Imagine que um médico lhe dissesse que você, que tem peso normal, teria 97% de chance de virar um obeso mórbido e que, caso você fizesse uma cirurgia de redução de estômago, essa chance caísse para 5%, você faria? E se um médico lhe dissesse que você, homem, tinha uma mutação genética que lhe dava 90% de chance de desenvolver um câncer de testículo, você os removeria? Pois é. Nesta semana, a tal da medicina preventiva chegou ao seu limite. A premiada atriz Angelina Jolie, de apenas 37 anos, sabendo de um risco enorme que tinha de desenvolver câncer de mama, decidiu, por ela mesma, realizar uma mastectomia, retirando os seios. (*)
O Comitê de Diretores da Sociedade Americana de Câncer declarou que "somente indicações patológicas e/ou clínicas muito fortes asseguram a realização desse tipo de operação preventiva.” Cirurgias preventivas para tal caso já vinham sendo realizadas, porém, muito raramente, e nunca com alguém tão influente e que logo as tomasse como bandeira, como a própria Angelina Jolie diz: "Se escrevo agora sobre isto é porque espero que outras mulheres possam beneficiar-se de minha experiência".
As conseqüências jurídicas dessa novidade são tantas e tamanhas que merecem um debate sério sobre o que a ditadura da medicina – emagreça, um pouco de sobrepeso é bom, faça exercícios, mas cuidado para não infartar correndo, não coma ovo, coma ovo, menos sal, menos açúcar, mais sal, essa mutação dá 90% de chance de desenvolver câncer, (...) dois anos depois (...), não é nesse gene, é em outro - vem fazendo com as mentes das pessoas.
Afinal, vale a pena se mutilar porque um médico disse que você tinha chance de desenvolver uma doença, no futuro, não se sabe quando, nem se ela realmente virá? Não existem outras opções para essas mulheres que não seja se mutilar para evitar uma doença? Cirurgias são operações complicadíssimas e todas envolvem um risco de morte, seja ele pequeno ou não. Elas devem ser performadas não preventivamente, mas como último caso, quando não há nada mais a se fazer em termos médicos. "Você levanta com tubos de drenagem e extensores nos peitos. Parece uma cena de um filme de ficção científica. Mas alguns dias depois da operação, você pode voltar à vida normal", recorda a atriz.
Que onisciência é essa que faz um médico cravar que uma pessoa tem 97% de chance de desenvolver um câncer? Uma pessoa sadia, atlética, que nunca teve qualquer doença grave, de repente tem risco de se acometer por uma neoplasia por causa de uma mutação genética - no caso, o BRCA-1 ou BRCA-2? O fato é que ela, apesar da mastectomia, ainda pode desenvolver o câncer e, se não tivesse realizado a operação, podia ser também que não desenvolvesse. Sim, as estatísticas indicavam um risco grande, mas será que tais estatísticas estavam corretas? Quantos profissionais se envolveram para calculá-las? Eles têm mesmo esse poder de definir a chance real de alguém vir a ter uma doença no futuro? A partir de qual porcentagem é indicada uma cirurgia preventiva?
É importante atentar para a reflexão que traz o autor do Blog Livre Pensar, Henrique Miranda: “Em uma sociedade em que a beleza física e a integridade orgânica é tão valorizada, como uma pessoa assume uma cirurgia que lhe mutilará órgãos importantes biológica e esteticamente? Para mim, que considero que o ato de viver só vale a pena se dentro de determinadas condições de integridade e dignidade física e mental, é uma decisão bastante problemática. Mas, cabeças são cabeças.” (**)
Cabeças são cabeças, mas é importante frisar que essa decisão não é de responsabilidade apenas da paciente que quer fazer a mastectomia preventiva. Ela deve ser decidida em conjunto com o médico que fez o prognóstico – um prognóstico sui generis já que feito sem diagnóstico visto que não há doença - e com o seu cirurgião. Ambos os médicos têm responsabilidade civil sobre a operação, podendo responder processualmente tanto em caso de erro durante a cirurgia, como de arrependimento posterior da paciente (o que não é raro de acontecer).
Por ser muito recente no campo médico, a classificação deste tipo de cirurgia ainda não foi pacificada pela doutrina ou jurisprudência, mas ela deve equivaler, juridicamente, a uma plástica, pois não é, analogamente, um remédio, mas sim, uma vacina, desnecessária como tratamento.
Assim, a cirurgia preventiva deve ser analisada como uma obrigação de resultado, em que o médico tem a necessidade premente de conseguir realizar exatamente o que prometeu ao paciente – posto que este se encontra saudável no momento da cirurgia -, e não como obrigação de meio, em que lhe é exigido apenas que se esforce para alcançar um resultado, não importando qual seja este.
(*)http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2013/05/14/angelina-jolie-revela-que-passou-por-dupla-mastectomia.htm
(**)http://livrepensar.wordpress.com/2009/01/27/cirurgia-preventiva-coragem-ou-medo-consciencia-ou-loucura/
Fonte: http://fb.me/2IbiQ9w4Y
Precisa estar logado para fazer comentários.