Trata-se de ensaio, pioneiro na área da Teoria do Estado e, coligadamente da Teoria da Constituição modernos, em que o sábio germânico Jellinek traça a primeira notícia de sua ideia de Estado e de Constituição políticos da geração histórica pós Renascentismo, objeto de brilhante tradução do constitucionalista ibérico Adolfo Posada, no qual teremos um debate acirrado acerca da investigação da natureza jurídica e das origens das constituições e declaração de direitos humanos hodiernos.
Adolfo Posada, renomado constitucionalista, que representa um dos expoentes do direito constitucional europeu, traduziu além de Jellinek, von Jhering, doutrinadores teutônicos que já vinha revolucionando o entendimento moderno do direito, como ciência em geral, e que retiraram o monopólio até então vigente do sistema francês com seus famosos, porém arraigados no tempo, teóricos do sistema napoleônico.
No Brasil, Tobias Barreto, antes mesmo que Posada, já havia traduzido as ideias de Von Jhering, para implantar o germanismo em terras latino-americanas, que revolucionou o sistema jurídico brasileiro, criando o fenômeno cultural que ficou conhecido como Escola de Recife, de onde saíram Graça Aranha, Clóvis Bevilaqua, Silvio Romero, Fausto Cardoso, e, logo depois, ainda que algumas décadas depois, Pontes de Miranda, que difundiram rapidamente as ideias novas do direito alemão ao sistema de direito público brasileiro.
Volvendo para o caso do ensaio sob análise, temos resumidamente que, ao contestar a teoria francesa de Jean-Jacques Rousseau, de que a Constituição política do Estado, consignada posteriormente na Declaração dos Direitos do Homem, símbolo da Revolução burguesa na França, era simplesmente a formalização em Lei da vontade geral do povo. Tal teoria ficou conhecida como baseada no contrato social.
Para dar formatação a sua teoria, Rousseau estabeleceu basicamente duas premissas: a) que todo o poder decorria da vontade do povo; b) que o povo através de seus representantes consignaram essa vontade social na constituição política do Estado.
O imperialismo burguês imposto por Napoleão, conquistando a quase totalidade da Europa, decretando o bloqueio continental, que para Portugal acarretou a fuga desesperada da família real para o Brasil, provou que o contrato social, como teoria, no mínimo não seria jamais capaz de explicar as forças jurígenas das constituições de uma nação, haja vista que, com certeza não foi o mentor das aventuras bem sucedidas inicialmente de conquista o mundo, centralizada no general Napoleão (tranquilamente identificável como antecessor de Hitler).
Jellinek não foi contemporâneo de Hitler, porém, se fosse, e conseguisse expressar livremente suas opiniões, afirmaria a falência da teoria do contrato social de Rousseau, haja vista que seria prova clara de que Hitler após conquistar o poder por meios democráticos, quando escolhido Chanceler por mecanismos legais, com a morte do presidente da Alemanha, tomou o poder de forma ilegal e ilegítima, tornando-se ditador odiado pela história, que levou a potência da Alemanha ao total esfacelamento de 1945.
Pois bem. A origem do ensaio de Jellinek está em perquirir quais influências maiores levaram à Declaração de Direito de 1789. Para os galicistas, com certeza era a vontade do povo, e a consignação legislativa das teorias iluministas.
Ousando discordar, Jellinek com abordagem multidisciplinar, encontrou no estudo comparado do direito constitucional, mormente nos sistema inglês e norte-americanos, a verdadeira força propulsora da Declaração de Direitos de 1789.
Outros precursores como Janet, já haviam apontado semelhanças entre a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América e a Declaração de Direitos francesa, porém nenhum tinha posta a questão de forma avassaladora como Jellinek, que inclusive pesquisou influências britânicas no sistema constitucional moderno que nos remetiam ao século XVII, com o Agreement, da Revolução Inglesa de 1639, marco para Jellinek da primeira constituição escrita moderna, que seria a base para todas as demais manifestações nesse sentido.
