1. Introdução
O presente estudo tem como objetivo principal conferir aos juristas uma visão plena a respeito da nova tendência do Supremo Tribunal Federal de abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, muito próximo do controle concentrado de constitucionalidade.
Apesar de vigorar no ordenamento jurídico pátrio o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos emanados do Poder Público, esse preceito, assim como os demais princípios fundamentais, não é dotado de valor absoluto, podendo haver declaração judicial de inconstitucionalidade quando houver latente incompatibilidade vertical com a Constituição, em respeito à supremacia constitucional.
Com isso, o instituto do Recurso Extraordinário, preenchidos alguns requisitos, torna-se remédio de controle abstrato de constitucionalidade, cabendo ao Supremo Tribunal Federal modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Também será analisado o papel do Senado Federal frente à decisão do Supremo Tribunal Federal, por meio de mutação constitucional na interpretação do artigo 52, X, da Constituição da República.
2. Noções introdutórias sobre o controle de constitucionalidade
Antes de abordar o tema propriamente dito, imprescindível se faz tecer algumas considerações sobre o controle de constitucionalidade em geral. Consoante José Afonso da Silva, o caráter protagonista da Constituição no ordenamento jurídico delineia-se da seguinte forma:
A constituição é o vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos[1]
É na adequação e compatibilização da norma infraconstitucional à Constituição que surge o controle de constitucionalidade, consistente no conjunto de instrumentos com objetivo de assegurar a supremacia e rigidez constitucionais, conferindo posição hierárquica superior ao Texto Constitucional em relação às demais normas do ordenamento jurídico pátrio.
Paulo Bonavidesexplica o controle de constitucionalidade como conseqüência das Constituições rígidas, ao dispor que:
As Constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado ordenamento. Compõem assim uma hierarquia jurídica, que se estende da norma constitucional às normas inferiores (leis, descretos-leis, regulamentos etc.), e a que corresponde por igual uma hierarquia de órgãos[2].
A finalidade maior do controle de constitucionalidade é a estabilização das normas constitucionais e fundamentais para a consolidação do Estado Democrático de Direito, sendo garantia da supremacia dos direitos previstos na Constituição.
É certo que vigora o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos emanados do Poder Público, consistente na utilização, sempre que possível, de uma interpretação da lei compatível com a Constituição, a fim de manter o preceito legal questionado legítimo perante o ordenamento constitucional.
No entanto, assim como os demais princípios fundamentais, apresunção de constitucionalidade das leis não goza de valor absoluto, razão pela qual se afirma que essa presunção éiuris tantum, podendo deixar de prevalecer quando existir declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente.
Ainda assim, a declaração judicial de inconstitucionalidade deve ser vista como uma medida excepcional, porquanto apenas cabe ao juiz deixar de aplicar a lei ao caso concreto, posto à sua apreciação,quando houver robusta comprovação de sua incompatibilidade vertical com a Constituição.
3. Controle difuso de constitucionalidade – evolução histórica e tendência atual do Supremo Tribunal Federal
Historicamente, o controle difuso de constitucionalidade surgiu no direito norte-americano, em 1803, no julgamento do caso Marburyversus Madison, pelo Chief Justice da Corte Suprema, John Marshall, que afirmou a supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Unidos da América, permitindo-se ao Poder Judiciário, no caso concreto, interpretar a Carta Magna, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com sua norma superior[3].
No Brasil, o sistema do controle concreto de constitucionalidade consagrou-se com o advento do regime republicano, surgindo na Constituição Provisória de 1890 (artigo 58, § 1°, a e b). Também o Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890 estabeleceu especificamente no seu artigo 3° o julgamento incidental da inconstitucionalidade mediante provocação dos litigantes.
A Constituição da República de 1891 incorporou essas disposições em seu teor, reconhecendo ao Supremo Tribunal Federal a competência para rever as sentenças das Justiças dos Estados quando fosse questionada a validade ou aplicação de tratados e leis federais e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade das leis ou atos federais, em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnadas[4].
