses avanços são capazes de acarretar danos às demais pessoas.
Surge, assim, o dever jurídico de cuidado e vigilância das coisas, sob pena de reparar os danos por elas causados. [01]
A doutrina convencionou denominar essa responsabilidade como "responsabilidade pela guarda da coisa", ou "responsabilidade pela guarda das coisas inanimadas" ou, ainda, "responsabilidade pelo fato das coisas". [02]
Não bastasse o perigo decorrente das coisas inanimadas supramencionadas, a mesma situação se aplica ao dono ou possuidor de animal que porventura venha a ferir ou matar alguém.
É por vivermos em uma sociedade perigosa, na qual não apenas os homens, mas também as coisas e os animais podem acarretar graves riscos ao nosso patrimônio ou à nossa integridade físico-psíquica, que se torna interessante o estudo do tema. No presente trabalho, será analisada a responsabilidade da pessoa que detém o poder de comando das coisas e animais causadores de danos à esfera jurídica de outrem, prejuízo que, obviamente, deve ser reparado.
Como ensina Silvio de Salvo Venosa, a evolução sobre o tema foi longa no curso da história. O Direito Romano não disciplinou ordenadamente a matéria, embora contemplasse algumas situações de responsabilidade pelo fato da coisa. Segundo a Lei das XII Tábuas, os animais e as coisas inanimadas deviam responder pelos danos. O direito antigo não possuía a noção das presunções gerais de culpa. [03]
Os juristas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ressaltam:
Sem sombra de dúvida, a doutrina civilista deve muito à nação francesa, especialmente no campo da responsabilidade civil. Foi a jurisprudência desse Estado que, à luz das idéias de PLANIOL, RIPERT e BOULANGER, interpretando o Código Napoleão, chegou à teoria da responsabilidade pelo fato da coisa inanimada. [...] A partir do desenvolvimento dessa teoria nos Tribunais da França, portanto, começou a ganhar forma e moldura jurídica na doutrina internacional a responsabilidade pelo fato da coisa e, conseqüentemente, do animal. [04]
Como paradigma do tema, aponta-se o art. 1.384 do Código Francês: "é responsável pelo dano não somente quem lhe deu causa por fato próprio, mas ainda aquele que o causou pelo fato de pessoas por quem deve responder ou pelas coisas que tem sob sua guarda".
No Brasil, o primeiro jurista a tratar do tema foi o professor Teixeira de Freitas, em seu Esboço de 1865, que, pelo avanço de suas idéias, restou incompreendido na época em que foi elaborado. [05]
Antes de adentrar no tema de forma específica, indispensável citar as palavras de Silvio de Salvo Venosa:
De fato, a teoria da responsabilidade pela guarda da coisa representa um avanço em torno do princípio da responsabilidade objetiva. Presume-se a responsabilidade do dono da coisa pelos danos por ela ocasionados a terceiros. Somente se elide essa responsabilidade provando-se culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito. Essa posição, no curso da história da responsabilidade civil, representa, sem dúvida, palpável avanço em relação à responsabilidade com culpa. O fato é que a responsabilidade pelo fato da coisa, quer vista sob o prisma da culpa presumida do guardião, quer vista sob o prisma da teoria do risco, representa considerável avanço em relação às teorias anteriores, vigentes no século XIX. [06]
Passa-se ao estudo específico da responsabilidade civil pelo fato da coisa e do animal, prevista nos artigos 936 a 938 do Código Civil.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO ANIMAL
A responsabilidade por fatos causados por animais tem sua origem no Direito Romano, segundo o qual o dominus era o responsável, mas exonerava-se abandonando o animal. [07]
Com freqüência, nos últimos anos deparamo-nos com um crescente número de incidentes envolvendo animais domésticos, sobretudo em razão da falta de cautela dos seus donos ou possuidores.
Para esses casos, a legislação prevê a responsabilidade do dono ou detentor do animal, prevista no art. 936, do atual Código Civil: "O dono ou detentor do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior".
Na legislação atual, a responsabilidade do dono ou detentor do animal não pode ser elidida pela simples guarda ou vigilância, como previsto no Código de 1916 em seu art. 1527. Partindo-se da teoria do risco, o guardião somente se eximirá da responsabilidade se provar a quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de força maior, não importando a investigação de sua culpa.
