1. Introdução.
Há algum tempo vem sendo travada relevante discussão judicial a respeito da possibilidade de se incidir a Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC nas indenizações civis fixadas em condenações judiciais.
Conforme melhor explicitado a seguir, duas correntes principais afloraram no âmbito jurisprudencial, estando tal controvérsia instaurada também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – onde há entendimento dos órgãos fracionários acolhendo ora uma corrente ora outra –, que, de fato, precisa uniformizar a jurisprudência, competência esta que lhe foi dada pela Constituição da República de 1988.
2. DESENVOLVIMENTO.
O art. 406, do Código Civil, dispõe que:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Assim, na hipótese de os juros moratórios não serem convencionados, ou o serem sem taxa estipulada, ou quando advierem de determinação legal, serão arbitrados segundo a taxa vigente para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Neste ponto reside a controvérsia jurisprudencial, inclusive no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça. Afinal, qual taxa deve ser aplicada nas indenizações civis?
A primeira corrente considera que a taxa vigente para o cálculo dos juros moratórios mencionados no art. 406, do Código Civil, seria a Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC.
Nesse sentido, convém transcrever alguns precedentes da 1ª e 4ª Turmas do STJ que acolhem esta corrente:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. HONORÁRIOS. SÚMULA 07/STJ. JUROS MORATÓRIOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. TAXA DE JUROS. SELIC.
1. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF.
2. O questionamento acerca do critério adotado para fixação dos honorários advocatícios (aplicação do art. 21 do CPC) demanda o reexame do grau de sucumbimento de cada parte para fins de fixação e distribuição da verba, ensejando análise de matéria fática, incabível em recurso especial (Súmula 07/STJ).
3. O termo inicial da incidência dos juros moratórios, em se tratando de responsabilidade civil contratual, é a data da citação (art. 405 do CC).
4. "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional" (art. 406 do CC).
5. A taxa à qual se refere o art. 406 do CC é a SELIC, tendo em vista o disposto nos arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ. 1ª Turma. REsp 710385/RJ. Rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki. Publicado no DJ de 14/12/06).
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ARTS. 13 E 131 DO CPC E 5º DO CCB. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211-STJ. INCIDÊNCIA. ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. DESPESAS COM FUNERAL. FATO CERTO. MODICIDADE. DESNECESSIDADE DE PROVA. VALOR DO DANO MORAL MANTIDO. LIMITE DO PENSIONAMENTO DOS FILHOS. VINTE E CINCO ANOS. INDEPENDÊNCIA PRESUMIDA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. AUSÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. CÁLCULO.
I. "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo" - Súmula n. 211/STJ.
II. Entendido pelo Tribunal a quo que o preposto da recorrente teve responsabilidade na configuração do dano indenizável, tal circunstância fática não tem como ser reavaliada em sede de recurso especial, ao teor da Súmula n. 7 do STJ.
III. Desnecessidade de comprovação das despesas de funeral para a obtenção do ressarcimento do causador do sinistro, em face da certeza do fato, da modicidade da verba quando dentro dos parâmetros previstos pela Previdência Social e da imperiosidade de se dar proteção e respeito à dignidade humana. Precedentes do STJ.
IV. A pensão é devida aos filhos do de cujus até a idade de vinte e cinco anos, quando presumida pela jurisprudência a independência econômica daquela em relação ao genitor falecido.
V. "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca" - Súmula n. 326/STJ.
VI. Juros moratórios devidos em 6% (seis por cento) ao ano, a partir da citação, observando-se o limite prescrito nos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil/1916 até a entrada em vigor do novo Código, quando, então, submeter-se-á à regra contida no art. 406 deste último diploma, a qual, de acordo com precedente da Corte Especial, corresponde à Taxa Selic, ressalvando-se a não-incidência de correção monetária, pois é fator que já compõe a referida taxa.
VII. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido. (STJ. 4ª Turma. REsp 865363/RJ. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Publicado no DJ de 11/11/2010).
