1. Introdução.
A praxe forense tem demonstrado que alguns juízos têm concedido a assistência judiciária gratuita de forma indiscriminada, sem a análise da situação fática, o que não se coaduna com a Constituição da República de 1988, conforme será melhor explicitado a seguir.
2. DESENVOLVIMENTO.
A Lei nº 1.060/50 – que regulamenta a concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados – assim dispõe no art. 2o, parágrafo único, in verbis:
“Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”
Então, só deve ser concedida a assistência judiciária gratuita àqueles que não têm condições financeiras de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios, não se admitindo a banalização desse instituto quando da verificação da possibilidade de o jurisdicionado poder arcar ou não com essas verbas.
Não basta a simples declaração no sentido de que o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios comprometeria o próprio sustento e de sua família, devendo ser devidamente comprovada suas alegações nos autos.
O benefício da gratuidade não é amplo e absoluto. A miserabilidade e o prejuízo do próprio sustento e de seus familiares devem condizer com a realidade dos fatos. Não se deve presumir a inexistência de condições da parte de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios. Em alguns casos, inclusive, deve-se presumir não se tratar de pessoa pobre e com direito a gratuidade de justiça. Por certo, nesses casos, a presunção seria relativa, cabendo à parte requerente, a priori, a comprovação de sua hipossuficiência, não bastando para tanto a mera declaração de pobreza juntada nos autos.
Nesse contexto, há que se entender não ter sido recepcionado, pela Constituição Federal de 1988, o art. 4º, da lei nº 1.060/50, na redação dada pela lei nº 7.510/86, que assim dispunha:
“Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.”
Entendimento em sentido contrário violaria o disposto no art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal, in verbis:
“LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;” (grifou-se).
Ademais, admitir a simples declaração de pobreza subscrita pela própria parte como instrumento suficiente, por si só, para a concessão de assistência judiciária gratuita representaria violação ao princípio da lealdade processual.
O dispositivo constitucional supramencionado tem o fito de não afastar o acesso ao Poder Judiciário para aqueles que não possuem condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento ou de familiares, desde que seja comprovada essa insuficiência.
Sem dúvida, a simples alegação ou declaração de hipossuficiência subscrita pela própria parte não tem o condão de assegurar a ela o não-pagamento de tais verbas. Caso assim fosse, bastaria a parte declarar sua pobreza que o juiz estaria vinculado à sua declaração, o que, definitivamente, não foi a ratio do legislador constituinte ao inserir o inciso supramencionado como direito individual.
No sentido de que é preciso comprovar a hipossuficiência, confira-se: RT 803/213, JTJ 196/239, 200/213, 225/207, 228/199, 300/388, RJ 254/82.
Cumpre transcrever o entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça, ipsis litteris:
“PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. COMPROVAÇÃO DO ESTADO DE POBREZA. INDEFERIMENTO.
1. Dispõe art. 4º da Lei 1.060/50 que, para obtenção do benefício da gratuidade, é suficiente a simples afirmação do estado de pobreza, que poderá ser elidida por prova em contrário.
2. Havendo dúvida da veracidade das alegações do beneficiário, nada impede que o magistrado ordene a comprovação do estado de miserabilidade, a fim de avaliar as condições para o deferimento ou não da assistência judiciária. Precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso especial desprovido.” (STJ. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. REsp 544.021/BA. Publicado DJ de 10/11/2003, pg.168 – grifou-se).
“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. MÉDICO. DETERMINAÇÃO FEITA PELO JUIZ NO SENTIDO DE COMPROVAR-SE A MISERABILIDADE ALEGADA.
- O benefício da gratuidade não é amplo e absoluto. Não é injurídico condicionar o Juiz à concessão da gratuidade à comprovação da miserabilidade jurídica alegada, se a atividade exercida pelo litigante faz, em princípio, presumir não se tratar de pessoa pobre. Recurso especial não conhecido.” (STJ. Min. Barros Monteiro. REsp 604.425/SP. Publicado no DJ de 10/04/2006, pg. 198 – grifou-se).
Nesse mesmo sentido, confira-se: STJ-RT 686/185, REsp 36.730/RS, RT 783/314, 830/266 e JTJ 213/231.
De fato, há de se verificar caso a caso se a parte solicitante tem jus à assistência judiciária gratuita, sob pena de indevida banalização do instituto, em colisão com o próprio texto constitucional.
Há que se entender que o benefício da assistência judiciária, da forma como foi disposto na Constituição da República, espelha a intenção do legislador em viabilizar o acesso à Justiça aos reconhecidamente pobres.
Por certo, a concessão indiscriminada da assistência judiciária gratuita está dissociada do real objetivo explicitado no art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição Federal, que garante a gratuidade de justiça aos que comprovarem a insuficiência de recursos.
Daí se conclui que a parte requerente deverá comprovar nos autos a situação de miserabilidade, sob pena de indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita.
3. CONCLUSÃO.
Dessarte, a concessão da assistência judiciária gratuita merece prudente análise dos magistrados, a fim de atingir o escopo legal e garantir a fiel observância do comando constitucional, de modo a não banalizar tão importante instituto, que tem o fito de permitir àqueles que não têm condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios o pleno acesso ao Poder Judiciário.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- NEGRÃO, Theotonio. GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.
Precisa estar logado para fazer comentários.