Autor de uma ampla e sistemática filosofia, Hegel se insere a partir de uma perspectiva bastante particular: sua filosofia reabilita as noções de movimento e combate/contrários como categorias detentoras de uma dignidade genuínas. Desde Heráclito[1], para o qual o movimento (devir) constitui a fundamentação ontológica da realidade, a noção de movimento fora vista como condição de engodo e erro[2]. Por outro lado, reabilitar o devir como conceito filosófico imprescindível à autoconsciência do real e sua essência significa, em Hegel, inserir-se no bojo de movimento da própria História.
Nesse contexto, importa frisar que Hegel é contemporâneo das revoluções européias (1770-1831) e representa um típico contraponto contundente em relação à tradição da filosofia do direito moderno, nomeadamente a Doutrina do Direito Natural. Isso porque, em uma corrente que abarca de John Locke a Imannuel Kant, o Iluminismo apregoa e prima, sobretudo, por conteúdos universais do direito, cuja fonte é a razão e o “esclarecimento” (Aufklärung) individuais dos homens. Nesse sentido, em ocasião histórica de contenda entre Absolutismo e a classe burguesa de comerciantes, o individualismo Iluminista propôs o universalismo da razão como princípio de direito natural, do qual todos os homens são portadores, sem distinções. À vista disso, Hegel e a filosofia alemã como um todo, acompanha a vitória burguesa e os ideais iluministas de maneira muito peculiar: não sendo ainda uma nação liberal, porém ainda sim um número de países em estado absolutista e com relações similares ao feudalismo, liderados pela Prússia, Hegel bebe da principal conquista da Revolução Francesa e do Iluminismo, qual seja, a liberdade subjetiva, e a transforma mais em inspiração filosófica para a composição dialética do Estado do que um pensamento direcionado à ação prática.
Ligado a essas transformações históricas fundamentais – a que poder-se-ia denominar, de fato, de “conquistas da humanidade” – bem como os perigos em “absolutizar” essa nova “menina dos olhos” – liberdade subjetiva (individual) – Hegel pôde apreender, evidentemente, as transformações de seu mundo constituindo um sistema teórico que se situa e se centra, da mesma forma que seu tempo, no problema filosófico da transformação, da história, da mudança. Se for à mudança que o mundo se pauta, necessário se faz compreender o porquê e a forma das mudanças, visualizando em sua estrutura os momentos de determinações lógicas[3].
Tendo essa exposição inicial, pretende-se com este artigo compreender o conceito de Constituição formulado por Hegel em sua Filosofia do Direito. Objetiva-se, para tanto, esgrimir algumas noções fundamentais de sua filosofia, que reputamos situarem-se na condição de pressupostos teóricos, destacando-se as noções de razão/racional, dialética, e a própria noção de direito natural com sua correspondente crítica formulada aos teóricos modernos predecessores de Hegel.
RAZÃO E REALIDADE: UMA IDENTIDADE INDISSOCIÁVEL.
A filosofia de Hegel está inserida em uma tradição idealista. No entanto, seu sistema teórico ao mesmo tempo que resgata essa tradição a dilui em um forma distinta de elaboração[4]. Como entender o idealismo hegeliano como legatário e contestador da tradição do idealismo alemão? Primeiro porque sua concepção dialética adiante trabalhada se aperfeiçoa com a identificação entre razão e realidade concreta; segundo porque Hegel não erige sua teoria à mercê do dualismo dicotômico que desde Platão consolidou-se com a filosofia transcendental de Kant. Esse aspecto se inscreve em uma das emblemáticas frases de Hegel, qual seja: “o que é racional é real e o que é real é racional” (1997, p. XXXVI ).
A filosofia de Hegel, ao imbricar realidade concreta e racionalidade dilui a dicotomia racionalista que impede o acesso da razão à essência das coisas/objetos mesmas, pulverizando, desse modo, a cisão entre sujeito e objeto.[5] Em decorrência disso, Hegel afirmará em sua Filosofia do Direito que “a missão da filosofia está em conceber o que é, porque o que é a razão” (1997, p. XXXVII ). As conseqüências da interligação entre ser e dever-ser para a filosofia do direito se tornam urgentes, não havendo mais a velha cisão entre o para além do direito ou dever-ser jurídico, no qual o direito vigente (se o sopomos “injusto”) é anti-direito (porque injusto) a partir de uma concepção jusnaturalista atávica da filosofia clássica desde Platão e Aristóteles, passando por Tomás de Aquino, até os contratualistas. O Direito “injusto”, pode haver-se como o que realmente é, e nesse sentido racional, a julgar pelo status que reside em um determinado povo.
