RESUMO: A poder familiar em um dado período da antiguidade era voltado para o direito materno, em virtude de não ser possível comprovar a paternidade, pois o casamento em grupos impossibilitava o reconhecimento do verdadeiro pai. Em transição de uma tribo a outra, a monogamia foi substituindo a poligamia. Neste contexto, o poder paterno foi se estabelecendo, prevalecendo e tornando a mulher submissa ao chefe da família. A atualidade apresenta um grande declínio do poder patriarcal, em razão das mudanças sociais e da legislação vigente que garante hoje, a integridade da família e não mais o poder familiar. A religião foi uma grande desencadeadora e responsável pela manutenção do poder familiar voltados para o homem como chefe da família, só muito recentemente reconhecendo novas formas de relação familiar. Neste processo de transição, o poder familiar oscila: ora é centrado na figura materna, ora na figura paterna, neste caso por muito mais tempo, para, finalmente, na atualidade se compartilhar o poder familiar fazendo desaparecer a figura, enquanto gênero, do chefe da família, pois esta agora se baseia na afetividade e não mais no temor ao poder do chefe.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Familiar: origem, ascensão, Igreja e legislação.
I. INTRODUÇÃO
Na antiguidade existiam famílias onde o matrimônio era realizado em grupo no qual a poligamia junto com a poliandria era comum, a descendência só podia ser estabelecida do lado materno, e, por conseguinte, apenas se reconhece a linhagem feminina.”[1] Neste contexto a mulher era muito respeitada e tinha forte influência, não era considerada submissa, pois por esta ser mãe legitima, era agraciada por estas prerrogativas, ou seja, a paternidade era um fator impossível de ser certificado em razão da forma deste grupo se relacionar no matrimônio.
Ainda na época primitiva imperou, no seio de tribos, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres.[2] Com a transição desta espécie de família, originou-se outra com características mais rígidas, a poligamia ainda prevalecia, mas por parte apenas do homem, as mulheres passaram a ser fiéis e, caso cometessem adultério, eram castigadas cruelmente. A cada processo de transição, a mulher passou a ser mais recatada e o direito materno passou a ser substituído pelo poder paterno, em virtude da monogamia e da necessidade dos pais poderem transmitir sua herança para seus descendentes, que antes não era permitido. Desde esta época o conceito de família é voltado para a prevalência do poder paterno sobre o materno
II. A AUTORIDADE NA FAMILIA: PODER PATERNO E IGREJA
Esta família tradicional da antiguidade compõe-se de um pai, de uma mãe, de filhos e de escravos. Neste contexto a Religião regula as relações familiares e deposita todo o poder ao pai. Fustel de Coulanges[3] fortalece esta compreensão ao mencionar que os membros da família antiga eram unidos por algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força e que este poder se encontrava na religião do lar e dos antepassados. Ressalta que a religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida.
A relação Igreja e Família é intrinsecamente conhecida desde as primeiras referências registradas nos documentos religiosos escritos. Conforme as escrituras, Deus criou Adão e Eva, o primeiro homem e a primeira mulher, para que eles fossem, companheiros e os entregou a responsabilidade de fecundação e multiplicação: Façamos o homem a nossa imagem e semelhança. Gn1, 26[4] , constituindo-se assim a família a qual passou a ter grande importância, na formação e na solução da maioria dos problemas sociais, seja de forma direta ou indireta, razão porque a Igreja sempre primou pela sua proteção entendendo que uma família bem constituída, pelo casamento, supera os contratempos que existem nas relações intra e extra – grupo, além de contribuir positivamente para fortalecer seus integrantes na busca e na realização de seus vários objetivos lícitos e saudáveis.
