1. O Poder Judiciário e os direitos fundamentais
Os direitos humanos e sociais têm dificultado a aplicação das leis nos tribunais brasileiros, pois estes são muito burocratizados. O trabalho feito nos anos 70 e 80 pela iniciativa de inúmeros movimentos políticos, sociais, religiosos etc, a favor da conscientização dos mais pobres pela busca de seus direitos e o agravamento da crise econômica nos anos 90 vem obrigando a magistratura a refletir sobre suas funções sociais.
O forte apego aos ritos e processos formais atravancam o funcionamento do Poder Judiciário e no plano dos direitos fundamentais é preciso que haja uma maior praticidade. Entretanto, não é esse o único problema. Os direitos humanos e sociais na Constituição brasileira tem basicamente função retórica e ideológica. A disponibilização desses direitos muitas vezes é negada pelo poder público. Tal negação se dá de várias formas: uma delas é a interpretação dogmática do direito, enfatizando-se, por exemplo, a inexistência de leis que regulamentem os direitos e prerrogativas asseguradas pela Constituição. Ausentes as leis necessárias ao seu efetivo exercício, esses direitos e prerrogativas são apenas formais, na prática ineficazes.
Por isso deve ser reforçado o ponto da rigidez excessiva do Judiciário. Ele está preparado para lidar com questões rotineiras e triviais. Ao tratar o sistema jurídico com tal rigor lógico-formal, inibe os magistrados a tomarem decisões baseadas em um critério de racionalidade substantiva, tornando-se hesitante diante de problemas não-rotineiros, como os dos direitos fundamentais. Essa hesitação torna claro o abismo existente entre os problemas sócio-econômicos e as leis em vigor.
A ineficácia judicial traz à tona uma crise de legitimidade do Judiciário, decorrente tanto do anacronismo de sua estrutura organizacional quanto da insegurança da sociedade em relação a seus vereditos.
No entanto, o Poder Judiciário fez também algum esforço em busca de implementar os direitos humanos e sociais enunciados pela Constituição de 1988. Alguns juízes jovens de primeira instância tentam implementar mudanças no funcionamento da justiça. Eles vêm contribuindo tímida e, em algumas vezes, inconscientemente, para ampliar o campo de atuação de movimentos sociais e dos grupos de assessoria jurídica popular. Essa mudanças são de caráter processual, permitindo que haja uma politização dos argumentos jurídicos, provocando decisões baseadas em critérios de racionalidade material e bloqueando sentenças ditadas exclusivamente com base em critérios lógico-formais.
No entanto, tais segmentos ainda não souberam formular um projeto consistente de mudança e não souberam construir uma estratégia para a universalização dos direitos humanos e sociais mais elementares.
Por fim, tais mudanças não podem ser desprezadas por quem luta pela efetividade dos direitos fundamentais. Elas são condição necessária para a expansão dessa luta. Entretanto, são apenas o começo. Para tornar o sistema judiciário moderno, organizacional e institucionalmente, capaz de enfrentar as demandas por direitos coletivos, difusos e fragmentários, é preciso que ocorra uma alteração na essência da estrutura processual vigente.
2. Legislação Internacional
A escravidão foi o primeiro assunto de direitos humanos a atrair amplo interesse da comunidade internacional. Isso aconteceu pois a ação dos Estados tem se mostrado insuficiente para contê-la.
Existem tribunais para combater a escravidão, como a Corte de São José e o Tribunal Penal Internacional. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho enfrenta o problema há quase um século.
A escravidão é proibida pelo sistema universal dos direitos humanos, a cargo da ONU; pelo correspondente sistema regional americano, a cargo da OEA; e por entidades especializadas por área de ênfase, como é o caso da Organização Internacional do Trabalho. Além do mais, é prática condenada pelos mais importantes tratados internacionais de direitos humanos.
Entretanto, o Secretário Geral e o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU afirmaram que as normas internacionais mostraram-se incapazes de conter o avanço do trabalho escravo no mundo.
Estudos mostram que o tráfico e a venda de seres humanos está aumentando atualmente. As redes internacionais de prostituição se tornam mais fortes e a servidão por dívida se organiza e se amplia. Abaixo está a legislação internacional vigente no Brasil, por ocasião de nosso país ser signatário de vários instrumentos internacionais acerca do tema:
1) Convenção sobre a Escravatura (Genebra,1926), da Liga das Nações
2) Convenção n. 29, sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, de 1930, da OIT
3) Declaração Universal dos Direitos Humanos,de 1948, da ONU
4) Protocolo de emenda à Convenção sobre a Escravatura, aberto à assinatura ou à aceitação na sede das Nações Unidas (Nova Iorque,1953), da ONU
5) Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (Genebra,1956), da ONU
6) Convenção n.105, Concernente à Abolição do Trabalho Forçado, de 1957, OIT
7) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966
8) Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), art.6º
9) Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 17 de Julho de 1998. Entrada em vigor na ordem internacional:1º de Julho de 2002.
3. Legislação Nacional
Há no STF julgamento suspenso em que se discute a competência para julgar os casos de trabalho escravo. No entanto, na última decisão, datada de novembro de 2006, o Pretório Excelso definiu que os casos deveriam ser julgados pela Justiça Federal. Assim, tem prevalecido que é competência da Justiça Federal as questões de cunho criminal; da Justiça do Trabalho em matéria de garantia de diretos econômicos e sociais em relações de trabalho, e são da Polícia Federal as atribuições de defesa da ordem econômica e social e para atuar como polícia judiciária da União, podendo ser auxiliada nesse quesito pela Polícia Rodoviária Federal.
