Introdução
O início da exposição quanto ao tema proposto amolda-se melhor ao iniciarmos dizendo que a Administração pública deve atender de forma estrita os termos do art. 5º, ll da CRFB, em exato o princípio da legalidade (gênero). Do gênero princípio da legalidade de titulação constitucional extraem-se espécies interdisciplinares, como a que se percebe da leitura do art. 150, l do mesmo diploma constitucional, que aduz especificamente ao princípio da legalidade tributária. Gênero e espécie, grosso modo, referem-se ao mesmo objetivo de comando, querem dizer que a Administração Pública está jungida às balizas da previsão legal, delas não podendo o administrador descurar-se. É nesta toada que exige o Direito Tributário previsão legal expressa do tributo (princípio da tipicidade estrita) e de sua hipótese de incidência.
Desenvolvimento
Nasce aí o termo hipótese de incidência, muito confundido, e por isso gerador de certa atecnia legislativa, e mesmo entre alguns doutrinadores que fazem manobras para a utilização da expressão fato gerador indistintamente. O art. 114 do CTN explicita o que se diz: "Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". O CTN trata hipótese de incidência como fato gerador, trata uma situação abstrata como algo já efetivado no mundo dos fatos, o que pode vir a gerar complicações se tomada por uma exegese meramente literal.
Fato gerador, em verdade é algo concreto, realizado, faticamente materializado. É a realização concreta de um comportamento descrito na norma, em cuja observação faz nascer uma obrigação jurídica. Fato gerador do tributo é o conjunto dos pressupostos abstratos descritos na norma de direito material, de cuja concreta realização decorrem os efeitos jurídicos previstos. (Nogueira 1999, p. 142).
Quando se fala de hipótese de incidência trata-se da previsão legal ainda no campo da abstração, que como o próprio nome sugere é uma hipótese que pode vir ou não a ocorrer no mundo dos fatos, que uma vez realizada, concretizado estará o fato gerador. É a hipótese de incidência o pressuposto da norma impositiva, ao passo que o fato gerador é a própria situação, que ocorrida, atrai a incidência da norma.
A hipótese de incidência é a situação descrita na norma necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador se revela como a ocorrência no mundo dos fatos da exata previsão contida na hipótese de incidência. Esta é a forma com que a quase unanimidade da doutrina trata a questão, que vale lembrar, discrepa do art. 114 do CTN, que por atecnia do legislador de 1966 acabou por confundir os institutos. Parco número de doutrinadores no intuito de compatibilizar o texto do CTN ao que prevalece divide o fato gerador no campo abstrato (hipótese de incidência) e no campo concreto (legítimo fato gerador), sendo certo que tal divisão não prevalece.
Passando a seara da tributação de atos ilícitos, de um lado, para os que sustentam pela possibilidade, cola-se o art. 118 do CTN e o princípio da isonomia, aos que sustentam pela impossibilidade trazem a espeque ao art. 3º do CTN e mesmo ao art. 104 do CC, que prescreve os requisitos para a validade dos negócios jurídicos, em especial ser o objeto lícito.
Há que se distinguir a hipótese de incidência tributária do fato gerador, tarefa que já nos desincumbimos supra. Sabe-se que o que faz gerar o tributo é a prática da norma descrita na hipótese de incidência. Se não se concretizar a hipótese de incidência descrita na norma o fato gerador do tributo não ocorrerá. Comparativamente é o que ocorre no âmbito penal. O que gera o crime é a prática do ato descrito no tipo penal, não o tipo penal em sua abstração sem ser concretizado no mundo dos fatos.
O IR é o exemplo mais fidedigno para se demonstrar o acerto dos que sustentam pela possibilidade da tributação de atos ilícitos, nos termos do art. 43, CTN. Da exegese do artigo percebe-se que em nenhum momento se exige a licitude dos acréscimos patrimoniais para fins de tributação. Para o Direito Tributário o que interessa é apenas a relação econômica.
Juridicamente ao Direito Tributário importa o efetivo acréscimo patrimonial, não se perquirindo sua origem, se fruto de apropriação indébita, estelionato, corrupção ou peculato. A partir do instante que a fiscalização tomar ciência do acréscimo patrimonial (maior dificuldade já que geralmente há o propósito de se sonegar do conhecimento das autoridades) este deve ser tributado nos termos do artigo mencionado, abstraindo-se a validade jurídica dos atos ou negócios praticados pelos contribuintes, a natureza de seu objeto e seus efeitos. Nem mesmo a idade da pessoa que praticou o ato ou negócio tem importância ao Direito Tributário, já que a capacidade tributária não se confunde com a capacidade civil, interessando apenas a ocorrência do FG descrito na hipótese de incidência tributária.
Atos lícitos e atos ilícitos são espécies de atos jurídicos, estes quando praticados e descritos na hipótese de incidência devem ser tributados como um fato jurídico tributário. Argumentos moralistas e pueris sustentam que, ao estado, não seria oportunizado participar dos ganhos advindos de uma atividade ilícita, quando a desoneração tributaria de tais fatos é que atentariam contra o princípio da isonomia tributária e da moralidade, já que se revestiria de um inelutável privilégio ao praticante do ilícito de não ser onerado ao passo que os conviventes no mundo das licitudes veriam seus acréscimos patrimoniais tributados, uma clara inversão de valores. E como ficaria a situação de confisco dos bens resultantes de delitos? Nesta contramão argumentativa não seria possível segundo a ótica moralista sua destinação pública.
Neste momento, aproveitando o ensejo, colaciona-se a exceção, a única hipótese reconhecida pela doutrina em sentido unívoco em que os efeitos dos atos ilícitos não devem ser tributados. Especificamente ocorre quando pela sua gravidade a lei prevê a confisco e sua destinação pública. O confisco difere do tributo afastando sua hipótese de incidência pela absoluta ausência de capacidade contributiva do sujeito que teve seus bens confiscados.
Conclusão
Do exposto, incorpora-se como melhor entendimento, que hipótese de incidência e fato gerador possuem "nomen iuris" diversos pelo fato de se tratarem de percepções de momentos diversos de fenômenos próximos. Enquanto a hipótese de incidência encontra-se no campo hipotético da abstração, o fato gerador amolda-se mais técnico em momento superveniente, quando a hipótese de incidência passa a ter concretude com a realização fática de sua previsão.
No tocante a tributação dos atos ilícitos demonstrou-se o equívoco dos que defendem sua impossibilidade, já que atentaria-se contra o princípio da isonomia, estar-se-ia em desacordo com a previsão do art. 118, CTN, e respaldamos nossa posição trazendo o exemplo emblemático do IR, onde se tributa acréscimos patrimoniais sem em momento algum cogitar-se da exclusão de tributação de atos ilícitos, tributando-se atos ou fatos jurídicos desde que praticada pelo sujeito passivo a hipótese de incidência da norma impositiva.
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