A religião regulamentava o casamento e principalmente outras questões como adoção, sucessão, divórcio e demais situações que vinculava a família. O pai era o responsável pelos seus membros familiares e era o único que podia se apresentar a justiça pública caso algum dos seus entes cometessem algum delito. Vejamos o que diz COULANGES (2007) a este respeito:
O pai é o chefe supremo da religião doméstica; dirige as cerimônias do culto como bem entende, ou melhor, como as vira praticar por seu pai. Ninguém na família lhe contesta a supremacia sacerdotal. A própria cidade e os seus pontífices nada podem alterar em seu culto. Como sacerdote do lar, não reconhece superior algum.[/] A título de chefe religioso, é ele responsável pela perpetuidade do culto e, por conseqüência, da família. Tudo o que diz respeito a essa perpetuidade, seu primeiro cuidado e sua primeira obrigação, depende apenas dele. Daí lhe deriva todo um conjunto de direitos: O Direito de reconhecer o filho ao nascer, ou repudiá-lo. Este direito é atribuído ao pai tanto pelas leis gregas como pelas romanas. Por mais bárbaro que seja este direito não contradiz os princípios fundamentais da família. A filiação, mesmo incontestada, não era suficiente para adentrar o círculo sagrado da família: é preciso haver o consentimento do chefe e a iniciação no culto. Enquanto o filho não estiver associado à religião doméstica, nada representará para o pai.[5]
A religião estabeleceu vários direitos ao pai, colocando-o em uma posição superior aos demais entes e principalmente à mulher que era totalmente liderada por ele. É importante ressaltar que segundo COULANGES (2007) todos os direitos, inclusive de vida e de morte, eram exclusivos do pai o qual automaticamente excluía todos os outros membros da família.
O direito de repudiar a mulher quer em caso de esterilidade, vista a necessidade que a família não se extinga, quer em casos de adultério, já que a família e a descendência devem estar livres de toda adulteração.
O direito de casar a filha, isto é, o direito de ceder a outro o poder que tem sobre ela. O direito de casar o filho: o casamento do filho interessa à perpetuação da família.
O direito de emancipar, isto é, de excluir um filho da família e do culto. O direito de adotar, que é o direito de introduzir o estranho no lar doméstico.
O direito, antes de morrer, de designar um tutor para sua mulher e filhos.[6]
Enfim, todos os poderes ao macho em detrimento da fêmea. Com Isso muitas mulheres sofreram, ao logo da história, vários tipos de discriminação e violência. Desde muito tempo atrás, elas vem sendo violentadas de várias formas e sempre foram submissas ao companheiro, pai ou responsável. Mesmo, hoje a mulher continua sofrendo maus tratos, tanto no lar como em muitos outros ambientes. E, sendo a mulher, mais frágil fisicamente, muitas vezes, não tem como se defender do sexo oposto. Em muitos casos ficam sempre com marcas físicas e psicológicas para sempre, razão da existência de leis específicas para protegê-las a exemplo da Lei Federal Nº 11.340, de 07/08/2006 a qual oferece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal que expressa que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Muitas famílias vivenciam situações de violência física, psicológica, sexual, entre outras, causadas pelo alcoolismo, pelas drogas, pelo machismo, enfim, vivem problemas que atrapalham a convivência familiar, além de destruir as relações externas e a auto-estima de seus membros destruindo as relações afetivas, provocando mazelas agravadas a cada dia, em razão de muito desprezo e humilhação advinda quase sempre de um comportamento paterno.
A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22/09/2006, altera o Código Penal Brasileiro e possibilita que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada, além de que
Estes agressores também não poderão mais ser punidos com penas alternativas, sendo que a legislação também aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A nova lei ainda prevê medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida e filhos... O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia,[ ...] do Estado do Ceará, que foi agredida pelo marido durante seis anos... O texto da referida lei, define as formas de violência vividas por mulheres no cotidiano: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Antes da Lei Maria da Penha, os casos de violência contra a mulher eram tratados pelo Código Penal e as penas dos crimes iam até dois anos de prisão (como lesão corporal leve e ameaça) e podiam ser levados aos Juizados Especiais Criminais, que podia trocar a prisão do agressor por penas alternativas. Muitas vezes, com medo de represália, a própria vítima retirava a queixa na delegacia, antes mesmo do caso sequer chegar ao juizado. Com a nova legislação mesmo que a vítima queira desistir, só poderá fazê-lo em audiência, na presença do juiz. A Violência contra a mulher é ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial.[7]
O fato é que a Igreja que prega a paz implantou o machismo e indiretamente disseminou a violência contra a mulher por vário séculos, principalmente no seio familiar onde a violência doméstica e a desestruturação das famílias reflete na sociedade por meio de uma gama diferenciada de agressões contra seus integrantes.
