O princípio da legalidade encontra-se expresso no artigo 5°, inciso II da Constituição Federal, que enuncia que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". No âmbito do direito tributário, por sua vez, deve-se destacar que, em razão de sua interferência direta no direito de propriedade, o princípio da legalidade se faz presente de uma maneira rigorosa, sendo por isso denominado de princípio da estrita legalidade tributária. Nesse sentido, a própria Constituição Federal trouxe norma expressa a esse respeito, conforme se observa do inciso I do artigo 150.
Entretanto, o artigo 153, §1º da Constituição Federal traz as exceções ao princípio da legalidade estrita, prevendo os impostos que podem ter suas alíquotas alteradas (mas não criadas) por decreto do Presidente, sem necessidade de todo o trâmite legislativo. Enquadram-se nesse regra os seguintes tributos: a) imposto sobre a importação de produtos estrangeiros – II; (art. 153, I da CF); b) imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados – IE; (art. 153, II da CF) ; c) imposto sobre produtos industrializados – IPI; (art. 153, IV da CF).
O fundamento dessas exceções ao princípio da legalidade está no caráter extrafiscal destes tributos, que são instrumentos reguladores da economia e da política monetária e fiscal do país. Nesse ponto, cabe esclarecer que a extrafiscalidade caracteriza-se pelo exercício da competência tributária para atender a outras pretensões que não a de mera arrecadação de recursos financeiros. Nesse sentido, o interesse geralmente manifestado com a extrafiscalidade é o de correção ou prevenção de situações sociais ou econômicas anômalas.
A questão da ofensa ao princípio da legalidade foi discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 570.680 – RS, em que se analisou a constitucionalidade de norma infraconstitucional que autorizava órgão integrante da Administração Pública Federal a alterar, por meio de resolução, alíquotas do Imposto de Exportação.
O caso se referia a uma Resolução da Câmara de Comércio Exterior - CAMEX que alterava as alíquotas do Imposto de Exportação e a alegação era que tal resolução era inconstitucional, uma vez que a alteração das aliquotas do referido imposto era de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
O Relator, Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu possível que uma resolução da CAMEX alterasse as aliquotas do Imposto de Exportacao, com os seguintes argumentos:
a) a Constituição Federal atribui à União a competência para instituir o Imposto sobre a Exportação, conferindo ao Poder Executivo a atribuição de promover as alterações de alíquotas que se fizerem necessárias, nos limites da lei. Já o Código Tributário Nacional define os contornos fáticos e jurídicos dentro dos quais essa outorga constitucional é exercida. É possível, portanto, concluir que os preceitos constitucionais e a legislação infraconstitucional que os regulamenta atribuem ao Poder Executivo, e não ao Presidente da República, a faculdade de alterar as alíquotas do tributo em questão. Daí porque não se mostra possível que tenham cometido tal competência exclusivamente ao Chefe daquele Poder.
b) A Suprema Corte Brasileira, em caso semelhante, qual seja, o julgamento do RE 225.655/PB, da relatoria do Ministro limar Galvão, apreciou a competência para alterar as alíquotas do Imposto de Importação por meio de portaria ministerial e decidiu que ela não era privativa do Presidente da República.
c) O § 1º do art. 153 da Constituição Federal, ao atribuir genericamente ao Poder Executivo a faculdade de alterar as alíquotas de determinados impostos, observados os limites legais, abriu a possibilidade da criação de um órgão governamental para desincumbir-se dessa atribuição. No caso, tal órgão é a CAMEX, criada pela Medida Provisória 2.123-28/2001
d) A CAMEX não atua arbitrariamente, mas, sim, discricionariamente, eis que está obrigada a observar o limite máximo de alteração de alíquotas previsto no Decreto-lei 1.578/1977, além de estar jungida aos compromissos internacionais firmados pelo Brasil, em especial na Organização Mundial do Comércio - OMC, no Mercado Comum do Sul – MERCOSUL e na Associação Latino-Americana de Integração - ALADI, devendo levar em conta, ainda, dentre outros aspectos, o papel do comércio exterior como instrumento “para promover o crescimento da economia nacional e para o aumento da qualidade dos bens produzidos no País.[1]"
e) O Imposto de Exportação, dada a sua natureza, apresenta um caráter nitidamente extrafiscal, ou seja, não exerce apenas uma função arrecadatória, mas constitui, sobretudo, uma técnica de intervenção estatal, visando a lograr um desenvolvimento econômico equilibrado e socialmente justo. Dessa forma, a competência excepcional conferida ao Poder Executivo da União para alterar as alíquotas do tributo em questão, dentro das condições e dos limites estabelecidos nas leis e regulamentos pertinentes, decorre, exatamente, de seu caráter regulatório, cuja conformação deve amoldar-se, com a maior presteza possível, às vicissitudes dos mercados nacional e internacional. A redução ou o aumento das alíquotas dos impostos aduaneiros exige, portanto, ação pronta e tecnicamente adequada por parte do Governo para que o País possa reagir de modo eficiente às oscilações da conjuntura econômica interna e internacional.
f) Não há qualquer óbice constitucional a que a CAMEX, órgão integrante da estrutura do Poder Executivo, estabeleça as alíquotas do Imposto de Exportação em consonância com as condições legais e as demandas da política comercial externa do País.