Ressalte-se que, se o dano ocorre estando o animal em poder do próprio dono, dúvida não há no sentido de ser este o responsável pela reparação, pelo fato de ser o seu guardião presuntivo. Se, entretanto, transferiu a posse ou a detenção do animal a um terceiro (caso do comodato ou da entrega a amestrador), entende-se que o seu dono se exime de responsabilidade, por não deter o poder de comando sobre ele. Nesse sentido, a jurisprudência:
Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Animal solto na pista – Gado que sai de propriedade na margem de rodovia vicinal e ganha a pista, provocando atropelamento com danos em veículo – Responsabilidade indenitária do réu, de cujo sítio as rezes saíram, independentemente de ser ou não o proprietário dos animais – Falta de marca que não exime aquele dever, porque gado não tem certidão de nascimento, transmitindo-se a propriedade pela simples tradição e, se saíram do pasto do réu, destruindo a cerca, aliás, frágil e imprópria nas circunstâncias, houve falta de cuidados e de vigilância – O fato de terceiro, não comprovado, também não isentaria a responsabilidade gerando apenas direito de regresso – Indenizatória procedente – Recurso provido para esse fim. [08]
Sobre a responsabilização por danos causados em virtude de mordida de cão, interessantes as conclusões do seguinte julgado:
Apelação Cível. Direitos Civil e Processual. Ação de Reparação de Danos. Lesão incurável nos testículos decorrente de feroz mordida de animal. Responsabilidade civil do dono do animal. Artigos 5º, X, da Constituição Federal, 333, I, do Código de Processo Civil e 1527 do Código civil [atual art. 936]. O instituto da responsabilidade civil, na modalidade subjetiva, encontra-se assentado em três pressupostos sem os quais não se perfaz: o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo. O art. 1527 do Código Civil restringe-se, enquanto regra distributiva do ônus da prova, nestes casos, apenas e tão-somente ao elemento culpa do tripé que pressupõe a responsabilidade civil. Tem-se por evidente, pois, da simples verificação do que consta dos respectivos incisos que todos eles, sem exceção, referem-se à culpabilidade do dono ou detentor do animal. Assim, a procedência do pedido de reparação de danos materiais é imprescindível sejam estes, os danos, comprovados pelo demandante, nos termos do art. 333, I, do CPC, segundo o qual ao autor incumbe a prova dos fatos constitutivos de seu direito. Restando estes incomprovados, improsperável a pretensão de ressarcimento pelo dano material. Noutro pólo, verificada a lesão à esfera extrapatrimonial do ofendido, deve a verba indenizatória coadunar-se com o dano efetivamente demonstrado, no caso, inflamação crônica nos testículos e azoospermia. A idade do demandante nada tem que ver com a extensão da dor sofrida pela esterilidade. Menos ainda com o constrangimento. Nem a idade, nem a prole e nem mesmo a circunstância de ser o autor casado. O valor tutelado pela norma – a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra referidas no inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal – está muito além da virilidade ou mesmo opção sexual e familiar da pessoa. Refere-se este valor, inquestionavelmente, a aspectos intangíveis e personalíssimos, calcada sua tutela na idéia de solidariedade à vítima, em razão da ofensa que sofreu a um bem jurídico lesado pelo agente. Sentença que se reforma, majorando-se a verba indenizatória a título de reparação pelo dano extrapatrimonial de 50 (cinqüenta) para 500 (quinhentos) salários mínimos. Provimento parcial do recurso. [09]
Não obstante a regra contida na primeira parte do art. 936, se o ataque do cão resultar de culpa exclusiva da vítima (provocar o animal; adentrar em terreno onde o animal está guardado, desconsiderando a existência de placas indicativas de animal perigoso, etc.), não haverá obrigação de indenizar, conforme preceitua a parte final do referido dispositivo. Sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu:
RESPONSABILIDADE CIVIL- INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - AUTOR MORDIDO POR CÃO DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE SE ENCONTRAVA AMARRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL – FATO OCORRIDO NUM DOMINGO QUANDO O LOCAL ESTAVA FECHADO AO PÚBLICO - PERÍCIA TÉCNICA QUE CONSTATOU A EXISTÊNCIA DE PLACA INDICATIVA DE ANIMAL FEROZ NO LOCAL - DEPOIMENTO TESTEMUNHAL QUE CONFIRMA O FATO DO AUTOR TER ADENTRADO NO PÁTIO E SE APROXIMAR DO CÃO - CONDUTA IMPRUDENTE - SUPOSTA OMISSÃO DO RÉU NÃO CARACTERIZADA - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - INTELIGÊNCIA DO ART.5º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS ARTS. 159 E 1.527 DO CÓDIGO CIVIL/1916 (CORRESPONDENTES AOS ARTS. 186 E 936 DO CC/02) E 927 DO CÓDIGO CIVIL/02 - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.