III. MUDANÇAS NA ESTRUTURA FAMILIAR E A VIOLÊCIA SOCIAL
Diante das mudanças culturais ocorridas entre as diferentes sociedades, a mulher ingressou, pouco a pouco, no mercado de trabalho, ficando mais tempo fora de casa. Esse afastamento do lar faz com que os filhos sejam educados em outros ambientes como creches e escolas. Estas educam, mas não dispensam a participação dos pais. Sozinhas elas nunca irão preencher o vazio deixado pela falta de uma mãe, de seu carinho, enfim, do cuidado dos pais. Antes era só o pai que precisava se ausentar para trabalhar, então a falta era apenas do pai, Hoje a falta é de ambos, pois a mãe também se ausenta, para contribuir com a renda familiar. A violência contra a mulher aliada à sua conquista de espaço no mundo do trabalho contribui para aumentar a cada dia o índice de separações, gerando, em alguns casos, novas formas de violência em razão da desestruturação familiar.
Vimos há pouco tempo o caso de Isabela Nardoni, criança assassinada pelo próprio pai e a madrasta. Há poucas semanas, também no cenário brasileiro, um bebê de cinco meses foi morto pelos pais. Crianças são jogadas no lixo como se fossem coisas sem importância. Vivemos esses dramas a todo instante. Muitas crianças são vítimas de situações desagradáveis na família como drogas, prostituição, fome, pobreza e maus tratos. Não bastasse a violência familiar, muitas ainda passam fome não têm trabalhado digno, escolas, moradias. Estes fatos contribuem com o aumento dos meninos de rua, ou meninos na rua, bem como com a violência urbana, trazendo para o mundo real cenas para muitos pertencentes apenas ao mundo da literatura. Vejamos:
Um homem qualquer, trabalhador e muito economizador adquire fortuna, amiga-se a uma negra de um cego e sente cada vez mais sede de riqueza. Arranja confusões com um novo vizinho (Miranda) ao disputar palmos de terra. Chega a roubar para construir o que tanto almejava: um cortiço com casinhas e tinas para lavadeiras. Prosperou em seu projeto. João invejava seu vizinho. Veio morar na casa de Miranda, Henrique, acadêmico de medicina, a fim de terminar os estudos. Nessa casa, além de escravos e sua família morava um senhor parasita (Botelho, ex-empregado). D. Estela (esposa de Miranda) andava se "escovando" com o Henrique, porém acabaram sendo flagrados pelo velho Botelho. ( AZEVEDO, 1997 -trecho)
A obra O Curtiço[8], ressalta bem a realidade, onde as adversidades distorceram o comportamento humano em razão de sua agressão ao mais íntimo de cada ser. Onde a desiformação de uns, associado ao ódio, cobiça, traição, adultério, luxuria, discriminações, poder, machismo, de outros gera uma profunda impotência de superação das limitações pessoal, familiar, social. Especialmente porque tal situação é plenamente aceita por grande parcela da sociedade em geral, para quem cada um tem o que merece. Sentimento que acalma as inquietudes e gera conformismo e aceitação.
IV. NOVA POSTURA DA IGREJA E O FORTALECIMENTO FAMILIAR
Os problemas gerais vivenciados pela família despertam diferentes ações de modo especial da Igreja e do Estado.
Igreja percebeu, mesmo tardiamente, a necessidade de um apoio e orientação familiar e da implantação da Pastoral da Família cujo principal objetivo é fortalecê-la, pois a mesma está cada vez mais ameaçada e seus prejuízos atingem a sociedade. Percebendo a incipiência de tal mediada diante da gravidade dos problemas vivenciados pela família, o Conselho Pontifício para a Família que se reuniu Roma, sob a orientação de Sua Santidade, o Papa João Paulo II, elaborou a Carta dos Direitos da Família destinada aos organismos e autoridades interessados. Vejamos parte da introdução:
A Carta [...] tem a finalidade de apresentar aos contemporâneos, cristãos ou não, uma formulação, completa e ordenada, dos direitos fundamentais inerentes a esta sociedade natural e universal que é a família. [...] Os direitos enunciados na Carta estão impressos na consciência do ser humano e nos valores comuns a toda a humanidade[...]. Esses direitos derivam, em última análise, da lei inscrita pelo Criador no coração de todo ser humano. A sociedade é chamada a defender esses direitos contra toda violação, a respeitá-los e a promovê-los na integridade de seu conteúdo.
