Eu penso que a questão indígena tem que ser, finalmente, enfrentada como um grande problema do Brasil. (SANTOS, 2008, p.37)
RESUMO: Trata-se de estudo acerca da situação dos índios e dos seus direitos no Brasil, a partir da ótica do pluralismo cutural e jurídico. Neste contexto, procurar-se-á apreciar o tratamento estatal dispensado aos índios, desde a época do descobrimento do Brasil, até os dias atuais, de forma a identificar a aplicação das políticas do assimilacionismo e do eurocentrismo, em parte, influenciadas pela crença na correspondência entre Estado e nação única, bem como, no monopólio do Direito pelo Estado, que espraiam consequências, ainda hoje, na conjuntura nacional, em uma verdadeira situação de colonialismo interno. Ainda, buscar-se-á identificar na Constituição Federal brasileira o reconhecimento do pluralismo jurídico, ao mesmo tempo em que se aduzirá a necessidade de avanços, principalmente quando se leva em consideração os novos rumos trilhados no contexto internacional, na busca pela autodeterminação dos povos indígenas, num horizonte pluralista e multicultural.
Palavras-chave: indígena, direitos, colonialismo interno, pluralismo jurídico, autodeterminação.
INTRODUÇÃO
A História relata o processo de acentuada diminuição do contingente populacional indígena brasileiro, bem como demonstra a negação estatal de sua cultura e diversidade. De um povo que foi precedente e predominante nos primeiros anos de descobrimento do Brasil, resta hoje, uma margem de sobreviventes que resistem ao processo de aculturação. Tal fato foi, em grande parte, incitado pelo descaso, por longos anos, às necessidades e direitos básicos para o desenvolvimento desse grupo humano.
Embora, desde a época da colonização no Brasil, a legislação previsse uma certa disciplina jurídica a respeito da posse das terras, não havia um tratamento especial para promover esta etnia. Nada obstante, esta realidade começa a conhecer um processo de mudança a partir da promulgação da atual Constituição Federal Brasileira de 1988, que reconhece a plurietnicidade deste país.
Contudo, a tão-só existência das normas atualmente em vigor na conjuntura brasileira não é suficiente para garantir a proteção cultural e existencial desses povos. É preciso, a princípio, reconhecer a normatividade plural e as instituições emergentes das comunidades indígenas. Para isso, é importante que se faça um estudo sobre a relação entre a realidade dos índios no Brasil, os seus direitos e a sua necessidade de autodeterminação.
Portanto, observar-se-á que vários países já estão, juridicamente, muito adiantados na promoção dos direitos indígenas, e o Brasil, que iniciou este processo, tem agora um caminho a seguir, quer seja na positivação de mecanismos constitucionais que reforcem a cidadania indígena, quer seja em tons revolucionários de promover a emancipação destes povos.
A relevância da realização deste estudo encontra-se na imperiosidade de se demonstrar as diferenças culturais existentes entre os povos habitantes no Brasil, e a implicação desta diversidade no entendimento da realidade jurídica nacional, que exige do Estado, o reconhecimento e implementação do pluralismo jurídico.
Assim, motivou a construção deste trabalho, a inconformação deste subscritor em face das reiteradas distorções na compreensão e no tratamento dos direitos indígenas, que foram percebidas, principalmente, a partir da sua colaboração laboral com a promoção dos direitos indígenas no Brasil. Desta forma, notou-se que há um certo atraso legislativo, inércia do Executivo, incompreensão judicial e resistência da sociedade não índia. Portanto, para a melhor proteção do direito dos índios, necessário se faz um estudo maior, contextualizado com o direito comparado e atento aos movimentos internacionais relacionados.
O desenvolvimento do tema calcou-se, eminentemente, em pesquisa bibliográfica. Foi apresentada a compreensão da literatura pátria e estrangeira acerca de temas sociológicos, jurídicos e indigenistas, bem como, houve a coleta de dados estatísticos em bases oficiais.
Ainda foi realizada a pesquisa de normas constitucionais, ordinárias que corroboram o entendimento sociológico, abrangendo os dispositivos de cunho mais genérico e confrontando-os com as regras legais próprias da população indígena, de forma a explorar a perspectiva do direito comparado e da evolução histórica da lei.
Portanto, este estudo visa investigar o tratamento da questão indígena no Brasil e a existência do pluralismo cultural e jurídico na conjuntura nacional, contextualizando-o histórica e politicamente, na intenção de levantar sugestões de mudanças que corroborem na emancipação indígena.
Para isso, pretende-se, preliminarmente, trazer dados estatísticos que demonstrem a situação atual dos índios, notadamente, no contexto nacional. Em seguida, para se compreender a importância do pluralismo, demonstrar-se-á a política do eurocentrismo e do colonialismo interno que intentaram a homogeneização da cultura nos países conquistados, com a ilusão de que a cada Estado deveria corresponder uma única nação.
Posteriormente, contextualizar-se-á esse fenômeno na realidade brasileira, a partir da narrativa da política do assimilacionismo, que pretendia integrar o índio à comunidade nacional. Comportamento este que passa a se alterar com o advento da Constituição de 1988 e a sua política pluriétnica.
A partir daí haverá campo para investigação do conceito de pluralismo jurídico e o questionamento sobre o seu reconhecimento na Constituição Federal brasileira de 1988, bem como a implementação das medidas pertinentes para a sua maior efetividade, frente ao direito estatal.
Por fim, haverá o levantamento das ideias do Novo Constitucionalismo latino americano e a polêmica em torno da criação de um Estado indígena.
Diante deste panorama, buscar-se-á repensar a sociedade brasileira no novo contexto do pós-colonialismo, que atualmente se insere, no afã de criar um Estado num espaço complexo, que institucionalize ambientes plurais e inclusivos. Tudo para abandonar essa negação oficializada, essa invisibilidade dos povos indígenas, que se observa desde a ocupação européia e que se projeta na negação atual dos modos de ser, fazer e viver dos índios.
Para enfrentar os presentes desafios é preciso superar as dicotomias clássicas e abraçar a hipercomplexidade do real e das pluralidades imanentes ao novo Século. Isso passa por um pensar autoreflexivo para construir um conhecimento que não dê continuidade às violências institucionalizadas, pelo Direito e pela política. De maneira que o resultado final possa contribuir para implementar o pluralismo jurídico, auxiliar as ações estatais e coletivas em prol da autodeterminação dos povos indígenas e insuflar a sua pesquisa e conhecimento.
1 Apontamentos numéricos e antropológicos sobre a questão indígena
Inicialmente, é importante apresentar alguns dados estatísticos sobre a questão indígena, indicando pontos como a densidade populacional, sua distribuição em comunidades, as línguas faladas e as terras demarcadas no Brasil, sem deixar de cotejar com alguns dados de outras partes do mundo.
Os números encontrados, comparados aos que se achavam no período pré-cabraliano, por si, já ilustrarão o viés etnocentrista e assimilacionista que acompanhou a continuidade do tratamento colonialista político-jurídico dispensado aos índios no contexto nacional. (BEVILAQUA, 1992, p. 81)
Atualmente, estima-se que há, no mundo, entre 350.000.000 (trezentos e cinquenta milhões) a 400.000.000 (quatrocentos milhões) de índios[1]. Este quantum margeia entre 10% (dez por cento) a 12% (doze por cento) da população mundial. Destes índios, estipula-se que entre 30.000.000 (trinta milhões) a 50.000.000 (cinquenta milhões) estão na América latina. Diante desse elevado contingente populacional indígena, justifica-se a sua grande proporção no conjunto global da população de alguns países da América Latina, v.g., no Peru 32% (trinta e dois por cento), Bolívia 62% (sessenta e dois por cento) e na Guatemala 41% (quarenta e um por cento). (URQUIDI, 2011)
Quando se analisam esses números, considerando a distribuição dos índios em “comunidades indígenas”, observa-se que há um total de 671 (seiscentos e setenta e uma) comunidades indígenas no mundo. Estima-se que essas comunidades falem cerca de 860 (oitocentos e sessenta) dialetos. (URQUIDI, 2011)
Contemporaneamente, a população indígena no Brasil tem cerca de 730.000 (setecentos e trinta mil) pessoas, vivendo em aldeias, o que corresponde a 0,4 % (quatro décimos por cento) do povo brasileiro. Esse número pode subir para um milhão, se forem incluídos os índios que vivem nas cidades. Esse total atual, ainda que considerável, é pequeno se comparado à população indígena na época do descobrimento[2], que margeava os 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes. (BRASIL, IBGE, 2000, p. 500) [3]
Contudo, a partir do fim da década de 1950, houve uma mudança no cenário de diminuição da população indígena brasileira. Observou-se um aumento demográfico desses povos, influenciado, em parte, pela demarcação de suas terras. Entretanto, note que a população indígena até bem recente, era ainda menor. Se for analisado o Censo de 1991, o montante populacional indígena margeava os 294.000 (duzentos e noventa e quatro mil) índios, o que correspondia a 0,2 % (dois décimos por cento) da população nacional. Verifica-se, assim, que houve um crescimento médio anual do componente indígena, entre o período de 1991 a 2000, em torno de 10% (dez por cento). Estes dados não refletem um simples crescimento demográfico, mas uma maior autoidentificação das pessoas, que antes se diziam pardos, uma vez que anteriormente ao Censo de 1991, não havia a categoria indígena (BRASIL, IBGE,1991).