Não obstante os incômodos sofridos pelo autor em razão dos fatos narrados na inicial, estes não chegaram a configurar ilícito passível de indenização, uma vez que a mordida do cão, por si só, não enseja dano moral quando ausente a prova de que houve omissão por parte do dono do animal. [10]
Nos casos de invasão de rodovias por animais, gerando graves acidentes e causando danos a veículos e pessoas, quando não for possível identificar o dono ou detentor do animal, a jurisprudência vem admitindo que o administrador ou concessionário da rodovia também respondam pelos referidos danos, em razão do dever de vigilância do leito carroçável. Referidos agentes dispõem, porém, de ação regressiva contra o dono do ser irracional, após sua devida identificação. Sobre o tema, decisão do Tribunal Paulista:
Responsabilidade civil – Acidente de trânsito – Colisão em rodovia entre veículo e animal solto na pista – Empresa que é concessionária de serviço público e que tem por objetivo a conservação de estrada de rodagem, com a finalidade de garantir aos usuários a segurança necessária ao tráfego de veículos – Incidência do art. 37, § 6º, CF – Indenizatória ajuizada pela transportadora procedente – Recurso improvido. [11]
Se o fato do animal decorrer de relação de consumo, aplicam-se os princípios da responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou serviços. Frise-se, na esteira de Silvio Venosa, que não bastassem os princípios do Código de Defesa do Consumidor, os responsáveis por espetáculos públicos assumem também obrigação inerente de incolumidade com relação a seus espectadores. [12]
Questão interessante é a do furto do animal, em que esse, na posse do contraventor, ataca um terceiro, causando danos. Segundo a doutrina especializada, se o animal foi furtado por falta de cuidado do seu dono, esse responderá pelo dano que o bicho vir a causar a um terceiro, ainda que na posse do ladrão. Mas, se o furto do animal ocorreu a despeito de todas as cautelas adotadas por seu dono, não terá esse o dever de indenizar. O dono se exonera da obrigação por ser o furto equiparável à força maior. [13]
Conclui-se, portanto, que o dono ou detentor do animal terá que ressarcir o dano por esse causado independentemente de culpa, por aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. Todavia, poderá eximir-se da culpa se provar a ocorrência de culpa exclusiva da vítima ou força maior.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA RUÍNA DE EDIFÍCIO OU CONSTRUÇÃO
A origem da responsabilidade civil pela ruína de edifício encontra-se na cautio damni infecti do Direito Romano. Quando um imóvel ameaçava ruir, o pretor podia ordenar ao proprietário a prestação de caução para o caso dela ocorrer, se não preferisse abandoná-lo. [14]
O Código Civil cuida da responsabilidade do dono de edifício ou construção pelos danos que vierem a ser causados a outrem, decorrentes de sua ruína, por falta de reparos cuja necessidade seja manifesta. O assunto é regulado pelo art. 937 do Codex:
"Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta."
O dispositivo tem a mesma redação do art. 1.528 do Código de 1916, bastante criticado pela doutrina. O civilista Caio Mário da Silva Pereira observa que “o dispositivo legal começa por estatuir uma responsabilidade anônima, impessoal e objetiva, mas, contraditoriamente, termina por inserir no preceito uma dose de subjetividade e procura conciliá-lo com a teoria da culpa”. [15]
Com efeito, o dispositivo em comento aduz inicialmente que o dono do edifício responde pelos danos que resultarem de sua ruína - o que parece tratar de uma responsabilidade objetiva - mas, em seguida, traz a idéia de culpa, decorrente de negligência na “falta de reparos” - aplicação da responsabilidade subjetiva.
