Uma questão que preocupa setores mais intelectualizados da sociedade é a formação acadêmica com vista à capacitação do exercício profissional em algumas carreiras liberais, notadamente na específica de Direito, quando se pode constatar o precário nível de erudição que distingue os profissionais mais recentes deste campo de atuação. Hoje em dia todo recém-formado em direito se considera um jurista, o que se constitui, salvo raras exceções, um grande equívoco, pois a gestação desta categoria intelectual em um profissional do direito implica numa abrangência muito extensa no domínio de um amplo espectro do conhecimento que transita num corte transversal, os mais diversos campos da especulação epistemológica, singrando pelo estudo da antropologia, sociologia, sociobiologia, ética e filosofia além de outras explorações científicas não especificamente pertinentes, como a neuropsiquiatria, mas que dão suporte a eventuais ajuizamentos singulares consoantes a natureza extraordinária do caso, de forma que, todos esses conhecimentos irão dar substância e essência legitimadora ao saber jurídico! É óbvio que não se pretende a verticalização do conhecimento em áreas de estudo que não contemplem especificamente conteúdos instrucionais pertinentes ao propósito de capacitar tecnicamente o operador da lei! Ignorar, no entanto, um conhecimento suficiente em outras áreas que possibilitariam pelo menos uma noção necessária para despertá-lo para uma visão mais rica e crítica da realidade, corroborando numa melhor capacitação para o exercício da judicatura, seria ostentar um inequívoco propósito de formar meros rábulas! Vai se distanciando no tempo a formação de verdadeiros juristas que honram o status acadêmico a que pertencem e se constituem vetores de enriquecimento do saber nesta área!
Nossas Faculdades que integram o polo de geração do conhecimento acadêmico, especificamente no campo do direito, que tem implicações e consequências em aspectos sensíveis da realidade, assim como também a medicina, pois uma vai significar a definição do destino de vidas humanas e a outra vai ser a diferença entre o que vai lhe possibilitar permanecer vivo ou morrer, se limitam a capacitar operadores da lei com configuração mais próxima dos rábulas do que dos juristas! A distorção no âmbito das disposições programáticas da grade curricular que hierarquiza o conteúdo disciplinar dos cursos acadêmicos é preocupante porque tem reflexo direto na qualidade de futuros profissionais operadores das leis! Todos os governos até hoje nada têm feito, através do MEC, em termos de esforços no sentido de corrigirem tal vício estrutural e pedagógico! O que resulta disto é que o universo jurídico como um todo fica vergonhosamente empobrecido, com reflexos por vezes calamitosos na realização da justiça em seus fundamentos teleológicos, ensejando, às vezes, inequívocas aberrações sentenciais prolatadas por juízes de restrita visão burocrática da juridicidade do fazer justiça! O custo que é pago em termos de vidas humanas inocentes sacrificadas no panteão da incompetência que muitas vezes revela a expressão da estupidez, no trato do exercício da magistratura, chega a ser chocante! Não é raro ver juízes colocarem em liberdade condicional ou concederem indultos a qualquer pretexto para inconfundíveis bestas hominídeas psicopatas, ensejando um indubitável quadro de tragédia anunciada! Depois basta explicar que agiram consoante os preceitos legais e o seu desempenho plasmado no exercício trágico da sua judicatura incompetente fica justificado e “legitimado”! http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.38378
Juristas da envergadura de um Ives Gandra da Silva Martins, Miguel Reale Júnior, filho de outro consagrado jurista já falecido Miguel Reale, Dalmo de Abreu Dallari, Damásio Evangelista de Jesus, Hélio Pereira Bicudo e para fechar com chave de ouro, um ícone nessa galeria de notáveis que foi o genial Rui Barbosa, constituem uma espécie quase em extinção, lamentavelmente! O que nos acode para não perdermos totalmente a esperança é sabermos que existem ainda alguns heróis obstinados em romper a inércia da mediocridade e a custa de muito esforço pessoal numa investida autodidata conseguem alcançar a excelência da capacidade intelectual jurídica! É bom que isto aconteça, mas não é o suficiente! O aparato pedagógico e curricular do ensino universitário no Brasil tem que ser revisto e reformulado tanto no conteúdo disciplinar quanto nos paradigmas gerais da metodologia pedagógica! Tem que evoluir da mera e exclusiva absorção mecânica de dados informativos para outra forma paradigmática que promova verdadeiramente a formação de um jurista na sua dimensão mais plena, nobre e criativa! Lembremo-nos de Ruy Barbosa para evocarmos o conceito do que se pretende com essa proposição do modelo formativo dos profissionais da carreira jurídica.