Os índios brasileiros distribuem-se em 220 (duzentas e vinte) comunidades, que falam uma média de 170 (cento e setenta) línguas distintas. Metade dessas comunidades tem menos de 50 (cinquenta) indivíduos, e apenas 3 (três) dessas comunidades têm mais de 20 mil indígenas. A maior parte da população indígena brasileira está concentrada nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. (ABRAMOVAY, 2011)
Só na Amazônia, situada região Norte do país, contam-se 60 % (sessenta por cento) da população indígena e 98% (noventa e oito por cento) das terras indígenas no Brasil. Uma das razões para a concentração dos procedimentos administrativos de demarcação nessas áreas é porque podem ser feitos com menos custo político e financeiro que em outras localidades mais demograficamente ocupadas do país. Outro ponto favorável é a cooperação internacional, desde a ECO92, foi constituído um fundo pelos sete países mais ricos, para preservação das florestas tropicais e para os procedimentos administrativos de demarcação na área amazônica. (SANTILLI, 2011)
Existem 653 (seiscentos e cinquenta e três) áreas oficialmente reconhecidas como “tradicionalmente ocupadas” pelos indígenas (que se difere de reservas e parques indígenas), compreendendo 12,5% (doze e meio por cento) do território nacional, o que equivale a 106.359.281 ha (cento e seis milhões, trezentos e cinquenta e nove mil e duzentos e oitenta e um hectares) de terras indígenas no Brasil. (ABRAMOVAY, 2011)
As décadas de 80 (oitenta) e 90 (noventa) marcam o período em que mais se demarcaram terras indígenas no Brasil. Cerca de 2/3 (dois terços) das terras indígenas hoje existentes foram demarcadas neste período. (SANTILLI, 2011). Talvez os ares da democracia que influenciavam no cenário político nacional, logo após a promulgação da Constituição de 1988, tenham contribuído para a implementação dessas demarcações.
Nesse contexto, os dados oficiais informam que mais de 95% (noventa e cinco por cento) das terras indígenas do território brasileiro já foram demarcadas ou estão sob processo de identificação e demarcação. Especificando esse total, 65% (sessenta e cinco por cento) já foram demarcadas e 30% (trinta por cento) ainda aguardam a conclusão do processo de demarcação. (BRASIL, IBGE, 2000, p. 500)
Contudo, outros dados denunciam que ainda há 324 (trezentas e vinte e quatro) terras habitadas por indígenas, em que não foi realizada nenhuma providência para a sua demarcação. Mesmo assim, ao longo, de 2009, a Presidência da República apenas homologou a demarcação de 09 (nove) terras, das 59 (cinquenta e nove) que estão em processamento. (SANTOS, 2008, p. 88)
No que tange às populações indígenas da América Latina, nada obstante a relevância demográfica nesses países e a sua riqueza cultural, verifica-se forte movimento discriminatório contra os indígenas. Nesses termos, constata-se que os índios ocupam as piores posições nos índices de desenvolvimento humano. A mortalidade infantil é 60% (sessenta por cento) maior entre indígenas que nos não indígenas, quer seja por causa de doenças, quer por violência. A indigência (população que vive com menos de um dólar por dia) e a baixa escolaridade entre os indígenas também é maior. Logo, citando o exemplo da Colômbia, os índios migram para as cidades, devido à pobreza, bem como à violência infligida pelos particulares às suas comunidades. Isso se torna um problema maior porque quando chegam às cidades, via de regra, os índios não têm sua etnicidade reconhecida e carecem de assistência especial. (URQUIDI, 2011)
Neste contexto, citam-se atitudes institucionais discriminatórias, como, por exemplo, na Bolívia, onde se fala em “capital étnico”, para demonstrar uma superioridade de oportunidades e incentivos financeiros, que é dada à etnia branca, em detrimento dos povos indígenas. (LINERA, 2011, p. 05)
No Brasil, a realidade social dos índios não é menos preocupante. Tem-se verificado a criminalização ou assassinato de vários indígenas devido à luta pelos seus direitos. Consoante relatório do CIMI, em 2009 foram registrados 60 assassinatos de indígenas, número igual ao de 2008. (SANTOS, 2008, p. 89)
Igualmente, verifica-se uma certa atitude estatal e particular que não compreende a nova condição dos índios urbanos, ou seja, o direito de permanecerem com sua etnicidade diferenciada mesmo estando fora de suas comunidades e em contato com a cultura não-índia. Assim, a garantia aos direitos dos povos indígenas na América Latina vem se tornando um problema político, porque, além do preconceito de parte da população civil, há uma ideologia estatal (administrativa e judicial) que dificulta a implementação dos direitos dos índios. Os Estados precisam adaptar o seu entender e agir com os novos conceitos de auto-reconhecimento da etnicidade indígena. Destaca-se, nesse ponto, a importância de os órgãos do Poder Judiciário não desconfiarem da etnicidade indígena, no momento de concessão dos seus direitos, bem como o Executivo conferir uma educação e saúde própria aos índios, ainda que não aldeados e principalmente do Legislativo de positivar normas que reconheçam o pluralismo jurídico. Logo, a questão indígena que, antes se verificava apenas como um tema antropológico, hoje também se observa sobre as lentes de uma verdadeira “politização das questões étnicas”.[4]
Desta feita, observa-se que os dados até então apontados, sinalam a substituição de um colonialismo europeu por uma postura colonial interna, levada a cabo dentro dos próprios Estados nacionais, a partir da crença em uma centralidade de valores, sustentada pelo argumento de modernidade, frente à tradicionalidade das organizações indígenas.
2 Colonialismo interno: negação da história e dos direitos
Muitas das formas de organização social que hoje existem nos países colonizados são, em parte, inspiradas a partir do modelo europeu. A posição hegemônica que este continente exerceu historicamente influiu para impor sua centralidade e universalização de seus conceitos, com base em uma suposta detenção da modernidade. (SANTOS, 2007, p. 54)
A partir desta premissa, percebe-se que o que se tem tomado como lugar central, nada mais é, do que aquele que possui as posições dos países hegemônicos. Contudo, o discurso dos saberes e das organizações sociais dos povos deve ser construído sem ter em mente a adoção de um lugar comum, porque este, via de regra, não existe, pois o que predomina é a diferença (MENESES, 2010 c, p. 61).
Portanto, os conceitos de universalidade que se expandiram pelo mundo, devem ser vistos com parcimônia, para se considerar a existência de muitas particularidades. Desta forma, o mundo não pode ser visto conforme um método cartesiano entre o certo e o errado, o moderno e o tradicional. Ao contrário, deve ser percebido de forma completa, sem se fragmentar a realidade. (SANTOS, 2007, p. 20)
Assim que, para Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 04), há uma fratura abissal entre o espaço de cá, ou seja, aquele que criou a norma, e o espaço de lá, representado pelo passado, pelo local. Esta parcela não hegemônica, que se localiza do outro lado da linha, via de regra, tem que acompanhar as mudanças, pois quando resolve afirmar os seus aspectos tradicionais são taxados de resistentes, quando na verdade, apenas estão a desafiar o sistema, na busca de melhorar sua realidade.[5]
Logo, na nova ideia do Direito, deve-se verificar se o que se pretende é a exportação de um modelo para a escala global, ou discutir e desafiar os modelos existentes na realidade local. A ideia ocidental é de centralizar o seu modelo de moderno e exportá-lo para o mundo, contudo, não se pode pensar nessa modernidade sem problematizá-la.
Neste contexto, insere-se a discussão sobre a pureza do direito tradicional e do moderno, proveniente da população índia e não índia, respectivamente. Ora, por um lado, o direito tradicional pode sofrer muitas influências e posições dominantes da população hegemônica (MENESES, 2010, p. 180). Por outro lado, muitas vezes se observa a apropriação pelos não índios de técnicas e costumes da população indígena (DANTAS, 2008, p. 56). Logo, esses encontros vão ocorrendo ao longo do tempo, muitas vezes, sem se dar conta da sua complexidade e das mudanças na realidade. E o direito de ambos vai incorporando as mudanças dos costumes sociais. Assim, verifica-se que, via de regra, o direito indígena não é puro, e desde os primórdios sofreu influências dos contextos sociais. Logo, pode-se inferir que não se sustenta o discurso que Direito tradicional é antigo e o Direito estatal é que é o moderno, não sendo correto pensar em uma imagem estática do que pensamos ser moderno, muito menos, entendê-la como um dogma único.
Malgrado, as reformas jurídicas do Estado Moderno, pretendiam adotar a ideologia do centralismo jurídico e abolir a diferença entre colonizadores e colonizados[6], só que para isso, identificou apenas o seu modo de ser com a modernidade e prostrou-se em indiferença com a pluralidade das culturas jurídicas[7]. (FAJARDO, 2011, p. 29)
Assim, um dos grandes males do colonialismo foi negar a historia dos povos que encontrou, pois, não se pode pensar, que a historia começa com o colonizador. Desta forma, o direito à história, ou seja, a prerrogativa de existir para construir a identidade nacional, é um dos grandes direitos que se pode conceber a um povo, e isso foi negado às populações nativas dos países conquistados. Entretanto, o que está por trás da discussão sobre o direito à história não é somente uma questão de memória, mas como se pode recuperar essa identidade perdida (MENESES, 2010 b, p. 51).
Reconstruir a história, a partir do reconhecimento dos diferentes sistemas organizacionais de um povo, que ainda subsistem, não significa contemplá-los de uma forma acrítica ou adotá-los integralmente. Pois, é possível que nem todas as suas práticas sejam positivas, emancipatórias. E, às vezes, é possível que o direito estatal conduza a um maior grau de cidadania. Mas, é justamente nesse diálogo ampliado, como uma ecologia de saberes, que se pretende a formação de um sistema jurídico plural (SANTOS, 2007, p. 39). Logo, o desconhecimento da complexidade do mundo não pode fazer com que se reduzam as variáveis de possibilidades. O que também não corresponde a desconsiderar a realidade das minorias, suas organizações e sua necessidade de autonomia.
Porém, mesmo depois de passado o auge do colonialismo político europeu, com a imposição do seu modelo de modernidade, ainda tem-se observado, em algumas partes do mundo, a existência de um colonialismo interno. Logo, apesar da independência política, é reconhecível a realização de práticas coloniais exercidas pelo próprio Estado, dentro de seu território e sobre a sua população nativa.
O período colonial moderno, praticado endogenamente, caracteriza-se, assim, pelos comportamentos de inferiorização de outros sistemas tradicionais de conhecimento, notadamente o da população indígena. Dentre as tradições negligenciadas pelo Direito formal, destacam-se as formas de regulação social indígenas, tendo sido exiladas pelo sistema tradicional de justiça. (WOLKMER, 1994, p. 61)
É possível identificar a constatação dessa ideologia colonialista interna, em relação aos indígenas, em várias partes do mundo. Podem ser citados alguns países da África, dentre eles Angola (MENESES, 2010, p. 251) e Moçambique (MENESES, 2003, p. 49) e muitos países da América Latina (SOUZA FILHO, 2006, p. 19), que em maior ou menor grau, nota-se a luta por um novo constitucionalismo.