Uma corrente doutrinária entende que a responsabilidade do dono do prédio seria subjetiva, podendo ser afastada se feita a prova de que a ruína não decorreu de falta de reparos ou que a necessidade de reparos não era manifesta. Nesse grupo encontram-se renomados juristas como Clóvis Beviláqua, Sérgio Cavalieri Filho, Agostino Alvim e Rui Stoco. [16]
Outros doutrinadores, por sua vez, adotam a tese da responsabilidade objetiva do proprietário do edifício, sendo este obrigado a reparar os danos causados a terceiros independentemente de ter agido com culpa. São partidários dessa corrente, dentre outros, Álvaro Vilaça Azevedo [18], Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona Filho [19] e Silvio de Salvo Venosa. [20] Sobre essa corrente, indispensável citar as palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
Longe de querermos pacificar a questão, mas apenas esboçando o nosso pensamento, cuidaremos de registrar que, em nosso entendimento, essa regra consagra indiscutivelmente a responsabilidade civil objetiva do dono do edifício ou construção. Observe que falamos em "dono", e não em simples possuidor ou detentor. Se, por exemplo, a construção do imóvel alugado desmorona, óbvio que responderá o seu proprietário, podendo assistir-lhe uma eventual ação regressiva, no caso de culpa do locatário. E a vítima, para obter a devida compensação, não precisará provar a sua culpa na ausência de reparos que causou o desfecho fatídico [...] Se quisesse admitir a responsabilidade fundada na culpa não consignaria o preceito de forma tão categórica [21]
Corrobora os argumentos dessa segunda corrente, o fato de que a exigência da prova de culpa seria, no sistema inaugurado pelo novo diploma civilista, completamente anacrônica, uma vez que todas as demais regras inseridas no mesmo capítulo consagram a responsabilidade sem culpa.
Vencida essa discussão inicial, importa frisar que o dono deve reparar os danos causados a terceiros, decorrentes da “ruína” de seu prédio ou construção. Atribui-se à expressão “ruína” uma compreensão ampla, de modo a abranger até mesmo os revestimentos que se desprendem das paredes, as telhas que desabam do teto, os vidros que se soltam e, enfim, tudo aquilo que, em razão deterioração ou da falta de conservação, cause dano a terceiro.
Admitem-se, como excludentes da obrigação de indenizar, o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima. Assim, por exemplo, age com culpa a vítima que transitar por local onde podem cair materiais de construção, se há suficientes avisos e proteções materiais para que não adentrem no local.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL PELAS COISAS CAÍDAS DE EDIFÍCIO
A responsabilidade civil pelas coisas caídas de edifício tem origem na actio de effusius et objectus do Direito Romano.
Trata-se da responsabilidade civil decorrente do dano causado pelas coisas caídas ou lançadas de edifícios, que atinjam lugares e pessoas, indevidamente.
O Código Civil vigente preceitua, em seu art. 938: "Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido."
Frise-se que a responsabilidade pelas coisas caídas ou lançadas não é necessariamente do proprietário da construção, mas sim do seu habitante, atingindo, dessa forma, também, o mero possuidor (locador, comodatário, usufrutuário etc.).
Para efeito de reparação, não se discute a culpa. [24] A jurisprudência é clara: "Na actio de effusis et dejectis a responsabilidade é objetiva. Assim, provado o fato e o dano do mesmo resultante, a obrigação indenizatória surge como normal conseqüência" (RT 441/233).
Assim, é responsável pelo dano proveniente de coisas caídas ou lançadas em lugar indevido quem habitar o prédio, independentemente de ter sido esse habitante o autor material do fato.
A situação é peculiar, pois rompe com o tradicional conceito de que deve existir um liame causal entre o autor do fato e o resultado danoso. Por exceção, a lei contenta-se em responsabilizar qualquer um daqueles que habitar o prédio ou a unidade de onde caiu o objeto causador de prejuízo.
Em um condomínio edilício com vários apartamentos, se não for possível identificar de qual unidade caiu o objeto que causou o dano, todos os habitantes do prédio responderão. No entanto, não se podendo identificar a unidade habitacional de onde partiu a coisa, mas sendo possível apontar o bloco do prédio de onde desabou, deve ser responsabilizado apenas esse conjunto de apartamentos. [25] Conforme ensina Rui Stoco:
“Divergimos de Aguiar Dias quando opina no sentido da responsabilidade de todos os moradores, sem distinção e averiguação prévia das quaestionis facti pela queda ou lançamento de coisas, causadoras de dano. Tal não se coaduna com a teoria que se construiu. Ora, se um objeto caiu ou foi lançado de uma das unidades do 16º andar, onde há oito apartamentos, como responsabilizar todos os habitantes daquela ala (esquerda ou direita) do edifício? Será razoável apenas ratear entre todos os habitantes do andar identificado. É certo que a responsabilidade em casos tais é objetiva. Contudo, não se dispensa a existência do liame causal; do nexo etiológico entre o dano e o local de onde partiu o objeto ou coisa, até porque, na ensinança de Genévièvie Viney, na concorrência habitacional todos respondem, salvo se se demonstrar que o fato danoso pode ser atribuído a um dos habitantes, porque se trata de responsabilidade ‘alternativa e não cumulativa’” (op. cit., n. 676).