A identificação entre real e racional, em Hegel, conduz também a uma metafísica imanentista, ou seja, a uma lógica cadenciada que interliga momentos ideais de compatibilidade/proximidade a uma nova forma de absoluto. Há uma premência ou força racional de legitimação de determinado processo e evolução histórica, cuja racionalidade implica reconhecer que, não é pelo fato de a identificação entre realidade e racionalidade gere uma relação sinonímia que qualquer status político (Estado) se legitime; pelo contrário, havendo movimento e progresso das relações humanas há, para Hegel, um horizonte estrutural referencial que indicará o grau de racionalidade presente em determinado momento histórico. Veremos que esse “horizonte estrutural” representa o “reino racional da liberdade” (HEGEL, 1998, p. 33).
A NOÇÃO DE DIALÉTICA EM HEGEL
O termo dialética carrega uma tradição que remonta aos gregos antigos. Platão e Aristóteles tomam o mesmo em um sentido muito próprio e diverso da proposta de Hegel[6]. Por seu turno, Hegel não adota a concepção dialética segundo a qual se constitui em um procedimento de clivagem entre argumentos aparentemente conflitantes e contraditórios de modo a promover uma correção epistemológica dos termos de duas teses contrapostas. A diferença trazida por Hegel à acepção restrita de dialética reside no fato de o conflito existente ente “tese” e “antítese”, ou seja, entre os opostos, é um conflito real e não gera exclusão de um termo em detrimento de outro, senão uma síntese. Real tanto em sua dimensão de efetividade quanto em sua racionalidade, dado que o real e o racional, como visto, se confundem. A síntese decorre da superação ou negatividade (Aufhebung) do conflito.
A síntese a qual o conflito é conduzido traduz-se em uma superação cujo sentido não corresponde a uma mera correção semântica, sintática ou estrutural da tese e antítese; corresponde a um processo imanente de transformação do real mediante o processo dos opostos. A síntese, em Hegel, é a negação da negação da tese. Na Enciclopédia das ciências filosóficas, Hegel observa e argumenta nestes termos:
A dialética é habitualmente considerada como uma arte exterior, que por capricho suscita confusão nos conceitos determinados, e uma simples aparência de contradições entre eles; de modo que não seriam uma nulidade essas determinações e sim essa aparência; e ao contrário seria verdadeiro o que pertence ao entendimento. Muitas vezes, a dialética também não passa de um sistema subjetivo de balanço, de um raciocínio que vai para lá e para cá, onde falta o conteúdo, e a nudez é recoberta por essa argúcia que produz tal raciocínio. Em sua determinidade peculiar, a dialética é antes a natureza própria e verdadeira das determinações-do-entendimento – das coisas e do finito em geral. A reflexão é, antes de tudo, o ultrapassar sobre a determinidade isolada, e um relacionar dessa última pelo qual é posta em relação – embora sendo mantida em seu valor isolado. A dialética, ao contrário, é esse ultrapassar imanente, em que a unilateralidade, a limitação das determinações do entendimento é exposta como ela é, isto é, como sua negação. Todo o finito é isto; suprassumir-se a si mesmo. O dialético constitui, pois, a alma motriz do progredir científico; e é o único princípio pelo qual entram no conteúdo da ciência a conexão e a necessidade imanente, assim como, no dialético em geral, reside a verdadeira elevação – não exterior – sobre o finito (HEGEL, 2005, p. 162)
Nesse contexto, o processo dialético em sua “ultra-passagem” imanente, tal como desenvolve Hegel acima, compreende: (i) um momento de afirmação abstrata ou de identidade plena (tomemos o botão de uma flor, por exemplo)[7]; (ii) de negação pelas determinantes imanentes do não-ser (a flor em-si), e por fim; (iii) a síntese de afirmação racional positiva que expressa, no caso da planta-vegetal, o processo de uma planta em sua totalidade.[8] A dialética, desse modo, é um processo ao mesmo tempo de entendimento (porque racional) e filosófico do mundo, mas é também o próprio modo pelo qual se dá o desenvolvimento da realidade. O indivíduo, ante a sua apreensão imediata (situada no espaço e no tempo), percebe o conflito; desde a perspectiva dialética, consegue entender racionalmente o quadro geral no qual está inserida a realidade conflituosa, e entende a razão que está ligada a esse ser. Nesse sentido, pode-se afirmar que a dialética é o processo de entendimento do mundo.
A REFUTAÇÃO DA DOUTRINA DO DIREITO NATURAL
Coloca-nos a necessidade de empreender alguns apontamentos a essa tema não menos caro ao pensamento de Hegel, para que tenhamos uma compreensão mais aproximada de Constituição Política em sua Filosofia do Direito, pois como argumenta Norberto Bobbio, “a respeito da tradição do direito natural, a filosofia jurídica de Hegel é, de uma só vez, dissolução e cumprimento” (1989, p. 377)
A proposição filosófica a partir da qual erige o indivíduo a-situado (exceto por uma versão-hipostasiada e imaginativa denominada “estado de natureza ou natural”[9]) como instância inalienável de uma racionalidade eterna e plena, imutável, é textualmente recusada por Hegel[10]. A dialética hegeliana inaugura, em contraposição à imutabilidade da filosofia do direito natural moderna, a história. Assim sendo, o momento da racionalidade plena, em Hegel, não é a razão individual, é o Estado. Por outro lado, o Estado, conceituando-se como “o racional em si e por si” (Cf. 1998, p. 25) não é fundado pelo ajuste autoconsciente de homens singulares “livres” e dispostos a sacrificarem a ilimitada vontade individual e constituírem assim uma Carta Política fundamental a partir da qual se institui deveres e obrigações. O Estado é síntese do processo histórico de disposição dos homens em suas inter-relações.
