Em um sistema federativo não há hierarquia entre os entes, e sim a repartição de atribuições, de acordo com o determinado na Constituição. Para a defesa e o fomento de certos interesses, o constituinte estabeleceu norma combinando os esforços de todos os entes federados. Essas competências são chamadas de concorrentes, na medida em que os vários entes da Federação são tidos como aptos para desenvolvê-las.
O art. 23 da Constituição Federal trata da competência material comum dos entes políticos. O parágrafo único, com redação dada Emenda Constitucional n.º 53, de 2006, estabelece que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” Comentando esse assunto, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco esclarecem que,
A Carta da República prevê, no parágrafo único do art. 23, a edição de lei complementar federal, que disciplinará a cooperação entre os entes para a realização desses objetivos comuns. A óbvia finalidade é evitar choques e dispersão de recursos e esforços, coordenando-se as ações das pessoas políticas, com vistas à obtenção de resultados mais satisfatórios.
Se a regra é a cooperação entre União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, pode também ocorrer conflito entre esses entes, no instante de desempenharem as atribuições comuns. Se o critério da colaboração não vingar, há de se cogitar do critério da preponderância de interesses. Mesmo não havendo hierarquia entre os entes que compõem a Federação, pode-se falar em hierarquia de interesses, em que os mais amplos (da União) devem preferir aos mais restritos (dos Estados).
Conforme esclarecem os autores citados, se não houver efetivamente uma colaboração, mesmo não havendo hierarquia entre os entes que compõem a Federação, pode-se pensar em hierarquia de interesses. A ausência de lei complementar não pode ser óbice ao exercício das competências.
O art. 23 estabelece a competência comum dos entes políticos para tratar de assuntos como saúde, educação, preservação da natureza, entre outros. O que se verifica, muitas vezes, é um conflito negativo de competência, pois um ente não quer exercer a sua competência, alegando ser competência do outro, quando na verdade há uma responsabilidade solidária.
A distribuição de competência entre os diversos entes federados atende a critérios de organização política estabelecidos na Constituição de um Estado Federal, que visam, por exemplo, a definição de competências de acordo com o tipo de interesse a ser protegido (nacional, regional, local). Assim, esse tipo de atribuição originária de competência aos entes, não submetidos à hierarquia e controle uns pelos outros, se dá por meio da técnica conhecida como descentralização administrativa vertical, visando obter maior eficiência. Nesse contexto, o poder é repartido entre os entes, que possuem âmbitos de atuação diferenciados.
Mendes, Coelho e Branco, na obra “Curso de Direito Constitucional”, esclarecem que no Estado Federal, uma vez que há mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território e sobre as mesmas pessoas, impõe-se a adoção de mecanismo que favoreça a eficácia da ação estatal, evitando conflitos e desperdícios de esforços e recursos. Nesse sentido, a repartição de competências entre as esferas do federalismo seria o instrumento concebido com essa finalidade.
Ainda, segundo esses autores citados, quanto à classificação dos modelos de repartição de competência, cogita-se das modalidades de repartição horizontal e de repartição vertical. Na repartição horizontal não se admite concorrência de competências entre os entes federados, já na repartição vertical de competências realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a União e os Estados-membros. No que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades locais, havendo um “condomínio legislativo” entre União e Estados-membros.
Assim, no âmbito das competências legislativas, é possível verificar que há competências privativas da União, art. 22, CF, bem como competências concorrentes entre União, Estados e Distrito Federal, art. 24. A competência legislativa dos municípios é bem mais restrita, nos termos do art. 30, I e II, CF, restringindo-se a legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no couber.
No art. 24, a Constituição Federal prevê que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre os temas que elenca. Nos termos do dispositivo, em linhas gerais, a competência concorrente se dá nos seguintes moldes: à União, compete a edição de normas gerais; aos Estados e ao Distrito Federal compete a suplementação destas normas gerais a serem aplicadas em seus territórios. Verifica-se que, na ausência de norma geral, os Estados e o DF poderão editar leis com tal caráter, que será suspensa no que contrariar eventual edição de lei geral da União superveniente sobre a mesma matéria (§ 4º do artigo 24).
Quanto à competência suplementar dos Estados-membros e do Distrito Federal, Alexandre de Moraes explica que:
Note-se que, doutrinariamente, podemos dividir a competência suplementar dos Estados-membros e do Distrito Federal em duas espécies: competência complementar e competência supletiva. A primeira dependerá de prévia existência de lei federal a ser especificada pelos Estados-membros e Distrito Federal, Por sua vez, a segunda aparecerá em virtude da inércia da União em editar a lei federal, quando então, os Estados e o Distrito Federal, temporariamente, adquirirão competência plena tanto para edição das normas de caráter geral, quanto para as normas específicas (CF, art. 24, §§3º e 4º).
Cada ente federado é responsável pela suplementação das normas gerais em seu âmbito territorial, de acordo com a sua realidade econômica, social e administrativa. Em razão da proporção do território brasileiro, das peculiaridades de cada região, é importante que a competência suplementar possa ser exercida adequadamente, sem interferência da União, para que possa ser atendido o interesse público local.
Na prática, o que se verifica, em alguns casos, é a edição de normas gerais por parte da União descendo a minúcias, que muitas vezes acaba por esgotar o tema, o que gera a impossibilidade dos Estados e do Distrito Federal exercerem a competência suplementar, prevista na Constituição Federal, para regular os assuntos de interesse local. Como exemplo, podemos citar a lei de licitações e contratos (Lei n.º 8.666/93), que, em muitos pontos, acaba por esgotar o tema, não se limitando a estabelecer normas gerais.
____________________
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3.ed., São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15.ed., São Paulo: Atlas, 2004.
Precisa estar logado para fazer comentários.