Introdução
O presente artigo tem por objetivo realizar uma breve análise acerca do delineamento legal e doutrinário dado aos adicionais no âmbito trabalhista, em especial no que se refere ao adicional de periculosidade.
Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, a questão do adicional de periculosidade dos eletricitários, as recentes alterações legais operadas na matéria e os possíveis posicionamentos a serem defendidos doravante.
O adicional de periculosidade e os eletricitários
Consoante lição de Maurício Godinho Delgado[1], “os adicionais consistem em parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas mais gravosas”.
Do conceito acima mencionado, extraem-se as principais características dos adicionais, quais sejam: a) possuem natureza nitidamente salarial, não se tratando de parcela indenizatória; b) são parcelas suplementares em relação à prestação salarial principal auferida pelo empregado, não assumindo posição central na remuneração; c) possuem caráter contraprestativo, na medida em que se paga um plus pelo exercício de atividades em circunstâncias contratuais consideradas mais gravosas, perigosas ou de maior risco ou responsabilidade impostos ao trabalhador; d) são considerados salário condição, uma vez que não se vinculam ao contrato, apenas sendo devidos enquanto perdurar a circunstância que deu ensejo à sua percepção[2].
Os adicionais costumam ser classificados em legais e convencionais. Adicionais legais seriam aqueles previstos em lei, subdividindo-se em: abrangentes, que se aplicam a qualquer categoria de empregados, desde que presentes as circunstâncias legalmente tipificadas (ex.: adicional de insalubridade e periculosidade); e, restritos, que alcançam um grupo determinado de trabalhadores que se encontrem em certas circunstâncias, legalmente previstas (ex.: adicional por acúmulo de função). Por sua vez, os adicionais convencionais são criados por Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo de Trabalho, pelo empregador ou por ambas as partes do contrato de emprego[3].
Feitas essas breves considerações doutrinárias, centremos nossa análise no adicional de periculosidade.
Previsto no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal[4], o adicional de periculosidade encontra regulamentação legal no artigo 193 da CLT[5], sendo devido no percentual de 30% (trinta por cento) sobre o salário base, sem acréscimos de qualquer natureza.
Excepcionalmente, contudo, a Lei 7.369/85[6], em seu artigo 1º[1], assegurava aos empregados que exerciam atividades no setor de energia elétrica o adicional em comento calculado sobre a totalidade das verbas de natureza salarial. Esse entendimento foi consagrado, inclusive, pela Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho[7] na Súmula 191 e na OJ 279 da SDI1, cujos enunciados se transcreve:
SUM-191. ADICIONAL. PERICULOSIDADE. INCIDÊNCIA (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial. [original sem destaque]
OJ-SDI1-279 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ELETRICITÁRIOS. BASE DE CÁLCULO. LEI Nº 7.369/85, ART. 1º. INTERPRETAÇÃO (DJ 11.08.2003). O adicional de periculosidade dos eletricitários deverá ser calculado sobre o conjunto de parcelas de natureza salarial.[original sem destaque]
Ocorre que tal disciplina foi sensivelmente modificada pela edição da Lei 12.740 de 08 de dezembro de 2012, a qual revogou expressamente a Lei 7.369/85, que versava sobre o adicional de periculosidade dos eletricitários, e alterou a redação do artigo 193 da CLT, que passou a vigorar com seguintes termos:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
Assim, de acordo com o novo regramento legal, o pagamento do adicional de periculosidade aos eletricitários deverá ser feito nos termos do § 1º do artigo 193 da CLT – como o era, anteriormente, para todas as demais categorias –, ou seja, no percentual de 30% (trinta por cento) sobre o salário básico, sem acréscimos de outras parcelas.
A aplicação dessa nova sistemática para os trabalhadores eletricitários contratados após a vigência da Lei 12.740/2012 não apresenta maiores problemas, em face da possiblidade de tal diploma legal produzir efeitos imediatos.
No entanto, em relação aos eletricitários que possuíam contratos de trabalho em vigor à época da mudança legislativa,a inovação implicaria redução da base de cálculo do adicional de periculosidade e, por consequência, redução salarial unilateral por parte do empregador, em nítida violação aos princípios da inalterabilidade contratual lesiva e da condição mais benéfica.
A respeito desse último postulado, interessante a lição de Maurício Godinho Delgado[8] no sentido de que “este princípio importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF/88)”.
Além do aspecto atinente à violação ao direito adquirido, bem lembrado pelo doutrinador acima mencionado, a referida modificação também poderia ter sua constitucionalidade questionada por se apresentar restritiva de direito social elencado na Constituição Federal e regulamentado no plano infraconstitucional, no que concerne à categoria dos eletricitários.
Isso porque os direitos sociais, adquiridos ao longo do tempo pelas classes operárias através de reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho, são marcados pela nota da progressividade, assegurada constitucionalmente no caput do artigo 7º (“além de outros que visem à melhoria de sua condição social”), bem como alcançados pela proibição de retrocesso.
A respeito da proibição de retrocesso, Luís Roberto Barroso[9] leciona que “por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”.
Bernardo Gonçalves Fernandes[10], destaca que parcela significativa da doutrina estrangeira e nacional encaram o princípio da proibição do retrocesso como um limite material implícito, na medida em que os direitos fundamentais sociais já constitucionalmente assegurados e que alcançaram um grau de densidade normativa adequado não podem ser suprimidos por emenda constitucional e nem mesmo por legislação infraconstitucional, a não ser que se tenha prestações alternativas para os direitos em questão.
Cumpre pontuar que, embora tal princípio não esteja expresso na Lei Fundamental de 1988, o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada por meio do Decreto n. 678/1992[11], a qual, em seu art. 26, adota tal princípio de forma expressa.
Conclusão
Ante o exposto, conclui-se que a Lei 12.740/2012, que alterou o regramento do adicional de periculosidade e revogou a Lei 7.369/85, não tem o condão de alterar a base de cálculo do adicional percebido pelos trabalhadores eletricitários que possuíam contrato de trabalho em vigor à época de sua edição.
Como é cediço, o princípio da condição mais benéfica impede a alteração lesiva ao trabalhador (CLT, art. 468), assegurando, assim, a permanência das melhorias já conquistadas. Desse modo, a condição mais benéfica, referente à forma de cálculo do adicional de periculosidade desses trabalhadores, se incorporou aos seus contratos de trabalho, não se admitindo retrocesso.
Ademais, tal inovação legislativa é de duvidosa constitucionalidade no tocante aos eletricitários, pois se distancia do caráter progressivo dos direitos sociais, violando o princípio da vedação ao retrocesso social. Em última análise, não houve qualquer melhoria à condição social do eletricitário, consoante impõe o art. 7, “caput”, da Constituição Federal de 1988.
Referências
[1]Art. 1º O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de trinta por cento sobre o salário que perceber.
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª edição. São Paulo: LTr, 2012. P. 759.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 760.
[3] DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 760.
[4] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22.06.2013.
[5] BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22.06.2013.
[6] BRASIL. Lei 7.369, de 20 de setembro de 1985.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22.06.2013.
[7] Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <www.tst.jus.br> Acesso em: 22.06.2013.
[8] DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 197.
[9] Apud SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 445.
[10] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 474.
[11] BRASIL. Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22.06.2013.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Oldack Alves da Silva. A base de cálculo do adicional de periculosidade dos eletricitários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35746/a-base-de-calculo-do-adicional-de-periculosidade-dos-eletricitarios. Acesso em: 06 dez 2024.
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