Partindo-se da concepção de Estado como um artifício humano, derivado do ato contratual dos homens, a Doutrina do Direito Natural Moderno promoveu, segundo Hegel, abstrações bem como impôs um ethos distinto a determinados povos cujo espírito eram incompatíveis. Nesse sentido, Hegel identifica o problema da filosofia política moderna especificamente no Estado em sua positivação mediante Cartas Políticas ou Declarações de Direito:
Ao chegar ao poder, tais abstrações produziram, por um lado, o mais prodigioso espetáculo jamais visto desde que há uma raça humana: reconstituir a priori e pelo pensamento a constituição de um grande Estado real, anulando tudo o que existe e é dado e querendo apresentar como fundamento um sistema racional imaginado; por outro lado, como tais abstrações são desprovidas de idéia, a tentativa de as impor promoveu os mais horríveis e cruéis acontecimentos (HEGEL, 1997, p. 219).
O Estado, para Hegel, não será uma instância que universalmente instaure um só conteúdo jurídico inexorável – um direito natural eterno, universal e individual aos moldes modernos e kantianos –, mas será o elemento processual (síntese) de organização da própria vida de um povo. Com efeito, o imbricamento concreto e histórico entre organização de um povo e Normatividade (Estado), ou seja, entre a estrutura da “totalidade ética”[11] (sittliche Totalität) enquanto ethos de um povo (Constituição interna) e normatividade jurídica universal (Estado)[12], necessita de uma ordem prévia, uma normalidade sobre a qual se expressa[13], não podendo ser forjada, nesse ponto, quer dizer, essa ordem prévia constituída pelo ethos mesmo de um povo não sendo forjada ad nutum (bruscamente) por um Sumo Contrato Social, jamais teria em seu meandro a força cogente que a história impulsionaria pelo seu próprio (auto) dinamismo imanente-dialético.
Outro elemento distintivo da Filosofia Política (do Direito) de Hegel é a questão da violência. Isso porque, para Hegel, o Estado é, em relação ao exterior, uma individualidade inserta em um pluriverso de Estados: é uma individualidade animada pela substância ética do seu respectivo povo. Em decorrência, a possibilidade premente da guerra-violência – abominável ao projeto moderno, nomeadamente kantiano em particular, que apostava em um projeto internacional de paz perpétua – pode representar, para Hegel, um elemento fundamental do Estado, uma das formas pelas quais se reforçam os vínculos políticos do povo e a consciência da justiça[14]. O Estado, portanto, é uma individualidade com seus próprios fins, interesses e necessidades históricas. À vista desse esforço teórico, Hegel argumenta que:
O bem-próprio substancial do Estado é o seu bem-próprio como o de um Estado particular no seu interesse e na sua situação determinados e nas circunstâncias externas igualmente peculiares, juntamente com as relações particulares resultantes dos tratados: o governo é, por conseguinte, uma sabedoria particular, não a providência universal (§324 Anot.) – assim como o fim nas relações a outros Estados e o princípio para [determinar] a justiça das guerras e tratados não é um pensamento universal (filantrópico), mas o bem-próprio efetivamente ofendido ou ameaçado na sua particularidade determinada (HEGEL, 1998, p. 141).
O universalismo da Doutrina Moderna do Direito Natural é colocado em questão por Hegel, uma vez que o condicionamento de um Estado à eticidade total do seu respectivo povo inviabiliza todo projeto universal e, portanto, iluminista de emancipação indiscriminada da humanidade, exceto pelo uso daquele fenômeno que é refutado a priori pela tendência pacifista dos postulados do jusnaturalismo, a saber, a própria violência.
O QUE É ISTO: CONSTITUIÇÃO?
O tema da Constituição aparece ao longo da produção filosófica de Hegel, que entende o desenvolvimento histórico dos povos como a passagem de um tipo de Constituição para outro, em conformidade ao seu espírito intrínseco (Volksgeinst). A Constituição é a estrutura objetiva de um organismo político, e não somente um documento escrito. Nesse sentido, mais uma vez Hegel se distancia da tendência jusnatural e seu momento histórico de positivação do direito natural (séc. XVII-XVIII). A Constituição é mais que uma lei suprema (Carta Magna) da qual se derivam outras que regulam os poderes no âmbito do Estado. É o princípio de unidade de uma sociedade, dividida em grupos e categorias, com interesses contrapostos.