Feita uma breve análise evolutiva e histórica do controle difuso de constitucionalidade, cumpre informar que se trata de controle exercido por órgão jurisdicional de qualquer instância, dentro do curso do processo judicial, em razão de caso concreto levado ao Poder Judiciário, que analisa a compatibilidade de questão prévia indispensável ao julgamento de mérito, não objeto da lide principal, com a Constituição da República.
De acordo com a doutrina tradicional, a decisão judicial proferida em sede do controle pela via de exceção não acarreta, por si só, anulação da lei ou do ato normativo com efeitoerga omnes, sendo aplicado somente ao caso concreto em que a norma for considerada inconstitucional (efeito inter partes). Retira-se, portanto, a eficácia da lei naquele caso concreto, mantendo-se, porém, sua validade dentro do ordenamento jurídico vigente.
Com isso, teoricamente no controle difuso de constitucionalidade apenas o Senado tem a competência de suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, estendendo os seus efeitos a todas as pessoas (erga omnes), nos termos do disposto no artigo 102, inciso X, da Constituição da República.
Entretanto, emrecentes julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal, houve reconhecimento da tese de se objetivar o controle difuso de constitucionalidade, estendendo os efeitos da decisão que proferir na via incidental também aos demais jurisdicionados (erga omnes).
Desse modo, será necessário abordar em tópico específico a nova tendência da Corte Suprema Brasileira e o papel do Senado Federal frente a essa verdadeira mutação constitucional.
3.1. Da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade
Inicialmente, cumpre destacar que a abstrativização ou objetivação do controle difuso corresponde a uma aproximação entre ele e o controle concentrado de constitucionalidade, através de uma mudança de paradigma, pelo Supremo Tribunal Federal, na utilização do Recurso Extraordinário e seus efeitos, visando buscar formas de restringir a atuação da Corte Suprema para casos que tenham relevância e repercussão jurídica, sob pena de restar inviabilizada a prestação da jurisdição constitucional.
A primeira manifestação dessa objetivação do controle difuso se deu pelo pronunciamento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento do RE n° 376.852, de 27 de março de 2003, que afirmou a necessidade de transformação do instituto do Recurso Extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade.
Posteriormente, no processo administrativo n° 381.715/STF, de 17 de dezembro de 2003, que culminou na edição da emenda n° 12 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ficou consignado que o Recurso Extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo (de defesa de interesses das partes), para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva, analisando a validade das normas em abstrato.
Não obstante a tendência atual de se aplicar a abstrativização do controle difuso na declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, para que uma decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida em sede de recurso extraordinário (por meio de via incidental), sirva de paradigma para a tutela de interesse das partes, é necessário o preenchimento de alguns requisitos.
Primeiramente, a decisão paradigma deve ter sido emanadapelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, composto pelos seus onze ministros. Ademais, a questão posta à apreciação do Plenário deve ser discutida em abstrato, analisando a lei “em tese”, e não somente o caso concreto levado ao Poder Judiciário. Por fim, é necessário que o Plenário defina a extensão dos efeitos da decisão, disciplinando as relações jurídicas pertinentes a todos os jurisdicionados, e não apenas às partes envolvidas no processo objeto de julgamento, a fim de reconhecer a eficácia ex nunc ou extunc, nos termos do artigo 27 da Lei n° 9.868/99.
Assim, somente se estiverem presentes esses três requisitos, é que a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, proferida em sede de controle difuso, terá efeito erga omnes, cabendo à Corte Suprema modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
3.2. Do papel do Senado Federal frente à objetivação do controle difuso e a mutação constitucional
Modernamente, muito se tem falado na expressão “mutação constitucional” que, segundo UadiLammègoBulos, citado por Pedro Lenza, diz que:
é o processo informal de mudança da constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais[5].
A importância de se entender o significado de mutação constitucional neste estudo decorre da sua íntima ligação ao tema controle de constitucionalidade difuso e o papel do Senado, nos termos do artigo 52, inciso X, da Constituição da República.
