I – Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar, detalhadamente, a atuação do engenheiro civil perante as esferas civil e penal. É de suma importância que o engenheiro saiba a extensão da consequência de seus atos no âmbito legal, para que possa atuar de forma regular e condizente com o profissionalismo necessário à segurança exigida por sua profissão
II - Desenvolvimento
.1 – Responsabilidade no Direito Brasileiro.
É característica inerente ao ordenamento jurídico nacional a tutela e a proteção aos direitos individuais em face de ações ou omissões de outrem. Neste sentido, nas mais diversas esferas do Direito Brasileiro está presente o instituto da Responsabilidade: seja no Direito Penal, Administrativo, Tributário, Trabalhista e, em especial, no âmbito cível, do Direito das Obrigações.
A Responsabilidade Jurídica diz respeito aos atos que praticamos, ou que deixamos de praticar se estes fossem esperados ou necessários. Já a responsabilidade civil se dá quanto às obrigações de fazer ou não fazer, de pagar, de restituir, de entregar, etc. Deriva de contrato, normalmente, mas existem situações nas quais a responsabilidade se constitui independente de vínculo prévio entre as partes (o que será tratado mais detalhadamente à frente, quando for analisado o exposto no art. 618 do Novo Código Civil Brasileiro).
Perfeito à análise da pesquisa é a definição que Plácido e Silva dá ao instituto da Responsabilidade Jurídica, em sua obra Vocabulário Jurídico (v. IV, p. 125):
“(...) dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas.
Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a esponsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção.”
.2 – Da Responsabilidade Civil
Há responsabilidade civil quando não são cumpridas as obrigações de um dos pólos da relação jurídica, na medida em que se esperava do estabelecido em documento com a devida fé-pública (contrato, por exemplo) ou dos costumes em geral (obrigações anteriores não dependentes de instrumento jurídico formado previamente).
Neste sentido, relativo aos atos inseridos na esfera das obrigações, podem ser praticados atos ou fatos lícito ou ilícitos. A Responsabilidade por atos-fatos lícitos se dá, na maioria das vezes, nos contratos.
Celebrando um contato, ambas as partes concordam, mutuamente, em cumprir o convencionado. Dessa forma, em consonância de vontades, tornam-se responsáveis, por vontade própria, pelas obrigações acordadas. Entetanto, existem fatos lícitos não derivados de contrato (ao exemplo da responsabilidade inerente à paternidade).
Haverá responsabilidade por fatos ilícitos sempre que uma pessoa atuar de forma contrária ao Direito, seja por ação (fazer) ou omissão (deixar de fazer). O inadimplemento (não cumprimento das obrigações) do contrato situa-se nesta esfera. O ato ilícito gera responsabilidade civil e, dessa forma, sujeita-se o “contraventor” às sanções impostas por Lei.
A responsabilidade civil está expressa no Código Civil Brasileiro, principalmente em seus artigos 186, 187 e 927, a saber:
“Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
É importante, antes de passarmos à análise da Responsabilidade Civil do Engenheiro, versar mais especificamente acerca dos Contratos e da Responsabilidade Contratual.
Um contrato é um acordo entre duas ou mais partes, que concordam em prestar o previsto, expressamente, no documento. Dessa forma, a todo o exposto em um contrato se dá fé de que foi convencionado por livre e espontânea vontade, com ambas as partes sabendo perfeitamente todos os termos acordados. Esse entendimento só será revertido desde que se prove o contrário.
Assim, o inadimplento contratual implica, necessariamente, em Responsabilidade por parte do inadimplente, seja materialmente, seja moralmente. Desta ação ou omissão contrária ao previsto no Acordo, surgem os fatos ou atos lícitos ou ilícitos.
Há, ainda, a responsabilidade pós-contratual, que ocorre após a execução do contrato e sua consequente extinção. Isso decorre do vínculo estabelecido, que tem a força da garantia: o contrato já inexiste, mas permanecem vinculadas as partes (o que explica o exposto no art. 618 do CC).
.3 – Da Responsabilidade Civil do Engenheiro
O engenheiro está subordinado a todo o ordenamento jurídico nacional, assim como qualquer cidadão brasileiro. Seja na esfera privada (de sua vida), seja no exercício de sua profissão.
Dessa forma, tudo o previsto na Constituição Federal, em Leis e Decretos tutelam a atividade do engenheiro. Entretanto, diz respeito mais diretamente à atividade de engenheiro as leis 6496-77, 5194-66, 8078-90 (conhecida, também, como Código do Consumidor), e os Decretos 73-66 e 61.867-67.