A organização constitucional do Estado perfaz-se em dois momentos: 1) da articulação dos interesses privados (organização sócio-jurídica) e; 2) dos interesses públicos (organização ético-política). A rigor, a concepção do organismo político, vinculado à perspectiva constitucional da eticidade, é anuncia desde o § 157 da Filosofia do Direito de Hegel, nestes termos:
§157 – O conceito desta Idéia só será o espírito como algo de real e consciente de si se for objetivação de si mesmo, movimento que percorre a forma de seus diferentes momentos. É ele:
a) O espírito moral objetivo imediato ou natural: a família. Esta substancialidade desvanece-se na perda da sua unidade, na divisão e no ponto de vista do relativo; torna-se então:
b) Sociedade civil, associação de membros, que são indivíduos independentes, numa universalidade formal, por meio das carências, por meio da constituição jurídica como instrumento de segurança da pessoa e da propriedade e por meio de uma regulamentação exterior para satisfazer as exigências particulares e coletivas. Este Estado exterior converge e reúne-se na
c) Constituição do Estado que é o fim e a realidade em ato da substância universal e da vida pública nela consagrada (HEGEL, 1997, p. 149)[15].
Observa-se, diante dessa formulação dialética, que Hegel concebe dois momentos da Constituição: 1) Constituição jurídica, que serve para garantir a segurança das pessoas e da propriedade; 2) Constituição do Estado, cujo fim e realidade é a vida pública, a saber, o ethos próprio do povo. Com relação à organização sócio-jurídica constitucional que corresponde à Constituição jurídica ora mencionada, nos termos do parágrafo 265 da Filosofia do Direito[16], Hegel indica que esta resulta do conjunto de relações que instituem a família e a sociedade civil no que estas esferas possuem de ético.
Essas instituições formam a Constituição, isto é, a racionalidade desenvolvida e efetuada no particular e são, por isso mesmo, a base estável do Estado, assim como a confiança e a disposição de espírito dos indivíduos para com este (adesão subjetiva do particular ao universal) e são, também, os pilares da liberdade pública, considerando que nelas a liberdade particular é realizada e racional perfazendo-as a presença da união da liberdade e da necessidade em-si.
O parágrafo anteriormente citado deve ser ponderado em conexão com o §255[17], uma vez que as instituições de que trata são a família e as corporações, instituições que, segundo o mencionado parágrafo, correspondem às raízes éticas do Estado, que nutrem os indivíduos de uma cultura do universal, necessária à vida pública na esfera estatal, principalmente munindo os indivíduos daquela disposição de espírito que o Estado requer, qual seja, sua adesão incondicional (uma espécie de patriotismo). Há assim uma correspondência entre a Constituição jurídica cuja função é assegurar as necessidades particulares dos indivíduos, desenvolvendo neles a confiança no Estado a ponto de garantir a consciência de que o interesse substancial e particular dos cidadãos contenha-se e preserve-se no interesse do Estado[18] de modo a pressupor, em todo esse momento, a Constituição política em seu aperfeiçoamento.
Nessa esfera da Constituição em sua estruturação institucional ou jurídica, Hegel insere o Direito como um momento relativo no todo hierarquizado da eticidade (ou da moralidade objetiva), que tem o papel de afirmar a universalidade (integridade da multiplicidade de particulares) dos sujeitos particulares, ou seja, de fazer a mediação, para que se dê o reconhecimento recíproco nas inter-relações que se estabelecem entre as pessoas. A feição jurídica da propriedade, à vista disso, materializa-se à partida do reconhecimento social, e não de aspectos meramente formais.
O pressuposto constitucional está dado no espírito do povo (Volksgeist) – situado em um contexto histórico, portanto – que se torna o elemento indispensável para consolidação da organização da Constituição. A partir disso, Hegel supera uma série de impasses, sobretudo aquele que dizia respeito à competência de fazer a Constituição, a saber, o sujeito autor do Poder Constituinte.
Hegel apresenta uma ordem constitucional do Estado em conformidade a uma estrutura lógico-conceitual, cuja expressão resulta na auto-organização e auto-diferenciação do todo ético, não meramente formal, porém afeito a história e a cultura do povo (Volksgeist). Por isso a resposta à pergunta “quem deve fazer a Constituição?” encontra na relação dialética entre o espírito do povo e o espírito do tempo (Zeitgeist) o seu sentido. Hegel critica, textualmente[19], tanto a dimensão revolucionária da instituição de uma nova organização daqueles que desejam impor Constituições desde fora, bem como o tradicionalismo dos que defendem um Estado estamental em modos feudais, que impede o avanço para o Estado da monarquia constitucional.