Não obstante se diga que teoricamente a pronúncia de inconstitucionalidade averbada pelo Supremo Tribunal Federal só ultrapassa a barreira do caso concreto quando assim dispõe o Senado Federal, recentemente tem-se verificado que as decisões pretorianas, ainda quando exaradas em sede de controle difuso, têm propagado seus efeitos como se vinculantes fossem, independentemente de qualquer prévia manifestação pela Casa Alta do Legislativo.
Por oportuno mencionar que a melhor doutrina e jurisprudência não estão mais exigindo a edição de Resolução, pelo Senado, para que o efeito de uma decisão do Supremo, proferida em controle incidental de constitucionalidade, tenha seus efeitos estendidos. A respeito do assunto, leciona Teori Zavascki[6]:
É indiferente, também, que o precedente tenha sido tomado em controle concentrado ou difuso, ou que, nesse último caso, haja resolução do Senado suspendendo a execução da norma. Também essa distinção não está contemplada no texto normativo, sendo de anotar que, de qualquer sorte, não seria cabível resolução do Senado na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e na que decorre da interpretação conforme a Constituição. Além de não prevista na lei, a distinção restritiva não é compatível com a evidente intenção do legislador, já referida, de valorizar a autoridade dos precedentes emanados do órgão judiciário guardião da Constituição, que não pode ser hierarquizada em função do procedimento em que se manifesta. Sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade nas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal, estas também com natural vocação expansiva, conforme tivemos oportunidade de mostrar em sede doutrinária. A recomendação da doutrina clássica - de que a eficácia erga omnes das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade, ainda que incidentalmente, deveria ser considerado “efeito natural da sentença”, está ganhando campo no plano legislativo e jurisprudencial. É assim na ação rescisória em matéria constitucional, conforme já se referiu, onde os precedentes do STF atuam com idêntica força, pouco importando a natureza do processo do qual emanam. É assim também para os fins do art. 481, parágrafo único do CPC, que submete os demais Tribunais à eficácia vinculante das decisões do STF em controle de constitucionalidade, indiferentemente de terem sido tomadas em controle concentrado ou difuso. (ênfase suprida)
O aludido Ministro do Superior Tribunal de Justiça ainda ressalta:
Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo), ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2a parte).
Com isso, surgem controvérsias sobre o verdadeiro papel do Senado Federal em razão da tendência do Supremo Tribunal Federal de se objetivar o controle difuso de constitucionalidade. A primeira questão que se discute é se o ato do Senado de suspender a execução da lei tem caráter discricionário ou vinculado.
De acordo com o professor Marcelo Novelino:
O entendimento predominante é de que, assim como o STF só comunica se quiser e quando quiser, o Senado também só suspende se quiser e quando quiser. Recentemente, o Senado deixou de suspender a execução da legislação do Finsocial, declarada inconstitucional pelo Supremo (RE n° 150.764-1), alegando razões de ordem política[7].
Desse modo, apesar de inexistir nos Tribunais Superiores posicionamento firmado a respeito do tema, à primeira vista parece que o ato de suspensão do Senado tem caráter discricionário. Isso se observa nitidamente também no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 15/DF, em que o Senado Federal determinou o arquivamento do processo de suspensão do artigo 9° da Lei n° 7.689/88, que instituiu a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, resultante da transformação em lei da Medida Provisória n° 22/88, não obstante tenha sido declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário. Segue trecho da ementa:
Procedência da arguição de inconstitucionalidade do artigo 9º, por incompatibilidade com os artigos 195 da Constituição e 56, do ADCT/88, que, não obstante já declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 150.764, 16.12.92, M. Aurélio (DJ 2.4.93), teve o processo de suspensão do dispositivo arquivado, no Senado Federal, que, assim, se negou a emprestar efeitos erga omnes à decisão proferida na via difusa do controle de normas.”[8]
Outra questão polêmica diz respeito à suspensão da lei, pelo Senado, ou seja, se ele deve ou não observar os limites da decisão do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário da hipótese anterior, nesse assunto ainda não houve manifestação do órgão legislativo, mas até o momento vem efetuando a suspensão da lei nos limites da declaração de inconstitucionalidade da Corte Suprema. Acerca do tema, já se pronunciou José Afonso da Silva:
em parte não há que ser entendido como poder de admitir apenas uma parte do que foi declarado inconstitucional; se toda a lei foi declarada inconstitucional, a suspensão há de ser total, dela toda; o Senado não pode decidir fazê-lo apenas em parte; portanto, quando o texto fala suspender em parte, significa também só parte foi declarada inconstitucional[9].