Este estudo analisará, eminentemente, a situação do Brasil, onde se nota que o colonialismo não terminou com o fim da colonização portuguesa. Neste sentido comenta Boaventura de Sousa Santos: “É de saudar que 184 anos depois da independência, a sociedade brasileira chegue a conclusão de que a independencia não foi o fim do colonialismo e que, pelo contrário, ele continuou sobre várias formas de colonialismo interno”.(SANTOS, 2008, p. 67)
Logo, a realidade brasileira continua marcada pela fratura abissal colonial moderna, que substitui a relação entre o colonizador e colono, para analisar esse contato do novo colonizador interno não índio com o indígena. Esses novos encontros do processo colonial levou à adoção de algumas práticas, quais sejam, o evolucionismo, o etnocentrismo, o assimilacionismo, que perduram até a conquista da plurietnicidade constitucional e a busca pela plena efetivação do pluralismo cultural e jurídico.
2.1 O colonialismo interno brasileiro: da política do assimilacionismo à previsão constitucional da plurietnicidade.
Desde a época da colonização portuguesa no Brasil, já havia alguma legislação que tratava das terras indígenas, contudo, não existia um tratamento especial para os índios, preocupada na proteção dessa etnia distinta, fato que só se reverteu com o fortalecimento dos direitos humanos[8], no plano internacional e a consagração dos direitos fundamentais[9], notadamente na Constituição de 1988. (BANDEIRA, 1992, p. 72)
Atualmente, verifica-se na realidade jurídica brasileira que os índios, à semelhança do que ocorre com os menores, as mulheres e os negros, compõem grupos da população brasileira aos quais a ordem jurídica delibera um tratamento jurídico diferenciado. Em função de razões específicas, como, idade, sexo, cor ou etnia, essas minorias são qualificadas como tais pelo Ordenamento Jurídico, dele recebendo uma proteção jurídica excepcional. (MENEZES, 1995, P.180)
Contudo, antes da Constituição Federal de 1988, os índios brasileiros receberam um trato excludente quanto à sua diferenciação étnica. Predominava uma forte ideologia etnocêntrica, que discriminava as demais culturas a partir dos valores da etnia predominante. O objetivo seria impor os valores da cultura majoritária às demais etnias, de forma a incorporar os pequenos grupos e os seus costumes à sociedade brasileira derivada da civilização europeia[10]. (CUNHA , 1985, p. 50-91)
O etnocentrismo visava transformar o outro no eu, ou seja, subjugar a cultura que lhe era alheia, pois a tendência humana é achar que a cultura do grupo dominante seja sempre melhor. Dessa forma, havia um falso pensamento de hierarquia quando se constatavam diferenças culturais. (LEVI-STRAUSS, 1952, p. 87)
Portanto, por muito tempo, a excepcionalidade do tratamento jurídico destinado aos indígenas se fundava em um suposto estágio de debilidade dos indígenas em face das estruturas institucionais, culturais e econômicas da sociedade envolvente. Essa disciplina especial se fundava na compreensão de que os índios viviam um estágio de atraso e/ou ignorância relativamente aos padrões estruturais da sociedade ocidental, e não no reconhecimento de uma organização social específica e diferenciada por eles vivenciada. (MENEZES, 1995, P.180)
Logo, acredita-se que tão logo ocorresse a sua integração, ou seja, a sua assimilação[11] à comunhão nacional, a tendência seria dispensar aos índios tratamento jurídico análogo ao do cidadão comum.
Naquela época, havia, na antropologia, uma premissa de que o progresso humano seguia um caminho único que conduz do mais simples ao mais complexo. Arsssim, o ápice seria a civilização atual branca e o início seria representado pela cultura indígena. Assim, é como se as culturas europeia e norte-americana fossem o presente da humanidade e as outras culturas fossem um testemunho do que aqueles foram no passado. Contudo, nos dias atuais, é obsoleta a atitude de se colocar sob uma escala de evolução, a diversidade da cultura dos povos do mundo. (CASTRO, 2005, p. 10)
De outro lado, não se pode recriminar a recepção de alguns costumes de uma dada cultura por outra. Assim, a troca cultural é intrínseca aos grupos étnicos, porque todos se submetem ao processo histórico. Ora, a cultura é formada por princípios de como receber elementos novos de culturas diversas. É um modo específico que permite a transformação. A diferença permanece, porque hoje os índios não são iguais ao que eram há cem anos, mas ainda são mais parecidos com seus antepassados do que com a civilização não-índia. (PERRONE, 2011).
Da mesma forma, para melhor conhecer a cultura da sociedade não-índia, pressupõe-se a identificação de elementos da cultura indígena (SOUZA FILHO, 2006, p. 20). E assim, ocorre o percurso entre culturas, uma vez que não se pode compreender o mundo de forma analítica e incomunicável, é preciso sinergir.
Desta forma, não cabe classificar as culturas, mas respeitar as diferenças. Tão importante quanto o reconhecimento da igualdade é o reconhecimento da diversidade entre os humanos, pois estes não vivem abstratamente, mas em determinado tempo e espaço com formas próprias. O progresso não é a homogeneização, mas a preservação das identidades.
Contudo, a grande questão ao se tratar aqui de cultura, refere-se a um determinado grupo que pretende impor a sua cultura aos demais por considerar-se hierarquicamente superior.
Neste contexto de manipulação do conceito de cultura, observa-se que a construção do projeto nacional visava a diluição do componente indígena dentre a maioria da população, pois não havia um respeito pelos costumes indígenas, nem eram empregadas políticas específicas para preservação do seu patrimônio cultural. Havia um objeto de integração forçada do índio a comunhão nacional. Essa integração era no sentido da descaracterização e desconstrução das identidades étnicas indígenas, para criar uma só identidade.
Esse processo de busca de homogeneização cultural e étnica, mesmo após a independência nacional, caracterizava a ideologia do pós-colonialismo[12], onde se pretendia construir a identidade nacional calcada numa individualização do plural (SANTOS, 2006, p. 84).
Entretanto, a posterior promulgação da Constituição Federal de 1988, com a positivação de dispositivos que reconhecem formalmente a diferença[13], embora importante, não é suficiente para mudar o quadro monocultural do país. É preciso que as instituições se pluralizem e criem hábitos públicos heterogêneos, desde a valorização do sentido da diversidade das pessoas, passando pelo respeito às diversas formas de organização do espaço e social, até a garantia da não violência simbólica das culturas minoritárias, máxime quando se percebe no Brasil um ambiente com tamanha pluralidade cultural e étnica.
Esse pensamento deve partir do pressuposto de que o Estado não é a fonte única das regras jurídicas, isso porque em seu interior há diferentes nações com formas plurais de se organizarem, o que conduz ao temperamento da premissa de que cada Estado corresponde a uma nação homogênea.
2.2 Da noção de Estado-nação e sua implicação na concepção de centralidade do Direito estatal
Por muito tempo houve a intenção de construir Estados-nação, assentados na ideia de que para cada Estado correspondia uma única nação pertinente (SOUSA FILHO, 2006, p. 20). Em linhas gerais, entende-se por nação, a vinculação de uma dada sociedade a um território, através da homogeneidade de sua cultura. (CANOTILHO, 2010, p. 72)
O Estado moderno visava, a partir do conceito de nação, ser composto por um conjunto de pessoas com capacidade de manifestar sua vontade, votar etc. Contudo, o ambiente formal da modernidade tinha em conta os direitos, principalmente, dos homens, “brancos” e que tivessem propriedade. Esse paradigma formou a família patriarcal, patrimonializada e hierarquizada[14].
No Brasil, ao longo de sua história, visou-se eliminar a identidade coesa dos índios. Sua ideia de nação diferenciada deveria ser extirpada. Só havia a proteção da posse porque era uma ideia transitória. Então havia um processo de transformação de índio em não índio. Visava-se criar uma nação única, com apenas uma história, desprezando todo um processo de acentuadas trocas culturais. Era o Estado legitimando as práticas institucionais de mitigação das identidades indígenas e consequentemente dos direitos dessas sociedades. Nesta conjuntura, observa-se que não se respeitava a existência de vários grupos diferenciados a formar um Estado plural. (CUNHA, 1985, p. 117)
Na verdade, a correspondência entre nação única e Estado nem sempre é algo possível, nem necessário. Portanto, nos dias atuais deve-se buscar a flexibilização do dogma de que a cada Estado deve corresponder uma única nação, substituindo-se pelo pensamento de coexistência de culturas, como forma de assentar o pluralismo dentro das sociedades.
A par da antiga crença de Estado-nação, havia a premissa de que para cada Estado deveria corresponder um Direito único, em contraposição à construção de uma realidade plural de ordens jurídicas. Contudo, a noção de Direito não pode estar limitada ao Direito do Estado, cuja validade para certas formações é confirmada de forma autoritária. Assim, deve-se descortinar o mito de Estado-nação e da crença do Estado como a única fonte legítima do direito. Desta forma, o direito de origem estatal deve ser utilizado apenas como uma das referências de todas as concepções cognitivas e normativas existentes, dentre as várias nações existentes no território brasileiro.
Desta feita, não se pode considerar como o primordial ou como exclusivo, o standart judicial e normativo, centrado na figura do Estado, uma vez que os cidadãos, manejam outros institugos na busca de soluções para os seus conflitos (SANTOS, 2009, p. 491)
Logo, embora tenha-se a crença da centralidade do Direito do Estado, deve-se ter em conta que a produção jurídica há em toda parte. Se se admitir apenas a normatividade decorrente do modelo mononuclear ocorrerá uma política discriminadora com os grupos que obedecem a outras culturas. O problema desta concepção monocultural do Direito, é que este, não é suficiente para regular a sociedade. Deve-se, portanto, concebê-lo de uma forma que transpareça uma concepção multicultural. (ZORN, 1990, p. 54)
A princípio, insta ressaltar que essa competição pela tarefa de resolver questões controversas dá-se, até mesmo, dentro do sistema estatal. Desta feita, não se pode afirmar que a função de resolução de conflitos é uma tarefa que compete, com exclusividade, ao Judiciário. A princípio destaque-se que, no Brasil, muitas das iniciativas oficiais de composição de litígios partem do Executivo e Legislativo, respectivamente, através de Comissões parlamentares de inquérito e avocação de decisões por órgãos administrativos. Logo, são casos em que o Estado está a competir com ele próprio.