Mecanismos seletivos através de concursos em que se aumenta a capacidade de exclusão do gargalho avaliador, com vista à obtenção da credencial profissional concedida pela OAB, é uma estratégia válida, mas resolve apenas parcialmente o débito de qualificação hoje constatado no Brasil! A questão é mais estrutural no processo de formação do agente jurídico do que de seletividade! Esse débito de qualificação do referido bacharel em direito tem reflexo na qualidade de toda a cadeia operativa do aparato judiciário como tal! O resultado final, corroborado pelas incongruências e lacunas existentes em todo o nosso universo legislatório, é o barateamento ou impropriedade na consecução do que deveria ser a autêntica justiça que a sociedade tanto se frustra em esperá-la! Esta situação, reforçada por um ordenamento jurídico equivocado em muitos aspectos da abordagem criminal, contribui para a implementação de uma cultura da impunidade que consolida o império da violência urbana, já instalado na realidade de anomia em que vivemos, e que é aceita pela grande maioria como algo natural e inescapável. Um grande mistério se estabelece e se nos anuncia pela não deflagração ainda de uma reação coletiva da sociedade em se dispor a promover a justiça que o Estado se mostra incompetente ou incapaz para realizá-la! A iminência do surgimento de formações de milícias ou organizações clandestinas com fito de dar cobro ao avanço da criminalidade é uma possibilidade real! O fato de já não ter acontecido em larga escala até agora é o que constitui um mistério, pois a sociedade não se ilude mais com a possibilidade do Estado realizar justiça em favor dela! Há ao que parece uma trama transnacional urdida com o propósito de neutralizar a disposição de países em promover a justiça que o seu povo deseja ver realizada, à custa da sufocação de sua própria soberania! São Organizações de caráter globalizante que se articulam internacionalmente no afã de levar a termo uma nova ordem mundial que requer mudanças radicais nos valores que constituem os etos nacionais de todos os países ao arrepio da soberania dos mesmos! Notadamente a mais importante e eficaz em sua atuação é a Organização das Nações Unidas (ONU), que tem desdobramento em outras organizações como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Os Estados Unidos da América do Norte constituem um dos poucos, senão o único país que em fazendo parte da OEA optou e impôs-se no direito de defender a soberania de seu povo, que é a favor da Pena de Morte em setenta por cento dos seus Estados constituintes! Já o mesmo não aconteceu com o Brasil que por ocasião da assembleia nacional constituinte para a confecção da atual constituição foi negado ao povo brasileiro, via plebiscito, o direito de decidir sobre a instituição ou não da pena de morte em nossas leis! Na realidade a soberania que deveria ser nossa prerrogativa de povo e fator determinante do nosso destino nunca existiu! Vivemos para sermos humilhados, ignorados e espoliados! Temos um Congresso que não nos representa e aprova leis que nos tornam cada vez mais vulneráveis à ação dos bandidos e dos canalhas indiferentes à cidadania alheia! Tudo isso agravado pela incompetência ou desleixo de alguns juízes não muito preocupados com a segurança dos cidadãos contribuintes que pagam os seus proventos! http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.34490
Profº de Filosofia c/ Pós-Graduação em Filosofia da Ciência e da Linguagem. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, José da Silva. Crise na formação jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36483/crise-na-formacao-juridica. Acesso em: 22 nov 2024.
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