A jurisprudência pátria vive um momento de transformação, na medida em que está sendo debatido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal a questão afeta ao papel do Senado frente àabstrativização do controle difuso.
Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau já decidiram que a regra disciplinada pelo artigo 52, inciso X, da Constituição da República, ao prever que a decisão da Corte Suprema que declara inconstitucional determinada lei ou ato normativo, em sede de controle difuso, só terá eficácia vinculante após o Senado Federal editar resolução suspendendo a execução da norma legal, deve ser interpretada no sentido de que produz simples efeito de publicidade.
Sustentam, outrossim, que a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto[10].
Em outras palavras, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, declarar definitivamente que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa Legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso sob o fundamento de que as decisões do Supremo sobre a inconstitucionalidade de leis têm eficácia normativa para suspender a execução de lei, ainda que proferidas em controle concreto de constitucionalidade.
Dessa forma, entende-se que a suspensão da execução da lei pelo Senado não representa obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento, devendo ser mantida a leitura tradicional do artigo 52, inciso X, da Constituição como uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional, e não como uma faculdade de cercear a autoridade do Supremo Tribunal Federal.
4. Da problemática da modulação dos efeitos da decisão declarada inconstitucional pela via do controle incidental de constitucionalidade
Tendo em vista a aproximação do controle difuso com o controle concentrado de constitucionalidade, a grande mudança de paradigma que se deu foi a utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, da técnica de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle concreto, assim como já era utilizado no controle abstrato, com fulcro no artigo 27 da Lei n° 9.868/99, in literis:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Como exemplo disto, cita-se o famoso julgamento do Habeas Corpusn° 82.959/SP, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (em 23 de fevereiro de 2006), ao declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1° do artigo 2° da Lei n° 8.072/90, que vedava a progressão de regime nos crimes hediondos,utilizou, em sede de controle difuso, a técnica da limitação dos efeitos, fazendo com que os efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidadevalessem pro futuro, ou seja, ex nunc. Logo, a declaração de inconstitucionalidade somente seria aplicada às condenações ainda suscetíveis de serem submetidas aos regimes de progressão.
Observa-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal passou a adotar a teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, ao dispor, em sede de controle concreto (em julgamento de Habeas Corpus), que a progressão de regime, matéria alegada como causa de pedir, a partir daquele momento passaria a ser apreciada pelos magistrados de acordo com cada caso concreto.
Com fundamento nesta decisão, foi interposta a Reclamação n° 4335-5/AC, uma vez que o Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenado a pena de reclusão em regime integralmente fechado, sob a alegação que a decisão proferida pelo Supremo ocorreu em sede de controle difuso, com efeitos, portanto, inter partes.
Em 21 de agosto de 2006, o Relator Ministro Gilmar Mendes, concedeu medida liminar, de ofício, afastando a vedação legal de progressão de regime prisional até o julgamento final desta Reclamação, tendo sido acompanhado pelo Ministro Eros Grau.
Os Ministros Sepúlveda Pertences e Joaquim Barbosa, por sua vez, entenderam não ser cabível a reclamação, contudo, concederam, de ofício, ordem de habeas corpus, sob o fundamento de que não seria possívelreduzir o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a 1934 mantiveram.