Dessa forma, a Responsabilidade Civil dos engenheiros está prevista nos artigos já subscritos do Código Civil, quais sejam arts. 186, 187 e 927. Dessa forma, como prevê o caput do art. 186, a ação ou omissão do engenheiro caracterizariam a obrigação de indenizar, pois comete ato ilícito.
Importante destacar as figuras da negligência e imprudência, comuns em casos envolvendo construções civis, já que na maioria das vezes os erros se dão por falta de experiência ou atenção aos cálculos. A negligência se qualifica quando o agente omite algo voluntariamente, não prevendo riscos prováveis à segurança da obra. Por outro lado, a imprudência se dá quando o agente procede precipitadamente, sem a devida atenção.
É importante destacar que não somente os danos materiais devem ser ressarcidos pelo engenheiro. Danos morais, aqueles que ferem os direitos da personalidade (garantidos pela Constituição Federal, que os qualificam como inalienáveis e indisponíveis), também caracterizarão a obrigação de indenizar pelo responsável pela obra.
Sendo o negócio entre o engenheiro e o cliente um contrato, ambos se obrigam mutuamente a prestar serviços (o engenheiro oferecendo sua mão de obra especializada, o cliente pagando-o).
Havendo o inadimplemente por parte do engenheiro, este está obrigado a terminar a obra e, não o fazendo, pagará eventuais danos morais e materiais ao contratante.
Há, ainda, previsão expressa no Código Civil acerca da responsabilidade pós-contratual do engenheiro. Prevê o seguinte o art. 618 do referido Código:
“Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.”
Dessa forma, deixa claro o ordenamento jurídico que o engenheiro fica vinculado à obra que realizou pelo prazo de mais cinco anos após sua conclusão. Se eventual acidente ou falha na obra ocorrer e ficar provado que o erro decorreu diretamente da atuação do engenheiro, este se responsabiliza civilmente pelo ocorrido após a extinção do contrato.
Na mesma linha, as decisões judiciais e o ordenamento nacional entendem que é o engenheiro que deve responder por eventuais danos a terceiros. Isso porque entende-se que o engenheiro deve tomar as providências necessárias para garantir a segurança e o normal andamento da obra, o que garantiria a segurança de obras próximas, sem vibrações de estaqueamento, prejuízos à fundação e queda de materiais.
Por fim, é de responsabilidade do engenheiro a escolha e a a regularidade dos materiais a serem utilizados na construção civil. A especificação deve ser feita por meio de “Memorial Descritivo”. Da mesma forma como no dano pós contratual, se eventuais falhas forem ocasionadas pela indevida escolha do material (por perícia), responde pela indenização o engenheiro.
Por último, o parágrafo único do art. 927 é ainda mais ligado ao exercício da profissão e da produção da engenharia. Este afirma:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Vê-se, portanto, que não há necessidade de existir culpa se, pela natureza do trabalho, este representar risco ao direito de outras pessoas. Pela dimensão do trabalho dos engenheiros, entende-se que eventuais erros atingem diretamente esses direitos, havendo, na maioria das vezes, obrigação do engenheiro em indenizar.
Para exemplificar o exposto até então acerca da responsabilidade civil do engenheiro, traz-se a seguinte decisão, proferida pelo STJ:
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESABAMENTO DE EDIFICAÇÃO. CONSTRUÇÃO POR ETAPAS. CONCORRÊNCIA DE CULPAS ENTRE QUEM EDIFICOU MAL UMA PARTE DA OBRA E QUEM SE RESPONSABILIZOU PELA OBRA INTEIRA PERANTE A AUTORIDADE MUNICIPAL.
Quem contrata um engenheiro para levantar uma parede, ao invés de contratar um operário para empilhar tijolos, espera que esse profissional use conhecimentos técnicos e experiências para cumprir a empreitada. A lei exige que uma obra tenha responsável técnico, arquiteto ou engenheiro, na suposição de que será edificada segundo regras técnicas que garantam a segurança de pessoas e a conservação de bens.
O trabalho humano tem sempre uma finalidade, que é projetada antes de ser alcançada, ou nas magníficas palavras de Marx: “Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho, obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade” (Karl Marx, O Capital, Nova Cultural, São Paulo, 1985, Volume I, p. 149/150).
Conseqüentemente, quem quer que seja, e especialmente um engenheiro, só pode levantar uma parede se estiver convencido de que ela suportará as intempéries normais; construindo por instinto, sem estudo prévio da respectiva resistência, incorre em culpa, com a conseqüente responsabilidade pelo evento danoso – outrotanto ocorrendo com quem firmou perante a Municipalidade o compromisso resultante do Alvará de Construção da obra inteira.