Os direitos que aqui se propõem [...] Em alguns casos, lembram normas no plano jurídico; em outros casos, expressão de postulados e de princípios fundamentais para a elaboração da legislação e desenvolvimento da política familiar. Em todo caso, constituem um apelo profético em favor da instituição familiar que deve ser respeitada e defendida contra qualquer agressão.
[...]. A Carta está dirigida, em primeiro lugar, aos Governos. Ao reafirmar, para o bem da sociedade, a consciência comum dos direitos essenciais da família, a Carta oferece a todos os que participam da responsabilidade do bem-comum um modelo e a referência para elaborar uma legislação e uma política familiar com uma orientação para os programas de ação.
A Santa Sé, ao mesmo tempo, propõe com confiança este documento ao estudo das Organizações internacionais e intergovernamentais que, pela competência e ação na defesa dos direitos do homem, não podem ignorar ou permitir violações aos direitos fundamentais da família.
A Carta, evidentemente, dirige-se também às próprias famílias: encoraja no seu seio a consciência da função e do posto insubstituível da família; deseja estimular as famílias a unirem se para a defesa e a promoção de seus direitos; anima-as a cumprir o seu dever de tal modo que o papel da família seja mais claramente compreendido e reconhecido no mundo atual.
A Carta dirige-se finalmente a todos, homens e mulheres, para que se comprometam a fazer todo o possível, a fim de assegurar que os direitos da família sejam protegidos e que a instituição familiar seja fortalecida para o bem de toda a humanidade, hoje e no futuro.
A Santa Sé, ao apresentar esta Carta,[...], dirige um apelo particular a todos os membros e a todas as instituições da Igreja, para que dêem testemunho das suas convicções cristãs sobre a missão insubstituível da família,[...para que ] recebam o apoio e o estímulo necessários ao cumprimento da tarefa que Deus lhes confiou.[9]
A essência desta Carta se resume em seu art. 4º, o qual expressa que a vida humana deve ser absolutamente respeitada e protegida desde o momento de sua concepção. Esta é a máxima desta carta: respeito e proteção a vida humana em toda a sua amplitude. Esta é uma nova postura da Igreja que vencendo os paradigmas de poder cria novos, baseados no ser , na pessoa humana e em sua dignidade.
V. A FAMÍLIA AFETIVA VENCE O PODER PATRIARCAL
Embora a Igreja pregue a obrigatoriedade do casamento o qual geraria herdeiros biológicos, não reconhecendo os filhos ilegítimos, nascidos fora do casamento, a família por afetividade, sempre foi uma marca em seus documentos, a exemplo de Maria, noiva de José, que já beirava os 90 anos, jovem humilde de quinze anos, boa esposa e boa mãe, que gestou e recebeu Jesus, com todo carinho, apesar de todas as dificuldades enfrentadas durante a gestação, durante seu nascimento e por vários momentos depois. José sempre esteve presente acompanhando Maria, a jovem grávida que dá a luz ao Menino Jesus, o qual é criado por ele, por orientação de Deus:
Enquanto José pensava em deixá-la sem ninguém saber, [ quando soube que ela estava grávida de um filho que não era seu] o Anjo do Senhor lhe apareceu em sonho e lhe disse: José filho de Davi, não tenha medo de receber Maria como sua esposa, porque ela concebeu pela a ação do Espírito Santo. Ela dará a luz um filho e você lhe dará o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados. [10] (Mt. 1, 20-21).