Contudo, o que se procura destacar aqui é o papel de outros atores sociais, dentre eles, as ONGs, as Igrejas, partidos políticos e autoridades indígenas que, muitas vezes, realizam um papel maior na pacificação social. Tudo isso relativiza a centralidade do Judiciário no processo pacificador.
Portanto, o convite à descolonização do sistema monocultural de justiça só pode dar-se pela liberação do potencial radical de se pensar a partir da diferença, e assim criar alternativas no mundo partindo do local e do regional. (MENESES, 2010, p. 230)
Mas, não se pode querer pensar no pluralismo como uma forma de excluir, ou ignorar a importância do Estado, do seu direito oficial e do Judiciário. Estes, tem papel importante para auxiliar à emancipação da população.
Neste contexto, é importante ver como as racionalidades interpretam umas as outras. Talvez, o papel do Judiciário seja sair da sua suposta neutralidade e buscar o fim do dogmatismo, a partir do encontro de culturas.
Boaventura de Sousa Santos (2009, p. 389), a partir de sua “Teoria da Sociedade das Ausências” faz refletir para o fato de que o consenso sobre uma suposta unidade do Direito e centralidade dos tribunais estatais só leva em consideração a sua realidade e ausenta-se da visão das outras formas do direito e da justiça. A consequência desta postura verifica-se, dentre outras, na concentração de reformas apenas em questões internas ao direito e justiça oficial, esquecendo-se do pluralismo jurídico que existe em muitas sociedades.
Deve-se, portanto, observar a importância do recurso à interlegalidade na ordenação social, a partir da constatação de que há um conjunto de subsistemas a funcionar na sociedade, que vão se alimentando uns aos outros, formando um sistema plural.
3 Pluralismo jurídico: a necessidade de seu reconhecimento para corroborar na emancipação dos indígenas
Ultimamente, tem se tornado cada vez mais comum à alusão ao pluralismo jurídico dentro das sociedades. Notadamente, há a referência à variedade de organizações sociais, máxime às formas plúrimas como o Direito se expressa, para além das manifestações oficiais do Estado.
Nada obstante, o pluralismo jurídico não é algo novo ou excepcional. Verifica-se que o pluralismo manifesta-se há largos anos, recorrentemente e em muitos povos pelo mundo. (SANTOS, 2003, p. 93)
Assim, não se deve entender o pluralismo jurídico como um conceito e como práticas distantes da realidade, máxime a brasileira[15]. Antes, deve-se verificar que se trata de uma prática verificável ao longo da história e que perpassa de forma muito comum o quotidiano social.
De outro quadrante, quando o magistrado aplica o direito estatal, muitas vezes, já o faz com base na realidade tradicional. Portanto, pode-se conceber que há uma predominância apenas aparente do Direito oficial, porque, na prática, verifica-se mais uma aplicação de formas, que de conteúdo exclusivo (FULLER, 1994, p. 60).
Registre-se, ainda, que em muitas partes do mundo, o direito formal é utilizado por uma parcela minoritária da população nacional. Cite-se o caso de países como Angola, Malawi, Serra Leoa, Moçambique, Zâmbia, Gana e Namíbia, onde a vasta maioria dos cidadãos não procura os Tribunais modernos para a solução dos conflitos (MENESES, 2010, p. 216-217).
Nestes países, tais quais no Brasil, a sociedade não é tão uniforme, no que resulta na existência de outros ordenamentos periféricos. Logo, é possível vislumbrar que, em muitos países, via de regra, o sistema plural de direitos tem maior relevância na vida das pessoas do que as próprias normas do Estado, máxime em casos de relação das pessoas com a sua terra, de herança e de religião (GESCHIERE, 2006, p. 219-246).
Desta feita, verifica-se que o Direito dito oficial, porque proveniente do Estado, na prática, muitas vezes pode ser um direito alternativo, já que nem sempre tem sua aplicação dominante na sociedade. (MENESES, 2010, p. 90)
Nada obstante, apesar da maioria das sociedades atuais serem caracterizadas, do ponto de vista jurídico, como plurais, o sistema jurídico oficial, centrado no Estado, hierarquizado e monocultural, é visto como sistema de referência, e os outros sistemas tem conhecido menor atenção quanto ao seu reconhecimento legal. (SANTOS, 2009 p. 391)
O interesse pelas diversas formas de normatividade existentes nas sociedades é um dos elementos que compõem o estudo do pluralismo jurídico. Neste contexto, Boaventura de Sousa Santos (1977, p. 120) entende que quando uma sociedade apresenta mais de uma fonte viável de direito ou de ordem jurídica, estará diante de uma situação de pluralismo jurídico.
O pluralismo jurídico põe em debate a suposta centralidade de um campo normativo frente aos demais e, portanto, problematiza a pretensão de exclusividade por parte das normas estatais em serem as únicas válidas e aplicáveis (FULLER, 1994, p. 28). Logo, a partir do pluralismo, denuncia-se a fratura entre o caráter plural da sociedade e o monocultural da norma jurídica formal, o que demonstra a deficiência no conceito de Estado moderno que busca um modelo jurídico único e central (SANTOS, 2007, p. 52).
Além disso, agregue-se que o pluralismo retrata as interpenetrações legais entre tradição e direito oficial que regulam todas as instâncias das nossas vidas e correspondem ao nosso conhecimento de mundo. Assim o pluralismo jurídico, representa a partir do Direito, uma forma importante de entender as estruturas sociais (SANTOS, 2009, p. 451).
Entretanto, não se deve confundir com pluralismo jurídico a simples existência de normas estatais que trazem dispositivos diferentes para um determinado grupo da população. Esta situação verifica-se no Brasil onde existem alguns dispositivos do Estatuto do Índio[16], de aplicação exclusiva aos indígenas.
Além desta nuança, há outras atitudes e realidades do Estado brasileiro que põe em cheque a forma como trata o pluralismo jurídico no país. Pois, na verdade, para o pluralismo importa é a visibilidade e o reconhecimento de outros núcleos de poder, diversos de Estado, a emanarem normas que se fazem cumprir, informalmente, no dia-a-dia.
3.1 A questão do pluralismo jurídico no Brasil
O Brasil não se declara, de forma expressa, como um país “plurinacional” ou reconhece oficialmente o pluralismo jurídico, tal qual já se verifica ostensivamente consagrado nas Constituições de alguns países, dentre eles, alguns países da América Latina[17] e da África[18].
Contudo, não é imperativo para a verificação do pluralismo em uma sociedade que o seu reconhecimento se faça expressamente, ou mesmo que precise estar positivado, pois, o pluralismo jurídico existe como um fato. (SANTOS, 2003, p. 41).
Nada obstante, é possível extrair do contexto constitucional, bem como da essência de alguns artigos, o reconhecimento, implícito, do pluralismo jurídico no Brasil. Desta forma, extrai-se a presente interpretação da leitura do art. 231[19] da atual Constituição Federal brasileira, que “reconhece aos índios, à sua organização social”.
A Constituição brasileira quando manifesta o respeito às diferentes formas de organização social[20] dos indígenas, perfilha o complexo de representações simbólicas diferenciadas de um povo, ou seja, tudo aquilo que dá sentido a um corpo cultural como sistema de vida que necessita, dentre outros pontos, de uma organização jurídica para sobreviver e projetar-se para o futuro.
Então, ao se reconhecer a um grupo, as suas organizações sociais, está-se a admitir que possui formas e regras próprias de pautar sua vida e relações socias. Ora, o Direito é um dos mecanismos por excelência de regulação social e, portanto, a Constituição estaria a concordar que os índios possuem normas jurídicas de criação endógena ao seu grupo.
Aqui não se pode usar o argumento de que a "criação" de muitos sistemas normativos geraria o tumulto e desordem. Ora, as constituições não estão criando mais um sistema de normas, mas “reconhecendo” algo que já existe na realidade social. Assim, o que se inova é em prescrever pontes de entendimento e articulação, e as condições para o seu desenvolvimento entre as várias normatividades existentes na sociedade.
O fato de a Constituição reconhecer a existência do pluralismo, ainda não coincide com a admissão da validade jurídica formal destas regras, pelo Estado. Pôe-se, assim, essa questão, como um desafio para o país em constituir-se em um ambiente plural e de cidadania para todos.
Portanto, poderiam ser desdobramentos do reconhecimento das organizações sociais indígenas no sistema nacional, a admissão da normatividade e da resolução de conflitos, própria dos indígenas; a formação de uma noção diferenciada de propriedade; a diferente forma de atuação da economia em suas relações; a importância da religiosidade indígena na definição de seus direitos; a gestão de seu patrimônio e o exercício do participação nas decisões políticas que lhe digam respeito. Note, portanto, que a interpretação da atual ordem jurídica deveria partir de um somatório destes elementos, não havendo como desconsiderá-los ou tomar um ítem isoladamente, posto que qualquer redução, implicará em uma não conformação normativa do pluralismo jurídico presente na realidade.
Desta forma, conclui-se que o Brasil, no plano fático, não tem positivado os instrumentos que possam vir a sustentar o pluralismo jurídico no território nacional, ou seja, desconsidera ou não estimula a validade das normas e das decisões indígenas. Para Boaventura de Sousa Santos:
No Brasil, não há um pluralismo jurídico indígena, como há na Colômbia, na Bolívia, no Equador e mesmo no Peru. É urgente reconhecê-lo a nível constitucional como aconteceu na Colômbia, um país onde a população indígena é igualmente minoritária. Este pluralismo jurídico intercultural é fundamental para dar voz a essas lutas.(grifou-se)(SANTOS, 2008, p. 39)
Nesta conjuntura, agregue-se que, embora o Brasil apresente uma grande diversidade cultural, seu ordenamento jurídico optou, via de regra, pelo centralismo jurídico, com base na validade unicamente das leis do Estado, para todos os cidadãos (BASTOS, 1985, p. 125). Logo, observa-se que na prática, o Estado brasileiro não estabeleceu uma política que viabilize a aplicabilidade do pluralismo jurídico, nem lhe dá condições para sua plena efetividade.