De outro lado, no concernente à mutação constitucional, que consiste na atribuição de uma nova norma ao mesmo Texto Constitucional, alguns autores a utilizam como fundamento para a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.
Entretanto, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao invés de utilizá-la como motivação, ressaltam a importância da Reforma do Judiciário, com a edição da Emenda Constitucional n° 45/2004, para o assunto afeto à modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, na medida em que, com o advento da súmula vinculante (incluída no ordenamento jurídico constitucional no artigo 103-A), a Corte Suprema passou a deter poder de impor a prevalência de suas decisões a todos os órgãos jurisdicionais, o que acabou indiretamente reduzindo o papel do Senado.
De qualquer forma, seja utilizando a mutação constitucional ou a súmula vinculante como fundamento de validade da objetivação do controle difuso de constitucionalidade, o importante é que adoção dessa teseé o caminho para uma melhor prestação da jurisdição constitucional, na medida em que diminuirá certamente a interposição de inúmeros recursos e ações autônomas de impugnação objetivando reformar decisões dos tribunais/juízes, tendo em vista a matéria já ter sido pacificada pelo plenário da Corte Suprema.
Destarte, não se pode negar a tendência do Supremo Tribunal Federal em adotar a objetivação do controle difuso, ainda que exista previsão constitucional no sentido de competir ao Senado Federal a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso, devendo ser observada a ocorrência de uma mutação constitucional na interpretação da norma extraída do artigo 52, inciso X, da Constituição da República, inclusive, com a possibilidade de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade decorrente de decisão proferida em sede de controle concreto de constitucionalidade.
5. Conclusão
Tendo em vista as explicações feitas, observa-se uma transformação do papel do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro, porquanto a decisão do Supremo Tribunal Federal que declara uma lei inconstitucional, seja ela proferida em sede de controle concentrado ou controle difuso de constitucionalidade, acaso observados os requisitos outrora delineados, deve servir de parâmetro para os demais órgãos jurisdicionais, em razãoda função primordial da Corte Suprema de guardiã da Constituição, e em virtude da supremacia da Constituição ser o fundamento de validade das leis de um sistema jurídico pátrio.
O papel do Senado Federal tem conotação importante no aspecto político para dar publicidade às decisões definitivas proferidas em última instância pelo Supremo Tribunal Federal, em controle incidental de constitucionalidade, porque dotadas de eficácia normativa para suspender a execução de lei. Outra não poderia ser a interpretação conferida ao ato da Casa Legislativa, sob pena de violação ao princípio constitucional da Separação de Poderes e à própria força normativa da Constituição.
Ademais, a função constitucional do Supremo Tribunal Federal é reforçada se seus pronunciamentos, em casos análogos, possuem a mesma eficácia e são uniformemente observados pelos demais órgãos jurisdicionais, não importando se em sede de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade.
Desse modo, a tendência constitucionalista de objetivar a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal proferida em controle incidental de constitucionalidade, conferindo efeito erga omnes, é a que melhor se coaduna com a situação atual do sistema jurídico brasileiro, ante a necessidade de se restringir o número de demandas que chegam aos Tribunais Superiores para análise.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª ed. São Paulo: Método. 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à Execução com Eficácia Rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC, São Paulo: Revista de Processo, n. 125, jul. 2005.
[1]SILVA,José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 296.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 640.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 190-191.
[5] BULOS, UadiLammègo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 54, apud, LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª ed. São Paulo: Método. 2007, p. 110.
[6] ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à Execução com Eficácia Rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC, São Paulo: Revista de Processo, n. 125, jul. 2005, p. 79-91.
[7] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concursos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 289.
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 15 / DF, julgada em 30 de agosto de 2007. Ministro Sepúlveda Pertence (relator). Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp.
[9] SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional positivo, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 494-495.
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n° 4335-5/AC, julgada em 05 de outubro de 2007. Ministro Gilmar Mendes (relator). Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34150/da-abstrativizacao-do-controle-difuso-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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