Nesse sentido, também a jurisprudência:
Responsabilidade civil. Objetos lançados da janela de edifícios. A reparação dos danos é responsabilidade do condomínio. – "A impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. Inteligência do art. 1529 do Código Civil Brasileiro [atual art. 938]. Recurso não conhecido". [27]
Sobre o tema, destaca-se, ainda, o seguinte julgado:
Reparação de danos. Objeto lançado de edifício – Testemunho único – Validade – Já vai longe o tempo em que se considerava testis unus testis nullus O depoimento seguro do porteiro do condomínio réu no sentido de que o objeto foi lançado do prédio em que trabalha é suficiente para deixar confirmada a responsabilidade pelo dano e a obrigação em repará-lo. [28]
Em suma, de acordo com as lições de Silvio Venosa, para que ocorra a responsabilidade prevista no art. 938, são requisitos essenciais: a) que o prédio seja habitado ou utilizado, no todo ou em parte; b) que alguma coisa caia ou seja lançada dele; c) que se produza dano; e d) que o lugar em que caia a coisa seja indevido. [29]
Por outro lado, segundo Rui Stoco, a responsabilidade será elidida nos seguintes casos: a) ausência de dano; b) falta de qualidade de habitante da casa; c) falsidade da alegação da vítima; d) lançamento da coisa em lugar destinado a esse fim (depósito de lixo, terreno interno, não sujeito a servidão etc.); e) culpa exclusiva da vítima, suprimindo a relação de causalidade cuja presunção pesa sobre o proprietário, como se daria, por exemplo, no caso de haver a vítima provocado a queda do objeto ou coisa que veio a atingi-la. [30]
5. CONCLUSÃO
A convivência em sociedade exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleça as regras indispensáveis ao convívio dos indivíduos. Assim é que aquele que pratica um ato danoso deve suportar as conseqüências da sua conduta.
Nesse contexto surge a responsabilidade civil pelo fato da coisa e do animal. A responsabilização do dono ou possuidor da coisa ou animal não tem apenas uma função estritamente patrimonial de reparar o dano experimentado pela vítima; apresenta também um viés de cunho moral e ético, coibindo comportamentos prejudiciais à sociedade.
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
FIUZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil comentado. 5.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005.
NOTAS
01 CAVALIERI FILHO, Sérgio apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 934.
02 Ibid. p. 934
03VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 109.
04 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III. p. 189.
05 ibid. p. 189.
06VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 110.
07 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 947.
08SÃO PAULO. 1º Tribunal de Alçada Civil. Apelação Cível n.º 910290-5. Rel. Souza Oliveira. São Paulo, 3 de agosto de 2000. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 120.
09RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 2001.001.00890. Rel. Sérgio Cavalieri Filho. Rio de Janeiro, 24 de abril de 2001. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III. p. 196-197.
10SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2007.000234-2. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. Florianópolis, 08 de maio de 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 nov.2007.
11SÃO PAULO. 1º Tribunal de Alçada Civil. Apelação Cível nº. 1030614-4. Rel. Carvalho Viana. São Paulo, 29 de janeiro de 2002. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 121.
12VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 123.
13 PEREIRA, Caio Mário da Silva apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III. p. 194.
14 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 945.
15 PEREIRA, Caio Mário da Silva apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 944.
16Todos citados por STOCO, Rui. ibid. p. 944-945.
17 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 945.
18 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 291.
19 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil:responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III. p. 198.
20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005.
21 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op.cit. p. 198-199.
22 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 945.
23 FIUZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil comentado. 5.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 753.
24 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. op.cit.p. 201; STOCO, Rui. op.cit. p. 934; VENOSA, Sílvio de Salvo. op.cit. p. 117.
25 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 3.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. v. III. p. 201.
26 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 938-939.
27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 64.682- Rel. Bueno de Souza. Brasília, 10 de novembro de 1998. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 940.
28 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Alçada. Apelação cível nº 1068/95. Rel. Juiz Walter Felippe D’Agostino. Rio de Janeiro, 28 de março de 1995. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 119.
29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 119.
30 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 938.
Advogado e Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Gustavo Meira. Responsabilidade civil por fato de coisa e de animal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33640/responsabilidade-civil-por-fato-de-coisa-e-de-animal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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