A Corte Especial do STJ manifestou-se no mesmo sentido nos autos do EREsp 727.842, entendendo pela aplicabilidade da taxa SELIC nesses casos, aduzindo, ainda, que, conquanto essa taxa abarque juros moratórios e correção monetária, não se vislumbraria a ocorrência de bis in idem, uma vez que sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer outros índices de correção monetária.
Em sentido diametralmente oposto, uma segunda corrente entende que a taxa vigente para o cálculo dos juros moratórios preceituados no art. 406, do Código Civil, seria de 1% (um por cento) ao mês – sem prejuízo da incidência da correção monetária –, conforme disposto no art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional, a seguir transcrito:
Art. 161, § 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
Nesse sentido, convém transcrever alguns dos precedentes da própria 1ª Turma do STJ, que acolhem tal corrente:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGADA OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. ÍNDICE. VIOLAÇÃO DO ART. 406 DO CC/2002. PRECEDENTES. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Não viola o art. 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pela parte, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a questão controvertida.
2. Aplica-se o índice de 6% ao ano (CC/1916, art. 1.062), da data do ato lesivo até a entrada em vigor do CC/2002; a partir dessa data, incide a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC/2002, art. 406).
3. A interpretação do art. 406 do CC/2002, c/c o 161, § 1º, do CTN, recomenda a aplicação de juros moratórios de 12% ao ano, a partir da vigência do CC/2002 (11.1.2003).
4. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. 1ª Turma. REsp 830189/PR. Rel. Min. Denise Arruda. Publicado no DJ de 07/12/06).
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE APOSENTADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SENTENÇA EXEQÜENDA PROFERIDA ANTES DO ADVENTO DO CC/02 QUE FIXA JUROS LEGAIS, NÃO EXPLICITANDO PERCENTUAIS. FIXAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DE JUROS DE 6% AO ANO ATÉ A VIGÊNCIA DO NOVO CC E DE 12% AO ANO A PARTIR DE ENTÃO. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. MP Nº 2.180-35/2001. JUROS DE MORA DE 6% AO ANO. INAPLICABILIDADE. AJUIZAMENTO DA AÇÃO ANTERIOR A ESSA LEGISLAÇÃO.
I - O Tribunal a quo, ao apreciar a demanda, manifestou-se sobre todas as questões pertinentes à litis contestatio, fundamentando seu proceder de acordo com os fatos apresentados e com a interpretação dos regramentos legais que entendeu aplicáveis, demonstrando as razões de seu convencimento. Como é de sabença geral, o julgador não está obrigado a discorrer sobre todos os regramentos legais ou todos os argumentos alavancados pelas partes. As proposições poderão ou não ser explicitamente dissecadas pelo magistrado, que só estará obrigado a examinar a contenda nos limites da demanda, fundamentando o seu proceder de acordo com o seu livre convencimento, baseado nos
aspectos pertinentes à hipótese sub judice e com a legislação que entender aplicável ao caso concreto.
II - Se a sentença exeqüenda foi proferida anteriormente a 11 de janeiro de 2003 (data da entrada em vigor do CC/02) e determinava juros legais ou juros de 6% ao ano, esta deve ser a taxa aplicada até o advento do Novo CC, sendo de 12% ao ano a partir de então, em obediência ao art. 406 desse diploma legal c/c 161, § 1º do CTN.
III - Se a sentença é posterior à entrada em vigor do novo CC e determinar juros legais, também se considera de 6% ao ano até 11 de janeiro de 2003 e, após, de 12% ao ano. Contudo, se determinar juros de 6% ao ano e não houver recurso, deve ser aplicado esse
percentual, eis que a modificação depende de iniciativa da parte.
IV - No presente caso, a sentença exeqüenda foi proferida em 22 de março de 2001 e determinou a aplicação de juros legais. Assim, o entendimento do Tribunal de origem de que os juros são de 6% ao ano até a entrada em vigor do CC/02 e de 12% a partir de então não configura violação à coisa julgada.
V - Nas ações propostas anteriormente à vigência da MP nº 2.180-35/2001, não se aplica o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Precedentes: AgRg no Ag nº 400.145/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 19/12/2005; REsp nº 257.828/SP, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ de 01/07/2004 e EDAGREsp nº 554.268/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 01/07/2004.