O Brasil comprometeu-se a tratar a escravidão como crime e não só como ato ilícito civil ou trabalhista. Há muito o que fazer quanto à responsabilização penal, de recomposição dos danos morais, do resgate definitivo da dignidade das vítimas, mas acima de tudo é preciso fazer com que os trabalhadores não mais voltem a se submeter à condição de escravos. O problema, portanto, não se restringe a questões meramente trabalhistas, como quitação de débitos e assinatura da carteira de trabalho.
A escravidão é tema de interesse federal não só pelos compromissos internacionais firmados pela União, mas também pelo compromisso interno de definição das ordens econômica e social brasileiras.
Abaixo encontra-se a legislação nacional referente ao tema:
1) Constituição Federal, art. 5º, caput, incisos III, XIII, XLVII-c; arts. 6º, 7º e incisos, art.109-VI; art.144; art.227, caput e §4º
2) Código Penal, arts.149, 197, 203, 206 e 207
3) Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 5º, 87 e 130
4) Lei 10.446/2002
5) Lei 9.654/98 (sobre a Polícia Rodoviária Federal)
6) Lei 3.353 (Lei Áurea), de 1888
7) Lei 3.270, de 1885
8) Lei 2.040, de 1871
4. Das Competências
Como afirmado no capítulo anterior, prevalece no STF o entendimento de que a competência para julgar as questões de trabalho forçado é da Justiça Federal, não obstante haja julgamento suspenso em já tenham sido demonstradas divergências.
A Constituição Federal, em seu artigo 109, inciso VI, estabelece ser de competência federal julgar os crimes contra a organização do trabalho. Apesar disso, já foi predominante nos Tribunais Regionais e Superiores uma corrente jurisprudencial que entendia ser da Justiça Estadual a competência para julgar crimes de trabalho escravo.
Esses conflitos têm origem em precedentes abertos pelo antigo Tribunal Federal de Recursos e confirmados pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, no final dos anos 70 o TFR entendeu que competia à Justiça Federal julgar somente os crimes contra a organização geral do trabalho ou dos direitos dos trabalhadores, considerados coletivamente. Assim, os crimes que afetam determinado empregado deveriam ser entendidos como atos que atentam contra direito individual e, portanto, são de competência da Justiça Estadual.
Trata-se de orientação jurisprudencial antiga, que não reflete as novas normas e fatos. Entretanto, devem prevalecer os argumentos que reforçam o entendimento de que a competência é, de fato, federal.
Podemos citar alguns desses argumentos, tais como: a constituinte de 1987/88 reiterou a decisão de incluir, na competência da Justiça Federal, os crimes contra a organização do trabalho, sem qualquer ressalva; a Carta Política de 1988 determinou que é dever da União organizar, manter e executar a organização do trabalho (art. 21, XXIV); em 1998 novos tipos de crimes contra a organização do trabalho foram inseridos em nosso Código Penal, ilidindo a noção de direitos patrimoniais individuais. Encontramo-nos diante de novos preceitos legais que tipificam os crimes contra os direitos coletivos e a organização geral do trabalho. Tal tipificação encontra-se nos parágrafos 1º e 2º dos artigos 203 e 207 do código acima mencionado. Por fim, os crimes contra a organização geral do trabalho lesam a previdência social. De fato, os trabalhadores submetidos à situação análoga à de escravo são segurados obrigatórios da previdência social (art.11 da Lei nº 8213/91). Dessa forma, sendo crime contra a previdência, a competência é da Justiça Federal.
Ademais, esse tipo de crime atenta contra interesse da União, pois vai de encontro a princípios fundamentais da Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade no trabalho e a função social da propriedade. Princípios esses que a União comprometeu-se a defender, assumindo inclusive compromissos internacionais, como outrora visto.
Além do mais, a Justiça Federal, hoje, não merece o antigo receio de que não possua os meios adequados para a ampliação de sua competência. Ela encontra-se interiorizada e aparelhada o suficiente para responder à questão proposta.
Há ainda um conflito menos falado. A Associação de Classe dos Magistrados Trabalhistas, ANAMATRA, defende o deslocamento da competência da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho para julgar os crimes contra a organização do trabalho. A pretensão dos magistrados trabalhistas tem como pressuposto primeiro o fato de a jurisdição, consagrada como manifestação do poder estatal, ser uma e indivisível. Eles argumentam que os crimes contra a organização do trabalho são matéria do contato diário do juiz do trabalho e, por isso, ele estaria melhor preparado para lidar com esses tipos penais.
5. REFERÊNCIA
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TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Dilemas e desafios da Proteção Internacional dos Direitos Humanos no limiar do século XXI. Revista Brasileira de Política Internacional, vol.40, no.1, Brasília: Primeira Instância, jan./jun 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73291997000100007&script=sci_arttext> Acesso em: 13 de fevereiro de 2013.
KERSTEN, Ignácio Mendez. A Constituição do Brasil e os Direitos Humanos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 22, ago 2005. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&artigo_id=339>. Acesso em fev 2013.
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Novas perspectivas para a tese da competência da justiça federal para o crime de trabalho escravo.
Analista Processual do Ministério Público da União. Aprovado no úlltimo concurso para ingresso na carreira de Advogado da União. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Diego Brunno Cardoso de. O ordenamento jurídico brasileiro e os direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34294/o-ordenamento-juridico-brasileiro-e-os-direitos-fundamentais. Acesso em: 22 nov 2024.
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