A liberdade religiosa, altamente agitada pela Reforma, e posteriormente objeto de acirrada carnificina a comando da Contra-Reforma, seriam um dos pilares das Declarações de Direito modernas. Assim caía por terra a teoria de constituição e a teoria geral do Estado, baseado na tese de tudo seria fruto colhido do contrato social.
Já salientamos nossa opinião pessoal a respeito, que endossa o posicionamento Jellinek, porquanto muitas das vezes as Declarações de Direito contradizem expressamente a teoria do contrato social. Na verdade, bela ficção jurídica, cuja simplicidade não consegue explicar por completo o fenômeno social dos Estados modernos e suas revoluções.
Jellinek em seu ensaio traça como pergunta fundamental de sua teoria: quais as causas que influenciam o direito positivo e a constituição do Estado. Ora, se a teoria da vontade popular, cristalizada na ideia de um contrato social, explicasse em sua completude os fenômenos das revoluções burguesas e mesmo das demais nações de monarquia constitucional, não seria plausível ler-se claramente dispositivos legais que nada tinham que ver com a vontade real do povo.
O primeiro e claro problema residia no fato o povo não poder redigir ou mesmo votar de forma organizada as normas legais, pois que tal trabalho legislativo era delegado a seus “representantes”.
Afora a crítica da teoria geral do Estado, se as ideias de Rousseau este título possa ser atribuído, Jellinek desfere acerbo golpe de direita no conceito de contrato social, pelo qual os indivíduos havendo cedido contratualmente todo o poder ao Estado, apenas por delegação deste poderiam os cidadãos terem qualquer direito individual.
Ou seja, o indivíduo tem sua casa apenas por que o Estado lhe permitiu. Outras diatribes fazem desmoronar o sistema baseado na teoria do contrato social. Isso gerou a reação de Emilio Boutmy.
Ainda no final de seu ensaio, rebate as críticas opostas por Emilio Boutmy, para mais uma vez comprovar que sua tese tem apenas caráter científico e não para tentar atribuir uma primazia germânica plainando sobre a precedência francesa, com a Declaração de direito de 1789.
Diante do acima exposto e com auxílio da doutrina de George Jellinek, concluímos que:
a) o direito inglês, pela situação geográfica insular, preservou tradições constitucionais germânicas de que a vontade do rei sempre deveria se submeter ao parlamento;
b) o movimento de liberdade religiosa foi a força propulsora do registro em lei dos direitos individuais e de liberdade de pensamento e crença;
c) houve antecedentes anglo-americanos com a Declaração da Virgínia de 1776, dentre outros documentos legiferantes norte-americanos; e,
d) há sim várias influências dessa forma de organização constitucional do novo modelo de Estado, que foram adotadas posteriormente pela declaração de direitos da França de 1789.
Bibliografia:
Die Erklärung der Menschen und Bürgerrechte; La Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano, trad. al español de Adolfo Posada, Madrid, España, Librería General de Vitoriano Suárez, 1908
System der subjektiven öffentlichen Rechte; trad. al italiano Sistema dei Diritti Pubblici Subbietivi, trad. de Gaetano Vitagliano, pról. de Vittorio Emanuele Orlando, Milán, Italia, Societa Editrice Libraria, 1912
Über Staatsfragmente; Fragmentos de Estado, trad. al español de Michael Forster, Miguel Herrero Miñon et al., Madrid, Editorial Civitas, 1978
Allgemeine Staatslehre ; Teoría general del Estado, trad. al español de Fernando de los Ríos Urruti, Madrid, Librería general de Victoriano Suárez, 1914, reproducido en Buenos Aires, Editorial Albatros, 1943
Verfassungsänderung und Verfassungswandlung: Eine staatsrechtlich-politische Abhandlung; Reforma y mutación de la Constitución, trad. al español de Christian Föster, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1991
La Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano, editado por el Instituto de Investigaciones Jurídicas de la UNAM, 2000
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Comentários acerca da Teoria de Estado e Constituição de George Jellinek Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36972/comentarios-acerca-da-teoria-de-estado-e-constituicao-de-george-jellinek. Acesso em: 22 nov 2024.
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