O Relator, então, concluiu que a competência estabelecida no art. 153, § 1o, da Constituição Federal para alterar as alíquotas de determinados tributos, dentre os quais o Imposto de Exportação, não é exclusiva do Presidente da República, porquanto foi deferida, genericamente, ao Executivo, permitindo tal formulação que ela seja exercida por órgão que integre a estrutura deste Poder, a exemplo da CAMEX.
Após o voto do relator, o Ministro Dias Toffoli se pronunciou no sentido de concordar com o Ministro Ricardo Lewandowski, ao argumento de que há expresso dispositivo da Constituição autorizando tal delegação, afirmando ainda que a tese da recorrente não merece prosperar haja vista que pede interpretação restritiva do § 1º do artigo 153 da Constituição.
A Ministra Carmen Lúcia também acompanhou o relator, ressaltando um ponto que foi destacado pelo Ministério Público: quando a Constituição quer se referir ao Presidente da República, titular do Poder Executivo, o faz. Neste caso, atribuiu ao Poder Executivo e, portanto, a todos os órgãos que compõem tal Poder.
O Ministro Eros Grau também acompanhou os votos anteriores, entendendo que se está diante de uma manifestação típica da chamada "capacidade normativa de conjuntura". Nesse sentido, argumentou que a lei geralmente se exerce sobre as coisas que duram no tempo, respeita às situações estruturais. Já na situação discutida, se está diante de situações conjunturais, que exigem de um momento para o outro sejam elevadas ou reduzidas alíquotas ou, simplesmente, reduzidas a zero. E isso tem que ser feito com uma rapidez muito grande.
O Ministro Eros Grau lembrou ainda que Montesquieu aponta que uma das características do Poder Executivo é que ele se exerce sobre as coisas momentâneas. É o que o caracteriza exatamente ser, de certa forma, conjuntural.
Assim, essa capacidade normativa de conjuntura, para que se possa exercer plenamente, tem de ser detida pelo Poder Executivo. O Poder Executivo não é senão uma porção da totalidade que o Poder é. O Poder é indivisível. Todas as vezes em que se divide o Poder se o nulifica. O que há são especializações. Reclamam-se especializações mesmo no interior de cada um deles. E dentro do Poder Executivo há de ter alguém que exerça essa função, a capacidade normativa de conjuntura.
Por sua vez, o Ministro Carlos Britto divergiu dos posicionamentos anteriores, por entender que, como se trata de tributo, o ordenamento jurídico exige a sua veiculação por lei - lei formal -, lei do Congresso Nacional, mas abriu uma exceção no art. 153 da Constituição:
"É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V, - dentre eles o imposto sobre exportação para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados."
Vale dizer, em homenagem à dinamicidade da macropolítica do comércio exterior e até da política cambial, a Constituição abriu uma exceção em relação a fixação da alíquota. E não se pode perder de vista que alíquota é parte componencial do tributo e, portanto, é categoria jurídica alcançada pelo princípio da legalidade às inteiras. Então, a Constituição possibilitou ao Poder Executivo quebrantar esse princípio da legalidade decidindo unilateralmente, unipessoalmente por parte de autoridade monocrática, que é o Chefe do Poder Executivo.
O Ministro Calos Britto lembra que tal previsão quebrantou também o princípio da anterioridade anual. Dessa forma, dois princípios constitucionais regentes do sistema tributário tiveram a sua força diminuída por efeito dessa exceção veiculada pelo § 1º do artigo 153 da Constituição.
Com base nesse raciocínio, o Ministro entendeu que isso é suficiente para autorizar uma interpretação restritiva desse dispositivo, ressaltando ainda que no Brasil há um sistema constitucional tributário. E que, com base nesse sistema, o princípio da legalidade é um protoprincípio, razão pela qual não deve ser aceita essa delegação do Presidente da Republica ao Poder Executivo.
Segundo o Ministro Carlos Britto, essa interpretação mais restritiva, se outros méritos não tivesse, teria o de homenagear o Princípio da Separação dos Poderes, que é uma cláusula pétrea.