A Constituição, expressão racional de um povo, desenvolve-se no tempo, portanto, não é um condicionante a priori que determina o status político de um povo, como que a imposição de uma ordem por uma pessoa ou agrupamento de pessoas. Nesse sentido, decorre a razão pela insistência que Hegel imprime na contingência (multiplicidade) Constitucional, de modo que cada povo, situado no espaço e no tempo, tem a Constituição que lhe é apropriada. Hegel valoriza a história, a saber, como mencionado acima, o espírito do povo e o espírito do tempo. Aquilo que corresponde ao espírito do povo pode não coincidir com o espírito do tempo e vice-versa. Pois em determinados períodos históricos, sobretudo em épocas de crise, em que ocorrem as grandes transformações, as acelerações e rupturas da permanência da e na história, a adequação ao espírito do tempo precede e faz avançar o espírito do povo.
Visto que o espírito só é efetivamente real enquanto é aquilo que ele sabe de si, e o Estado, como espírito de um povo, é simultaneamente a lei que penetra e perpassa todas as relações desse povo, os costumes e a consciência dos indivíduos, segue-se que a constituição de um povo determinado depende, em geral, da maneira de ser e da formação da autoconsciência do mesmo; nesta autoconsciência reside a liberdade subjetiva desse povo e, portanto, a realidade efetiva da constituição. [...] (HEGEL, 1998, p. 73).
A concepção hegeliana da Constituição consiste na maneira como uma totalidade ética – um povo[20] – se organiza. Entretanto, Hegel não se limita a isso. Trata de compreender especulativamente o presente e o real, ao passo que as demais teorias precedentes percebiam a Constituição política de um povo como sendo um ato inaugural, fruto de uma inovação que deixava de considerar a história ética anterior. O parágrafo 271 da Filosofia do Direito introduz o tema da Constituição sob seu aspecto puramente interior. A Constituição política (die politische Verfassung) tem uma função fundamental que é “a organização do Estado e o processo de sua vida orgânica em relação a si mesmo” (FD, § 271). A Constituição é, portanto, um organismo que se diferencia em muitas partes e, simultaneamente, as conserva unidas a si mesma. Eis aí a idealidade da Constituição: um organismo que mantém a unidade das partes. A diferenciação do conceito mantém nas partes o todo. Esse movimento especulativo de diferenciação e unidade das partes no todo é o sentido especulativo da própria Constituição. Esta se manifesta no Estado em seus momentos diferenciados como universal (Poder Legislativo), particular (Poder Executivo) e singular (Poder do Príncipe).
Estes momentos diferenciados, que constituem os poderes, são momentos ideais do todo, do qual se diferenciaram em suas particularidades. Como partes do todo, apenas em relação orgânica ao todo podem existir, e a vida própria de qualquer deles seria impensada e constituiria superabundância prejudicial ao todo[21]. Para Hegel, quando se fala em separação ou independência dos poderes há que se ter em conta que esta delimitação constitui apenas momentos do conceito, haja vista que se constituíssem unidades verdadeiramente independentes acarretaria rejeição e conflito, o que destruiria o todo. No parágrafo 272 da Filosofia do Direito Hegel disserta que: “Com a autonomia dos poderes, por ex., do poder executivo e do poder legislativo, como forma denominados, está posto imediatamente, como isso também se viu em grande escala, o destroçamento do Estado [...]” (1998, p. 67).
Embora não tenhamos empreendido um aprofundamento acerca dos meandros de desenvolvimento teórico da teoria Constitucional de Hegel, com a abordagem é possível concluir que o seu projeto dialético, primando por uma lógica racional ímpar, elaborou uma forma de compreensão de Estado e Constituição articulados ao modo de organização dos homens em uma dada sociedade. Mesmo reputando louvável a conquista moderna acerca da Liberdade Subjetiva (individual), Hegel articulou a dimensão Pública, tipicamente estatal, e a dimensão Privada, formada pela sociedade civil e suas relações de trocas econômicas, de modo a não conduzir a uma privatização do Público, tampouco uma burocratização totalitária, no intuito de assim, perseverar uma Vontade Geral (termo caro a J.-J. Rousseau) d’aquilo que constitui na Filosofia do Direito de Hegel o espírito de um povo ou totalidade ética. Nesse sentido, diferentemente de uma proposta liberal, a que atrela a incondicionalidade do indivíduo ao seu empreendimento de vida privado, sem condicionante estatal, Hegel parece restringir a liberdade do sujeito-pessoa aos limites da eticidade da totalidade, fazendo com que os interesses privados não preponderem sobre as decisões políticas e a Soberania mesma de um Povo, pois o interesse privado no âmbito dos anseios e querer particular jamais alcançará a racionalidade plena do convívio politizado na multiplicidade de indivíduos.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Hegel e o jusnaturalismo. In: Estudios sobre la “Filosofia del Derecho” de Hegel. Edição preparada e introduzida por Gabriel Amengual Coll. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989.
BOURGEOIS, Bernard. O pensamento político de Hegel. São Leopoldo: Unisinos, s/d.
HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
___. Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito Natural e Ciência do Estado em Compêndio. Terceira Parte (A eticidade); Terceira Seção (O Estado). Trad. Marcos Lutz Müller. Textos didáticos; n. 32. Campinas: UNICAP, 1998.
___. HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. São Paulo: Loyola, 2005, Vol. I, II e III.
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KOJÈVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Rio de Janeiro: Contraponto e UERJ, 2002.
KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o Político Entre a Especulação e a Positividade. São Paulo: Manole, 2006.
KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo, Brasiliense, 2000.
MACEDO JR., Ronaldo P. Carl Schmitt e a fundamentação do direito, 2011.
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
SCHMITT, Carl. A crise da democracia parlamentar. Trad. Ines Lohbauer. São Paulo: Editora Scritta, 1996.
___. Teoría de la Constitución, Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 1985.
[1] Heráclito de Éfeso (540?-480? a.C.), também conhecido pelo epíteto O Obscuro, é autor do famoso fragmento acerca da inexorabilidade do movimento, qual seja: “no mesmo rio entramos e não entramos; somos e nãos somos”, não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” (HERÁCLITO, 1980, p. 75)
[2] Cf., a título de exemplo; PLATÃO, 1997, notadamente no Livro VI e VII nos quais se encontram o “Mito da Caverna” e a “Analogia da Linha”, cuja concepção dialética relega o devir e o movimento como instância das “sombras” e da ausência da episteme (ciência) suficiente para compreender a realidade em sua plenitude e sublime veracidade.
[3] A compreensão da filosofia como processualidade e historicidade, Hegel argumenta nos seguintes termos: “[...] No que se refere aos indivíduos, cada um é filho do seu tempo; assim também para a filosofia que, no pensamento, pensa o seu tempo. Tão grande loucura é imaginar que uma filosofia ultrapassará o mundo contemporâneo como acreditar que um indivíduo saltará para fora do seu tempo, transporá Rhodus. Se uma teoria ultrapassar esses limites, se construir um mundo tal como entenda dever ser, este mundo existe decerto, mas apenas na opinião, que é um elemento inconsciente sempre pronto a adaptar-se a qualquer forma” (HEGEL, 1997, p. XXXVII).
[4] Herbert Marcuse argumenta que “o sistema de Hegel é a última grande expressão deste idealismo cultural (alemão), a última grande tentativa para fazer do pensamento o refúgio da razão e da liberdade. O impulso crítico original deste pensamento foi, porém, forte bastante para induzir Hegel a abandonar o tradicional afastamento entre o idealismo e a história. Ele fez da filosofia um fator histórico concreto, e trouxe a história à filosofia. A história, porém, quando plenamente compreendida, destrói o esquema idealístico” (1988, p.27).
[5] Nesse contexto de análise, Bernard Bourgeois disserta que “pensar o ser é pensar a identidade do ser e do pensamento, como movimento pelo qual a identidade se diferencia nela mesma e a aprtir dela mesma, isto é, retomando-se incessantemente fora de sua diferença – cujo elemento é a realidade -, em suma, é pensar a identidade da identidade e da não identidade, o Outro do entendimento, a razão. A filosofia, atualização do pensamento, não pode, portanto, contentar-se com ‘coisas-de-pensamento’ (Gedankendinge) e justificar tal limitação, ela pressupõe a identidade do pensamento e da Coisa, mostra em seu desenvolvimento que a Coisa é em si pensamento e se torna necessariamente para si pensamento, pensamento da Coisa e pensamento da Coisa como identidade desta e do pensamento. Em suma, a filosofia apresenta-se como o pensamento da Coisa mesma, a apreensão da Coisa em seu pensamento, sua significação imanente, sua razão própria” (BOURGEOIS, s/d., p. 95).
[6] “Dialética era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão” (KONDER, 2000, p. 7).
[7] Exemplo utilizado pelo próprio Hegel em sua Introdução à História da Filosofia, a propósito da exposição das noções “ser em-si”, “existência (Dasein)”, e “ser por-si”.
[8] Segundo Alexandre Kojève, “a identidade e a negatividade são duas categorias ontológicas primordiais e universais. Graças à identidade, todo ser permanece o mesmo ser, eternamente idêntico a si mesmo e diferente dos outros. Ou então, como diziam os gregos, todo ser representa por sua existência temporal uma idéia eterna imutável, tem uma natureza ou essência dadas uma vez por todas, ocupa um ‘lugar’ (topos) fixo e estável dentro de um mundo ordenado desde toda a eternidade (cosmo). Mas, raças à negatividade, um ser idêntico pode negar ou suprimir sua identidade consigo mesmo e tornar-se diferente do que é, e até o seu contrário. Em outras palavras, o ser negador, longe de representar ou de mostrar necessariamente (como fenômeno) sua idéia ou sua natureza idênticas dadas, pode negá-las e até tornar-se contrário a elas (isto é, pervertido). Ou ainda, o ser negador pode romper os laços rígidos das diferenças fixas que o distinguem dos outros seres idênticos (ao libertar-se desses laços); pode deixar o lugar que lhe foi atribuído no cosmo. Em resumo (como diz Hegel na primeira edição da Lógica), o ser do Ser negativo ou negador, dominado pela categoria da negatividade, consiste em “não ser o que é e em ser o que não é” (das nicht zu sein, was es ist, und das zu sein, was es nicht ist) (KOJÈVE, 2002, p. 445).