VI - Recurso especial improvido. (STJ. 1ª Turma. REsp 814157/RS. Rel. Min. Francisco Falcão. Publicado no DJ de 02/05/06).
O Enunciado 20, da Jornada de Direito Civil, corrobora tal entendimento nos seguintes termos: “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês”.
Essa segunda corrente afasta a incidência da SELIC justamente porque essa taxa contempla juros moratórios e correção monetária, donde seria necessária a fluência simultânea de juros e correção monetária, o que não se verifica na hipótese sub examine, a teor do entendimento sumulado do próprio Superior Tribunal de Justiça, conforme transcrito a seguir:
Súmula nº 54: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Súmula nº 362: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
Assim, a compatibilização com esses entendimentos sumulados é necessária porque, no que tange à responsabilidade extracontratual[1], os juros moratórios tem, como marco inicial, o evento danoso, ao passo que a correção monetária, em caso de dano moral, tem incidência a partir do arbitramento do valor da indenização.
Essa diferença quanto ao termo a quo para incidência dos juros moratórios e da correção monetária demonstra a dificuldade de se aplicar a primeira corrente, segundo a visão da segunda corrente, que ainda entende que, embora a taxa vigente para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional seja a SELIC, afastar a aplicação desta em indenizações civis não seria algo desarrazoado, na medida em que o próprio art. 406, do CC/02, assegura a prevalência às estipulações contratuais acerca dos juros moratórios e a previsões legais específicas, com o que se pode concluir que sua aplicação seria subsidiária.
Desse modo, não se vislumbra, a priori, uma forma de se compatibilizar os entendimentos sumulados do STJ acima citados com a aplicação da SELIC em casos como o presente, eis que a fluência dos juros moratórios e da correção monetária ocorre efetivamente em momentos distintos, cumprindo enfatizar que a taxa SELIC contempla juros moratórios e correção monetária, o que torna inviável sua dissociação para incidência em momentos distintos.
A segunda corrente ainda destaca ser inquestionável a incidência da SELIC quando houver a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, afastando, porém a aplicabilidade daquela taxa quando se tratar de indenizações civis fixadas em condenações judiciais, em razão dos fundamentos supramencionados.
Uma breve análise da jurisprudência do STJ tem indicado que a aplicação da taxa SELIC nesses casos tem prevalecido, conquanto a divergência ainda persista.
Atualmente, a controvérsia encontra-se afeta à Corte Especial em razão do REsp 1.081.149, com o que se aguarda que o Superior Tribunal de Justiça consolide seu entendimento a respeito dessa relevante questão.
3. CONCLUSÃO.
Dessarte, apresentadas as correntes jurisprudenciais que discutem a possibilidade de incidência da SELIC nas indenizações civis fixadas em condenações judiciais, é mister que o próprio Superior Tribunal de Justiça uniformize a jurisprudência da legislação federal o quanto antes, de modo a trazer a devida segurança jurídica, o que, de modo reflexo, trará significativa diminuição de decisões judiciais conflitantes e de recursos especiais interpostos pelas partes.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- GAGLIANO. Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol. 1. 14ª edição. Editora Saraiva.
- GONÇALVES, Carlos Gonçalves. Direito Civil Esquematizado. Vol. 1. Organizador Pedro Lenza. Editora Saraiva.
- _______________. Direito Civil Brasileiro. Vol. 4. Responsabilidade Civil. Editora Saraiva.
[1] Quanto à responsabilidade civil contratual, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a incidência dos juros dá-se a partir da citação ou do vencimento da dívida (cf., v.g., REsp 1.257.846, REsp 937528).
Procurador Federal .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Cristiano Alves. A discussão acerca da incidência da SELIC nas indenizações civis fixadas em condenações judiciais e a controvérsia instaurada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36354/a-discussao-acerca-da-incidencia-da-selic-nas-indenizacoes-civis-fixadas-em-condenacoes-judiciais-e-a-controversia-instaurada-no-ambito-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 22 nov 2024.
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