Nada obstante, é de se destacar que esse monopólio estatal sobre a elaboração e realização do Direito oficial, encontra um certo dualismo, que pode ser encontrado em alguns dispositivos do Estatuto do Índio, Lei 6001/73, em que há normas exclusivas para os indígenas, tais quais as normas atinentes à capacidade civil e processual, tipificação penal, dentre outras. Trata-se de um direito estatal destinado para toda a população e outro direito estatal aplicável aos indígenas[21].
Outro ponto a denunciar é que os índios brasileiros, embora tenham seus próprios costumes e tradições, na forma de organizarem-se socialmente, não têm tribunais próprios onde se apliquem a sua própria normatividade[22]. Diferentemente do que já ocorre em outras partes do mundo, como é o caso de Moçambique. (MENESES, 2010, p. 37)
Esta ausência de Tribunais específicos indígenas[23] sente-se pela necessidade de um julgamento com conhecimento especializado da cultura indígena[24], mas principalmente, porque, conforme assinala Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 45) os grupos sociais mais vulneráveis são aqueles que tende a ser menor a capacidade para levar a lesão a juízo.
Logo, a detenção estatal na elaboração de normas jurídicas, bem como o fato de as pessoas não terem a possibilidade de recorrer aos seus próprios tribunais, leva a que se aplique um regime formal de monoculturalismo, num contexto fático pluricultural.
Portanto, questiona-se até que ponto a presente Constituição tem conseguido promover procedimentos e institutos que se adequem à diversidade cultural brasileira, uma vez que o Estado desenvolveu a sua legislação e aplica-a sem admitir as normas e os meios próprios de resolução de litígios dos indígenas.
Igualmente indaga-se se o Estado tem conseguido seu objetivo de ser emancipador, pois o Direito será tão mais democrático, quanto maior for o reconhecimento das ordens paralelas de justiça que envolve todos os agrupamentos étnicos e sociais, ou seja se tiver o pluralismo de valores como seu elemento constitutivo. (WOLKMER, 1994, p. 61)
Logo, para que os índios desenvolvam uma maior identificação com a justiça urge realizar uma profunda reforma, com base em uma justiça que reflita a história e cultura das comunidades em diálogo com as condições de emancipação. Para a justiça ser efetivamente democrática terá de se assentar na construção de diálogos interculturais, com solução para as diferenças, pluralismos e respeito pelos direitos humanos. (SANTOS, 2009, p.42)
Neste contexto, impõe uma maior articulação e mobilização dos indígenas, a fim de promover os dispositivos constitucionais que reconhecem o pluralismo jurídico no Brasil e a partir daí, criar institutos e procedimentos que o efetivem.
Ora, são os movimentos sociais que pressionam as principais instâncias do Estado e forçam essa inclusão. Tomem-se por base os direitos dos índios assentados na Constituição, estes não se conformam como um legado paternalista. (SOUZA FILHO, 2006, p. 205)
Destarte, a anterior política de integração cultural, bem como de exclusão do seu direito às terras, gerou uma reafirmação da identidade indígena, conseguida, não por indução dos Estados, mas pela luta dos indígenas. Dessa forma, o Estado foi levado a adequar a política a essa nova tendência e a Constituição Federal de 1988 foi a inevitável resposta estatal a essa demanda.
Mas, mesmo tendo sido positivados constitucionalmente alguns direitos importantes aos indígenas, a mobilização indígena não pode se acomodar. Agora é preciso fazer com que as instituições públicas apliquem estes direitos, caso contrário corre-se o risco de continuar a ver casos como o do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em que o Supremo Tribunal Federal desqualifica direitos que foram conquistados na Constituição, a partir de espaços de lutas e não de concessões do legislador. (Brasil, 2009, p. 19).
Desta forma, a cidadania não existe numa sociedade como algo dado, mas como algo conquistado, diariamente. Trata-se, portanto, do produto de uma passagem para a democracia e fruto de uma discussão muito forte que deve ser travada pelos indígenas[25], já que constituem as bases jurídicas de seu projeto de emancipação social. (SANTOS, 2008, p. 37)
Assim, os movimentos sociais devem influenciar em como construir políticas universais ao mesmo tempo articuladas com políticas de diversidade para garantir igualdade para todos. Essa é a tônica no Século XXI num campo de diversidade e desigualdade. (SANTOS, 2008, p. 38)
Chega-se, portanto, o momento em que se fazem necessários avanços normativos para a autodeterminação dos índios, em consonância com os novos tempos.
4 Reformas constitucionais ou um novo Estado para os indígenas?
Pode-se dier que a história constitucional, construída até a promulgação da Constituição Federal de 1988, constitui-se, em certa medida, como um processo traidor das populações indígenas. Esta percepção parte do fato de o Estado brasileiro ter sido desenvolvido a partir de uma suposta correspondência entre Estado e nação única, o que acabava por escamotear as culturas não hegemônicas.
Com a Constituição Federal Brasileira, dão-se os primeiros passos para o reconhecimento do pluralismo jurídico na América Latina, contudo o Estado brasileiro esquece-se de criar os mecanismos para sua implementação, bem como não vai mais adiante nas reformas, tão necessárias para se estabelecer um Estado plurinacional.
O desafio de criar mecanismos constitucionais para o pleno exercício do pluralismo jurídico não é uma iniciativa inédita ou recente na experiência internacional, encontrando expressão, além da América Latina, em muitas partes do mundo, destacadamente, na Ásia e África. (MENSKY, 2006). Trata-se, portanto, de velhos problemas que têm sido, cada vez mais, encarados pelo Direito atual.
Desta feita, surge-se campo hábil para pleitear, inicialmente, a realização de reformas constitucionais que tragam maiores progressos à cidadania indígena. Tome-se como exemplo um conjunto de medidas constitucionais, em prol da efetivação do pluralismo jurídico, em alguns países da América Latina, conhecido como Novo Constitucionalismo. Assim, alguns países como a Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e Venezuela estão promulgando Constituições com dispositivos cada vez mais plurais[26], que dão mais visibilidade aos direitos dos povos indígenas[27] e, como isso, construindo um novo modelo constitucional. (FAJARDO, 2011)
Verifica-se que as novas Constituições latino-americanas vão mais além que o standart inicial da Constituição Federal de 1988. Enquanto isto, o Brasil parece estar de costas ao avanço constitucional de seus vizinhos e às necessidades indígenas. Parece que parou no tempo e contenta-se com dispositivos que já não são suficientes para resolver os problemas indígenas da atualidade.
Nota-se, atualmente, uma falta de adequação do Estado brasileiro para relacionar-se com os índios (DANTAS, 2008, p. 02). Neste contexto, as novas Constituições da América Latina estão se transformando para se adequar[28], e essa conjuntura deveria influenciar sérias mutações da normatividade brasileira.
A princípio calha lembrar que o Estado brasileiro ao tratar políticas públicas sobre o tema indígena, nem sempre trabalha com a democracia comunitária, que é a usual para os povos indígenas. Pois, os índios organizam-se para além da democracia representativa e participativa[29], ou seja, a legitimidade para decidir não pertence apenas aos representantes legislativos, ou aos líderes ou aos que se fizeram presente em dada reunião, mas à toda a comunidade, que precisa ser consultada. (GOMES, 2010, p. 13)
Cite-se aqui a necessidade de participação efetiva dos índios nos projetos que lhes digam respeito e nos poderes e órgãos estatais que trate de suas políticas[30]. Para Paula Menenzes (2010 b, p. 230): “a cidadania deve abrir espaço para a participação em experiências políticas mais amplas, refletindo outros saberes e experiências. O direito à cultura como um espaço de auto-determinação, reemerge como um momento de afirmação democrática multicultural, que permite o alargamento da participação indígena nos assuntos políticos que afetam sobre suas vidas”.
Nestes termos, propõe-se que as relações entre os índios e o Estado poderiam ser entabuladas diretamente, sem necesidade de intermediários, quer sejam estes, as lideranças ou a FUNAI[31].
Outrossim, vale mencionar a questão da inexistência da prática de atos oficiais na língua indígena. Logo, mesmo a Constituição brasileira tendo sido a primeira a reconhecer a diversidade de línguas dos índios[32], outros países, como o Paraguai, vão mais além e reconhecem a língua indígena como uma das línguas oficiais do Estado (FAJARDO, 2011, p. 28).
Outro dos limites para a adoção plena do pluralismo jurídico no Brasil é a questão da propriedade das terras indígenas. Pelo atual regime constitucional brasileiro, os índios têm a posse permanente e o usufruto exclusivo sobre as terras que habitam tradicionalmente. Nada obstante, a propriedade destas terras pertence à União[33].
Neste ponto, parece idiossincrático, num contexto em que se reconhece a capacidade processual[34] e, portanto, a capacidade civil dos índios, que ainda se estabeleçam limites à capacidade de domínio sobre seus bens.
A questão agora vai para além do âmbito da capacidade, para adentrar no campo da plena cidadania. Ora, tem se observado uma distinção entre brasileiros que podem ser titulares e gerir as suas terras, em contraposição com aqueles que só podem possui-las e tê-las sobre a gestão da União e dos órgãos estatais. Há, portanto a premente necessidade de ultrapassar essa hierarquização da cidadania.
A própria Convenção 169 da OIT estabelece que aos índios não basta a posse, mas o direito de gerir suas terras[35]. Neste sentido, demonstra-se um choque entre um documento internacional que conta com a ratificação do Brasil, e o que está previsto constitucionalmente[36]. Sobre estas questões Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 39), sintetiza: “ Há um atraso chocante do país em relação ao que se passa no continente. O índio ainda não tem uma plena capacidade jurídica. Reconhecem-se as suas terras, mas não se reconhece o seu direito para as administrar”.
Portanto, é preciso avançar na questão da autodeterminação indígena e retirar os resquícios de incapacidade que ainda afetam esses povos. Desta forma, considerando a capacidade dos índios, não haveria mais a necessidade do Estado na tutela da administração de suas terras. Trata-se de um ajuste com viés democrático para que os índios venham a ser tratados efetivamente como cidadãos, como indivíduos. (DANTAS, 2008, p. 27).