Por fim, o ministro afirmou que, ainda que se alegue que a CAMEX é um órgão do Poder Executivo, tal afirmação é feita não no sentido político-constitucional, mas no sentido singelamente administrativo. Assim, trata-se de órgão da Administração Pública Federal, mas não exercente propriamente do Poder Executivo, porque o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, com auxílio dos Ministros de Estado.
O Ministro Cezar Peluso acompanhou o relator, e apenas acrescentou que distingue perfeitamente, uma vez que a Constituição assim o fez, entre a competência pessoal e privativa do Presidente da República e a competência do Poder Executivo. E, se o Poder Executivo tem competência para praticar um ato, o Presidente da República, no exercício da direção desse Poder, pode definir o órgão que deva atuar em nome do mesmo Poder. E foi o que ocorreu no caso em tela, razão pela qual não se trata de delegação, mas de simples definição de atribuição.
Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio divergiu do relator, afirmando que a regra, o princípio basilar, é a disciplina da matéria mediante lei e o § 1º do artigo 153 da Constituição traz uma exceção. E, como tal, a exceção somente pode ser interpretada de forma restrita, apenas com o que nela se contém.
O Ministro acrescentou ainda que o Supremo Tribunal Federal, não pode, a partir de um simples ato de vontade, inserir na Carta da República disposição não contemplada, contrariando-a, tornando-a flexível, afastando a rigidez que denota a supremacia dessa mesma Carta da República. Assim, não há alusão no artigo 153 da Constituicao à matéria de fixação de alíquota de tributo ser passível de transferência a Ministro de Estado.
Ao revés, argumenta o ministro Marco Aurélio, o que se vê, com todas as letras, do artigo 62, § 2º, da Constituição Federal é a sinalização que não permite que se considere outra pessoa, senão o Presidente da República, como habilitada a praticar ato a implicar na flexibilização da alíquota de tributo.
Por fim, o Ministro Gilmar Mendes acompanha o relator, sem acrescentar nenhum fundamento novo.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que não ofende o princípio da legalidade tributária norma infraconstitucional que autoriza órgão integrante da Administração Pública Federal a alterar, por meio de resolução, alíquotas do Imposto de Exportação.
Correlato a esse tema, também foi analisado exaustivamente pela Corte Constitucional a possibilidade de um decreto alterar os alíquotas dos impostos de importação e exportação, dentro dos limites estabelecidos por lei ordinária, não necessitando de lei complementar para tanto. Nesse sentido, cita-se o Recurso Extraordinário 224.285, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, que entendeu que a lei que confere condições e limites para a majoração da alíquota do imposto de importação a que se refere o artigo 153, §1º da Constituição Federal é a ordinária, visto que lei complementar somente será exigida quando a Carta Constitucional expressamente determinar.
Acrescente-se ainda que o Plenário do STF novamente analisou essa questão no Recurso Extraordinário nº 225.602, cujo relator foi o Ministro Carlos Velloso, o qual defendeu que relativamente ao imposto de importação, a Constituição Federal, no §1º do art. 153, expressamente o excepciona do princípio da legalidade. A exceção, pois, não é conferida pela lei, mas pela própria Constituição, que não exige lei complementar para tanto. De outro lado, se ainda entendesse que era necessário lei complementar, o Ministro Carlos Velloso continua o seu raciocínio no sentido de que o Código Tributário Nacional desempenharia esse papel.
O voto do Ministro Carlos Velloso foi acompanhado pelo Ministro Nelson Jobim, o qual afimou que não se deve fazer interpretações ou exegeses de qualquer natureza para se tentar ler o que na Constituição não está. Assim, como a Carta Política exige lei, e não lei complementar, a lei ordinária é suficiente para tratar do assunto.
Os Ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallorri, Maurício Correa, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Sepúlvida Pertence igualmente seguiram os votos anteriores e o julgamento foi por unanimidade.
No mesmo sentido do julgamento anteriormente referido, tem-se o Agravo Regimental em Recurso Extraordinário 219874.
Diante desse contexto, percebe-se que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de entender compatível com o ordenamento jurídico brasileiro norma infraconstitucional que autoriza órgão integrante da Administração Pública Federal a alterar, por meio de resolução, alíquotas do imposto de exportação. Ademais, é possivel também que um decreto altere as alíquotas dos impostos de importação e exportação, dentro dos limites estabelecidos por lei ordinária, não necessitando de lei complementar para tanto.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela UFPE. Pós-Graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Tarsila Ribeiro Marques. O principio da legalidade tributária nos impostos de importação e exportação: análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34633/o-principio-da-legalidade-tributaria-nos-impostos-de-importacao-e-exportacao-analise-da-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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