[9] A propósito da “ficção necessária” do Estado de Natureza na teoria de Hegel, em que há a remissão ao “direito dos heróis de fundar Estados” (Cf. HEGEL, 1998), Kervégan desenvolve o seguinte raciocínio acerca do decisionismo: “Nesse sentido, ele [estado de natureza] poderia servir para uma interpretação decisionista: da mesma forma que, em tal perspectiva, o estado de exceção é o fato extra-normativo que torna efetiva a ordem normativa, assim como, no mito político das origens ao qual recorre Hegel, o ato fundador é o ponto de inflexão onde a ordem se instaura pelo próprio meio que produzia o caos” (KERVÉGAN, 2006, p. 218). Uma condução que torna Schmitt, Hobbes e, sobretudo, Hegel muito próximos quanto às conclusões políticas derivadas de suas obras e teóricos antípodas a tradição jusnatural pautada na noção fundante do “contrato social”. Carl Schmitt, contudo, no bojo de sua crítica a Doutrina do Direito Natural Moderna não olvida a singularidade dos teóricos da época. Por exemplo, com relação à Rousseau este não será etiquetado por “contratualista” por Carl Schmitt, já que o alemão observa que ao título da obra “O contrato social” nada mais é do que uma “fachada liberal”, cujo conteúdo, por ordem do desenvolvimento da noção de vontade geral, é totalmente discrepante as teorias tipicamente contratualistas (Cf. SCHMITT, 1996, p. 14).
[10] “§502 - A expressão ‘Direito Natural’, que foi corrente para a filosofia do direito, encerra a ambigüidade [seguinte]: se é o direito enquanto presente no modo natural imediato, ou se ele é visado tal como se determina pela natureza da Coisa, isto é, pelo conceito. O primeiro sentido era o visado ordinariamente outrora, de modo que se imaginou, ao mesmo tempo, um estado de natureza em que devia vigorar o direito natural, é oposto a ele, o estado da sociedade e do Estado que antes exigiria – e traria consigo – uma limitação da liberdade e um sacrifício de direitos naturais. Mas, de fato, o direito e todas as suas determinações se fundam unicamente na personalidade livre, em uma autodeterminação que é antes o contrário da determinação-de-natureza. Por isso, o direito da natureza é o ser-aí da força e o fazer-valer da violência, e um estado-de-natureza é um ser-aí da força bruta e do não-direito, do qual nada melhor se pôde dizer senão é preciso sair dele. Ao contrário, a sociedade é antes o estado em que somente o direito tem sua efetividade: o que se tem de sacrificar é juntamente o arbítrio e a força-bruta do estado de natureza” (HEGEL, 1995, p. 289).
[11] Noção cunhada por Hegel em sua Filosofia do Direito, e na Enciclopédia, mais precisamente como “realidade efetiva da Idéia ética” cujo significado compreende ver o Estado como “o espírito ético enquanto vontade substancial, manifesta, clara a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza plenamente o que ele sabe e na medida em que o sabe. No costume o Estado tem a sua existência imediata [...]” (HEGEL, 1998, p. 25); “O Estado é a substância ética consciente-de-si, a união dos princípios da família e da sociedade civil” (HEGEL, 1995).
[12] “Estado é um determinado status (Zustand) de um povo, e, por certo, o status da unidade política” (SCHMITT, 1985, p. 205).
[13] “Em questões constitucionais é um erro querer distinguir entre o jurídico e o político” (SCHMITT, Carl, Compagine statale e crollo del secondo impero tedesco, apud MACEDO JR., 2011, p. 48).
[14] O tema da violência aproxima Hegel à Hobbes, bem como a Carl Schmitt, compondo um vértice convergente do que a filosofia político denominou de Decionismo político-jurídico, ou seja, a ordem de um estado de coisas não reside em uma norma jurídica estipulada por seres “racionais”, livres e conscientes que se reúnem para definir o justo e o direito, pelo contrário, reside em uma decisão soberana sobre a própria Ordem de coisas. Além do mais, a propósito da “ficção necessária” do Estado de Natureza na teoria de Hegel, em que há a remissão ao “direito dos heróis de fundar Estados” (Cf. HEGEL, 1998), Kervégan desenvolve o seguinte raciocínio acerca do decisionismo e da possibilidade do uso da violência: “Nesse sentido, ele [estado de natureza] poderia servir para uma interpretação decisionista: da mesma forma que, em tal perspectiva, o estado de exceção é o fato extra-normativo que torna efetiva a ordem normativa, assim como, no mito político das origens ao qual recorre Hegel, o ato fundador é o ponto de inflexão onde a ordem se instaura pelo próprio meio que produzia o caos” (KERVÉGAN, 2006, p. 218).