Foi nessa família que Jesus foi crescendo e dando seus primeiros passos. Jesus teve uma infância comum e, como qualquer outra criança, brincava, orava, ajudava seus pais e participava das festas religiosas. Levava uma vida normal até seus doze anos quando começou a participar da vida pública.[11] Esta família sagrada e mencionada em diferentes evangelhos passou a ser denominada de Sagrada Família e se tornou modelo para todas as demais em todas as gerações posteriores. GUIMARÃES (1977)[12] afirma que indubitavelmente a família é espaço de encontros. Não é suficiente que a casa da família seja apenas proteção contra o sol, a chuva, o vento, os animais e os ladrões. Os que se casam precisam fazer projeto de transformar seu lar num lugar de encontros de pessoas que querem e necessitam fazer unidas a aventura da vida.
O fato é que o amor materno venceu o poder paterno e os vínculos de sustentação que caracterizava uma família patriarcal, que era a proteção física, social e econômica, os quais historicamente vêm sendo desafiados e ameaçados de todas as formas possíveis, se desconstitui como modelo familiar, restando hoje a afetividade como laço principal que une seus membros.
Mas seu vínculo religioso não desapareceu. Neste sentido é que, para muitos, a família é Igreja doméstica, é a escola da vida. É nela que se chora, se canta e se vive a mesma dor compartilhada, mas para que isso aconteça, ela precisa ter o compromisso de educar seus filhos fundada nos princípios da afetividade, tolerância, solidariedade, compreensão, respeito ao próximo, enfim, no amor incondicional, pois desta forma se estará materializando os compromissos de Jesus Cristo que há dois mil anos afirmou: “Eu sou o caminho a verdade e a vida.”.
O Papa Bento XVI afirma que:
[A família] tem sido e é a escola da fé, palestra de valores humanos e cívicos, lar em que a vida humana nasce e se acolhe generosa e responsavelmente... A [i]família é insubstituível para serenidade pessoal e para a educação dos filhos[13]
Este entendimento hoje, não é mais só da Igreja, é também do Estado, razão porque é expresso em lei que todos tem direito à convivência familiar, certamente que se fala aqui de uma família afetivamente constituída, pois só esta, por meio do afeto é capaz de vencer o poder do chefe de família em prol do bem estar de todos os seus membros.
Se, contudo esta família não atender aos requisitos mínimos de proteção aos seus dependentes pode perder o poder familiar.
Recentemente, um homem, pai de dois filhos, foi destituído de poder familiar por apresentar problemas com alcoolismo e agressividade. A decisão foi confirmada pela 1ª Câmara de Direito Civil do TJSC. Anteriormente, a mãe das crianças, em razão de problemas com drogas, também perdera a guarda dos menores.[14]
Efetivando o entendimento de que o importante não é o poder familiar, mas a integridade da família , de cada um de seus membros.
VI. O PODER FAMILIAR NO SEC XXI
Atualmente ao lado da família patriarcal tradicional que ainda resiste em alguns lares, convivem a família conjugal moderna. A primeira se caracteriza pela autoridade absoluta dos pais, cabeça da família e detentor absoluto do poder econômico, social, política, moral repressor e religioso e transmite discriminação entre os sexos. Para muitos este modelo, com tantos aspectos negativos, também apresenta aspectos positivos, que foram e continuam sendo marcantes, como a fidelidade fundamental entre seus membros e a transmissão de valores sólidos que hoje são preservados. Eles foram herdados desse tipo de família patriarcal tradicional.
Paralelamente, observemos, também, os aspectos positivos da família conjugal moderna segundo BONNER (2003):
1. Ocorre uma maior liberalização das relações dentro da família: os diferentes horários, as diferentes maneiras de se vestir, a possibilidade de escolha de amigos, as saídas de casa, etc., são na realidade sinais de algo mais profundo.
2. Democratização no tratamento e nas decisões; usa-se o amparo, pergunta-se aos filhos o que convém para a vida familiar, etc.
3. A mulher desempenha também um papel fora do lar, embora nem sempre lhe seja fácil compatibilizar as tarefas profissionais com as tarefas domésticas.
4. Necessita e se valoriza a família como ambiente de afeto e criador de espontaneidade e de intimidade. Na família o indivíduo acalma as tensões geralmente muito fortes que se originam no âmbito do trabalho ou no âmbito político. (A família como ‘’repouso do guerreiro’’.)