Uma das medidas mais avançadas, quanto à questão das terras indígenas, adotadas pelo Novo constitucionalismo latino-americano refere-se à criação de municípios indígenas. Essa prática tem se verificado na Bolívia[37], onde tais municípios compreendem uma categoria territorial e política própria, com gestão autônoma (FAJARDO, 2011, p. 25).
Observa-se que nos países em que se adotam os municípios autônomos, já não se pode mais falar propriamente em Estados nacionais, mas plurinacionais, uma vez que partem do pressuposto que cada Estado não corresponde necessariamente a uma nação.
Nada obstante, repare que certos Estados latino americanos, mesmo com avanços no reconhecimento da autodeterminação indígena, até admitem a existência de um Direito próprio dos povos indígenas, mas, de certa forma, dependente da conformidade com o Ordenamento jurídico estatal[38] ou com os direitos humanos internacionais[39], a guisa de influência de parte do direito internacional[40]. Neste quadrante, põe-se em destaque a forma de alguns países lidarem com o paralelismo de ordens entre a jurisdição tradicional e a estatal, como é o caso da Constituição colombiana, que reconhece o sistema próprio de tribunais indígenas, mas fica sujeito à ordem jurídica oficial e a jurisdição estatal, em caso de recurso. (FAJARDO, 2011, p. 46)
Portanto, embora a Constituição colombiana reconheça o pluralismo jurídico, na hora de resolver o conflito entre as jurisdições, retoma-se a centralidade do sistema normativo estatal. Assim, volta a dependência, contraria à autonomia de gestão reivindicada pelos índios. Logo, ainda há algumas críticas em relação ao Novo Constitucionalismo latino americano e sua relação com o pluralismo jurídico.
Mas, ainda que o Novo Constitucionalismo esteja sujeito a críticas e ajustes, autores como Dalmo Dallari (2010, p. 282) dizem que as constituições latino-americanas estão causando uma revolução pelo mundo, porque acabam com a ideia de que a constituição é apenas uma carta política, para se transformar numa narrativa da diversidade da vida e dos povos de um país. É a ideia de uma constituição viva e participativa, criando instituições democráticas, descendo para a vida e para onde as pessoas estão. Busca-se dar conta do que é a sociedade em sua extrema diversidade e demonstrar a necessidade de um Estado que contemple, do ponto de vista institucional, âmbitos públicos heterogêneos.
Mesmo assim, essas Constituições permanecem com a força imperativa que tem a norma jurídica, pois não se tratam de diplomas simbólicos, mas de verdadeiras cartas de direitos. Isto tem sido conseguido, em parte, pela sentido que as cortes constitucionais tem dado à tais constituições (FAJARDO, 2011, p. 31).
Desta feita, o Novo Constitucionalismo latino americano pode ser considerado, até certo ponto, como um movimento libertário. Por conseguinte, poderia ser tomado como ponto de partida para reformas constitucionais no Brasil ou, pelo menos, como vetor interpretativo, para as ações públicas em prol dos direitos indígenas.
Nada obstante, questiona-se se uma simples reforma constitucional seria o suficiente para dar condições ao pluralismo jurídico. Será que a partir só deste meio se conseguiria trazer mudanças efetivas nas condições de vida dos indígenas? Assim, discute-se a consecução da emancipação dos indígenas limitando-se apenas aos passos já dados pelas reformas constitucionais levadas a cabo pelo Novo Constitucionalismo latino americano.
Na verdade, pode-se questionar se não seria necessário mudar o próprio Estado, ou seja, formar um Estado próprio para os índios, que estivesse presente e efetivamente reconhecesse seus direitos.
Ora, muitas vezes, o problema é que os índios podem não mais se identificar com aquele Estado nacional que estão inseridos e, portanto, passam a não desejar fazer parte dele. Nesses casos, uma das soluções poderia ser a criação de um novo Estado que garantisse a sua identidade e organizações, ao invés de um novo constitucionalismo.
Assim, os movimentos de criação de novos Estados nacionais que tem ocorrido em alguns países como Kosovo, Groenlândia, muito se assemelharia ao que se passa nas questões indígenas. E é neste contexto que exsurge a importância da discussão sobre o significado do termo indígena, no que deve haver uma melhor compreensão, resultando no seu alargamento.
Às vezes pensa-se em indígenas apenas com uma visão exótica, como aqueles que estão na selva. Mas, ser indígena pode ser algo mais comum, que compreende os habitantes nativos de um local, que pensam os conceitos externos e agem na realidade, de acordo com a sua cultura (MENESES, 2010 b, p. 43). O problema é o conceito original quanto aos índios, pois não se deve discriminar os originários como pessoas excepcionais, diminuindo-os.
Portanto, deve-se ter atenção com o consumo acrítico dos conceitos. É preciso ter um olhar para a noção do tradicional, não como aquelas manifestações que só acontecem nos rincões da América, África e Ásia, mas que também existe no centro do Velho Mundo. Logo, conforme citado, na Europa também há países onde suas populações nativas pugnam pela constituição de um Estado separado para reunir pessoas com similitudes históricas, culturais e étnicas e para promover sua autodeterminação.
Nesta perspectiva, a simples mudança constitucional que encarte o reconhecimento do pluralismo jurídico, pelo menos teoricamente, pode ser apenas um paliativo, ou uma medida preliminar na emancipação dos povos indígenas.
O Brasil é um país muito extenso, contudo não é unitário, ou seja, possui grupos étnicos muito distintos (RIBEIRO, 1993, p. 28). Isto não implica necessariamente na necessidade de desmembramento de todos os países que abriguem uma diversidade de povos. O problema é quando alguns destes grupos minoritários são oprimidos dentro do território e não possuem seus direitos efetivamente salvaguardados. A situação agrava-se ainda mais quando esse grupo reprimido constitui a população originária daquele território.
Pode haver aqui um receio do desmembramento do Estado nacional[41], mas indaga-se sobre a necessidade de um território tão extenso quando isso oprime pessoas que sequer tem uma língua comum. [42]
Alguns pontos podem ser levantados para se refletir sobre a criação de um Estado indígena a partir das comunidades indígenas brasileiras. Tais questões, por sua complexidade merecem, por si só, uma investigação separada e uma experimentação ao longo do tempo. Bem como, não podem se constituir, a priori, como um óbice insuperável.
Pode-se refletir sobre a composição muito diversificada, linguística e culturalmente, das comunidades indígenas brasileiras, bem como, o fato de cada comunidade ser formada por um número relativamente pequeno de pessoas que estão espalhadas por várias regiões do país (BRASIL, 2000). Contudo, o atual Estado brasileiro possui, além dessa, uma diversidade ainda maior, e isso não tem impedido a continuidade do Estado brasileiro.
Outro ponto a ser levantado seria uma eventual carência em infraestrutura e desenvolvimento econômico do novo Estado indígena, já que os índios se encontram em regiões com menor logística industrial e comercial (URQUIDI, 2011). Tal fato, poderia ser até um alívio para regiões mais ricas do país ao se diminuir a distribuição dos investimentos nacionais a nível federativo, pois não mais haveria a repartição da receita dos impostos com regiões que produzem economicamente menos. Inobstante, ressalte-se que o desenvolvimento tecnológico ocidental não é o único modelo vigente e que os índios tem avançado sistema técnico de lidar com a natureza para lhe proporcionar os bens da vida necessários. Bem como, esse dito progresso econômico ocidental não é o valor eminentemente buscado pelos povos indígenas, o que não seria uma maior perda, frente aos ganhos em autonomia e liberdade.
De outro quadrante, cite-se a possível vulnerabilidade destes novos Estados indígenas, frente a outros países , ONGs e empresas, que teriam uma oportunidade de se apoderar com facilidade da sua biodiversidade. Mas, é preciso lembrar que muitos índios já não têm a ideia de pertencimento à mesma nação que os brasileiros, pois aqueles não se reconhecem no Estado. Assim, por vezes, os índios vêem essa relação com o Brasil, como uma relação com outro Estado, que igualmente está a se apoderar do patrimônio natural e intelectual indígena. Daí, o apoderamento dos bens realizado pelo Estado brasileiro, por ONGs ou por qualquer outro Estado, pode ser algo combatido de outras formas, que não a proibição de constituição pelos índios de um Estado próprio.
Tudo isso deve ser analisado de forma equilibrada, levando-se em conta o atual contexto nacional e suas consequências futuras, a fim de se buscar soluções que conduzam à emancipação dos povos indígenas.
Assim, de um lado vislumbram-se os avanços do Novo Constitucionalismo latino americano, que trouxe novos mecanismos para efetivar o pluralismo jurídico e que pode lançar luzes nas reformas constitucionais brasileiras. De outro, enxerga-se neste mesmo modelo, algo também reacionário, ou pelo menos, incipiente, pois para além de reformas constitucionais, poderia-se, finalmente, criar um Estado indígena separado, na busca pela autodeterminação destes povos.
Logo, não há receitas prontas e infalíveis. O campo de experimentação e análise é muito diverso, devendo-se experimentar e conferir ao longo do tempo. As respostas a que se pretende, ainda estão por vir, pois a modernidade ainda não as tem prontas.
De toda sorte, é sabido que nem todas as soluções que parecem positivas no momento, assim também o serão no futuro, porque há grandes mudanças políticas acontecendo no mundo que podem alterar o contexto e exigir um novo repensar das questões do Século XXI (SANTOS, 2009, p. 392).
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, os índios brasileiros receberam um trato excludente quanto à sua diferenciação étnica. Predominava uma forte ideologia etnocêntrica, que discriminava as demais culturas a partir dos valores do grupo predominante. O objetivo seria impor os valores da cultura majoritária aos demais, de forma a incorporar os pequenos grupos e os seus costumes, à sociedade brasileira derivada da civilização europeia.
Tratava-se da herança de uma política colonialista, que associava o moderno, à cultura hegemônica e, portanto, pretendia homogeneizar toda a diferença a partir do referencial europeu. Essa visão perduraria mesmo após a independência do Brasil, num fenômeno conhecido como colonialismo interno, em que se visava unificar o país baseado no conceito criado de uma só nação para cada território e, a partir daí, o monopólio do Direito pelo Estado.