[15]. No que tange a Enciclopédia das ciências filosóficas, Hegel assim expõe: “§517 – A substância ética é: a) Enquanto espírito imediato ou natural – a família; b) A totalidade relativa das realações dos indivíduos uns com os outros, enquanto pessoas autônomas em uma universalidade formal – a sociedade civil; c) A substância consciente-de-si, enquanto espírito desenvolvido em uma efetividade orgânica – a Constituição do Estado (1995, p. 297).
[16] “§265 – Essas instituições constituem a constituição, insto é, a racionalidade desenvolvida e efetivamente realizada no âmbito do particular, e elas são, por isso, a base sólida do Estado, bem como da confiança do indivíduo no Estado e da sua disposição de ânimo a favor dele, e os pilares da liberdade pública, já que nelas a liberdade particular está realizada e é racional, com o que nelas mesmas existe em si a união da liberdade e da necessidade (HEGEL, 1998, p. 41).
[17] “§255 – Ao lado da família, a corporação constitui a segunda raiz ética do Estado, a que está fundada na sociedade civil. A primeira contém os momentos da particularidade subjetiva e da universalidade objetiva numa unidade substancial; a segunda, porém, reúne de maneira interior estes momentos, que, inicialmente, na sociedade civil, se cindiram entre a particularidade, refletida adentro de si da carência e da fruição, e a universalidade jurídica abstrata, de sorte que nessa reunião o bem-próprio particular existe como direito e é efetivado como tal. [...]. (HEGEL, 1998, p. 68)
[18] §268 – A disposição de ânimo política, o patriotismo em geral, com certeza que está na verdade (a mera certeza subjetiva não provém da verdade e é tão só opinião) e como querer que se tornou hábito, é somente o resultado das instituições que subsistem no Estado, enquanto nele a racionalidade está efetivamente, presente, assim como ela adquire a sua atuação por meio do agir conforme a essas instituições. – Esta disposição de ânimo é, em geral, a confiança (que pode mais ou menos transmudar-se num discernimento cultivado), a consciência de que o meu interesse substancial e particular está conservado e contido no interesse e no fim de um outro (aqui, do Estado) enquanto este [está] em relação comigo como singular, com o que, precisamente, este não é de maneira imediata nenhum outro para mim e eu, nessa consciência, sou livre. [...]. (HEGEL, 1998, pp. 42-3).
[19] §274 – [...] “A preponderância da historicidade sobre a racionalidade” – Querer dar apriori a um povo uma constituição, ainda que mais ou menos racional quanto ao seu conteúdo, - esta singular idéia passa por alto precisamente o momento graças ao qual ela é mais do que um ente de razão. Cada povo tem, por isso, a constituição que lhe é adequada e que lhe convém. Adendo. O Estado na sua constituição tem de penetrar e perpassar todas as relações. Napoleão, por ex., quis dar apriori aos espanhóis uma constituição, o que, porém, passou-se muito mal. Pois uma constituição não é algo meramente feito: ela é o trabalho de séculos, a Idéia e a consciência do racional, tanto quanto essa consciência está desenvolvida num povo. Daí que nenhuma constituição é meramente criada por sujeitos. O que Napoleão deu aos espanhóis era mais racional do que aquilo que tinham antes e, no entanto, repeliram-no como algo que lhes era estranho, já que não tinham ainda se elevado a esse grau de formação. O povo tem de ter por sua constituição o sentimento do seu direito e da sua condição, pois do contrário ela pode muito bem existir exteriormente, mas não tem significação nenhuma e valor nenhum. Com certeza pode-se freqüentemente encontrar em indivíduos singulares a carência de uma constituição melhor e a aspiração por ela, mas que a massa toda de um povo esteja penetrada por uma tal representação é algo inteiramente diferente e que só se segue mais tarde. O princípio da moralidade, da interioridade de Sócrates, teve necessariamente a sua origem nos seus dias, mas para que ele se tornasse consciência universal era preciso que transcorresse muito tempo (HEGEL, 1998, pp. 48-9).
[20] “A absoluta totalidade ética no é outra coisa senão um povo” (BOBBIO, 1989).
[21] “§272 [...] É preciso, assim, que os poderes do Estado sejam, de fato, diferentes, mas cada um tem de formar em si mesmo um todo e conter os outros momentos dentro de si” (HEGEL, 1998, p. 67).
Advogado e Professor Universitário das disciplinas de Filosofia do Direito, Direito Constitucional, e Direito Internacional (Público e Privado). Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATISTELLA, Marco Antonio. A noção de Constituição política em G.W.F. Hegel Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36809/a-nocao-de-constituicao-politica-em-g-w-f-hegel. Acesso em: 22 nov 2024.
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