5. A felicidade pessoal de cada indivíduo é o objetivo principal da convivência familiar. A família existe para o indivíduo e não o indivíduo para a família. [Embora] isto nem sempre traga conseqüências positivas.
6. Ocorre uma nova relação entre gerações. Em pais e filhos predomina o amor sobre o temor, a liberdade sobre a imposição e o diálogo sobre o autoritarismo. Em geral existe uma maior sinceridade e autenticidade.
7. Recuperação do sentido do casal baseado em fundamentos para [construir] uma nova relação com os filhos.[15]
As palavras chaves que sustentam esta nova relação familiar são: respeito, bem-estar, felicidade, valorização, solidariedade, democracia, afeto, união, enfim, dignidade e felicidade.
VII. O PAPEL DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE ATUAL
A família perdeu parte de sua identidade e de sua constituição. Anteriormente a mesma era composta por pais, mães filhos, netos. Hoje, contudo, já se discute o reconhecimento da relação homoafetiva, o registro de nascimento com duas mães ou dois pais; bebês feitos em laboratórios, o uso da célula tronco, extraída por meio de sacrifício de embrião, enfim, a revolução tecnologia e social afeta a família e as conseqüências refletem na sociedade por meio de avanços e retrocesso do qual a violência é a maior consequência.
A idéia de proteção ao embrião humano desde a concepção já era defendida por Kant (4797) no sentido de que os direitos da humanidade que cabem inclusive às crianças ainda em gestação a partir do momento da sua concepção. Sabendo que desde a concepção a vida só tende a se fortalecer, mas já é um ser humano em desenvolvimento.[16]
[...] A legislação tradicional em matéria de aborto assegura esse princípio fundamental. Nesse sentido, apenas implementa o princípio fundamental de toda democracia, segundo o qual todos os seres humanos são iguais e merecem proteção da lei..[17]
Defender a vida, por meio das leis, não é obrigação apenas de políticos. Elaborar leis em defesa da vida cabe a eles, mas cabe, também a cada pessoa contribuir, por meio de seu voto e de suas ações para garantir a vida e a dignidade principalmente dos embriões e dos indefesos.
Filósofos, legisladores e julgadores todos contribuem hoje com as mudanças da constituição familiar admitindo-se até cirurgia de modificação de sexo e retificação de Registro Civil vejamos um recente julgado da cidade de Bage.
A Justiça Estadual autorizou transexual a retificar seu registro civil de nascimento, mudando o prenome de Antônio para Veronika, mesmo sem ter realizado cirurgia de modificação de sexo. A decisão é do Juiz de Direito Roberto Coutinho Borba, Diretor do Foro e titular da 3ª Vara Cível de Bagé[...] A sentença determina, ainda, que o Registro Civil das Pessoas Naturais de Bagé deverá zelar pelo sigilo da retificação do assento da parte, ficando vedado fornecimento de qualquer certidão para terceiros acerca da situação pretérita, sem prévia autorização judicial.
Caso[...] Segundo artigo 58, caput, da Lei dos Registros Públicos, o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos e notórios. A interpretação que a doutrina e a jurisprudência têm outorgado à substituição, em regra, vai limitada às pessoas dotadas de eloquente aparição pública. Porém, reputo que se trata de concepção por demais restritiva da regra supracitada, pondera o magistrado. É dever-poder do julgador, quando instado para tanto, na especificidade do caso concreto, fazer valer o texto normativo constitucional, suprindo lacunas com aplicação da principiologia quando (e se) necessário.[18]
A discriminação é uma das maiores agressões sofridas pela família moderna, especialmente no tocante à Relação Homoafetiva a qual não é, legalmente reconhecida, nem compreendida e muitas vezes, sequer aceita, e caracterizada por alguns como uma degeneração. Roudinesco[19] ao escrever sobre A família em desordem critica:
[tudo] nos induz a pensar que, essas desordens (clonagens, bárbaros bissexuais ou delinqüentes da periferia concebidos por pais desvairados e mães errantes) não são novas, mesmo que manifestem de forma inédita e sobre tudo que não impedem que a família atual seja atualmente reivindicada como o único lugar seguro, ao qual ninguém quer renunciar. Ela é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições.
