1)INTRODUÇÃO
O presente artigo visa elucidar a situação atual dos alimentos devidos entre ex-cônjuges. O art. 1694 do Código Civil trata do instituto dos alimentos consagrando o binômio necessidade/possibilidade em seu parágrafo 1º:
“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
No dizer sempre expressivo do mestre Orlando Gomes: "Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si". Desta assertiva tiramos duas conclusões: a primeira é que os alimentos se prestam para satisfazer as necessidades vitais de outrem, a segunda é que só tem direito aos alimentos aquele que não pode prover por si as próprias necessidades.
Dentre os pressupostos essenciais da obrigação de prestar alimentos encontramos o art. 1695 do Código Civil que assim dispõe:
“Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
Sobre o tema, passemos ao entendimento de Maria Helena Diniz "Necessidades do alimentado é evidenciada por aquele que, além de não possuir bens, está impossibilitado de prover, pelo seu trabalho, à própria subsistência, por estar doente, inválido, velho. O estado de penúria da pessoa que necessita alimentos autoriza-a a impetrá-los".
Cessa a obrigação de prestar alimentos pelo desaparecimento de um de seus pressupostos que estão ligados à pessoa do alimentando como a do alimentante. Se o direito à prestação de alimentos é condicionado à necessidade do alimentando, é óbvio que, cessando esse estado, se extingue, ipso facto, a obrigação da outra parte. Extingue-se tal obrigação, do mesmo modo, se falta o outro pressuposto, qual seja a mudança da capacidade econômica do alimentante.
2)DESENVOLVIMENTO
2.1)NATUREZA EXCEPCIONAL E TEMPORÁRIA DOS ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES
A emancipação da mulher pode ser considerada uma das maiores conquistas sociais dos últimos tempos. A Constituição de 1988 trouxe para a prestação de alimentos entre cônjuges e companheiros o reflexo da nova sociedade, em que a mulher ganhou isonomia de tratamento e maior espaço para sua independência financeira.
Em 2008, a Terceira Turma do STJ consolidou a tese de que, “detendo o ex-cônjuge alimentando plenas condições de inserção no mercado de trabalho, como também já exercendo atividade laboral, quanto mais se esse labor é potencialmente apto a mantê-lo com o mesmo status social que anteriormente gozava ou, ainda, alavancá-lo a patamares superiores, deve ser o alimentante exonerado da obrigação” (REsp 933.355).
A Turma salientou no julgado que o dever de prestar alimentos não seja utilizado ad eternum, salvo no caso de incapacidade permanente para o trabalho, desse raciocínio concluiu a turma que mesmo sem alteração da fortuna das partes a pensão alimentícia deve ser por prazo razoável para que o cônjuge necessitado consiga manter seu padrão sócio-econômico.
A Terceira Turma concluiu que os alimentos prestados a ex-cônjuge que tenha plena capacidade para o trabalho se enquadra na condição de alimentos temporários, fixado em tempo razoável para superar o desemprego ou o subemprego. Arremata a Ministra Nancy Andrighi: “essa é a plena absorção do conceito de excepcionalidade dos alimentos devidos entre ex-cônjuges, que repudia a anacrônica tese de que o alimentado possa quedar-se inerte – quando tenha capacidade laboral – e deixar ao alimentante a perene obrigação de sustentá-lo.” O raciocínio da nobre ministra do STJ é o da efetiva necessidade e conspira contra aqueles que, mesmo exercendo ou tendo condições de exercer atividade remunerada, insistem em manter vínculo financeiro em relação ao ex-cônjuge, por este ter condição econômica superior à sua.
2.2) DA MITIGAÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE
A ministra Nancy Andrighi reconheceu a possibilidade de os valores dos alimentos serem alterados, ou a obrigação extinta, ainda que não houvesse mudança na situação econômica dos ex-cônjuges. Não sendo os alimentos fixados por determinado prazo, o pedido de desoneração, total ou parcial, poderá dispensar a existência da variação necessidade-possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por período suficiente para que o alimentando reverta a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos.
Salienta a nobre julgadora: “Decorrido tempo razoável, fenece para o alimentando o direito de continuar recebendo alimentos, pois lhe foram asseguradas as condições materiais e o tempo necessário para o seu desenvolvimento pessoal, não se podendo albergar, sob o manto da Justiça, a inércia laboral de uns, em detrimento da sobrecarga de outros”.
2.3)ALIMENTOS TRANSITÓRIOS
Os chamados alimentos transitórios são largamente aplicados pela jurisprudência e recomendados pela doutrina, no sentido de assegurar a subsistência material por certo tempo e não mais, como era no passado, por tempo ilimitado. São cabíveis quando o alimentando for pessoa com idade, condições e formação profissional que lhe possibilitem a provável inserção (ou reinserção) no mercado de trabalho. A tese foi definida pela Terceira Turma no julgamento de outro recurso especial, analisado em 2010 (REsp 1.025.769). É prática jurisprudencial fixá-los por um ou dois anos ou até a partilha dos bens.
O ministro Marco Buzzi, integrante da Quarta Turma do STJ, em seu livro Alimentos Transitórios: uma obrigação por tempo certo, afirma que os alimentos são devidos apenas para que o alimentando tenha tempo de providenciar sua independência financeira. “Atualmente, não mais se justifica impor a uma das partes integrantes da comunhão desfeita a obrigação de sustentar a outra, de modo vitalício, quando aquela reúne condições para prover a sua própria manutenção”, pondera o ministro Buzzi.
A conclusão foi a mesma da ministra Andrighi. Ao atingir a autonomia financeira, “o ex-cônjuge se emancipará da tutela do alimentante – outrora provedor do lar –, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente”.
3) CONCLUSÃO
Com base no entendimento do STJ, e tudo que exposto nos tópicos anteriores é possível concluir: a) que a natureza dos alimentos devidos entre ex-cônjuges é transitória; b) devendo se fixada por prazo certo e suficiente para o alimentado conseguir sua independência financeira; c) além de que o binômio necessidade/possibilidade será flexibilizado, podendo haver a exoneração do dever de prestar alimentos mesmo sem sua alteração.
4) REFERÊNCIA
GOMES, Orlando. Direito de Família, 11º ed., Edição Revista Forense, pag. 427.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º vol, Direito de Família, Editora Saraiva, pag.392/393.
DOS ALIMENTOS. Yussef Said Cahali – 6ª edição – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
LREsp 933355; REsp 1205408; REsp 1188399; REsp 886537; REsp 1087164 (acesso no site http://www.stj.jus.br/SCON/)
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