Contudo, mesmo após mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda observa-se uma inexata percepção das necessidades dos povos indígenas e incompreensão do seu direito, influenciadas pelas tradições dogmáticas em que se fundamenta o Estado brasileiro e seus operadores jurídicos. Estes sempre limitaram uma interpretação jurídica mais aberta quanto aos aspectos sociológicos e antropológicos da problemática indígena. Entretanto, tratar os indígenas de maneira genérica, sem considerar a sua diferenciação étnica, é desconsiderar as particularidades culturais, históricas e econômicas de cada povo. Esquecer o modo de vida e os valores das comunidades indígenas no momento de implementação dos seus direitos é de certo modo renegá-los, desconsiderá-los.
Na Constituição Federal de 1988, foi reconhecido aos índios às suas organizações sociais e com isso, implicitamente, reconhecido o campo hábil para o enaltecimento do pluralismo jurídico, ínsito à realidade do país. Com o pluralismo jurídico, pretende-se o reconhecimento do sistema de direitos indígenas e a valorização de instituições indígenas de solução de seus conflitos. Assim, a partir da consideração da cultura indígena, inclusive na resolução de seus conflitos, procura-se dar maiores condições de cidadania aos indígenas.
Além do Brasil, e seguindo uma tendência internacional, alguns países da América Latina também reconheceram a diversidade étnica dos índios em suas constituições, Estes países têm avançado passos mais largos no reconhecimento da autodeterminação dos povos indígenas. Cite-se, movimentos como o Novo Constitucionalismo latino-americano, que tem criado países plurinacionais, com ampla valorização da cultura, língua e instituições indígenas, na atuação do Estado.
Nada obstante, há possibilidades ainda mais audaciosas na busca pela emancipação indígena. Trata-se da criação de Estados nacionais, em que os índios possam efetivamente viver consoante sua autodeterminação. Essa possibilidade, ainda que contrastada com eventuais óbices políticos ou conjunturais, devem ser levadas em consideração, quer seja para o momento presente ou para o futuro; quer seja na totalidade de sua teoria ou pelo menos na implantação progressiva e experimentada de seus elementos.
O certo é que há uma dívida histórica com os direitos dos índios no Brasil, que ainda lança efeitos na condição de vida atual desses povos, notadamente na consecução da dignidade humana da pessoa indígena, meta esta, de inafastável compromisso constitucional. Recorda-se, então, Eduardo Galeano que comparava as utopias ao horizonte:
Utopia: ela está no horizonte, acerco-me um passo e ela se afasta dois. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos mais. Por muito que eu caminhe, nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso. Para nos fazer caminhar.
Assim, para a emancipação indígena, é necessário, dentre outros passos, a autodeterminação destes povos em relação ao seu futuro, num ambiente de efetivo pluralismo jurídico. Tudo isso, a fim de continuar a conscientização da defesa dos direitos indígenas e a sua realização de forma articulada entre os sujeitos sociais num contexto hipercomplexo do Século XXI.
Referências
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[1] Optou-se, neste estudo, pela adoção dos termos indígena ou índio, para designar os habitantes pré-cabralianos do território brasileiro, haja vista a sua adoção pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 e pelos diplomas legislativos nacionais.
[2] “Os nossos aborígenes, encontrados pelos descobridores, foram vítimas no período colonial, de um processo quase sistemático de dizimação, expulsos da orla litorânea e pouco a pouco atingidos no interior em que residiam ou se refugiavam”. (PEREIRA, 2004, p.287)
[3] Dados obtidos do último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE no ano de 2000.
[4] Terminologia empregue por Rachel Sieder (2002, p. 45).
[5] “Assim, a vontade geral como forma de expressão da democracia, na linha de Maquiavel e Rousseau, pressupõe uma homogeneização da sociedade, pensamento que é seguindo por Hobbes e Locke, com o individualismo liberal. Criticando esse pensamento, diz-se que a universalidade da cidadania exclui o diferente quando concebida como generalidade porque fazem da homogeneidade um requisito para a entrada na esfera pública.” (YOUNG, 1994, p. 56)
[6] Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 96 / 2009, p. 87) identifica, atualmente, essa linha abissal entre as realidades nas sociedades coloniais como “apropriação e violência”, em substituição ao termo regulação e emancipação, melhor aplicável para a realidade das metrópoles.
[7]David Sanches Rubio (1999, p. 206 e 307), a propósito, quando fala em “filosofia da libertação” vem criticar a capacidade de determinados Estados de racionalizarem seu modo de vida, de forma a elevar os seus particularismos a concepção de verdades universais. Neste ponto, demonstra como a Europa exportou o seu modo de vida e o seu Direito pelo resto do mundo. Quando este autor mais tarde fala em “absolutismo formalista”, vem criticar a atual organização social pautada, de forma quase absoluta, pelo Direito estatal. Trata-se de um dogmatismo exacerbado de cumprir certas determinações sem sequer questionar. Assim, por vezes os índios querem ingressar em juízo, mas defrontam-se com obstáculos, como a exigência de legitimidade, de formação de associações etc.
[8] Fernando Antônio de Carvalho Dantas (2008, p. 103), tem importante entendimento sobre este tema: A questão da identidade étnica na contemporaneidade tem fundamental importância dada à urgência na concretização dos direitos humanos, em razão dos processos institucionalizados de exclusão a que foram submetidos e dominados, povos e grupos populacionais majoritários ou minoritários, seja a partir de diferenças culturais que caracterizam a etnicidade diferenciada, como é o caso dos povos indígenas, seja por distintos e múltiplos aspectos relacionados à religião, gênero, cor da pele, classe social, preferência sexual, entre tantos outros.
[9] Paulo Bonavides (1996, p. 22-23), no que pertine a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, resume: “A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu dois critérios formais de caracterização. Pelo primeiro podem ser designados como direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, são direitos fundamentais aqueles que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança. Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem os seus direitos fundamentais específicos.
[10] Para abreviar o termo “sociedade brasileira derivada da civilização européia”, como forma de distingui-la dos índios que habitavam o Brasil à época do Descobrimento, será possível que a partir de agora se use neste trabalho o termo “civilização”, “não índios” etc., ainda que não sejam os termos mais apropriados e não definam toda a sua complexidade. (DANTAS, 2008, p. 103)
[11] A teoria integracionista ou assimilacionista foi inspirada na teoria do evolucionismo social. Essa teoria da evolução, oriunda da Biologia de Darwin, foi construída a partir de dados empíricos, qual seja, a seleção de diversos organismos e sua diferenciação tipológica. Contudo, essa teoria foi refutada pelas ciências sociais. (SANTILLI, 2011). Já a teoria do evolucionismo peca profundamente, dentre outros pontos, quando estabelece a hierarquia das diferenças, embora afirmasse a humanidade dos índios, pois, até então, estes não eram reconhecidos como humanos, sendo-lhes atribuídos comportamentos bestiais e impostos tratamentos cruéis (DANTAS, 2009, p. 20).
[12]Boaventura de Sousa Santos comenta: “A luta contra a desigualdade social vai de par com o reconhecimento da interculturalidade e da dívida histórica que o colonialismo criou nete país, um reconhecimento que designo por pós-colonialismo.” (SANTOS, 2006, p. 84)
[13]“Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no Art. 174, §§ 3º e 4º”.
[14] Luiz Edson Fachin (1999, p. 05), a respeito dos paradigmas do novo direito privado, explica: “Crises e transformações emergem, gerando mudanças nos papéis tradicionalmente cometidos aos institutos fundamentais do Direito Civil: trânsito jurídico (contrato), projeto parental (família) e titularidades (posse, apropriação)" (FACHIN, 1999, p. 05)
[15] Basta lembrar, para fins de verificação, que os conflitos familiares, via de regra, são resolvidos primeiramente em família, ou na igreja, sem que predomine a sua resolução inicial no contexto judicial. Percebe-se, assim, as múltiplas instâncias que costumam ser recorridas antes de se chegar ao Judiciário.
[16] Lei federal brasileira n. 6.001/73
[17] O primeiro artigo da nova Constituição boliviana assinala: “A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e linguístico, dentro do processo integrador do país”.
[18] A Constituição de Angola de 2010 reconhece o caráter multicultural da sociedade e admite o pluralismo jurídico. O seu art. 7, prevê: “ validade e a força jurídica do costume que não seja contrário à Constituição nem atente contra a dignidade da pessoa humana” 217 e 218
[19] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
[20] Ao admitirem-se, constitucionalmente, as organizações sociais indígenas, esse fato também desdobra-se na percepção dos índios, como sujeitos de direito e não somente como objeto de políticas púlbicas; ao fato serem povos relacionados, em grande medida, aos territórios; ao reconhecimento dos costumes, línguas, crenças e tradições (modos de ser, fazer e viver); ao reconhecimento da crença em um passado comum e projeção para o futuro, onde são compartilhados os usos costumes e tradições.
[21] Carlos Frederico Marés de Souza Filho (2006, p. 30) aduz que: “De uma forma envergonhada, isto é, não integral, muito incipiente e sujeita ao desacato judicial, o Estatuto do Índio apenas prevê a consideração dos usos, costumes e tradições das comunidades indígenas, no momento das decisões judiciais, nas relações de família, sucessões e negócios entre índios, assim como a lei prevê que o Judiciário aceite certa influência destes elementos, nos julgamento estatais de crimes intra-étnicos e na punição da comunidade, desde que não seja com pena infamante ou de morte.”
[22] Conceição Gomes (2003, p. 72), a respeito dos Tribunais comunitários, entende que a justiça estatal tem sido vista como repressora e inadequada para resolver os conflitos das partes. Já os tribunais não estatais procuram trazer a pacificação social e a reconciliação entre as partes. No sistema pluralista africano, normalmente não se busca um ganhador nem perdedor, pois qualquer conflito atinge o coletivo. Pois, se for pensar sempre em vítima e agressor, nunca se sairá da busca pela reparação.
[23] Paula Menezes (2010, p. 205), questiona se as formas de dirimir conflitos do sistema estatal são realmente emancipatórias. Pois, as populações não reconhecem a legitimidade social, não compreendem a linguagem dos tribunais. A distância social e cultural é enorme. Há consequências graves para a cidadania. Porque os tribunais não conseguem chegar onde as pessoas estão e quando chegam, nem sempre, as pessoas vão aderir aos entendimentos destes. Revela-se a vitalidade das respostas a partir de baixo a uma necessidade de justiça que o Estado não consegue responder. É nesse vazio que exsurge a importância dos tribunais tradicionais.