De tal crítica pode-se inferir que é preciso que o ser humano saiba lidar com suas emoções e agir de acordo com a razão, mas sem perder seus valores humanos, espirituais, pois o mesmo humano que possui inteligência para criar a bioética, pode ser capaz também de fazer o inverso. Ele pode salvar vidas, estudar todas as formas possíveis que defendam e preservem a vida ou mecanicamente destruir tudo irracionalmente. Tudo depende de sua relação entre a fé e a ciência, entre a emoção e a razão, entre seus preconceitos e a dignidade de seu semelhante. Enfim, o fato é que mesmo os que criticam a firmação da nova identidade dos membros da família moderna e as conquistas pessoais sociais e tecnológicas, reconhecem a importância da estrutura familiar como fundamental para garantir a integridade de seus membros.
VIII.A FAMÍLIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A violência cometida com qualquer pessoa é crime, mas este aumenta quando é contra pessoas indefesas como crianças, idosos e mulheres. Por isso hoje há leis próprias para garantir a proteção integral de cada um deste grupo de vitimas potenciais: Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA; Estatuto do idoso e a Lei Maria da Penha além da nossa Carta Magna.
A Constituição Federal de 1988 traz a igualdade como um garantia fundamental, não deixando lacunas para a interpretação de uma possível soberania de sexo, ou seja, homens e mulheres são iguais perante a lei. Em alguns casos práticos, ainda existe a superioridade do homem sobre a mulher, mas não amparado por lei. Essa igualdade é um fator primordial para a análise e proteção dada à família, pois deve acabar com a idéia de submissão da mulher e de todos os membros em relação a um chefe.
A família, independente de seu poder se matriarcal, patriarcal, poder descentralizado ou qualquer outra forma, é à base da sociedade, legalmente e constitucionalmente e está protegida pelo Estado. Ela pode ser constituída pelo casamento civil, ou religioso com efeitos civis. Pode também ser constituído pela união estável entre o homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Pode ser composta por qualquer um dos pais e seus descendentes ou simplesmente unida por afetividade. Já há inclusive julgados reconhecendo o direito de herança, entre casais homoafetivos.
O fato é que parafraseando Alexandre de Moraes, os direitos e deveres referentes sociedade conjugal são exercidos, na atualidade, igualmente pelo homem e pela mulher.[20] O que representa grande conquista para o universo feminino, para a família, bem como para a sociedade em geral, a qual vive hoje uma democracia sem precedentes, embora se saiba que o caminha para a conquista total ainda é muito longo, pois apesar das leis sua efetivação é resistida.
IX. CONCLUSÃO
Com a origem das tribos que se relacionavam pelo casamento em grupo era perceptível a legalidade da poligamia, estes relacionamentos dificultavam que a paternidade fosse reconhecida, e esta era uma prerrogativa para que a mulher fosse considerada superior ao homem e respeitada. A transição deste grupo originou-se uma nova tribo onde não mais a poligamia era liberada, ou seja, foi estabelecida a monogamia. É possível averiguar que mesmo a mulher perdendo seus privilégios iniciais, hoje, por lei não pode ser avaliado a superioridade do pai ou da mãe, como antigamente. Atualmente a família é protegida por lei e a igualdade também. A lei não define quem é o Chefe e os subordinados, apenas protege a família.
Esta nova tutela estatal é uma das maiores garantias para a família se reencontrar e, por conseqüência, se livrar da eutanásia, dos suicídios, do aborto, das drogas, da violência da ambição, da luxúria e de todos os males que lhe atormentam; pois sendo a célula originária da sociedade é ela que a forma e não a sociedade que forma ela.
A família precisa de políticas públicas para que se ajuste e desenvolva suas funções iluminadas por Cristo a fim de que, entre outros efeitos, não se veja mais crianças sendo abandonadas e sendo mortas por seus próprios pais.
É preciso, portanto, que haja uma política de valorização, principalmente da vida humana e de tudo o que for necessário para seu fortalecimento, pois todo ser tem o direito de viver com qualidade, respeito e dignidade.
