Constituição Federal de 1988:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (grifo nosso).
Com previsão expressa em nossa lei maior, um dos princípios processuais penais (e na minha opinião o mais importante de todos), encara, mais do que nunca nos dias de hoje, sua maior afronta. A luta declarada e desproporcional com os meios de comunicação em massa. Ressalta-se que tal “combate” é declarado de forma unilateral, onde, somente uma das partes é quem acusa, julga e sentencia. E na grande e esmagadora maioria, vemos uma sentença penal condenatória com o suspeito, apenas, configurando na condição de suspeito, sendo a ele imputado (de forma precipitada e como todos sabemos, vemos e ouvimos de forma sensacionalista em busca de audiência) todo o feito.
A Presunção de inocência, que remonta aos escritos de Trajano – no Direito Romano – que foi muito atacada durante a Idade Média com a inquisição, volta a ter o seu propósito “criador”, mais uma vez, e igualmente de forma famigerada, dilacerado pelos recentes (não tão recentes assim) passos evolutivos da sociedade.
Tudo o que se conquistou com a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, está sendo visto como uma coisa obsoleta e ineficaz pela “Era do direito coletivo”, ou seja, aquilo que foi conquistado com muita luta, sangue, dor e suor, para que cada um de nós tivéssemos um pouco de dignidade pessoal, hoje não tem valor, pois a sociedade – e por isso usei o termo “Era do direito coletivo” – acha-se no direito de ter, e agora cito de forma individual, o seu próprio direito de e à justiça. Vou mais além e posso até sofrer críticas pelo que vou aqui expor, mas jogamos no lixo um DIREITO CONQUISTADO DE FORMA UNÍSSONA em troca de interesses momentâneos individuais.
Para que não fique de forma contraditória o que acabo de escrever acima, imaginemos uma sociedade – aqui uso o termo “sociedade” no sentido de “um todo” que estava insatisfeita com as medidas estatais - “L'État c'est moi” - da época - (antes de 1789) lutando contra a arbitrariedade de poderes absolutistas, onde, cada um desse “todo” luta para alcançar o mínimo de condição humana de se viver como tal. Conquista isso e ao longo dos anos que se sucedem não consegue administrar e aplicar o glorioso e épico feito da forma como ele nasceu porque já o conquistou. A sociedade, aqui referida, conquistou o poder.
Fazendo uma rápida passagem por Maquiavel, o poder (a qualquer custo) foi conquistado, mas teria de ser administrado. De que forma?
Sabemos que todo poder que não tem controle, vira totalitarismo. E o que aconteceu? Nos tornamos, primeiramente, totalitários de nós mesmos e, posteriormente, sofremos regimes totalitários, onde aquilo que conquistamos – falo como parte de uma sociedade pós-conquista – voltou ao “status quo”, porém, com uma nova roupagem.
Pois bem, o princípio da Presunção de Inocência deu lugar ao “titular” princípio da Culpabilidade. Hoje quando vemos algum tablóide televisivo, impresso, virtual, ou seja lá qual for, de um determinado assunto quando envolve a inocência ou culpa (esta no sentido de culpabilidade) já temos a nossa opinião formada. Digo isso não porque analisamos, pesquisamos ou tentamos entender o que está acontecendo com aquilo que ali está, mas pela forma que nos foi exposto e, pior ainda, como verdade absoluta inculcada de forma implícita induzindo os nossos impulsos motivados pelos nossos anseios.
Quando a nossa Carta Magna estabelece que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, este alguém já o é apenas por ter aparecido em qualquer canal de comunicação figurando, somente, como suspeito.
Infelizmente em nosso país, a grande maioria da população não tem o discernimento necessário de analisar, de forma imparcial, sua própria situação/condição pessoal, quanto mais a de um terceiro. Digo isso porque em muitos casos, essas mesmas pessoas que não tem o tal discernimento, são as pessoas que vão julgar – em um tribunal do júri que, infelizmente, está sendo a bola da vez da mídia como se fosse uma apresentação de gala do “circo da vida real” – a vida de alguém.
Sim, a vida. Não é só a liberdade que está sendo ceifada. É um sonho, uma família, um projeto e em muitos casos, a própria vida (no sentido literal da palavra).
Como ser imparcial para decidir o futuro de alguém com o poder que lhe é dado, indo para tal julgamento com um milhão de informações, pré-definidas subjetivamente, de forma obtida sabe-se lá de onde (e nenhuma de forma oficial, pois as provas em plenário é que devem formar a convicção do jurado para proferir o voto)?
Vale a pena citar, também, que além da figura do suspeito já estar dentro da figura do condenado, este já sofre a pena que impuseram-lhe por suposição. Volta, aqui, o princípio da culpabilidade, onde, a pena moral imputada, muitas vezes, é mais severa do que a punitiva estatal.
BECCARIA em seu livro Dos delitos e das Penas, pág. 35, já expunha que:
um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida.
Não se pode atentar contra o suspeito de forma precoce e, muito menos, estigmatizando sua culpabilidade nos fatos, pois assim, também, outro princípio fundamental constitucional seria (é) afrontado: o do Contraditório e da Ampla Defesa.
Impossível fazê-lo com a “sentença já proferida” meses (e porque não anos) antes.
Nos dias atuais, a sociedade retira a proteção pública do “suspeito” bem antes dela se tornar uma proteção. E a retira pelos meios de comunicação que, de forma irresponsável, manipulam a grande massa de acordo com a direção do vento que lhes favorecem. Bem sabemos que estamos carentes de uma política social longe da que almejamos e que não estamos vivendo em um mar de rosas, mas não podemos buscar os nossos anseios, pessoais, por justiça sendo injusto com o próximo.
Não podemos aceitar que a culpabilidade antecipada prevaleça sobre a inocência presumida.
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