[24] Paula Menezes (2009, p. 48), alerta que os conflitos que tem sido levados ao Judiciário numa dada sociedade, revelam que ela está preocupada com certas disputas, mas está a se esquecer de outras. Neste contexto, o que está ausente? Onde vão parar os outros problemas? Há conflitos que marcam as relações sociais, mas que não tem sido devidamente levados ou atendidos pelo sistema judicial estatal, tais como feitiçaria, saneamento, terra etc. Tudo isso denuncia a negligência política e legal, o que só reitera a exclusão social.
[25] Nada obstante, Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 37) chama a atenção para a necessidade de que os movimentos sociais no Brasil se dêem de forma articulada entre os diversos grupos que padecem de pressões similares e comungam objetivos próximos: “Há três grandes movimentos que lutam pela posse de terra no Brasil, mas sem articulação, os sem-terra, os quilombolas e os indígenas pela demarcação de suas terras. A luta dos indígenas é por territórios enquanto expressão e condição de autonomia cultural e o seu tempo histórico é o mais longo de todos, o tempo do colonialismo”.
[26] A nova Constituição boliviana de de 2009, no art. 1, assinala :“A Bolívia se constitui em um Estado Unitário, Social, de Direito, Plurinacional, Comunitário, livre, autonômico e descentralizado, independente, soberano, democrático e intercultural. Funda-se na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e linguístico, dentro do processo integrador do país”. Constituição colombiana de 1991, art. 7: "O Estado deve reconhecer e proteger a diversidade étnica e cultural e a diversidade da nação colombiana". Constituição peruana de 1993, art. 2: Todas as pessoas têm direitos, nº 19: "Para sua identidade étnica e cultural, o Estado deve reconhecer e proteger a pluralidade étnica e cultural da nação”. Constituição boliviana de 1994, art.1:" A Bolívia [deve ser] livre, independente, soberana, multiétnica e pluricultural. Constituição equatoriana de 1998 art. 1: "O Equador como um Estado social de direito é soberano, unitário, independente, democrático, pluricultural e multiétnico". Constituição venezuelana de 1999, art. 100: "A cultura popular que é parte da identidade venezuelana desfruta de uma atenção especial, reconhecendo e respeitando a interculturalidade, ao abrigo do princípio da igualdade de culturas (...)."
[27] Paula Menezes (2010 c, p. 214) entende que um dos grandes desafios que se colocam às modernas sociedades democráticas é o da incorporação da diferença identitária e cultural nos preceitos legislativos, para que a constituição reflita e afirme, de fato, as identidades e processos normativos de todos os cidadãos.
[28] Paula Menezes (2010 c, p. 230), acredita que se devem desenvolver práticas de justiça inspiradas nas referências culturais tradicionais, porém (re)trabalhadas em função das exigências contemporâneas, tais como os direitos humanos e a Constituição de cada país.
[29] Em breves linhas, a democracia representativa é exercida através do voto de representantes do Legislativo e a democracia participativa ocorre por meio de votação por representantes comunitários ou pela comunidade. (CORREIA, 2008, p. 110)
[30] Contudo, a questão da participação não é algo tão simples que se resolva com o tão só estabelecimento de consentimento prévio para as obras de desenvolvimento em suas áreas, bem como, com posterior repartição de benefícios com a comunidade indígena. Tudo isso, bastaria se se limitasse ao paradigma metodológico do individualismo, do contratualismo, ou seja, do direito moderno ocidental. Surgem questões como, v.g., o acesso do conteúdo genético de uma tribo que não sabe se expressar na mesma língua, ou que não está ciente de todas as consequências desta decisão para seu futuro. Portanto, há ainda uma insuficiência conceitual e logística do sistema jurídico para alcançar a dimensão e a delicadeza de toda a questão indígena.
Igualmente, é controversa a definição de quem vem a ser composta essa comunidade apta à participação. Seria ela autodefinida ou seu elenco seria estabelecido administrativamente? Seria o conjunto de todas as comunidades do país ou só aquela a que será imediatamente afetada pela decisão? (MENESES, 2010 b, p. 229)
Este trabalho perfilha o entendimento de que a participação aponta para um círculo amplo: não apenas os índios habitantes, os portadores de direitos econômicos e cidadãos preocupados com a área onde habitem, mas também representantes das gerações futuras e daqueles que ainda podem a vir morar naquele local ou que as mudanças ambientais possam influenciar.
Há também que se indagar até que ponto será levado em conta o resultado da participação dos indígenas em determinada concessão. Será que esta participação estaria limitada a um simples emitir de opinião, ou exige-se a implementação de suas decisões. Ou seja, o Estado tem o dever de ponderar (avaliar) as sugestões dos índios ou está vinculado ao seu cumprimento? Poderia o Judiciário intervir para obrigar o Estado a cumprir o voto dos índios?
[31] Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 39), entende que: “...O pluralismo jurídico intercultural é fundamental para dar voz a essas lutas. E, se esta política tiver êxito a FUNAI será uma instituição obsoleta, principalmente porque é uma instituição de tutela de menores, de gente de menor capacidade jurídico política.” Aqui reside o problema de existir a FUNAI, como um órgão definido para um grupo. Deve-se pensar o Brasil com base em certos referenciais, pois há instituições, ideias, que em outras partes podem ser emancipadoras, mas que no Brasil pode não funcionar com essa mesma benemerência. Desta forma, este trabalho posiciona-se no sentido de que é preciso que a FUNAI não pode estar de costas à nova condição do índio como sujeito capaz de direitos, com direito de participação direta nas políticas que lhes digas respeito. Só assim, poderá melhor conviver num ambiente com autodeterminação indígena e pluralismo juridico, adquirindo a finalidade de ser um instrumento a mais para demarcação das terras indígenas, elaborar estratégias para combate à discriminação e políticas para diminuir a desigualdade econômica dos índios.
[32] Arts. 210 e 231, CF 88.
[33] Art. 231, CF 88
[34] Art. 232, CF 88.
[35] A Convenção 169 da OIT (artigos 13-15) reconhece que os povos indígenas têm direito à terra e ao território como um espaço de gestão coletiva.
[36] José Afonso da Silva (2010, p 418), assinala que por própria definição constitucional, as terras indígenas são direitos originários dos índios (CF, art. 231), decorrentes do indigenato. Portanto, trata-se de um direito que antecede ao Estado e às suas constituições. Logo, parece estranho que um documento jurídico formal venha retirar a propriedade das terras, daqueles a quem já pertenciam antes de se fundar um Estado naquele território.
[37] Em relação à autonomia indígena originária camponesa, o texto da nova Constituição da Bolívia, art. 11, diz que ela é “a expressão de direito ao auto-governo, como exercício da autodeterminação das nações de dos povos indígenas originários, e das comunidades camponesas, cuja população compartilha território, cultura, história, língua e organização ou instituições jurídicas, políticas, sociais e econômicas próprias”.
[38] David Sanchez Rubio (1999, p 208), entende que, nos países em que se reconhece o pluralismo jurídico, a norma indígena pode ser aplicada mesmo nos casos em que contraria a norma legal, pois são campos autônomos. Diferentemente é a situação do Brasil, em que os costumes indígenas só são aplicados quando não entra em contradição com a lei ordinária.
[39] Will Kymlicka (1996, p. 81), um dos defensores da teoria da cidadania multicultural, diz que em situações multiculturais envolvendo povos indígenas, nacionais, o fato de que suas normas sejam diversas dos direitos humanos não significa necessariamente que eles devem responder à lei nacional ou submeterem-se aos tribunais nacionais, mas sim que eles podem criar tribunais com a participação equitativa de juízes comunitários e estaduais para dialogar sobre a construção do direito.
[40] “Dichos pueblos deberán tener el derecho de conservar sus constumbres e instituciones propias, siempre que estas no sean incompatibles con los derechos fundamentales definidos por el sistema jurídico nacional ni con los derechos humanos internacionalmente reconocidos”. Artigo 8, n. 2 da Convenção 169 da OIT.
[41] Urge distinguir esse parcelamento da unidade do Estado, entre luta dos povos não autônomos por autodeterminação e entre prática de terrorismo. Ora, o direito à autodeterminação está consignado na Declaração 169 da OIT. Trata-se do reconhecimento de outras formas de ver o mundo e de organizar o espaço coletivo. Portanto, quando os índios lutam pelo seu próprio Estado, não tem como fim a ofensa ao país, na verdade, visam construir um espaço de identificação e de não discriminação.
[42] Ana Maria Gomes (2010, p. 38), em seus estudos sobre educação indígena, o Estado brasileiro, no seu ideal de promover o pluralismo existente em seu território, precisa além de reconhecer, oficializar a diversidade de línguas faladas pelos povos indígenas. Para isso, é importante o estímulo às futuras gerações indígenas para que aprendam e se expressem em sua língua nativa. Assim, se antigamente no Brasil, era proibido o ensino em outras linguas que não a oficial, hoje deve haver continuidade e fortalecimento do ensino na própria língua, através de um porcesso próprio de aprendizagem. Dessa forma, tem-se percebido que quado o índio busca acesso à educação, ele procura além do conhecimento à cultura não-índia, mas também um espaço de transmissão de sua própria cultura. Esta educação deverá levar em conta a necessidade de ser diferenciada (da cultura ocidental), específica (contemplando particularidades de cada comunidade), intercultural (com diálogo entre a cultura índia e não-índia), multilíngue (empregando a língua portuguesa e as faladas em cada comunidade) e comunitária (quanto à gestão).
Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 51), ainda, atinente à questão indígena, à educação e ao direito, traz outra perspectiva que merece ser anotada: “As comunidades estão repletas de formas sábias de resolver os problemas, portanto, deve haver uma extensão ao contrário, ou seja, trazer o conhecimento tradicional para dentro do ensino jurídico, para aprender com ele. Uma política ampla e aprofundada do acesso tem que incluir a justiça não oficial sem a oficializar”.
Procurador Federal (atualmente Coordenador do Contencioso, Cobrança e Recuperação de Crédito do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUíS DE FREITAS JúNIOR, . Por novas rotas para a emancipação indígena no cenário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36248/por-novas-rotas-para-a-emancipacao-indigena-no-cenario-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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