Recurso especial conhecido e provido em parte.
(REsp 650.603/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/04/2007, DJ 18/06/2007, p. 255)
.4 – Responsabilidade Penal de Engenheiros
O engenheiro civil está subordinado às normas penais como qualquer outro brasileiro. Dessa forma, no exercício de sua profissão, responde por seus atos. Dessa forma, são casos mais “comuns” aqueles de desabamento, explosão, incêndio, inundação decorrentes de erros de cálculo ou irregularidades na construção.
Provado que tais erros (que resultem em morte de alguém, por exemplo), derivem da atuação direta do engenheiro responsável pela obra, este responde penalmente por sua ação ou omissão, podendo ser penalizado com restrição de liberdade (reclusão).
Exemplo disso é o exposto no processo AgRg nos EDcl no HC 163836 / MG, do STJ, no qual lê-se, em pesquisa no site do tribunal, o seguinte comentários após o acordão e a ementa:
É possível a fixação da pena-base acima do mínimo legal na hipótese em que o réu foi condenado por crime de homicídio culposo derivado de acidente em obra civil, do qual resultou a morte de dois operários, porque a pena foi fixada considerando um intenso juízo de reprovabilidade, já que engenheiros experientes, de quem se espera zelo profissional e em quem se deposita confiança, deram ensejo a acidente previsível e evitável, não se tratando de elementares do tipo, de modo que inexistente, no caso, o alegado constrangimento ilegal.
Como já exposto, todos os atos praticados no exercício de sua profissão podem ter consequências na esfera penal. Assim, são passíveis de pena de reclusão crimes de corrupção passiva e ativa – arts. 317 e 333 do CPB (em caso de licitações e obras públicas), crime de peculato – art. 312 CPB (desvio de verbas públicas ou apropriação de dinheiro em função de cargo público) e de falsidade ideológica, art. 299 CPB, nos casos de atestado falso de medição de obra.
.5 – Da Responsabilidade Administrativa e Ambiental
Sendo servidor público o engenheiro, este está submetido ao obrigatório exercício hígido da função (como qualquer funcionário público). Entretanto, engenheiros que não são funcionários públicos também podem responder administrativamente por seus atos.
Isso se deve ao fato de estarem vinculados e obrigados por restrições impostas pela Administração Pública, como o Código das Obras, Código das Águas e Esgotos, Normas Técnicas e Regulamento Profissional, Plano Diretor entre outras regras.
Essas normas administrativas relativas ao desempenho da atividade profissional de engenheiros civis os vincula, portanto todos devem cumprir com o estipulado, sob penas administrativas, que variam desde multas e advertências administrativas, até a suspensão ou eventual perda do direito de exercer a profissão, dependendo da gravidade do ato praticado em desconformidade com o requerido pela Administração Pública.
Ainda, o profissional é subordinado ao Código de Ética Profissional, estabelecido pela Resolução nª 205, de 30 de setembro de 1971, do CONFEA.
Devido a falta de ética profissional, por desvio de conduta frente à atividade a qual exerce, pode ser suspenso ou perdido o direito de exercer a profissão devido a responsabilidade ética, pelo Conselho da Classe.
Por fim, a responsabilidade por ato que prejudica o meio ambiente também é possível de ser imputado ao engenheiro civil (por mais que, na maioria das vezes, esta tarefa caiba ao engenheiro ambiental).
Dessa forma, a responsabilidade se configura devido à técnica prevista no trabalho do engenheiro, assumido pelo ART: se este for responsável pela parte da obra que diz respeito à preocupação com o meio ambiente, responde por eventuais danos, o que está expresso no art. 3ª da Lei 8078-90
III – Conclusão
Após o exposto, vê-se claramente como é necessário ao engenheiro ter conhecimento da extensão de seus atos no universo jurídico, até para que se possa exercer a profissão com a maior seriedade possível, evitando quaisquer irregularidades que atinjam os direitos do cliente ou mesmo sua integridade física.
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 7, 20. ed. São Paulo:Saraiva, 2005.
BRASIL, Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006.
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil – Teoria & Prática. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1990.
SILVA, Caio Mário Pereira da. Instituições de Direito Civil, II. N. 176, p. 288
Estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB), aprovado no segundo vestibular de 2010, cursando no momento o sétimo semestre (abril de 2013). Atua em escritório de advocacia na área de contencioso civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAIM, Caio Eduardo Cormier. Responsabilidade Jurídica do Engenheiro Civil nas Esfera Civil, Criminal, Administrativa e Ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36535/responsabilidade-juridica-do-engenheiro-civil-nas-esfera-civil-criminal-administrativa-e-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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