Enfim, a família precisa ser fortalecida em seus valores, éticos e morais pregados por Cristo tendo os mesmos como centro de suas ações, a fim de acabar com todas as mazelas e cumprir com as palavras de Jesus: “eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”. Mas, para isso ser possível Igreja e Estado, devem tocar no mesmo tom.
X. REFERÊNCIAS
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BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Cáritas Est: do sumo pontífice aos bispos, Presbíteros e diáconos, as pessoas consagradas e a todos os fieis leigos sobre o amor cristão. 4ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2006.
Bíblia de Jerusalém. 6ª ed. São Paulo: Paulinas, 1993.
BONNIN, Eduardo. Ética matrimonial, familiar e sexual. São Paulo: Ave – Maria, 2003.
CLEMENTE, Ana Paula Pacheco. Bioética no inicio da vida: dilemas pensados de forma transdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 2006.
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga.
Documento de Aparecida: texto conclusivo da V conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe: 13-31 de maio de 2007. São Paulo: Paulus, 2007.
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.
FARIAS, Maria aparecida Vasconcelos. Mundo jovem, março de 2007
GUIMARÃES, Almir Ribeiro. Família para um novo século: roteiros de reflexões para reuniões com família. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.p.40.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009
RAMOS, Federico Pastor. A família na bíblia. Petrópolis: Vozes, 1999
SCHOOYANS, Michel. O aborto: aspectos políticos. Rio de Janeiro: Marques saraiva, 1993.p.114.
http://groups.google.com/group/direitoages?hl=pt-BR.
http://groups.google.com/group/direitoages?hl=pt-BR. Fonte : TJSC 19.10.10
http://www.clerioborges.com.br/violenciafamiliar.html. Acessado no dia 16/02/2009
[1] ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade privada e do Estado. Pg. 43
[2] ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade privada e do Estado. Pg.31
[3] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Pg.45
[4]Bíblia de Jerusalém. P.32.
[5] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Pg.98
[6] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Pg.98
[7]http://www.clerioborges.com.br/violenciafamiliar.html. Acessado no dia 16/02/2009 às 17h58min.
[8] AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 30. ed. São Paulo: Ática, 1997.
[9] BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Cáritas Est: do sumo pontífice aos bispos, Presbíteros e diáconos, as pessoas consagradas e a todos os fieis leigos sobre o amor cristão. 4ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2006.
[10] Bíblia de Jerusalém. 6ª ed. São Paulo: paulinas, 1993. P. 1838.
[11] RAMOS, Federico Pastor. A família na bíblia. Petrópolis: Vozes, 1999.p. 67-68.
[12] GUIMARÃES, Almir Ribeiro. Família para um novo século: roteiros de reflexões para reuniões com família. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.p.40.
[13]Documento de Aparecida: texto conclusivo da V conferencia Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe: 13-31 de maio de 2007. São Paulo: Paulus, 2007.P.65.
[14] http://groups.google.com/group/direitoages?hl=pt-BR. Fonte : TJSC 19.10.10
[15] BONNIN, Eduardo. Ética matrimonial, familiar e sexual. São Paulo: Ave – Maria, 2003. P.203.
[16] CLEMENTE, Ana Paula Pacheco. Bioética no inicio da vida: dilemas pensados de forma transdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 2006.p.141.
[17]SCHOOYANS, Michel. O aborto: aspectos políticos. Rio de Janeiro: Marques saraiva, 1993.p.114.
[18] http://groups.google.com/group/direitoages?hl=pt-BR.
[19] FARIAS, Maria aparecida Vasconcelos. Mundo jovem, março de 2007.p.14.
[20] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009.p.845
Bacharelando em Direito pela Faculdade AGES, Possui Licenciatura Plena em Letras Vernáculas com Inglês pela UNEB - Jacobina, BA e especialização no curso Pós Graduação em Lingüística Pela UNEB - Santo Antônio de Jesus - BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MADUREIRA, Maria Cicleide Rosa. O poder familiar: origem e transição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34809/o-poder-familiar-origem-e-transicao. Acesso em: 22 nov 2024.
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